História Eu disse que iria até o inferno pra te buscar, e eu busquei - O verdadeiro significado de ser um herói

As sombras lentamente avançavam em sua direção, a única esperança de qualquer um deles poder sair vivo, a falta de névoa tornava o processo muito mais lento do que realmente era pra ser e Kaiser sabia o que tinha que ser feito mesmo que para isso tivesse que ficar pra trás, ele era o único que podia.

O cigarro e o isqueiro já estavam em suas mãos. Olhou rapidamente para Arthur que olhava a cena assustado, alternando o olhar entre Joui, a sombra que devagar seguia para Kaiser e Kian, que continuava falando coisas estúpidas as quais nenhum deles dava atenção alguma. Passou o olhar para Joui, completamente imóvel e com o rosto coberto pela máscara, parado ao seu lado como se estivesse trazendo a sombra para levar Kaiser consigo, era a prioridade dele mesmo após perder-se de si mesmo.

A imagem de Cristopher pulando em cima da aranha gigante em Carpazinha passou por sua mente, o protetor que entregou sua própria vida para salvar a das pessoas que amava. Então Thiago, envelhecendo nas mãos do Deus da Morte e esperando anos até seus amigos estarem longe o suficiente para poder levar ao monstro e a si mesmo numa explosão que não machucaria os que fugiam, um herói. Kaiser tentou ser um herói também, sorrindo mais vezes embora não genuinamente, sendo a força que dava ânimo a aqueles ao seu redor por mais que isso não tivesse nada a ver com sua personalidade, escondendo as lágrimas que caíam e praticamente tudo o que sentia pra ser forte por eles, mas nada disso parecia adiantar. Não entendia o que estava fazendo errado.

Agora ele entendia.

Heróis não são as pessoas que sorriem sempre, que sabem o que dizer em cada situação e que nunca derramam uma única lágrima quando tudo começa a desabar. Heróis são as pessoas que resistem; são as pessoas que mesmo após a perda, a dor e as lágrimas incessantes não desistem, que juntam todo esse sofrimento e juntam uma força equivalente a ele para serem capazes de se reerguerem novamente e também erguer aqueles que caíram ao seu redor.

Heróis são as pessoas que amam e, em nome desse amor, fazem tudo. Cristopher era um herói. Thiago era um herói. Beatrice era uma heroína. Joui era um herói. Erin era uma heroína. Fernando e Luciano eram heróis. Todos eles amavam e, por amor, salvaram aqueles que mais precisavam de salvação.

Kaiser amava também, um amor do tamanho do infinito e unicamente seu, do seu jeito. Ele não precisava mudar nada.

E se fosse esse o seu fim, seria honrando o legado dos que se foram antes dele.

Kaiser seria um herói também.

Olhou para Kian, que irritantemente continuava falando. A raiva floresceu em seu peito, aquele homem, por mais ridiculamente poderoso que fosse, não tocaria em mais ninguém que Kaiser amava.

— Cala a boca! — gritou, sua voz saindo tão alta que qualquer um no meio daquele turbilhão seria capaz de ouvir. Os objetos que segurava eram leves, mas naquele momento pareciam pesar toneladas. Não importava de qualquer forma, a força que tinha era muito maior. Puxou o cigarro e o colocou entre os lábios, acendendo-o com o isqueiro dos Gaudérios Abutres. — Cinerária!

A névoa começou a sair de seus lábios, voltando a invadir o espaço antes vazio e dando poder para as sombras seguirem rapidamente de novo. Elas chegaram em Clarissa, Arthur, Dante, Tin, Aaron, e todos foram engolidos por elas, levados para longe daquele lugar. Segurou o ritual, dando tempo de todos saírem de lá seguros, a fumaça continuava a sair de seus lábios. A Seita das Máscaras foi sumindo junto de seus amigos também, provavelmente acompanhando eles onde quer que estivessem indo, mas quando todos enfim tinham ido embora, algo parecia estranho.

Joui continuou ao seu lado.

Olhou para ele enquanto soltava a névoa, estava do mesmo jeito que antes, observando-o, mas agora não completamente imóvel. Joui, ainda com a máscara, virou o rosto lentamente para Kian, olhando-o por apenas um momento antes de voltar o olhar para Kaiser, e então...

— Você disse que ia até o inferno pra me buscar — a voz dele saiu abafada pela máscara. Kaiser piscou, confuso e surpreso, não entendendo a situação. Levantou a máscara, colocando-a em cima de sua cabeça sem tirá-la. Ele sorriu ao mesmo tempo em que uma lágrima caiu de um de seus olhos —, você devia saber que eu faria o mesmo por você.

Joui o abraçou, uma sombra cobrindo-os completamente até se verem na completa escuridão. Kaiser perdeu o foco do ritual quando se viu no escuro, mas ao abrir os olhos novamente se viu na base da Ordem, ainda nos braços de Joui. Afastou-se dele, porém não o bastante para estar longe. Observou-o atentamente, perdido em meio ao choque. Era o Joui. De verdade.

Olhou em volta, encontrando a Seita das Máscaras e todos aqueles que foram levados junto dela até ali. Arthur chorava, mas um sorriso aliviado apareceu em seu rosto ao vê-los. Saiu correndo em sua direção com os braços abertos para abraçá-lo, mas parou ao perceber Joui sem máscara, sorrindo.

— Joui? — perguntou surpreso, secando algumas lágrimas com a manga do casaco.

— Oi, Arthur — Joui respondeu, e começou a chorar ao terminar a fala, puxando-o para o abraço antes interrompido.

— Joui! — o mais baixo comemorou, retribuindo o abraço com toda a força que tinha.

— Joui? É você mesmo? — Dante perguntou mais ao fundo ao ouvir a conversa, aproximando-se dos dois. — Como?

— A máscara do desespero teve seu efeito controlado por um sentimento superior — os mascarados sussurraram em uníssono. — O acordo inicial foi cumprido. O equilíbrio já está comprometido, o acordo será revogado.

Kaiser olhou para Joui, que chorava tanto quanto Arthur agora e logo lágrimas começaram a surgir em seus próprios olhos também, soluços lhe escapando os lábios enquanto permitia-se sentir o cansaço mas também o alívio por tê-lo de volta. Joui, percebendo, separou um pouco o abraço com Arthur e puxou-o junto nele, os três agarrados um no outro no abraço mais puro que já existiu.

— Achei que eu nunca mais fosse ver vocês — o guitarrista confessou com a voz embargada, tão quebrada.

— Eu prometi que seria nós três pra sempre — Joui respondeu com dificuldade, apertando um pouco mais os braços ao redor deles.

— Nós três pra sempre — Arthur concordou, soluçando.

Kaiser tinha certeza que estava prestes a morrer há poucos minutos em nome do amor, mas estava vivo. As duas pessoas que mais amava também estavam. O legado, porém, não foi perdido, apenas seria diferente agora.

Mataria Kian.

Honraria aqueles que se foram.

Em nome do amor, continuaria lutando.

— Nós três pra sempre — Kaiser disse, sorrindo em meio às lágrimas.