História Seja Infame - É Angel

"A maior dificuldade que se tem em amar, é não ser amado"

Saulo Tavares

Ponto de Vista da Angel

— Vai ter uma festa lá em casa, essa noite — Hannah disse — E espero te encontrar lá, dona Gimmie — disse, mandona.

— Festa na sua casa — suspirei, encarando minhas anotações da aula passada — Porque isso não me cheira bem?

— Porque você é sem graça, Angel — ela rolou os olhos — Bebidas, música e agitação, por Deus, quem não gosta disso? Você é de outro planeta.

— Talvez eu seja, quem sabe — fechei meu caderno e ergui o olhar — Mas eu vou — Hannah sorriu com meu comentário — Tenho que usar alguma roupa em especial?

— Algo usável, por favor — ela disse e eu dei de ombros.

— Seria mais fácil você me emprestar alguma coisa desse jeito — comentei, ironicamente.

— Até que a ideia é boa, Angel — Hannah abriu um sorriso e vi seus olhos terem um relapso de brilho momentâneo.

— Era apenas uma brincadeira — comentei, arrependendo-me de ter aberto a minha maldita boca.

— Já sei até o que te dar — seu sorriso engrandeceu e eu suspirei, derrotada — Passe algumas horas antes, na minha casa, e eu te empresto o vestido.

— Por favor, que não seja nada acima dos joelhos — supliquei, fazendo uma pequena careta. Hannah começou a gargalhar e eu soube naquele exato momento que com certeza não era algo que respeitasse minhas normas.

                                                                   [...]

Quando se faltava cerca de quarenta minutos para as sete horas da noite, eu cheguei a casa de Hannah. Toquei a campainha e abracei meus braços, sentindo a brisa gelada da noite atingir minha pele quente. A porta foi aperta, e encontrei Hannah sorrindo.

— Realmente não faço a menor ideia do por que acabei vindo até aqui, mas não me faça sentir arrependimento disso, por favor — murmurei insegura e Hannah apenas riu, puxando-me para dentro de sua casa.

Adentrei sobre sua sala de estar, quente e reconfortante, fazendo-me esquecer rapidamente do frio que cercava a rua. Hannah me arrastou por entre seus móveis, dos quais eu ia desviando, e logo subimos as escadas. Alguns passos dados sobre o longo corredor, e estávamos de frente à porta de seu quarto.

Adentramos ao mesmo e eu rapidamente caminhei até sua cama macia e sentei-me, sem rodeios. Hannah caminhou até seu closet e começou a procurar pelo “tal vestido”. Puxei ar pelo nariz e soltei-o esporadicamente, tentando me concentrar na árdua tarefa de Hannah, em busca do vestido.

— Achei — ela disse, com um tom de vez repleto de êxtase e animação. Logo ela veio até mim, com um vestido em suas mãos. Quando olhei aquele pedaço de tecido preto em seus braços, rapidamente neguei com a cabeça.

— De jeito nenhum, Hannah Campbell — disse, completamente decidida.

— Não comece com esses seu jogos de negação, Angel — ela rolou os olhos enquanto segurava o vestido com cuidado, impedindo-o de amassar — Você vai vestir isso e vai amar. É assim que funciona.

— E por que eu faria isso? — perguntei desafiadora, e cruzei meus braços na defensiva.

— Porque Zayn Malik vai vir à festa.

Touché. Ela havia me pegado com apenas uma carta na manga. E que carta. Olhei o vestido, como se ele fosse um muro sobre minha visão, a barreira que me impedia de chegar a Zayn, que me aguardava sobre o outro lado da parede. E então acabei cedendo à Hannah mais rápido do que qualquer outra vez que o fiz em toda minha vida.

— Se eu ficar ridícula com isso, a culpa vai ser completamente sua, Hannah — murmurei antes de puxar o vestido de seus braços. Não esperei para ver seu sorriso vitorioso instalar-se sobre seus lábios, apenas dei passos pesados até seu banheiro.

Retirei minhas roupas como se estivesse sendo forçada por alguém, o que de fato não era completamente mentira. Eu faria isso por Zayn Malik, e droga, esse garoto sequer nunca havia me olhado na vida, porque apenas por um vestido, ele me notaria? Não estávamos num conto de Cinderela.

