História Estrelas - I

"Se as coisas são inatingíveis... ora!

No começo, Yixing não queria acreditar. Ele ignorava a mão estendida de Minseok e se mantinha com os braços cruzados.  

Conforme o médico explicava o resultado dos exames, Yixing foi perdendo a postura desafiadora e agarrou a mão de Minseok com toda a pouca força que podia usar.  

— A boa notícia é que nenhum órgão foi comprometido por causa da desnutrição e da desidratação, o que significa que o tratamento será muito mais fácil do que poderia ser caso os rins ou o fígado tivessem ficado comprometidos.  

Yixing assentiu e o coração de Minseok apertou ainda mais ao ver os olhos do outro encherem de lágrimas.  

— Eu recomendaria que você buscasse uma internação, mas não posso obrigá-lo - o médico continuou. - No entanto, sua saúde está já bastante comprometida e é vital que você se recupere o quanto antes.  

Já que o autocontrole de Yixing parecia estar vacilante, Minseok estendeu a mão livre para o médico e sorriu.  

— Vamos pensar no assunto, Dr. Shin. Muito obrigado por tudo.  

Os três se levantaram e trocaram reverências sorrindo. Yixing sorria, mas Minseok conhecia o namorado bem demais para se enganar com o ato; ele praticamente o arrastou para o carro, sabendo que Yixing detestava chorar perto de outras pessoas. 

E foi exatamente o que aconteceu: lágrimas abundantes, soluços que faziam o corpo extremamente magro balançar. Ele escondia o rosto e Minseok fazia carinho em suas costas.  

— O que eu fiz, Minseok? - ele falava no meio dos engasgos – Eu vou morrer e a culpa vai ser minha.  

— Você não vai morrer – o outro lhe assegurava. - Você vai enfrentar mais essa e eu estarei ao seu lado o tempo todo.  

— Mas eu detesto comer! Não vou conseguir comer, não consigo. Eu vou morrer... 

Foi então que Minseok decidiu: ele, a partir daquele dia, não deixaria Yixing sem comer. Ele faria todos os pratos do mundo, ficaria dias cozinhando um prato que ele comeria só uma colherada. Não importava, ele não deixaria Yixing morrer. Seu namorado voltaria a seu saudável e feliz. Ele sabia que sim.  

Kim Minseok poderia traçar uma linha perfeita desde o momento que olhou para Yixing pela primeira vez, até o presente dos dois.  

Minseok, recém formado da faculdade de gastronomia e com seu primeiro apartamento próprio, chamou seus amigos para um jantar de comemoração - que ele mesmo faria, é claro. Um de seus amigos, que ainda estava para se formar, trouxe um colega intercambista que queria conhecer pessoas novas. O colega tinha sotaque chinês e ria das piadas alto e fora da hora, já que demorava para entender. Minseok se lembra de achá-lo irritante por causa disso, mas logo se costumou e, até o fim da noite, começou a achar as covinhas dele muito bonitas. O nome Zhang Yixing, desde então, se tornara agradável como uma xícara de café quente.  

A linha que Minseok, por mais que queria, não conseguia traçar, era a do adoecimento de Yixing. O coreano tentava e tentava se lembrar quando foi que tudo começou e o que ele poderia ter feito para ajudar, mas tudo parecia um tornado de fatos.  

Ele se lembrava de estranhar a fraqueza de Yixing, mas não sabe quando ele parou de comer. O namorado, mesmo após começar a perder peso, comia as comidas que ele fazia. Minseok suspeita que ele estava vomitando, mas não tem certeza.  

Ele se lembra de, em algum momento, reparar que as bochechas de Yixing estavam encovadas e que ele vestia blusas de frio mesmo quando estava quente.  

Em algum momento, os ossos do namorado, que sempre foram bastante aparentes, se tornaram pontudos contra a pele fina como papel. Em torno da mesma época, ele começou a dormir mais e reclamar sempre de cansaço.  

Minseok não tinha certeza, mas chutava que fora em torno de três anos atrás, pouco depois de completarem um ano de namoro. Yixing havia acabado a faculdade e não conseguia arranjar emprego. Ele vivia reclamando que detestava viver as custas do namorado e que iria pagar para ele todas as dívidas com o outro, mesmo que Minseok sempre o assegurasse que não era necessário. Teria sido o estresse por causa disso? Impossível dizer.  

Ele queria ter feito alguma coisa. Talvez insistido mais para que ele não pulasse refeições, ter feito vista grossa sobre o que ele comia e os exercícios que fazia.  

No entanto, ele não o fez. O que teria sido diferente? O que seriam dos dois se nada disso tivesse acontecido?  

Enquanto se reprimia com esse tipo de pensamento, Minseok observava Yixing encarar um pedaço de queijo branco que estava em seu prato.  

— Minseok... - ele começou a falar com a voz mole.  

