É tarde. O sol está próximo de se esconder atrás de algumas nuvens que vêm de vários lugares diferentes, como imãs de nêutrons prontos para se chocarem e liberarem uma descarga elétrica ruidosa e assassina. O dia está quente o suficiente para que algumas gotas de suor comecem a escorrer da testa das pessoas enquanto elas teimam em limpá-las ou as ignoram, apenas continuando a aplaudir o espetáculo fútil. As bocas estão molhadas de álcool e de alguns pedaços de carne bem passada que removiam dos palitos de churrasco para se alimentarem. Um perfeito dia de verão na grande metrópole. Perto dali, alguns banhistas se atrevem a entrarem na piscina gigante do clube de caminhoneiros de São Paulo. São as mulheres e filhos dos homens que estão na grande arquibancada, que decidem apenas aproveitar dos privilégios que têm para fugirem do calor e se verem livres dos filhos irritantes, que brincam livres pela piscina de tamanho menor.
Do outro lado do playground aquático, há a grande “arena”, onde estão duas pessoas especiais para a história de hoje. E são elas Rafael Lange e Sebastian Morgenstern. Ambos são completos penetras naquele lugar. Não só pelo fato de não serem caminhoneiros, mas pelo fato de também não estarem vivos como os demais.
– Puta merda, Sebastian! – A risada estrondosa do loiro ressoou quando um caminhão monstro batia de frente com outro, que era igualmente enorme e adornado com letras douradas escrito “Sangue do Diabo”. O caminhão fazia parte de um daqueles concursos de aposta de caminhões, que consistia em manter dois caminhões no centro de uma arena, “lutando” um contra o outro, até que no final, sobrasse apenas o caminhão vencedor, todo sábado. Isso era uma das coisas que Rafael Lange mais gostava de assistir quando fugia de Amenadiel, seu guardião e líder superior.
– Tu viu isso, cara? Esse aí nunca mais participa de nenhuma corrida. – Sebastian, amigo mais próximo de Rafael, dizia igualmente animado enquanto terminava sua cerveja e jogava a franja ruiva pro lado com um movimento de cabeça. Ele tinha uma camisa branca de botões abertos até metade do seu peito e as mangas enroladas até seus ombros fortes, uma calça preta até os pés e um par de botas cano baixo. No pescoço, um colar desbotado com o nome de sua antiga mãe, Jullian.
– Não mesmo. Mas era de se esperar, o Sangue do Diabo sempre destrói. – A frase com duplo sentido os fez rir escandalosamente, sendo seguida de um trovão estrondoso. Os dois estavam na Terra, gozando dos prazeres momentâneos que poderiam ter enquanto fugiam dos trabalhos e tarefas designados para eles por Amenadiel. Rafael, por sua vez, estava sem camisa, pois pegara a blusa azul de botões para amarrar na cintura junto com a calça jeans. Ele tinha os braços fortes e a barriga lisa, pouco mais fraco do que Sebastian, que era conhecido por ser um dos Iniciados mais bonitos do grupo. A dupla era inseparável, e mesmo que um fosse castigado em algum momento, o outro sempre aparecia para ajudar, ou zoar.
Ser anjo era o destino deles, assim como dos outros 10 Iniciados, uma equipe de futuros anjos criada por Amenadiel e Gabriel. Eram treinados desde que desencarnaram em meio à uma doença em 1920, em meio a pandemia da maldita Gripe Espanhola. Porém, não era o que tinham em mente para seus futuros. Ao contrário dos outros dez colegas, eles não tinham aceitado totalmente a condição de “falecidos” deles, e procuravam sempre estar envolvidos com os humanos.
– Rafael. – Um outro trovão, dessa vez mais fraco e brilhante, que indicava a chegada de alguém importante. Rafael arqueou as sobrancelhas, virando o rosto na procura de quem o chamava. Quando se voltou para frente, um homem de 1,90 o encarava com os braços cruzados e o olhar fixo no seu, usando uma roupa preta e sapatos claros.
– Merda... – Murmurou o loiro quando percebeu que tinha sido encontrado, de novo.
– Que palavra de baixo-calão, senhor. Não foi isso que lhe ensinamos. – A voz do brutamonte negro e imponente se fez presente.
– Que nada. Tem umas bem piores aqui na Terra. – Brincou o menor, sorrindo de lado e pegando a cerveja da mão de Sebastian, que permanecia quieto sob a presença do superior. Sebastian não era um completo santo como mostrava para o moreno, porém, em relação a Rafael...
– Não estou interessado. – Respondeu simplesmente, ignorando o comentário. – Estou interessado em saber se cumpriu o que te pedi hoje de manhã.
Rafael deu um suspiro pesado. Ele devia ter levado duas almas para fazer a “passagem”; era um dos treinamentos que deveria ter feito sozinho. Ele se esqueceu de fazer. De novo?
– Então... – Começou, tentando se desculpar, porém, foi interrompido.
– Eu sei que não o fez. Encontrei as duas almas vagando pelo portão. – Ops? – É a segunda vez só nessa semana, Rafael. Uriel já está incomodado com almas aparecendo e desaparecendo nos portões. – Ele não parecia nervoso, nem mesmo irritado, apenas, decepcionado.
– Eu sei, me desculpa... – Outro suspiro. – Eu só esqueci.
– Sim, entendo. Porém, não vim te incomodar com isso. – Um sorriso sarcástico se apoderou dos lábios do anjo. – Vim notificá-lo de que Gabriel solicita sua presença no Salão.
Gabriel? Gabriel era o “alto escalão”, falar com ele só poderia significar algo muito bom, ou algo muito ruim.
– O que? Por quê? – Ele tremulou a voz, devolvendo a garrafa vazia ao ruivo sentado do seu lado.
– Fiquei encarregado apenas de notificá-lo. O conteúdo diz respeito a você. – E com isso, o homem deixou com que suas belas asas fossem vistas, e com elas, deu início ao seu voo. – Sem atrasos! – A última coisa antes de simplesmente sair em alta velocidade.
– Merda. – A voz sussurrou, recebendo um novo trovão.
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