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História As Origens de Sebastian - Capítulo XVI - Origens - Parte I


Escrita por: andreiakennen

Notas do Autor


Sei que vão me fuzilar pela demora, então.... >_<
Vamos ao capítulo! o/
Boa leitura!

Capítulo 16 - Capítulo XVI - Origens - Parte I


As Origens de Sebastian

Capítulo XVI

Origens – Parte I

 

O nosso mundo é subdividido em três:

A Terra - está localizada entre o céu e o submundo, e possuí uma superfície que é o habitat dos seres que possuem corpos físicos jazidos por almas, chamado de humanos, além das plantas e animais. Um mundo onde a luz e a escuridão coexistem.

O Paraíso ou Céu - está localizado em um plano transcendental, acima da Terra, composto na maior parte de luz; um mundo onde residem as Almas-Luz e os Anjos-Luz (sendo esse último uma elevação da Alma-Luz).

O Submundo ou Inferno - está localizado em um plano inferior, abaixo da Terra, composto na maior parte de escuridão; um mundo onde residem as Almas-Negras e os Espectros-Demônios (sendo o último uma elevação da Alma-Negra)

Os seres habitantes desses mundos só podem existir em seu devido plano. Nenhum deles pode ultrapassar a barreira do outro, com risco de terem sua existência extinta.

Porém, há uma ligação entre a Terra e o Céu.  A Terra fora criada para ser residência dos seres corpóreos que Deus esculpiu a partir do barro e a sua semelhança. O Criador habitou essa nova obra com uma Alma-Luz e surpreendeu-se com a magia da sua própria criação. Aquele novo ser agia de forma independente, tais como os animais, porém, era capaz de raciocinar e de se comunicar de forma mais espontânea.

Satisfeito com sua criação, Deus decidiu esculpir uma companhia para o primeiro criado, exatamente como fizera com os animais, e os batizou de Adão e Eva. Concedeu aos dois o Jardim do Éden como morada e deu a eles liberdade para serem e fazerem o que bem entendessem, com uma única condição: que jamais tocassem no fruto da macieira no centro do Jardim.

Obviamente, uma restrição que Deus impôs para ter certeza até onde aqueles novos filhos seriam submissos as suas ordens.

Deus estava tão entretido com sua obra que não notou que a mesma não fora bem quista por todos os seres que ali existiam. Um dos seus Anjos-Luz, o mais belo, e o que mais amava e idolatrava seu Criador, passou a espreitar seu Supremo, enquanto sentia ser invadido por algo novo, uma sensação que não sabia ao certo identificar, mas que se manifestava toda vez que assistia seu Deus dedicar todo seu tempo aos novos irmãos.

Esse Anjo-Luz ouviu a história do fruto proibido e ligeiramente deduziu que, se aqueles novos irmãos desobedecessem a restrição imposta pelo Pai, que Ele os puniria destruindo-os, por considerá-los defeituosos, imperfeitos. E eles, os Anjos-Luz, voltariam a ser a criação preferida de Deus.

Então, decidiu que iria se aproximar, e para que não levantasse suspeitas, possuiu um dos animais que habitavam o Jardim: uma bela serpente. Esperou pacientemente o melhor momento para que pudesse agir, esgueirando-se nas proximidades, até ser bem sucedido em puxar conversa com um e depois com outro.

Notou de primeiro momento que Adão não era nada interessante, ele não lhe dispensara muita atenção, diferente de Eva, que era mais curiosa e atenta.

Certo dia, Adão e Eva pareciam meio distantes, e a serpente fora ver com Eva o que estava acontecendo. Surpreendeu-se quando Eva contou que estava incomodada, algo que remeteu a ele próprio, e a sensação que vinha tendo em relação ao Pai. Eva reclamou que Adão não estava dando atenção à ela e preferia passar o tempo inteiro explorando.

Aquela ideia brotou na mente do anjo disfarçado na pela da serpente e decidiu que seduziria Eva com ela. Explicou a irmã que se ela presenteasse Adão com algo único, ele voltaria sua atenção somente para ela. Quando Eva quis saber o que poderia ser esse algo único, a serpente indicou a macieira.

A princípio Eva relutou, se o Pai havia imposto uma restrição sobre o fruto, existia algum motivo especial para tal. Todavia, sua inquietação com a distância de Adão aumentou ao ponto de fazê-la repensar o assunto.

