Passadas algumas — longas — semanas, finalmente eu poderia fazer o meu trabalho sem que Marcus ficasse me observando. Embora alongar pacientes parecesse fácil, foi a coisa mais difícil que eu já fiz, pelo fato de eu estar lidando com a saúde de outra pessoa.
— Não quero fazer isso — James (um garotinho) resmungou, enquanto eu flexionava o seu joelho esquerdo. — Não estou melhorando.
James havia sido vítima de bala perdida num confronto entre policiais e bandidos, no subúrbio onde morava.
— Claro que você vai melhorar, querido! — sua mãe olhou para mim.
Sorri para o menino ruivo e depois encarei sua mãe. A mulher era uma morena muito bonita e se tornava difícil olhá-la e não sorrir. Talvez ela tenha ficado com vergonha, porque depois de alguns segundos que eu a encarava, ela desviou o olhar, corada e séria. Sorri um pouco mais, pensando se ela era tão tímida em outras ocasiões também. Mas a espera de James pela minha opinião me fez afastar o pensamento.
— É verdade. Você é tão forte, impossível não se recuperar — assegurei.
Na verdade, o quadro do garoto era grave, mas como eu diria a ele que havia a possibilidade dele nunca mais andar ou correr? James jogava no time infantil da escola, eu não conseguia ser tão cruel.
— Se você ficar comportado, posso buscar uma barrinha de chocolate para você, depois — fiz uma leve bagunça em seus fios alaranjados e James suspirou.
— Tudo bem, não tem como eu bater o pé mesmo — ele cobriu os olhos com as mãos.
Os minutos se passaram e eu terminei o meu trabalho com o garoto.
— Bom menino, vou buscar seu merecido chocolate — falei antes de sair da sala.
Além da barrinha de James, comprei uma de cereal para sua mãe e quando voltei, encontrei Marcus conversando com ele. Eles pareciam se dar muito bem e por um momento, pensei se um dia algum paciente também gostaria de mim tanto quanto pareciam gostar de Marcus.
— Aqui está o seu prêmio! — animei-me ao entregar o chocolate de James.
— Obrigado — ele respondeu desanimado, mas logo sorriu quando se voltou para Marcus.
— Não decidi ainda qual é o meu filme favorito de Star Wars — o menino disse e o fisioterapeuta sorriu.
Aproveitei a animação dos dois para dar uma palavrinha com a mãe de James, que estava mexendo no celular.
— Então, quando você vem... Quer dizer, quando o James vem de novo? — sorri a mulher não retribuiu. — Aliás, eu trouxe isto — mostrei-lhe a barra de cereal.
— Não gosto de cereal — respondeu seca.
Depois de afastar-se de mim, se despediu de Marcus e arrastou a cadeira do filho até sair completamente da sala. Guardei a barra de cereal no bolso como se nada tivesse acontecido.
— Barrinha de cereal para o garoto... Eu disse que você iria gostar da coisa — Marcus colocou as mãos nos bolsos.
— Não enche o saco — sorri.
Ele deu uma olhada na sua inseparável prancheta marrom.
— Quem é o próximo? — perguntei.
— Próxima, na verdade. Emma Esme — Marcus apontou o dedo para mim. — Primeiro dia dela, seja legal com a moça.
Era inacreditável que poderia existir uma Emma Esme além da que eu conhecia. Quer dizer, claro que poderia, mas seria muita coincidência. Minhas mãos começaram a suar e meu coração iniciou um ritmo de batidas desconhecido para mim.
— Ela era dançarina e agora não anda mais — Marcus continuou, ainda lendo algo na prancheta.
Pensei no que poderia ter acontecido com ela e se estava sofrendo muito.
— Nunca me conformo com essas coisas, mesmo trabalhando nessa área — ele coçou a cabeça loira.
Eu não queria que Emma me visse ali.
— Você pode me liberar mais cedo, hoje? — pedi, masssageando as têmporas. — Pode atendê-la para mim?
— Você não pode sair antes só horário, Benjamin.
— Só faltam vinte minutos, Marcus. Eu vou ao banheiro, lavo o rosto e fico esperando.
Ele me encarou.
— Estou com dor de cabeça — falei.
— Tudo bem, a moça não merece um resmungão no seu primeiro dia, mesmo — ele riu. - Mas não de acostuma.
***
Levantei a cabeça e encarei o meu reflexo molhado, no espelho. Eu estava pálido, talvez pelo susto e talvez eu fosse um covarde ou qualquer coisa parecida. Olhando bem para mim mesmo, lá no fundo, além das minhas características físicas, eu não parecia com o meu pai. Ele não era um babaca, era um homem bom, que fez de tudo para viver ao lado da mulher que ama, mas infelizmente uma doença o levou, sem lhe dar o direito de escolha.
***
— Aqui é muito irado, você iria gostar — Daniel falou ao celular. — Sou quase o líder de uma fraternidade.
— Fala sério, Daniel! Você não pode estar com essa bola toda, cara! — ri.
— Tente vir, depois. Seria legal.
Eu não saberia o que fazer em Yale ou em qualquer outra universidade. Eu até que estava começando a gostar do trabalho voluntário, mas não sabia em que curso eu poderia me encaixar.
***
Durante semanas eu arranjava desculpas para me livrar do horário em que Emma apareceria. Pedia para ficar com os outros paraplégico nas rampas de skate, mudei o meu turno durante alguns dias e até já fingi passar mal para ter que sair mais cedo. E novamente eu teria que me virar.
— Eu vou para o pátio monitorar os garotos na rampa — disse para Marcus.
Ele conferiu as horas em seu relógio.
— Deixa que eu vou, tenho um conhecido lá, ele quer que eu vá vê-lo.
— Besteira, Marcus. Eu posso...
— O que é que tem de errado? — ele falou mais alto do que eu esperava.
— Nada, cara. Eu gosto de lá.
— De quem você se esconde? — Marcus encarou-me seriamente.
No começo, tive medo de confessar que eu era um covarde. Ele não sabia o motivo de eu estar ali, sabia que eu tinha aprontado, claro, mas não sabia como. Resolvi contá-lo tudo, sobre como eu havia conhecido Emma Esme e como tinha medo de que ela soubesse que eu estala ali por irresponsabilidade. Eu era tão inconsequente quanto a pessoa que a machucou.
— Eu não quero que ela lembre dessa pessoa quando olhar para mim — desabafei.
Depois do que pareceu tentar me entender, Marcus disse:
— Diga ao Tim que eu tive um atendimento de emergência. E seja legal com o garoto, sorria!
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