História Eu não amo você - O monstro do lago Ness

Quando dei por mim de novo, eu estava cuspindo água. O líquido passava pela minha garganta rasgando tudo, como um vômito incontrolável. 

Tentei abrir meus olhos, mas o peso das gotículas de água em meus cílios, junto com o cansaço, me impediram de fazer isso de imediato. Após muito esforço, finalmente consegui abrir os olhos e ver uma figura inclinada sobre meu corpo. 

Rapidamente constatei ser uma garota. O sol de punha atrás dela, dando-lhe um aspecto angelical. 

ㅡ Jeongy. ㅡ eu sorri. 

ㅡ Sinto desapontar. ㅡ a garota disse, sem espelhar minha expressão alegre. Aquela voz não era de Jeongyeon. Não tinha sido Jeongyeon minha resgatadora extraordinária. ㅡ Você está bem?

Me sentei devagar. Pisquei algumas vezes e inspecionei o rosto da minha heroína. Ela era muito diferente de Jeongyeon, tinha cabelos loiros, pele clara e os olhos castanhos. Mas havia outro fato sobre ela: eu a conhecia. Eu tinha certeza que a conhecia. 

Qual era mesmo o nome dela? Mono? Não... Esse nome é ridículo demais... Mina? Não... Ela não poderia ter o nome da minha melhor amiga... Moko? Não... Muito nome de Anime... Molly? Não... Mas definitivamente começava com M.

ㅡ Momo! ㅡ eu exclamei de repente, feliz por ter me lembrado.

Tá vendo? Era mesmo alguma coisa com M! Eu sabia!

Momo sorriu diante da minha pequena demonstração de empolgação. 

Colocando o nome, agora eu podia rapidamente terminar de encaixá-la no contexto. Momo tinha sido da minha sala até o final do ensino fundamental, e agora, no ensino médio, eu sabia que tinha tido algumas aulas com ela, inclusive uma aula de Matemática que compartilhávamos no semestre atual. Momo nunca havia sido minha amiga, realmente, mas tinha sido definitivamente uma presença muito constante durante todo o percurso escolar. Era incrível como eu havia demorado para lembrar o nome dela.

ㅡ Nayeon! ㅡ ela falou de volta, mostrando que também me reconhecia. ㅡ Você está se sentindo legal?

Eu sabia algumas sobre Hirai Momo.

Poucas coisas. 

Por exemplo, eu sabia que ela tinha tirado a maior nota no teste passado de Matemática (o professor fez questão de exibir sua inteligência ao resto da turma) e que fazia parte da banda que às vezes tocava nos bailes da escola e em alguns barzinhos espalhados pela cidade, as MoonGirls. 

Eu também sabia que ela era bonitinha, isso não era nenhum mistério, todos sabiam isso na verdade. Ela sorria para mim e incríveis dentes brancos brilhavam em sua boca, dando o toque final à obra de arte que era Momo.

Eu sabia que ela era uma garota legal e descolada, e também sabia que existia uma pequena legião de meninas alternativas que eram caidinhas por ela.

Mas eu nunca havia pensado em Momo daquele jeito. Para mim, ela era apenas uma garota comum que havia acabado de me salvar de um afogamento. 

Eu deveria ter percebido naquele momento que Momo era a garota ideal para mim. Qual é! Qualquer pessoa teria percebido. O cenário era perfeito para um romance, e Momo era linda e tinha um sorriso incrível. A luz do sol batia em nossos corpos como se o próprio Deus quisesse sinalizar ao resto do mundo que éramos um casal que deveria acontecer. 

Infelizmente, naquele momento eu estava tão obstinada em ter Jeongyeon que não reparei nos claros sinais divinos indicando-me um caminho que me salvaria de todas as dores e frustrações futuras. 

Olhei para o banco que Jeongyeon estava sentada e ela não estava mais lá. Todo aquele drama, meu pulo teatral  no lago, o meu quase afogamento, havia sido em vão. A sensação esmagadora de fracasso me consumiu de imediato. Olhei para Momo, que ainda me encarava esperando uma resposta. Eu não podia admitir para ela que estava me sentindo mal por que o meu plano havia ido literalmente por água abaixo. Ela me acharia uma pessoa muito estranha por, para começo de conversa, por ter perseguido Jeongyeon até o parque e depois pulado na água para que ela me resgatasse. Momo me acharia tão estranha, que possivelmente chamaria a polícia. 

Momo estava com seus cabelos amarelos molhados. Ela estava completamente encharcada, e eu me senti culpada por tê-la feito pular em meu resgate. 

ㅡ Estou legal. ㅡ falei com a voz rouca. ㅡ E você?

ㅡ Eu acho que vou sobreviver. ㅡ ela sorriu, mas em seguida seus olhos se arregalaram em uma expressão aterrorizada. Ela perdeu o sorriso aos poucos e seu rosto estava pálido. ㅡ Puta. Merda.

ㅡ O que houve? 