“Talvez a serpente estivesse certa. Tal travessura não geraria uma punição tão grave e talvez valesse a pena. Pegaria apenas um fruto, em meio a tantos, um não faria falta. O Pai sequer perceberia”, foi o que ela imaginou.

Roubou a maçã e com uma mordida experimentou seu sabor, agraciando-se com a sensação doce e ao mesmo tempo cítrica que dançara em seu paladar. Logo, fora a procura de Adão e mostrou a ele o fruto mordido. Apesar de surpreso, o rapaz não relutou em ser seduzido e acabou cedendo a tentação.

O que nenhum dos dois contava e nem mesmo o Anjo-Luz disfarçado de serpente, era que o Criador tudo via e tudo sabia. E Ele não só puniu seus novos filhos pelo delito, como também seu mais belo e fiel Anjo-Luz, excomungando a todos os três do seu reino.

Ao seu Anjo-Luz Deus reservou a pior punição: tirou dele toda a Luz que era e essência para viver em seu reino e lançou-o o mais longe que pode, no submundo, abaixo da Terra, o mundo o qual Deus não considerava seu território, pois ali sua Luz não se infiltrava.

Aos seus novos filhos, Adão e a Eva, Deus removeu deles uma parte da luz em suas almas, e com ela, tirou deles o direito a vida eterna. Em seguida, os enviou a Terra. Um mundo semelhante ao Jardim, mas o qual Ele não conseguira dissipar toda a escuridão. Nesse mundo o tempo se dividia entre luz e escuridão. Dia e Noite. Nele, o tempo não parava, corria de forma acelerada e os seres que o habitavam viviam um ciclo composto pelo nascimento, desenvolvimento, crescimento e o envelhecimento. Quando esse ciclo acabasse seus corpos morreriam e a Alma-Luz se libertaria daquela prisão carnal.

No entanto, o Criador amava sua nova criação de uma forma não esperada e, com base nesse sentimento, decidiu dar a eles uma chance de habitarem novamente seu reino. Para isso, no final daquele ciclo que eles viveriam na Terra, após a morte dos seus corpos humanos e a libertação da alma, eles subiriam para o Tribunal na entrada do Paraíso, onde seus feitos em vida seriam avaliados.

Caso, nessa avaliação, fosse constatado que os atos em Terra não corromperam a alma avaliada, a mesma obteria de volta a parcela de luz retirada antes do nascimento e retomaria a sua essência como uma Alma-Luz completa; teria de volta a vida eterna, além da permissão de residir no Paraíso.

Porém, aqueles que permitissem terem suas almas corrompidas pelas trevas não seriam aceitos no Paraíso, tendo dois destinos a tomar então.

O primeiro destino: voltar a vagar na Terra até sua existência ser extinta pela própria, visto que a alma que não possui um corpo físico é dissolvida e absorvida pela própria natureza.

O segundo destino: o submundo.

Mas, Lúcifer, como era chamado o Anjo-Luz banido do Paraíso, não se conformou com o direito ao perdão dado pelo Criador para aquelas criaturas que eram facilmente corrompidas.

Decidindo que, exatamente como fizera com Adão e Eva, corromperia o máximo de almas terrenas possíveis, para que elas fossem impedidas de voltar ao Céu e tivessem como única opção de morada: o submundo. 

Contudo, para isso, seria necessário que Lúcifer subisse a Terra e entrasse em contato com os humanos. Foi então que ele descobriu que sua tarefa não seria fácil como imaginara. Apesar de poder visitar a Terra quando bem entendesse, percebeu que a luz do dia era uma arma altamente mortífera para as trevas — a matéria prima da qual sua nova existência era composta. Se entrasse em contato com o mínimo de claridade que fosse, seria imediatamente dissolvido.

Restara a ele apenas o direito de vagar durante a escuridão, isso, por algum tempo, antes que sua essência começasse a ser decomposta e absorvida pela própria natureza.

Como se não fosse o bastante a dificuldade de permanecer em Terra no seu estado original, Lúcifer percebeu que os humanos não possuíam o poder de ver, ouvir e muito menos se comunicar com as almas em seu estado natural. A única coisa que os humanos conseguiam era sentir que essa essência existia, todavia muitos sequer compreendiam aquela sensação. 