Coloquei o vestido com delicadeza, evitando encostar bruscamente nele e sem querer estragá-lo. Ele passou dificultosamente por meu quadril e assim que o fechei sobre meus seios, os mesmos pareciam extremamente volumosos. Nunca havia me visto daquela forma, e obviamente minhas defesas entraram em jogo, fazendo minhas bochechas ruborizarem com rapidez. Talvez Hannah fosse menor do que eu, porque não me lembro de algum de seus vestidos a fazerem parecer tão “robusta”.

Saí do banheiro com o rosto abaixado, escondendo minha vergonha alarmante. Aquilo era ridículo. Eu estava me sentindo completamente desprotegida, como se o vestido tivesse desaparecido e agora eu despojava apenas de lingeries.

— Meu Deus — Hannah começou a dizer e eu logo imaginei risadas seguidas — Angel Gimmie, você está completamente gostosa nesse vestido!

— Você só pode estar brincando — finalmente ergui minha cabeça, encontrando seus olhos surpresos e animados — Olhe pra isso — apontei a toda extensão do vestido.

— Sim, estou vendo isso — ela sorriu de forma que seus lábios quase franziam numa mistura de sorriso e descrença — Você tem belos seios, Angel.

— Vá se foder, Hannah — rolei os olhos, cruzando meus braços defensivamente em seguida.

— Não estou brincando — ela disse rapidamente — Você deveria usar mais decotes.

— Não, obrigada.

— Bom, preciso me vestir agora. Pode escolher algum sapato no meu closet — ela disse, levantando-se da cama e andando até seu closet. Em seguida surgiu com um cabide que pendurava seu vestido. Ela lançou-me uma piscadela amigável e saiu em direção ao banheiro.

Eu me senti automaticamente na defensiva. Esse vestido mostrava tudo o que eu escondia há anos sobre minhas camisetas surradas, e eu não era a maior fã de exibição do mundo. Cruzei os braços e respirei profundamente, procurando minha paz espiritual, se é que em algum momento ela já esteve presente comigo. Logo Hannah saiu do banheiro, trajada com o belo vestido que de fato a deixava maravilhosa.

— Você ainda não colocou nenhum sapato, Angel? — ela perguntou, passando a mão sobre seus cabelos.

— Na verdade desde que eu coloquei esse vestido eu não me movimentei para nada.

— Meu Deus — Hannah rolou os olhos — O que eu preciso fazer para você acreditar que está bem nele?

— Não sei, talvez me transformar em outra pessoa, quem sabe — sorri ironicamente.

Hannah deu de ombros e caminhou até seu closet, voltando em seguida com dois pares de salto alto. Ela esticou seu braço, oferecendo-me um dos pares.

— Eu não sei andar com essa coisa — apontei ao salto, como se ele fosse um desafio.

— Angel, hoje você tirou o dia para me irritar — Hannah esbravejou, com um tom um pouco mais alto e alterado.

— De qualquer jeito eu não vou usar isso, Hannah — neguei rapidamente, empurrando os saltos contra seu colo.

— Tudo bem, tudo bem — ela desistiu, virando-se de volta ao closet. Logo ela voltou com um par de sapatilhas e eu sorri agradecidamente. Peguei as mesmas e as vesti agilmente. Conforto era o que eu mais prezava em calçados. Hannah vestiu seus saltos rapidamente e logo ficou alguns centímetros, mais alta que de costume.

Por volta das sete e meia da noite, as pessoas começaram a chegar à casa de Hannah. Logo o som foi ligado, tocando músicas aleatórias e Hannah, como de costume, pegou um copo de bebida desconhecida. Eu a seguia pelos cantos de sua casa, como se eu fosse um filhote desprotegido e perdido. Aquele vestido estava praticamente me ridicularizando publicamente, e eu pensava seriamente na possibilidade de correr até o quarto de Hannah e pegar algum longo casaco.

— Hannah — ouvi a voz de Liam atrás de nós — Linda como sempre, não é? — ele disse maliciosamente e ela virou-se apressadamente.

— Oi Liam — Hannah disse, mordendo a ponta de seu copo de plástico — Que bom que você veio — sua voz continha passividade e com certeza, não expressava animação alguma.

