Termino de arrumar as minhas coisas e sento na cama de solteiro que há no quarto. Eu não diria que é o melhor lugar para se dormir, mas também não é o pior. É apenas um quarto pequeno decorado em tons de branco e azul, com um armário na parede aposta em que fica a cama. Uma janela ao lado da cama com visão para o jardim e a floresta que rodeia o lugar, e uma escrivaninha.
- Poderia ser pior. - Dou de ombros enquanto olho pela janela.
O reformatório fica no meio de uma floresta, como se a floresta tivesse se aberto apenas para ele, e em frente à uma igreja, digamos assim. A igreja parece estar caindo aos pedaços, mas ainda sim é uma igreja.
- Vai demorar mais uma vida? - Ouço alguém perguntar do outro lado da porta.
Dou um pulo com o susto e abro a porta, vendo a menina de mais cedo parada ali com os braços cruzados fazendo com que eu apenas confirme sua beleza. Ela sorri para mim, um sorriso que poderia ser considerado irônico, e entra no meu quarto olhando em volta. Abre um dos meus livros.
- “O amor, como a luz das estrelas, nunca morre.” - cita, lendo uma frase do livro. - Que poético.
Dou de ombros enquanto a observo ler mais algumas partes e, depois, o devolver ao seu lugar. Ela para no meio do quarto e me encara. De novo aquela sensação de que ela me conhece de algum lugar desperta. Seus olhos passam por mim como se estivessem familiarizados comigo.
- Vem - me puxa para fora do quarto -, vou te mostrar a escola. Um tour particular.
- Hã, obrigada? - Arrisco. Ela ri da minha cautela e sorri, um sorriso reconfortante.
Descemos as escadas, passamos por mais algumas portas de quartos, entramos no hall do prédio e saímos para o jardim. O sol está quente, mas o vento que sopra torna o dia frio. Fecho o zíper da minha jaqueta e enfio as mãos no bolso, tentando me aquecer.
A acompanho pelo jardim vendo alguns dos alunos divididos em grupos e faço uma anotação mental “independente do lugar, adolescentes são sempre iguais.” Paramos em uma parte mais movimentada do jardim, onde a grama está cortada mais baixa e há vários bancos, e a vejo sentar em um banco mais afastado. Ela bate a mão ao seu lado e sorri.
- Bom - começa quando estou ao seu lado -, está vendo aqueles adolescentes idiotas ali?
Indica os grupos com a cabeça e me olha. Alguns estão sentados na grama, fumando, outros estão de baixo de uma árvore apenas conversando. Vários tem piercings e tatuagens, e quase me sinto mal pela minha tatuagem.
Instintivamente levo a mão paro o meu antebraço, onde a minha tatuagem está. Yoona me cutuca ao meu lado e balanço a cabeça, voltando para a realidade.
- Então, são essas as pessoas que irão estudar com você. - Cruza as pernas e mexe nos anéis em seus dedos. - Como você tem a mesma idade que eu, vai ficar na mesma classe que aqueles ali.
Sigo o seu olhar e vejo um grupo de cinco pessoas encostadas na parede de um dos prédios. Eles são como os outros, com piercings e tatuagens, mas noto algo diferente. Eles parecem não se importar com os outros ao seu redor, como se nada mais existissem além deles. São estilosos com vários acessórios, assim como a Yoona, e, noto, muito bonitos.
- Tem a nossa idade. - Cerro os olhos para ela.
- Como você sabe a minha idade? - pergunto checando se eu a informei e esqueci, mas tenho certeza que não.
- Os andares são separados por idade. - Franzo as sobrancelhas. - Os andares dos quartos são separados por idade. Todos de 17 anos ficam no terceiro andar.
- Ah. - Balanço a cabeça impressionada. Um bom sistema de armazenamento, ainda mais com tantos adolescentes. - E então, o que eu preciso saber de mais importante sobre eles?
- Só que são uns idiotas? - Viro a cabeça para a encarar e rio junto com ela. - Não, mas sério, evite os meninos o máximo possível.
- Por que?
- Se garotos normais já são escrotos, imagina garotos que estão em um reformatório. - Arqueia uma sobrancelha para mim.
- Bem pensando. - Assinto sorrindo. - Ficarei longe.