Uma forma de caminhar na Terra sem ter a Alma-Negra dissolvida pela luz era ter um corpo terrestre. No entanto, Lúcifer não tinha o poder de conceber um corpo terrestre, visto que aquela era uma obra única das mãos divinas do Criador.

Deus também havia tomado algumas precauções: tirara por completo a capacidade de fala dos animais da Terra. Ou seja, mesmo que ele se apossasse dos animais, ainda não conseguiria se comunicar com os humanos.

Foi então que Lúcifer ousou a testar um novo meio: possuir um corpo humano. Não se surpreendeu quando teve que deixar o corpo humano às pressas, antes de ser dissolvido por completo. Um humano é habitado por uma alma que originalmente fora uma Alma-Luz. E, apesar de a alma humana estar em um nível menor que a original, ainda é composta da matéria mortífera para ele: a luz.

Passaram-se algumas décadas, talvez séculos, até que o anjo caído pudesse recompor suas forças da primeira possessão humana e voltar a atividade. Foi quando Lúcifer descobriu que não estava mais sozinho, seu reino havia sido habitado por inúmeras Almas-Negras. A primeira a se apresentar a ele fora a alma do primeiro corpo humano que possuíra. Ou seja, sua possessão havia dado algum resultado. Não era somente a luz da alma humana mortífera aos da sua espécie, mas seu poder obscuro também era capaz de corromper as puras almas vindas do reino do céu.

Ficou contente com aquele resultado e passou a investigar melhor, enquanto treinava seu exército com base naquela informação.

Pesquisando, Lúcifer descobriu que a Alma-Negra que é dissolvida em partículas menores na Terra e absorvida pela natureza, terra, água, ar, plantas, e animais, acabam contaminando a matéria com a qual se funde e o ser humano que consome essa matéria acaba sendo corrompido também, aumentando as probabilidades dele se tornar ruim em vida e cometer erros que o impediram de voltar ao reino do céu.

Mas o anjo caído percebeu que o sacrifício de suas almas não era compensatório, pois a contaminação obtida causava doenças e deterioração da matéria contaminada, e os humanos não tinham o hábito de consumirem nada de aspecto duvidoso ou gosto ruim.

Além disso, os próprios humanos começaram a encontrar meios de purificar suas almas corrompidas, através do ato que denominaram religião. 

Almas, que não eram facilmente corrompidas, tornaram-se discípulos de Deus na Terra e semeadores da palavra Dele, incutindo nas almas corrompidas (ou por se corromper), os ensinamentos necessários para que elas pudessem habitar o Reino dos Céus e voltar ao Pai.

Chegou o momento que Lúcifer decidiu que era tempo de aprofundar sua pesquisa e criar novos meios de corromper as almas humanas. Se os humanos conseguiam por eles próprios encontrar soluções de se protegerem, ele certamente conseguiria encontrar novas formas de burlar essa proteção.

Passaram-se mais alguns séculos fazendo testes até Lúcifer concluir que era possível possuir um corpo em estado terminal. Em alguns casos de doenças graves a alma humana abandonava o corpo antes da morte deixando-o em um estado vegetativo. Nesse caso, os demônios podiam possuir esse corpo, até que estes se deteriorassem de vez.

Porém, os familiares do ser humano possuído acabavam notando as diferenças no estado do possuído, a mudança na cor da pele, o timbre de voz e principalmente o comportamento arredio.

Ainda havia a pior das mudanças: o poder do Espectro-Demônio que se manifestava sem que o próprio demônio pudesse controlar. Poder que os humanos não possuíam e consideravam anormais para seus padrões. Tais como: mover qualquer objeto apenas com a força da mente, locomover-se em paredes ou teto, erguer objetos cujo peso era considerado insuportável para corpos tão frágeis, além de usar de uma força destrutiva para golpear; cuspir fogo, ácido, congelar os ambientes e envenenar.  

Devido a essas diferenças atenuantes que, ao perceber os primeiros resquícios de possessão, os humanos ao redor do possuído, buscavam imediatamente a ajuda dos missionários de Deus, que passavam dias e noites tentando expulsar o Demônio do corpo humano.

Desta forma, possuir os corpos dos animais passou ser a opção mais tranquila para a maioria dos Espectros-Demônios.

