Segurei a xícara com as duas mãos, as luvas esquentando rapidamente contra minha pele. Senti o vapor quente contra meu rosto, olhei ao redor, vagando com o olhar por entre as pessoas totalmente agasalhadas e soprei meu café, fazendo o vapor dissipar pelo ar.
Encostei os lábios contra a porcelana morna e experimentei o café. Não tão doce e nem tão amargo. Estava no ponto.
Soprei mais algumas vezes, antes de dar mais um gole e depositei a xícara contra pires. Levantei o jornal que estava sobre a mesa e passei os olhos pelo pequeno texto em negrito.
“Mas o que é morte? Uma nuvem negra que paira sobre a vida humana? Um ponto aparentemente desconhecido, na periferia de uma gaussiana? Um animal feroz e incansável correndo atrás de sua presa e essa sabendo que se tropeçar, cansar-se ou não for rápida e esperta o suficiente, fatalmente será alcançada?”
Rolei os olhos e tomei mais um gole de café, segurando o jornal com a mão livre.
Aquilo era tão idiota quanto poético.
A morte vinha para quem merecesse. Ninguém fugia da morte. Era algo que você não podia ver ou ouvir. Um dia você poderia estar vivo e no outro, morto e enterrado. Mas tinha algo ali, que era verdadeiro:
Um animal feroz e incansável correndo atrás de sua presa.
Eu estava correndo atrás da minha presa, silenciosamente, sorrateiramente. Eu tinha dividas pendentes com aquela cidade que já foram pagas a dois anos atrás. Porem eu não conseguia ir embora, algo me prendia. Algo que ainda era meu estava ali. E eu não iria embora sem ter ele para mim novamente.
O pequeno sino da porta se abrindo fez o seu som irritante de que um novo cliente havia entrado. Olhei o relógio, sabendo exatamente quem era. Atrevi-me a levantar o olhar e parei de respirar pelo que pareciam segundos.
Eu o via todos os dias a mais de meses. E todas às vezes eu sentia a mesma coisa. Uma urgência de ter ele Algo tão forte que queimava por dentro e me deixava bêbada por fora.
Ele era como uma droga. E eu era sua viciada.
Estava a tanto tempo sem ter ele que meu corpo estava desequilibrado. Esfreguei as mãos no colo e levei a xícara para se esquentarem. Soltei um suspiro relaxante quando sua voz ao longe chegou aos meus ouvidos. Ele conversava com o dono da lanchonete.
Fiquei tão obcecada em olhar para ele que reparei a mulher parada ao seu lado minutos depois. Seu casaco de pele cobre sua bota marrom e seus cabelos castanhos escuros caídos sobre os ombros era a personificação perfeitamente de uma acompanhante.
Apertei os dedos contra a xícara, talvez um pouco forte demais e acabei queimando as pontas dos meus dedos. Não que me importasse com a dor, mas algo dentro de mim se importou mais com o que eu estava vendo.
Olhei para ele ainda parado na entrada, seu sorriso de canto mostrando suas covinhas. Seu cabelo caído sobre a testa, queimado pelo sol. Seus olhos cor de mel era o que me chamavam atenção. Tudo nele indicava que ele estava bem, mas seu olhar mostrava totalmente ao contrario:
Eu também sinto sua falta detetive, pensei.
A mulher sorria prestando atenção a conversa dos dois homens mas sem se intrometer, as vezes concordava com a cabeça com dois par de olhos a encaravam e depois olhava ao redor, como se procurasse algo.
Seus olhos passaram por mim e encarei-a fixamente. Ela retribuiu o olhar sem muita convicção e depois sorriu, como se tivesse se desculpando por encarar-me. Minha mão coçou, como não havia coçado a muito tempo e eu sabia quanto tempo fazia desde que não mandará ninguém para o inferno ou céu como muitos acreditam depois da morte.
Eu havia tirado umas férias desse meu lado.
Encarei os dois atentamente, quando ele parou de falar com o dono e colocou suas mãos sobre as costas dela, conduzindo-a pelo caminho entre as mesas. Eles estavam caminhando lentamente em minha direção. Havia uma mesa vazia entre poucas a minha frente. Tomei meu ultimo gole de café e depositei a xícara sobre a mesa, colocando uma nota de cinco dólares.
Eles conversavam sobre algo e ela lhe sorria carinhosamente.
Algo dentro de mim rugiu e foi ai que percebi:
Era hora de voltar das férias.
Levantei-me passando a mão sobre o cabelo falsamente loiro da peruca, pegando minha bolsa e caminhando na direção dos dois – Porem para a saída. Seu corpo estava a centímetros do meu, olhei para o lado rapidamente esbarrando em seu ombro.
O choque entre nossos corpos foi instantâneo. A eletricidade era a mesma, a conexão ainda existia. Era evidente. Era explicita.
Suas mãos estavam em meus ombros e ele me encarava levemente preocupado:
- Sinto muito – Sussurrou – Pensei que iria desviar... – Ele riu soltando um sorriso de desculpas.
Levantei o olhar, encontrando seus olhos que um dia me olharam com tanto calor, que poderia aquecer todo esse inverno. Eu queria aquele olhar de volta. Aquela faísca, que poderia incendiar um novo par de torres gêmeas.
- Senhora? – Ele chamou calmamente.
- Tudo bem – Forcei minha voz a sair – Tudo bem – Repeti roucamente.
Ele soltou meus ombros e quis implorar para ter suas mãos em mim outra vez, mesmo que por cima do grande casaco de frio.
- Tudo bem – Ele repetiu também, rindo pelo nariz – Bom... Então até mais – Ele franziu a testa me olhando, mas claramente agora. Seus olhos percorreram todo meu rosto, desceu ate a boca e voltou aos olhos novamente – Nossa... Nos... Você – Gaguejou e colocou a mãos sobre a cabeça fechando os olhos.
- Esta tudo bem? – A voz da mulher que antes estava atrás dele, agora estava ao seu lado com as mãos em seus ombros. Ela me olhou e depois voltou a olhar para ele.
- Não, quero dizer... Sim. – Ele olhou para a mulher ao seu lado, com seu olhar passando para mim – Nós nos conhecemos? Quero dizer...
Algo encheu todo meu corpo, relaxando todos meus músculos.
Prazer.
- Talvez sim... Querido – Disse firmemente. Seus olhos se arregalaram minimamente e antes que ele pudesse dizer algo a mais, virei às costas e sai com as portas batendo atrás de mim.
O vento gelado daquela época do ano atingiu meu rosto me permitindo respirar pela primeira vez em anos. Ele estava pronto para mim... De novo.
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