Liam Payne, o segundo maior pegador do colégio. Ele era bonito, de fato, mas completamente galinha. Bom, se formos julgar apenas por isso, Zayn é pior que ele, então fama não era algo que eu usava para generalizar uma pessoa. Hannah não era a mais “íntima” e amigável com Liam, porque num passado – bem antigo – quando Liam era apenas um garoto normal do colegial, ele e Hannah ficaram. Naquela época eles eram extremamente amigos e unidos, mas com o passar dos meses, Liam seguiu um rumo diferente. Ele entrou na “jogada” nos meninos do colégio, de contar suas vitórias de “ficadas” uns em cima dos outros, então assim surgiu o grande “mito da lista”.

O mito da lista é simples: os garotos mais populares e mais avantajados de “ficadas” com as garotas criaram cada um, uma lista com todos os nomes de garotas que eles já ficaram. E isso não é tudo. Tem uma variação por pontos. Dois pontos por beijo, três pontos se conseguir ficar com uma garota duas vezes, cinco pontos para sexo oral, e dez pontos para sexo. Além de a lista ser dividida entre “soma dos pontos” e “garotas difíceis de pegar”. Isso é tudo o que Hannah soube, por meio de Liam. Eu imagino que deve ter mais uma sequencia de pontos para outras determinadas coisas como, por exemplo, “transar com a garota mais de uma vez”, ou “não usar camisinha”, que deve valer muitos pontos. Então Liam ficou obcecado por essa lista e pela competição que Zayn e ele disputam um contra o outro, pelo nome do mais “pegador”. O problema disso tudo para Hannah, é que Liam, apesar de ter sido quase como a primeira paixão dela, não a poupou disso. Hannah entrou para sua lista.  E para piorar a situação, ela está entre dois tópicos. As garotas mais difíceis de pegar e bom, ela valeu dez pontos na lista de Liam.

— Angel? — a voz grossa e aveludada de Liam despertou-me de meus devaneios momentâneos, e eu ergui o olhar — Você está... Wow — ele desceu seus olhos pela extensão do vestido e um sorriso singelo surgiu em seus lábios.

— Olá Liam — eu sorri, sentindo minhas bochechas esquentarem.

— Presumo que esse vestido não seja seu — ele disse, enquanto seu sorriso oscilava para sarcasmo.

— Acertou em cheio — sorri falsamente — É da Hannah.

— Claro — Liam colocou seus olhos sobre Hannah, que parecia ignorá-lo — Como vai a noite, Hannah?

— Ótima, Liam — ela respondeu mecanicamente.

— Bom — ele suspirou, com um sorriso levemente forçado em seus lábios — Vou dar uma volta por aí. Quem sabe nos vemos depois?

— Até — eu disse, sorrindo de soslaio. E então Liam afastou-se de nós rapidamente.

Hannah soltou um suspiro pesado ao meu lado e seus dedos pressionaram o copo de plástico com mais força, fazendo-o criar um vinco ao lado. Encarei-a, tentando pensar rapidamente em algum jogo de palavras rápido e arrebatador. “Hannah, ele não te merece”? Não, me soava vago demais para ela.

— Nem diga nada — ela disse, atrapalhando minha linha de raciocínio. Soltei uma leve risada rápida.

— E depois você fala de mim, dona Hannah — murmurei, dando uma piscadela — Vocês dois vivem em um clima pesado desde o nono ano.

— A escolha foi dele — Hannah disse, com sua voz mais rígida e dura.

— Relaxe, não estou te acusando de nada — dei uma leve empurrada em seu ombro com o meu, tentando apaziguar aquele péssimo clima. Hannah ergueu sua cabeça rapidamente e bebeu todo o líquido que restava em seu copo, já amassado. Assim que ela acabou sua bebida, franziu seu rosto numa careta.

— Eu estou na minha casa em minha festa — ela disse, com amargura soando por seus lábios — Liam Payne não vai estragar essa noite.

— Essa é a minha garota — eu disse, com um sorriso de alívio e alegria em meus lábios.

— Pelo visto a sua noite acaba de melhorar também, Angel — Hannah focou seus olhos em algum local da sala, que estava repleta de pessoas, dançando — Zayn Malik acabou de chegar.

Segui seu olhar quase que de imediato, procurando entre vários corpos, por um específico. E lá estava. Zayn Malik, com seus ombros se movimentando de forma despojada, como de costume, enquanto ele se esgueira pela multidão. Senti meu estômago se contrair, como se eu tivesse acabado de correr uma maratona, e todo meu corpo ficasse rígido. Zayn estava acompanhado de alguns amigos, e logo eles começaram a conversar. Malik abriu um sorriso desleixado e bagunçou seus cabelos.