E, provavelmente, fora assim que surgira a primeira, e a mais poderosa existência em meio aos demônios.

Não se sabe ao certo quando o receptáculo-demônio surgiu, mas havia especulações entre os seres das trevas que, tal origem se deu, no momento em que o primeiro humano deixou-se ser guiado por sua libido deteriorada e este cruzou com um animal-possuído.

Desse estranho cruzamento deu-se uma gestação. Contudo, o ser que estava sendo gerado no ventre da mãe-humana, não fora concebido conforme as normas divinas e por esse fato não possuía uma alma. Um ser híbrido e sem alma. Uma joia rara de valor inestimável sendo lançada em uma multidão de miseráveis.

Vários espectros ao sentirem a presença daquele receptáculo perfeito se alvoroçaram para subirem a Terra e possuí-lo. Obviamente, os servos mais próximos de Lúcifer não permitiram e decidiram que quem deveria ter aquela honra era o rei do Submundo.

Mas Lúcifer tinha conhecimento do seu poder corrosivo para um corpo humano e temeu em destruir aquela peça tão preciosa. Além de não ter certeza qual seria o resultado da possessão. Nomeou então um dos seus melhores servos para tarefa e assistiu atentamente o desenrolar da gestação.

A possessão foi feita sem nenhum contratempo e a gestação seguiu tranquila. O espectro-demônio foi crescendo junto com esse novo corpo, adaptando-o a sua energia, e quando esse ser veio ao mundo ele veio com uma combinação poderosa: parte-humana,  parte-animal e a alma espectro-demônio. Um terceiro ser extremamente poderoso.

Porém, o que não fora esperado pelo senhor das Trevas, era a fome incessante que brotou nesse ser após o nascimento. Uma fome que só foi aplacada ao devorar a carne e beber o sangue do próprio corpo humano que o gerara.

Ato que levou os humanos que ajudaram o nascimento a assassinar o recém nascido. Ou, ao menos, fora o que pensaram.

...

Condado de Ibricheld, século VIII, ano 799, Europa Carolíngia.

O mendigo continuava vigiando a margem congelada do Alvo Di Florence, depois da Floresta de Ciantra. Apesar de ser a parte mais fria da região era ali que despejavam o melhor lixo: o do castelo de Ibricheld.

A madrugada ia alta e ainda não havia conseguido pegar no sono, culpa da infeliz fome que fazia seu estômago contorcer, o enfastiando e o indispondo, e sustentando sua insônia.

Desde que ali chegara vinha desejando a morte mais do que tudo que desejara em sua ínfima existência. Todavia, o infortúnio impregnara na carcaça humana em que se transformara, e a dona Morte, que em seus delírios mais febris era uma bela e alta mulher, de corpo sinuoso, vestes negras, face alva e brilhante como a lua, olhos de esmeraldas e cabelos longos e turvos como véu da noite, simplesmente o repugnava e não ansiava amparar em seus braços um ser tão asqueroso como ele.

Tudo porque se tornara um verme, que rastejava em meio ao lixo atrás de resquícios que aplacasse o avaro incessante que o consumia.

 O frio era outro fator mortificante. Ainda mais naquele período do ano que as noites eram mais longas e a temperatura despencava antes mesmo do sol se esconder entre as montanhas atrás da floresta de Ciantra.

Aliás, há semanas vinha percebendo uma concentração estranha de nuvens pesadas naquela região.

 Mesmo em meio a tanta desgraça, fechava os olhos de maneira firmes e procurava invocar o sono. Bastava imaginar acordado para o sono vir. Via-se em uma vida completamente diferente, nobre em um castelo, rodeado de lindas mulheres, pai de muitas crianças e mesa sempre farta.

Era nesses instantes que os sonhos uniam-se aos delírios febris e o faziam ver coisas que não tinha certeza se eram reais. Vultos que sussurravam entre eles em uma língua que lhe causava arrepios.

Naquele exato instante estava enxergando algo que não tinha certeza se era real ou não, mas o barulho peculiar da carroça do castelo o fez crer que não estavam sendo enganado por seu imaginário.

Mas, afinal, o que aquele velho e cansado homem estaria fazendo seu trabalho na madrugada?