Eu olhei para trás, preocupada, esperando encontrar um disco voador ou um fantasma ou qualquer outra coisa bizarra que justificasse a reação exagerada de Momo. No entanto, não havia nada ali, e ao reparar melhor, percebi que ela estava olhando para mim.

ㅡ Senhor! Você está bem, Nayeon? ㅡ ela segurou os meus ombros e sacudiu a cabeça, apavorada. ㅡ Jesus, Nay, por favor não morra assim. Caramba. Calma, calma. Não se mexe... Eu vou eu... Eu vou procurar ajuda. ㅡ ela disse olhando ao redor procurando por algo que ajudasse naquele momento. 

Eu estava começando a me assustar de verdade. Talvez eu estivesse batido a cabeça em uma pedra e havia feito um buraco na minha cabeça. Passei a mão pelo meu rosto, procurando resquícios de sangue, mas não encontrei nada. 

ㅡ O que? ㅡ insisti, segurando o braço de Momo. ㅡ O que aconteceu? 

ㅡ Você... está... toda... vermelha.ㅡ ela disse claramente apavorada. ㅡ E inchada. 

Então, eu imediatamente soube do que se tratava. 

Em minha defesa, é um mecanismo genético. Pode parecer estranho, absurdo e até mesmo irreal, mas está completamente fora do meu controle. A minha avó tem isso também, e o seu avô antes dela, e aparentemente pulou para a minha mãe também até chegar em mim. É humilhante, mas inofensivo. 

Comecei a me coçar por impulso involuntário e suspirei. 

ㅡ Eu sou alérgica a água. ㅡ expliquei para Momo.

Momo abandonou sua expressão de pânico em seguida e riu. Eu já estava acostumada com àquela reação, então nem me senti muito ofendida. Apenas esperei pacientemente até que ela estivesse cansada de gargalhar às minhas custas. Eu precisei espirrar três vezes consecutivas para ela finalmente parar de rir e se tocar que eu não estava brincando. 

ㅡ Está falando sério? 

ㅡ Infelizmente. ㅡ espirrei outra vez. ㅡ É genético. 

Ela tornou a vestir a máscara de medo.

ㅡ Puta merda. Mas... como?! Você não... fica com sede? Eu sempre pensei que pessoas com alergias a coisas vitais morressem antes de atingir a maioridade. 

Eu quis rir, mas me mantive séria, apenas para apreciar a graça de vê-la apavorada. 

ㅡ É, eu não sou maior de idade ainda...

ㅡ Oh. ㅡ Momo arregalou seus olhos ainda mais e seu rosto esboçou culpa. ㅡ Me desculpe, Nay. Eu não...

Foi aí que eu não consegui mais segurar. Eu ri tanto que minha barriga doeu. Momo também riu, um pouco confusa. Ela se levantou e estendeu a mão para me ajudar a fazer o mesmo. 

ㅡ Então você não é alérgica a água? Só estava zombando da cara de uma garota preocupada que havia acabado de te salvar de um afogamento? 

ㅡ Eu sou alérgica a água. ㅡ corrigi, aceitando sua mão e me erguendo. ㅡ Mas, sim, estava zombando com a sua cara. Não se preocupe, não é contagioso. 

Momo balançou a cabeça.

ㅡ Como alguém pode ter alergia a água? 

ㅡ Não sei direito. ㅡ falei sorrindo. ㅡ Só sei que acontece. Quando eu entro em contato com a água por muito tempo, eu fico vermelha e inchada, e minha pele coça até a morte. Quando entra nos meus olhos, é pior do que xampu. E, se for no meu nariz, eu espirro até sentir cheiro de sangue. Mas as manchas e as coceiras passam em cinco ou dez minutos. Eu já estou acostumada. 

ㅡ Uau. ㅡ Momo suspirou. ㅡ Eu nunca iria imaginar uma coisa dessas. 

ㅡ Não se preocupe. Eu tomo banho todos os dias e me hidrato constantemente. Eu apenas não costumo nadar em público para não... Bem, para as pessoas não pensarem "Corram! É o monstro do Lago Ness!" ou "Deus! A Nayeon está morrendo! Chamem a emergência!" ㅡ olhei pontuadamente para Momo, que havia tido essas exatas reações.

ㅡ Me desculpe, eu não fazia idéia. ㅡ ela disse, abaixando sua cabeça. 

ㅡ Sem problemas. ㅡ sorri. ㅡ Mas da próxima vez você já sabe. 

Ela ficou em silêncio enquanto caminhávamos lado a lado até a árvore aonde eu havia deixado minhas coisas.

ㅡ Por que pulou? ㅡ ela quis saber. 

ㅡ O que? ㅡ perguntei enquanto cobria meu corpo com a minha jaqueta. 

ㅡ Por que pulou no lago? Eu te vi em cima do muro. Eu achei que não teria coragem, mas... ㅡ ela parou no meio da frase e encontrou os meus olhos. ㅡ Não estava tentando se matar, estava? 

ㅡ Não! ㅡ falei rapidamente, tentando tirar aquela idéia de sua cabeça. 