Puta merda, como ele conseguia ser gostoso de todos os jeitos possíveis?

— Vá falar com ele — Hannah disse, tocando meu braço. Mas eu não sentia seus dedos de contato comigo. Eu estava inerte demais sobre os olhos persuasivos de Malik, e sua barba levemente mal feita. Ele era um pacote completo de todos os pecados do mundo.

E eu mataria e morreria para poder desfrutar de cada um deles.

— Não — eu disse para Hannah, rapidamente — Não sou como as garotas que ele paquera, Hannah, ele não vai querer merda nenhuma comigo.

— Você por acaso já tentou? — ela disse, cruzando seus braços decididamente. Sua sobrancelha ergueu-se como uma desaprovação de meu comportamento assustado.

— Não e nem quero. Humilhação pública não é meu forte.

Hannah rolou os olhos, e puxou minha mão habilidosamente rápida. Ela me arrastou contra a minha vontade por toda sua sala, e logo eu estava sobre a visão de Zayn. Não poderia me debater agora, ele veria e me acharia uma retardada, então apenas concluí meus passos e parei repentinamente, em sua frente.

— Zayn — Hannah disse, com um tom extraordinariamente animado — Você veio.

Ele desceu seus olhos pelo corpo de Hannah e por um milésimo de segundo senti inveja por ter uma amiga tão esbelta. Logo um sorriso convidativo surgiu nos lábios de Malik.

— Hannah Campbell — ele disse, com sua voz carregada de charme — Claro que eu viria a uma festa sua.

— Ótimo — ela sorriu abertamente e puxou meu corpo, de encontro ao corpo de Zayn, quase colando-nos — Já te apresentei minha amiga Angel?

Que merda. Eu estava com a pior feição de “Estou em desespero, alguém me ajude” enquanto Zayn Malik colocava seus olhos sobre mim pela primeira vez naquela noite. Ele vai rir de mim. Esse vestido está caçoando da minha cara, e Zayn vai se juntar ao time “Ridicularizem a Angel”. Eu sei disso.

— Acho que não — Zayn disse descendo seus olhos com precisão, sobre meu decote inconveniente — Belo nome. Angel. Combina exatamente com você — ele disse, com seus olhos fixados sobre os meus.

Há algumas horas atrás, Zayn Malik não sabia meu nome. Agora ele o usa para me cantar. E eu seria a maior mentirosa do mundo se não dissesse que suas palavras estavam arrepiando cada fio de cabelo do meu corpo.

— Vou deixar vocês conversarem — Hannah disse, afastando-se em seguida. Sequer tive tempo para impedi-la de me abandonar ali.

Puta merda, eu estava com Zayn Malik. Sozinha com Zayn Malik.

— Em que colégio você estuda, Angel? — Zayn debruçou-se levemente, diminuindo a distância entre nós. Senti seus olhares rondarem minha pele desnuda, rapidamente.

— No mesmo colégio que o seu — eu disse, sentindo-me ligeiramente ofendida — Temos aulas de Química e Álgebra juntos.

— Sério? — ele soltou uma risada amistosa — Não me lembro de termos nos visto.

Nos vimos hoje de manhã, Zayn.

— Eu não costumo falar muito — disse, tentando soar como se ele tivesse realmente um bom motivo para não se lembrar de mim — Deve ser isso.

Eu não sabia mais o que argumentar. Não costumava falar com garotos, e agora tudo o que me passava na cabeça eram palavras e mais palavras, enquanto eu tentava em desespero pensar em alguma frase descente. Zayn sorriu lançando-me seu famoso “olhar paquerador” e eu senti minhas pernas bambearem.

Talvez esse fosse meu dia, sim. Talvez finalmente, depois de anos e anos, eu ficaria com Zayn. E pensar nisso me trazia uma felicidade repentina que se explodia em meu peito.

— Zayn, Emma Shona está na piscina nadando pelada — Ryan surgiu, dizendo com completa empolgação. Zayn virou-se para encarar Ryan, e vi seus olhos arregalarem-se rapidamente. Seu sorriso, antes paquerador, aumentou, e agora trazia uma expressão de puro êxtase e felicidade.

— Nos vemos depois, Annabelle — Zayn disse a mim rapidamente enquanto virava-se em direção aos fundos da casa de Hannah. Encarei-o, desaparecendo sobre minha visão, desacreditando naquilo. Respirei fundo, caindo numa inerte de negação.

— É Angel.