Voltou a fechar os olhos e em seus sonhos o barulho de desatrelo da carroça nada tinha a ver com as crianças que corriam aos risos no cenário verde claro e florido.

Reabriu os olhos devagar, voltando sua mente para o real purgatório onde residia e viu o carroceiro real desfazendo o nó das cordas que impediam o lixo de cair pelo percurso.

O velho homem resmungava e praguejava alto sobre o fedor e o frio, parecia querer completar sua tarefa logo para ir embora. Assim que ele terminou de soltar as amarras, subiu na carroça e passou a empurrar as trouxas de lixo sem cuidado algum, com a ajuda de uma tora velha de madeira.

O trabalho foi concluído sem delongas e o homem se fora tão rápido quanto surgiu.

O frio era tanto que o mendigo pensou duas vezes antes de sair do amontoado de trapos velhos no qual se envolvera para se aquecer, e os quais estavam até confortáveis, para ir a procura do que comer. Porém, bastou recordar-se que havia mais de semanas que não se alimentava direito, para seu estômago emitir um ronco alto e motivá-lo na caça pelos restos frescos do banquete dos nobres do castelo de Ibricheld.

E não se arrependeu de ter optado por vasculhar o lixo recém chegado, pois assim que desenrolou a primeira trouxa, seus olhos brilharam com os vários pães e roscas que rolaram em cima da montanha de detrito.

Saiu desesperado atrás dos mantimentos e apanhou a todos, juntando-os rente ao peito. Abocanhou o primeiro pão sem se preocupar com o aspecto mofado. Sentiu finalmente a fome monstruosa sendo aplacada devagar.

Acomodou-se ali mesmo, sobre o lixo, e quando terminava o terceiro pão, algo chamou sua atenção. De início ignorou, acreditando ser uma peça da sua cabeça cansada, mas aquilo continuou acontecendo e a sua curiosidade sobressaiu.

Havia um movimento estranho entre o amontoado de dejetos de onde exalava um odor mais forte. Poderia ser somente as centenas de ratos que habitavam aquele lugar junto com ele, mas teve certeza de ter ouvido um som diferente.    

Aproximou-se a passos comedidos, prestando atenção naquele movimento e no som que começava a soar familiar em meio aos zumbidos excitados das varejeiras.

Pisando nos restos de comida decomposta, larvas e fezes, chegou naquela trouxa maior, que pela claridade das tochas acesas em alguns postes, conseguiu perceber que estava manchada de sangue, cujo odor forte parecia ainda fresco.

A trouxa voltou a se agitar fazendo-o arregalar os olhos. Sentiu um arrepio ao pensar que algo vivo pudesse estar envolto naqueles trapos e, pelo tamanho, deduziu que só podia ser um animal.

Cutucou a trouxa, mas o som que ouviu, definitivamente, não era de um animal. Passou a desembrulhá-la com cuidado, sentindo receio do que pudesse ver e quando finalmente a descamou, um arrepio percorreu toda sua coluna e seus olhos se arregalaram.

Simplesmente não podia ser possível.

Era um bebê.

E pelo tamanho e os restos de sangue em sua pele, parecia um recém nascido, exceto pelo fato de ele estar bem desperto e os olhos grandes e de um tom azul claro cristalino arregalados.

O homem notou que apesar de todo o sangue na criança e na trouxa que a envolvia, ela parecia bem. Até mesmo o frio e o fedor não eram algo que a incomodavam. Apanhou-a por debaixo dos braços, com cuidado, temendo que ela estivesse ferida e percebeu que era um menino.

Um lindo menino, de rosto alvo e cabelos negros com algumas mechas avermelhadas no centro cabeça, algo que a princípio o mendigo pensou ser devido ao sangue do parto.

Acomodou a criança melhor em seu colo e levou-a para cabana improvisada onde passava as noites, iria envolvê-la com panos mais secos.

— Deus, que alma infeliz faria tal maldade com um ser tão belo e inocente?

Várias coisas passaram pela cabeça do homem e a mais coerente delas era a teoria que a mãe da criança havia sido alvo de algum atentado, talvez ela fosse alguma meretriz do reino e a criança era indesejada.

Alguma esposa, traída e enciumada, decidira tirar a vida da mãe e da criança. Mas esta certamente não esperava que a mãe tivesse forças para proteger o filho, o envolver em trouxas que foram sujas com seu próprio sangue e o esconder junto ao lixo do castelo antes de vir a falecer.