Ela assente e volta a olhar para os adolescentes, interessada por alguma coisa que está acontecendo. Passo meu olhos pelo campus e paro em um sorriso fofo do outro lado. Um menino da minha idade, pois está junto com a turma que a Yoona me mostrou, alto e moreno, com a pele clara, lábios vermelhos e olhos grandes. Seu sorriso é fofo e me lembra um coelho com os dentinhos frontais maiores.
Ele ri de alguma coisa de uma forma fofa e passa o indicador pela franja que está caída em seu olho. Volta a mão para o bolso da sua jaqueta, cruzando os pés ao se apoiar na parede novamente. Ele apoia a cabeça e fecha os olhos, inspirando fundo. Sua expressão se torna serena e eu sou tomada por um súbito impulso de ir até lá e o abraçar.
- Quem é ele? - pergunto apertando o banco com a duas mãos para me impedir de agir como louca.
Yoona vira a cabeça para mim e segue o meu olhar, estreitando os olhos para o menino sereno. - Jeon Jungkook, o menino de quem você deve manter, pelo menos, 1 km de distância.
Franzo as sobrancelhas tentando pensar em como um ser como aquele pode ser tão ruim. Ele parece ser tão... perfeito. Essa é única palavra que se passa na minha mente quando olho para ele: perfeito.
- Ele é bonito - comenta em um tom enigmático -, confesso, mas não vale nada.
Inclino a cabeça para o lado e volto a observá-lo. Ele continua com os olhos fechados, dando leves sorrisos ladinos para o que as pessoas a sua volta falam. Me inclino para frente ao mesmo tempo em que ele abre os olhos e me encara.
Sua expressão demora um pouco para se estabilizar. No momento em que nossos olhos se encontram, surpresa toma conta dos seus olhos. Ele olha para Yoona e depois para mim, como que checando se eu estou realmente ali. Depois eu posso quase ver amor, mas ele desvia o olhar antes que eu tenha certeza.
JungKook recompõe sua postura e caminha para dentro, dando um última olhada em minha direção antes de entrar. Quando vê que eu ainda estou o olhando, arqueia uma sobrancelha e posso ver ele balançando minimamente a cabeça negando, mas isso acontece tão rápido que acho que é coisa da minha cabeça.
- Vocês se conhecem? - Yoona pergunta ao pé do meu ouvido. Dou um mini pulo e nego. - Então por que ele negou?
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Ouço gritos, mas não sei da onde eles vêm. Minha mente está confusa, não me lembro de nada, não sei quem eu sou ou onde estou, é como se tivessem borrado todas as minhas memórias. Tenho apenas fragmentos.
Eu estava com ele lá, estavamos bebendo e nos divertindo, e então eu vim parar aqui. Olho em volta, mas não consigo ver muita coisa, apenas árvores e algumas luzes distantes.
Passo a mão pelo meu cabelo, tentando clarear minha mente, mas sinto algo estranho nela. Espremo os olhos e vejo algo vermelho e pegajoso, sangue! Checo a outra mão e está do mesmo jeito, ambas minhas mãos estão cheias de sangue.
Abaixo os olhos para os meus jeans e vejo mais sangue, finalmente percebo que estou coberta por esse sangue. Mas não é meu, não sinto dor, nada, em lugar algum.
Aí meu Deus, esse sangue é de outra pessoa!
Acordo. Minha respiração está acelerada assim como meu coração. Tento respirar, mas sinto que as paredes daquele espaço minúsculo estão se fechando. Saio da cama e abro a janela, inspirando fundo.
O ar frio da noite bate em meu rosto e sinto minha pele congelar, coberta de suor. Mais uma vez, esse sonho mais uma vez! Desde o acidente, eu o venho tendo com alguma frequência, mas eu achei que já tinham parado. Eles tinham parado, há um mês eles tinham parado, então por que voltaram agora?
Espremo meus olhos vendo uma figura no jardim. Ela segue até o limite do reformatório e chega nos portões da igreja velha. Consigo distinguir quem é quando o mesmo passa os olhos pelo local, como que procurando algo. JungKook. Ele respira fundo e abre o portão, mas antes de entrar olha em minha direção, como se soubesse que eu estou ali. Bom, estava.
Me abaixo assim que o vejo olhar para cá, praguejando. Como é que ele adivinhou? Não, ele não adivinhou, eu só sou uma pessoa incrivelmente azarada. Ele tinha que olhar bem em minha direção com tantas outras. Senhor, o que foi que eu fiz?
