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História Cidade dos anjos - Gravados na pele


Escrita por: Meliorismo

Notas do Autor


Para Laryssa. Obrigada.

Capítulo 1 - Gravados na pele


''Hm... Acho que é por que hoje você estava com um jeito de balão, que pode voar pra qualquer lugar de repente, então eu precisava conversar sobre algo que pudesse te segurar para não partir." Battle Royale

 

Existem coisas que você simplesmente sabe que vão acontecer. Algo lá dentro te diz, e por mais que você negue a si mesmo mil vezes, um milhão de vezes, absolutamente nada vai mudar. Oh Sehun sabia o que iria encontrar caso subisse as escadas e abrisse a porta do quarto dos pais. E, por mais que ele tenha esperado acordar antes de girar a maçaneta e ver o pai com um arma apontada pra cabeça dizendo que tudo ia ficar bem, isso não aconteceu. O Sr. Oh sorriu, sereno, os sapatos sociais afogados no sangue da mãe de Sehun, fria no piso de porcelanato, e sussurrou que era pelo filho que faria aquilo. Por seu bem.

Quando Jongin entrou sorrindo, com uma mochila pendendo em um dos braços, gritando Sehun pelos cômodos, ele também desejou acordar quando o encontrou. Sehun estava ensopado, e não era possível dizer onde terminava o sangue e começavam suas lágrimas. Ele estava gelado e silencioso quando Jongin gritou, agarrando em sua mão e lhe puxando dali, aos tropeços, chamando pela mãe antes mesmo de alcançar sua casa. E Sehun permaneceu frio, como um inverno sem fim.

No velório dos pais, o qual Sehun não participou de fato, ela avisou à mãe de Jongin que o levaria embora, meio sussurrada pelos cantos, como se aquilo fosse errado. Seus olhos estavam inchados quando Jongin mordeu o lábio atrás da porta. O terno meio sujo de geléia e lembrança quando pensou que hey, Sehun podia se negar àquilo, sim? em nome da amizade deles. A Srta. Kim não viu outra alternativa a não ser assentir, afinal, quem era ela na vida de Oh Sehun?

 

 

"Querido, me responda, meu bem, você precisa comer alguma coisa." Já um pouco mais velha, batia devagar na porta do quarto do neto, com alguma esperança de que ele fosse responder, destrancar e sair sorrindo, mas se não acontecera em dez anos, não seria agora, não é mesmo? O neto não respondeu, típico. Ela estava cansada. Não do dia, especificamente, mas da vida, seus rumos e Sehun. Não o via a pelo menos seis semanas, e quando via, era apenas uma sombra ou vulto, se levantasse na madrugada e se escondesse atrás de uma porta qualquer. Os cabelos longos pareciam escorrer pelos ombros, negros como a noite que ainda não chegara.Eram mais ou menos  quatro da tarde em Los Angeles quando ela chorou. Pensou estar fazendo a coisa certa mudando de país, novos ares, uma nova cultura, mas fora totalmente o contrário. Ninguém sequer sabia no bairro que a velha china morava com alguém.

Ninguém além de Park Chanyeol.

 

Chanyeol ainda era meio pirralho quando viu o caminhão de mudança na casa não tão longe da sua. Eram os chinas, empesteando tudo como vinha acontecendo de uns tempos pra cá. Chanyeol odiava orientais. Odiava seus olhos, a pele cor de ovo, suas personalidades geladas e nojentas e acima de tudo seus nomes. Dissera aos outros garotos do bairro que seu nome era Noah. Não conhecia muitos nomes em inglês quando chegou, exceto os que lia na Bíblia traduzida que sua mãe usava como forma de castigo nas tardes mais infernais. A parti daí, ficou sendo Noah para os branquelos e latinos que povoavam a vizinhança.

A primeira vez que viu Sehun, ele parecia um fantasma em fase de crescimento. Se apresentou como Noah, suado depois de uma partida de futebol, fedendo feito o inferno. Sehun tinha olheiras e não parecia gostar de futebol. Ele se trancou e a velha vó dele explicou a situação ao menino, que esperou ela entrar também para espiar pelas frestas das janelas e encontrar o quarto do china estranho. Jogou uma pedra, o fazendo abrir parte dela, com os olhos meio vermelhos, como se suas lágrimas tivessem acabado por um tempo.