Também pensou na hipótese que a criança pudesse ter sido roubada e o ladrão ferido deixara a criança no lixo. Entre tantas suposições, algo era certo: o bebê não podia ter sido simplesmente parido e jogado no lixo, pois ninguém em sua sã consciência descartaria uma cria de beleza tão abundante.

Mas ainda tinha dúvidas quando ao fato do menino ser um recém-nascido. Ele tinha olhos grandes, que agora o encaravam com atenção, as mãozinhas moviam-se ágeis e exibiam unhas compridas, os cabelos eram fartos, detalhes pequenos, mas que faziam o mendigo duvidar do tempo de nascido que ele tinha.

— Mas, por que, diabos, jogaram você no lixo, pequeno?

Deitou-se com aquela sensação angustiante no peito. Pensando em como criaria um ser tão inocente, e como o alimentaria.

“Talvez o melhor a fazer seja entregá-lo ao carroceiro quando ele voltar”, anotou enquanto o sono não chegava. “O velho certamente saberá o que fazer e a quem entregá-lo. Mas como irei alimentá-lo até lá?” se questionou e finalmente pegou no sono.

 Acordou com a claridade fria da manhã que entrava pelas frestas da sua cabana. Esfregou os olhos e um estalo o fez recordar-se da noite anterior. Olhou apenas os panos sujos de um sangue seco no seu colo. Seus olhos procuraram pela criança e quando estava começando a pensar que havia sido delírio de sua mente doente, encontrou-a ao sair da cabana.

O bebê estava completamente nu, sentado naquele solo contaminado, sem nenhum receio, ele olhava curioso as montanhas de lixo, os insetos e as aves que agora rodeavam os dejetos frescos.

Espantou-se mais ainda quando viu a criança girar a cabeça, deter a atenção sobre ele e aquele pavor o tomar ao ouvi-lo falar.

— O que são todas essas coisas?

A fala era nítida, clara, infantil, porém impossível. Deu passos temerosos para trás.

— V- você é- é u- um m- monstro...

A criança pendeu a cabeça para o lado.

— O que significa “monstro”?

O mendigo encarou os olhos puros e de um tom azul claríssimo, eram tal como o próprio céu em dias ensolarados. Suspirou fundo, tentando conter aquele pavor do desconhecido que fazia dele e de todos os seres humanos covardes capazes de atrocidades horríveis a fim de defender sua própria pele.

Olhou em volta e o cenário parecia o mesmo de todos os dias.

Se aquela fosse uma invocação demoníaca o tempo a sua volta deveria estar mais estranho.

Mas como um bebê era capaz de se comunicar tão nitidamente?

Estaria ficando demente?

— É de conhecimento comum que bebês não nascem falando — o respondeu. — Entenda, isso assusta as pessoas normais por mais que sua aparência seja frágil e inofensiva.

— “Pessoas normais”?

O mendigo levantou o dedo indicador e entreabriu os lábios enquanto pensava em uma resposta.

Logo, voltou a sua postura relaxada, concluindo que, apesar daquele pequeno saber falar, ele era mesmo inocente em muitos aspectos. Talvez ele não fosse criação do mal e sim do bem.

Um anjo de Deus quem sabe?

Ainda existia o fato de que o menino viera descartado com o lixo, ao que tudo levava acreditar, fora uma ação premeditada. Certamente as pessoas que conceberam seu nascimento não tiveram o discernimento de que o pequeno viera ao mundo de forma inocente, por mais raro que fosse.

Sentiu pena, pois entendia muito bem qual era a sensação de vir ao mundo e não ser bem recebido. Nascera bastardo, não conhecera seu pai, não tivera sobrenome, e a mãe o abandonou cedo para continuar sendo uma mulher na vida.

Aproximou-se da criança e apanhou-a por debaixo dos bracinhos novamente, erguendo-a até a altura do seu rosto. Sorriu, expondo os poucos e enegrecidos dentes. Sem dúvidas era uma criança linda e perfeita.

“Jamais terei um filho”, analisou. “Nenhuma mulher se deitaria com alguém como eu. Talvez essa criança seja um presente dos céus para mim, que já havia desistido da vida. É Deus me dando um motivo para recomeçar”.