ㅡ Tem certeza? 

ㅡ Absoluta. ㅡ respirei fundo e mudei de assunto, eu não poderia contar para Momo o real motivo do meu afogamento, ela com certeza me olharia, me investigaria e falaria "Você é louca", e depois, ela ia embora. ㅡ Se me viu pulando, por que demorou tanto para me resgatar. 

ㅡ Bem, todo mundo sabe que não se deve resgatar uma pessoa enquanto ela está se debatendo.ㅡ ela informou, como se soubesse tudo. Eu olhei para ela com um sorriso incrédulo. ㅡ Certo, talvez ninguém saiba, mas é a verdade. Se eu tentasse te puxar para a superfície com você ainda se debatendo, você afundaria nós duas, seria uma perda dupla. 

ㅡ Certo. ㅡ eu falei, não muito convencida. ㅡ Então quer dizer que você não teria como me salvar seu eu não tivesse afogado completamente antes? 

Momo fez uma careta. 

ㅡ É, mais ou menos isso.

Eu sorri debochada de volta.

ㅡ E não tem nada a ver com o sadismo de querer me ver inconsciente?  

ㅡ  Ya! É um princípio básico de resgate aquático! ㅡ ela protestou, meio séria, meio rindo. ㅡ Pode procurar no Google, se quiser. Qualquer site de primeiros socorros vai te dizer exatamente isso!

Eu sorri, ajeitei minha bolsa no ombro e olhei nos olhos dela. Quem dera ter me apaixonado, ter tido qualquer sinal do meu coração por Momo. Eu estaria livre de Jeongyeon agora se eu tivesse captado os sinais de Momo, eu estaria feliz agora. 

ㅡ Obrigada, Momo. ㅡ eu disse, meio sem graça. ㅡ E me desculpe por ter feito você pular atrás de mim.

Ela sorriu e respirou fundo, se esforçando para parar de tremer. Não funcionou, é claro. Seus dentes continuaram batendo uns nos outros de tanto que ela tremia. 

ㅡ Só fiz o que qualquer um faria. ㅡ ela conseguiu dizer.

Qualquer um, não. Jeongyeon não havia feito. 

Mas não importa. Havia sido um plano imbecil, de qualquer maneira. 

Engoli minha decepção e sorri para Momo. A blusa roxa dela tinha a logo banda estampada na frente. O "MoonGirls" estava escrito de forma exagerada em branco, e o símbolo da lua dividia as palavras de um jeito engraçado. O meu sorriso se alargou. 

ㅡ Blusa legal. ㅡ apontei para suas roupas. 

Momo olhou para baixo, parecendo chocada, como se tivesse esquecido que estava usando roupas. 

ㅡ Obrigada. ㅡ ela sorriu, parecendo feliz em saber que eu sabia sobre sua banda. ㅡ Vamos nos apresentar no Min's nesse final de semana, pode aparecer se quiser.

ㅡ Claro. ㅡ eu falei. ㅡ Parece legal.

Ficamos feito bobas, sorrindo uma para a outra, por alguns segundos. 

ㅡ Para onde você está indo agora? ㅡ Momo perguntou de repente, colocando as mãos nos bolsos traseiros de sua calça jeans molhada. 

ㅡ Para casa. ㅡ respondi, dando de ombros. 

A missão de espionar Jeongyeon havia sido terrivelmente finalizada, eu não tinha visto para onde Jeongyeon havia ido, então tudo que eu podia fazer era aceitar a minha derrota e ir para casa. 

ㅡ Vou acompanhá-la.

ㅡ Não há necessidade. ㅡ falei rápido. 

ㅡ Claro que há. ㅡ ela disse séria. ㅡ Vai que você resolve pular da ponte outra vez e eu não estou perto para te salvar. 

ㅡ Eu não vou pular outra vez, engraçadinha. 

ㅡ Você promete? ㅡ ela perguntou se virando para mim.

ㅡ Prometo. 

ㅡ Bem, que pena, porque eu não ligo. Vamos, para que lado fica a sua casa?

Olhei para a rua que levaria até minha casa. Momo pareceu captar a mensagem. 

ㅡ Certo, para aquele lado? ㅡ Momo perguntou, já começando a caminhar. ㅡ Vamos logo, Nay. Precisamos chegar antes que escureça, ou provavelmente iremos contrair pneumonia e realmente morreremos antes dos trinta, com ou sem alergia a água. 

ㅡ Momo-ah! ㅡ protestei, rindo, enquanto saltitava para acompanhá-la.

Nós conversamos pelo caminho inteiro até minha casa. Durante todo os vinte minutos até minha casa, não ficamos sem assunto uma única vez. Quando chegamos na porta da minha casa, já éramos melhores amigas.

Olhando para trás, eu realmente não sei como ou porque não caí de amores por Momo logo naqueles instantes. Certo, Jeongyeon era linda, fofa e incrível, mas Momo... Momo sempre foi algo a mais. 

No entanto, é como dizem: nada acontece antes de seu devido tempo.

Infelizmente.