"De onde você veio?"

"Me deixa em paz"

"Fala"

"Coreia do Sul"

"Legal. Eu vim da Coreia do Norte." Sehun arqueou uma sobrancelha. Não era aquela imagem que tinha das pessoas do outro lado do muro. Noah parecia feliz. Feliz com quase nada. "E seu nome?"

"Sehun. Agora me deixa em paz, Noah."

"Na verdade eu me chamo Chaneyol."

 

 

Quando Sehun ligou a música em volume mediano, a avó limpou as lágrimas discreta. Ela gostava de pensar que aquela era a forma dele avisar de que ainda estava vivo.

Talvez Los Angeles fosse traiçoeira demais para alguém como Sehun. Ainda mais aquele lugar, o único em que a velha conseguiu uma casa por um preço mais ou menos justo. Por um lado, era bom saber que ele estava ali, apesar dos apesares. Estava em seu campo de visão mesmo que não pudesse vê-lo.

E hoje estavam ali, Chanyeol entrou pela tubulação do ar-condicionado, caindo na cama dura e bagunçada de Sehun, - estrategicamente colocada ali para uma eventualidade dessas -, que girava na cadeira meio quebrada em frente ao notebook.

"Porra, esse lugar fede muito." Chanyeol tirou uma máquina de cortar cabelo do cós do jeans, pronto pra fazer alguma coisa com Sehun, algo que o fizesse passar mais tempo ali. Uma das conseqüências em Sehun ser prisioneiro de si mesmo, era não ter contato com quase nenhum tipo de manutenção sobre cuidados pessoais. Não foram uma, nem mesmo dez vezes que Chanyeol o encontrou com uma barba maior que o aceitável e cabelos de hippie, por isso, pelo menos uma vez a cada dois meses, levava uma máquina de corte para o quarto, e fazia o que precisava ser feito, talvez como uma desculpa secreta para tocá-lo, mesmo que não sentisse muita necessidade de desculpas ou motivos. Sentou-o em cima da cama, com uma toalha suja na colcha, e começou a raspar devagar, o sentindo estremecer entre seus dedos de um jeito morno, o que era estranho já que sua pele era mais gelada que as calçadas no fim do inverno.

Sehun fechou os olhos. Ele gostava de ser tocado, ao contrário de Chanyeol. Chanyeol gostava de tocar, mas nele, apenas nele. Certa vez, Sehun disse que quando alguém o tocava era quando ele sabia que não estava morto. Levantou parte dos cabelos devagar, e raspou, não tão baixo e nem tão longo, um comprimento bom para se manter. Mordeu o lábio e olhou para a janela de persianas sujas pela poluição e pensou se aquilo se aplicava a Sehun também. O mundo lá fora lhe deixaria sujo caso saísse?

"Sehun, quando pretende sair daqui?

Ele se manteve em silêncio por tempo o suficiente para que o amigo mordesse a língua. Aquele assunto era como um campo minado para Chanyeol e seus braços envolvidos em plástico protegendo as tatuagens novas do sol.

Chanyeol era tatuador nas horas vagas, e com isso, conseguia pôr gasolina o suficiente no carro para fugir caso a polícia o encontrasse. Quando todos os latinos já estavam pintados demais, fazia bicos como hacker com as coisas que Sehun havia lhe passado. Estava sempre se virando, e com um pouco de dinheiro nos bolsos. Quando a coisa apertava de vez, pedia ajuda à Lana, que sempre parecia disposta a roubar um pouco de grana do cofre da família para Chanyeol se sustentar por mais uma semana.

"Não é tão fácil quanto parece."

"Claro que é, dude. Você abre a porta e sai. Pronto."

"Não fala essa porra de inglês comigo, sabe que não sei falar."

"Desculpa. Olha, eu estou quase terminando seu cabelo, se quiser eu posso pintar d-"

"Eu não posso sair daqui. Eu não quero que ninguém espere nada de mim. E se eu sair, o que faço depois? Eu gosto de pensar que minha mãe está fazendo o jantar lá fora e meu pai chegando do trabalho."