— Nem um pouquinho, Xing? 

Ele olhou para Minseok dobrando o nariz. 

— Desculpa, meu amor. Ainda não.  

Minseok assentiu e apertou-lhe a coxa.  

— Se eu fizer um suco para você? Nem vai ter fruta direito e prometo não colocar açúcar. Podemos tentar isso?  

Ele demorou para responder e parecia ao ponto de chorar pela segunda vez no dia, mas aceitou e apoiou o rosto nas mãos.  

O próprio Minseok teve que se segurar para não chorar junto e se levantou, indo fazer o suco.  

Yixing nunca chorava. Ele era o melhor entre os dois em expressar os sentimentos, mas costumava ser o dono de todos os sorrisos do mundo. Isso era algo que Minseok admirava muito nele, já que ele mesmo costuma ser o pessimista que não acredita em nada.  

Dessa vez, ele teria que acreditar, porque Yixing não podia lidar com suas negatividades.  

O mundo parecia ruir sobre os ombros de Minseok, o que só o deixava mais motivado a se manter sorridente e positivo. Se para ele a situação estava sendo difícil, ele nem poderia imaginar como Yixing se sentia.  

— Aqui está, meu amor.  

Ele pousou o copo cheio até a metade com suco de melancia e entrelaçou os dedos com os finos do namorado que descansavam sobre a mesa.  

Yixing apoiava a testa com a mão livre e olhava para o copo como se fosse um desafio que ele não estava disposto a participar. Ele tremia e os lábios se comprimiam enquanto ele se mantinha estático.  

— Vamos lá, Yixing. Só um gole.  

Minseok falou da maneira mais doce que podia. Yixing assentiu e ficou encarando o copo. Ele ficou nessa posição por tanto tempo que os dois perderam a noção das horas. Por fim, ele apenas fechou os olhos e suspirou.  

— Estou muito cansado. Podemos ir dormir?  

— É claro - Minseok se levantou e depositou um beijo na testa de Yixing.  

Enquanto Yixing se levantava, Minseok guardou o copo e a jarra na geladeira, caso o dia seguinte tivesse mais sucesso.  

Eles moravam no pequeno apartamento que Minseok comprara anos antes. O que Yixing fizera por aquele lugar fora decorar: os livros que Minseok guardava em um armário agora ficavam em uma estante no topo de todas as paredes do apartamento, ele tinha várias plantas – que deixava Minseok louco, já que sujavam tudo -, as paredes que costumavam ser todas brancas, ganharam quadros que trazem cores para aquele ambiente estéril.  

E, principalmente, ele trouxe amor e alegria e companhia para alguém que já havia desistido de todas essas coisas. Se Kim Minseok era feliz, o culpado disso era Zhang Yixing.  

Em poucos passos, os dois chegaram no quarto. O ambiente não continha mais do que um armário, uma escrivaninha e uma cama de casal, mas era acolhedor e mais do que o suficiente para ambos os moradores.  

Deitados, um ao lado do outro se encaravam. Sempre que olhava para o rosto de Yixing, Minseok percebia ter um detalhe novo para a linda obra de arte que era o namorado; uma cicatriz que ele nunca vira, uma ruga nova que não estava lá até aquele momento. Esses pequenos detalhes aqueciam seu coração como nada era capaz de fazer. Daquela vez, o que ele reparara eram as olheiras e os olhos opacos. 

— Eu te amo muito, sabia? - ele sussurrou, levando o indicador a bochecha do outro.  

— E eu te amo mais – Yixing respondeu, dando um sorriso pequeno. - Você vai me amar para sempre, não vai? Não vai me abandonar e vai me apoiar em tudo que eu fizer, não é? 

— É claro que vou te amar para sempre. Não importa o que você decida fazer, em qualquer momento de sua vida, eu estarei ali ao seu lado para te apoiar e te fazer companhia.  

O chinês fechou os olhos e deu um longo suspiro. Minseok fazia carinho no corpo do outro e, novamente, se assustava com a quantidade de ossos que ele podia sentir só com o ato. Ele queria ser capaz de passar por isso no lugar dele, mas isso era impossível.  

— Eu me odeio, Minseok.  

A confissão veio sussurrada e carregada de espinhos que machucavam, não só o coração de Minseok, mas todos os pedaços da alma de Yixing.  

— Eu... Queria poder ser diferente, sabe? Ser o suficiente para mim mesmo. Ser sincero comigo mesmo. É... É tão difícil. Estou com frio.  

Minseok puxou-o delicadamente e deu um demorado beijo nos lábios do namorado.  

— Tudo isso vai passar. Tudo, tudo, tudo. Enquanto não passa, eu posso te esquentar.  

O chinês concordou com a cabeça, limpando os olhos com o cobertor. Ele se encolheu contra o peito do namorado e, logo, os dois dormiam abraçados.