Decido checar mais uma vez e levanto bem a tempo de vê-lo entrar nos limites da igreja. O que alguém poderia fazer em uma igreja velha no meio da madrugada?
Aperto os olhos para o céu e noto que o sol já está para nascer, então decido que não compensará voltar a dormir. Pego minhas coisas e me direciono ao banheiro das meninas. É estranho esse negócio de banheiro comunitário, não vejo como a privacidade é dada dessa jeito.
Quando termino vejo outras meninas começarem a aparecer. Sorrio pelo fato de ter sido esperta e ter vindo mais cedo, conseguindo pegar o lugar vazio. Distribuo sorrisos para algumas alunas, saio do local e volto para o meu quarto, terminando de me arrumar.
Primeiro dia de aula, é sempre assustador, não importa a onde você esteja ou qual a sua idade, você sempre vai querer que esse dia nunca chegue ou que passe o mais rápido possível. Imagina esse dia em um reformatório!
Minha mãe disse para eu dar uma chance, mas a única coisa em que eu consigo pensar é que eu definitivamente não me encaixo aqui. Todos pareciam ter piercings, tatuagens e outras coisas, as quais eu não tenho. Tirando minha pequena tatuagem, mas essa é quase uma marca de nascença.
Paro na porta da minha suposta sala e checo mais uma vez, não querendo pagar um grande mico no meu primeiro dia. Respiro fundo e entro. Vejo que algumas pessoas já estão lá, todos com os seus respectivos grupos. Incrível que dentro de um grupo exista vários subgrupos, nunca entendi direito.
Alguns adolescentes param para me olhar, mas voltam ao que estavam fazendo quando decidem que eu não sou interessante. Meus olhos passam pela sala procurando a Yoona, mas acabam parando em outra pessoa.
O menino de ontem, o mesmo que eu vi essa manhã, Jeon JungKook. Ele está sentando mais ao fundo, ao lado das janelas, rodeado por um grupinho. Ele é o único sentando enquanto os outros estão de pé, como se ele fosse o sol e o resto os planetas girando em torno dele.
Reparo nele e percebo que JungKook é diferente dos outros ao mesmo tempo em que não é. Enquanto os outros estão usando coisas de couro, ele está com uma blusa branca de manga comprida, o que destaca o seu peitoral, e que peitoral! Ele não tem tatuagens, mas compensa com os piercings na orelha e os acessórios.
- Hey, você está aí! - Yoona fala passando o braço pelos meus ombros. - Procurei você no seu quarto.
- Acordei cedo. - Sorrio fraco para ela e passo a mão pela orelha, ajeitando meu brinco.
- Percebi. - Ela me arrasta até o fundo da sala, ao lado da parede, e senta na última carteira indicando a carteira da frente para mim.
Estou prestes a sentar quando um menino aparece e rouba meu lugar. O encaro e vejo ele sorrir quadrado para mim, me intimidando com toda aquela beleza. Seu rosto é fino, com traços delicados, nariz fino, olhos fortes e uma boca pequena vermelho cereja. Seu cabelo é cinza e sua franja cobre um pouco dos seus olhos, o que não os impede de me intimidarem.
- Yoona, não vai me apresentar a garota nova? - pergunta fazendo uma careta fofa.
Yoona estreita os olhos e depois faz uma careta para ele, levantando o dedo do meio logo em seguida. Taehyung ri e seu tom rouco faz meu corpo tremer.
- Bom, então eu me apresento.
- Nem pensar. - Yoona o interrompe antes que ele abra a boca. Sua careta fofa volta. - Esse é Kim Taehyung, um dos babacas. Essa é Bae Suzy, alguém que você não deve mexer.
Faço uma mensura com com a cabeça e seu sorriso quadrado volta, o que me faz abrir um sorriso ladino. Ele levanta, enfia a mão nos bolsos da calça e se aproxima lentamente. Não consigo desviar os olhos dos seus, intrigada com a cor deles. Azuis acizentados, diferente!
- Não liga para ela - sussurra perto demais. - Tenho certeza de que vamos nos dar muito bem, Suzy.
A última parte é sussurrada no meu ouvido de forma bem arrastada, o que faz sua voz se tornar mais grave causando vários arrepios pelo meu corpo. Ele toma o seu lugar, em frente ao JungKook, e sorri para mim. Balanço a cabeça quando o professor entra, tentando voltar ao normal.
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