"Mas não estão. E você ainda é novo, pode superar isso e viver muita coisa."

"Aí é que está. Quantos anos você acha que eu tenho? Não se pode sair por aí com doze anos, Chanyeol."

"Você tem vinte e dois, Sehun. E um dia vai precisar sair. Não é uma opção e sim uma necessidade."

Agora Chanyeol se sentava no lugar em que ele estava antes, aproveitando o tempo livre para cortar o seu cabelo também. Sehun passava distraído a máquina pelas laterais do cabelo de Chanyeol agora, raspando-as enquanto ele lhe olhava com as pupilas meio trêmulas. Chanyeol se perguntou quando Sehun ficou tão bonito, e de repente se deu conta de que se perguntava aquilo todas as malditas horas do dia. Estava meio louco, ou talvez sempre fora, se bem que qualquer tanto de Sehun tira a sanidade de uma pessoa em poucos instantes. Ele estava tão perto que Chanyeol sentiu vontade de lhe prometer todas as coisas boas do mundo, nem que precisasse destruir um milhão de discos rígidos e tatuar mais um milhão de latinos suados. Por Sehun ele faria.

"Se eu sair um dia, vou estar sozinho."

"Eu vou segurar sua mão."

 

 

Kyungsoo odiava chorar. Era ridículo e vergonhoso. Por isso estava trancado no banheiro do bar onde trabalhava, esmurrando uma das divisórias até deslocar o polegar. Não tinha força pra chorar ainda mais, então apenas ligou a água gelada da torneira, adormecendo parte da mão para tentar recolocá-lo, causando uma dor aguda e descontrolada. Talvez similar a Jongin e Yixing de gracejos na mesa doze. Doía mais ou menos como aquilo, fazendo seu estômago dar voltas e voltas no nada. Lavou o rosto quando ouviu o gerente chamar seu nome no microfone pela terceira vez. Apertou os olhos quando pegou o violão e sentou no banco meio torto que havia no palco, cantando cinco ou seis músicas piegas e fingindo não ver o amor que Jongin despejava no chinês em uma das últimas mesas.

Para Kyungsoo, Jongin era estabilidade. Ele sempre deixou bem claro que nunca o deixaria. De certo que eram adolescentes, com corretores de postura e aparelhos dentais, mas ele não parecia ligar. Ele estava lá. Sempre estaria. Essa era a única certeza que Kyungsoo tinha em vida. A primeira vez  que viu Yixing, sentiu algo quebrando por dentro, e não soube dizer o que era quando aconteceu. Era a sua segurança.

Mesmo nunca assumindo um relacionamento concreto, Kyungsoo sempre teve certeza de que havia algo, afinal, eles transavam sempre que convinha, dormiam juntos e passavam fins de semana na casa um do outro. E, mesmo que Jongin nunca deixasse Kyungsoo esquecer uma escova de dente dentro do seu banheiro, pra ele, aquilo era um relacionamento. Talvez pra Jongin não fosse.

Alguém pediu uma última música, e Kyungsoo engoliu seus pensamentos para conseguir cantar certo enquanto Yixing beijava Jongin à meia-luz.

Kyungsoo levantou-se, e fingiu não chorar quando Jongin chamou sua atenção, oferecendo carona. Seus lábios estavam inchados e ele parecia leve, mas o músico negou, quando apertou o passo até a sala do gerente, para receber sua comissão noturna.

 

Jongin fingiu não ver que Kyungsoo chorava. De repente, lembrou-se de Yixing, e um rompante, de Sehun. Sehun era uma daquelas coisas que a gente enterra. Ele não fez muita questão da amizade deles naquele dia, por que Jongin precisava fazer?

Por que Jongin chorou todos os dias desde então?

Por que Jongin escrevia pra ele toda semana e nunca enviava nada?

Por que seu coração parecia arrancado do peito cada vez que algo, por mais bobo que seja, o lembrava ele?

Por que beijou Yixing aquela noite imaginando como Sehun estaria no dia de hoje?


 

 


Notas Finais




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