— Eu posso ser seu pai? — perguntou, pensando que se o pequeno era capaz de falar, podia respondê-lo.  

A criança pareceu pensar.

— Pai?

Assentiu.

— Sim. O homem adulto que concebe uma criança com uma mulher também adulta e tem por obrigação tomar conta dela, de educá-la, alimentá-la, até que esta se torne adulta e independente para tomar conta de suas próprias ações.

— Parece um acordo interessante.

O homem sorriu.

— Se compreende desta forma, como um acordo, que seja — concordou, erguendo os ombros. — Aceitas?

— Sim, pai.

...

A primeira decisão tomada pelo novo pai fora deixar o aterro sanitário.

Mesmo ele que tivera instrução apenas da vida, era capaz de considerar que aquele lugar não era apropriado para o crescimento de uma criança.

Caminhou pela trilha da floresta durante um dia inteiro e ao pôr do Sol parou nas proximidades da primeira cabana que encontrou. Alertou a criança de que não falasse, para não assustar os moradores do lugar, e tentaria, desta forma, arrumar algum leite para ele.

Mesmo que o filho ainda não tivesse reclamado de fome.

— Chamarei você de “Constantino” — o homem explicou para a criança em seu colo. — Ouvi uma vez que este era o nome de um anjo e sempre achei um belo nome. Mas nunca pensei que chamaria meu filho assim, pois nunca imaginei que teria um.

— Você tem um nome, pai?   

— Sim, eu tenho um único nome, por ter nascido bastardo. Chamo-me Thomas. Mas prefiro que me intitule de “pai”. Thomas é para os outros.  

— Sim, pai.

Havia apenas uma moradora naquela velha casa, uma senhora corcunda, de nariz longo, cuja verruga na ponta do nariz era tão grande que dava uma envergadura no membro facial, fazendo-o quase tocar os lábios enrugados. A mulher era caolha, e o espaço onde deveria haver o olho esquerdo era estranhamente oco. O mendigo estremeceu. Aquela senhora causou-lhe mais asco que as montanhas de lixo do aterro do Di Florence. Porém, tinha uma missão ali que valia a vida do seu filho, por isso manteve-se sério, encarando-a.

Notou que a mulher parecia estremecer enquanto o encarava com seu único olho, o qual também tinha um aspecto doente. Era notável um estranho fascínio em sua face. Demorou um tempo até que ela apontasse o dedo indicador com aquela unha negra, e envergada como o nariz.

— O- o que traz de tão precioso aí consigo, meu rapaz? — ela perguntou farejando o ar, como se pudesse identificar o que trazia pelo cheiro. — Parece delicioso — ela concluiu, estalando os lábios ressequidos e deixando um pouco de baba pingar da sua boca para o chão.

O homem apertou a criança em seus braços. Aquela mulher era muito estranha.

— Não é nada de comer, velha louca! — irritou-se. — Parece que está mais senil do que eu. É uma criança. Meu filho! Uma criança inocente.

A gargalhada estrangulada da mulher ecoou não só pela entrada da casa, mas pareceu reverberar pela floresta inteira fazendo aves alçar voou.

À noite e o frio chegavam de forma assustadora.

O estômago do homem se contorceu.

— É o que você pensa, homem ignorante! Esta é uma joia rara em meio aos da espécie do meu amo. Um demônio nascido nesse mundo, isso era para ser... impossível. — A saliva na boca da velha aumentava enquanto ela falava e ofegava, a mulher estendeu os braços na direção do embrulho. — Isso não terá nenhuma serventia para um bronco como você. Apenas entregue e desapareça antes que as desgraças que essa cria trás o assole. Dê-me ela, rápido.

O homem deu um passo grande para trás. 

— Eu não sei do que está falando, velha. Mas não vou entregar meu filho. Vim apenas atrás de um pouco de leite...

A nova gargalhada da mulher irrompeu a fala do homem de forma estrondosa.

— Leite? Leite? Você acha que um ser como esse vai se alimentar de algo tão vil quanto leite de animais inferiores? Ah, pobre ignóbil. Não tens ideias... Apesar de que nem eu tenho certeza do que esse ser come, mas certamente não é nada que nossa espécie considera como alimento. Algo tão raro deve se alimentar da carne e do sangue mais puro. Talvez sangue de bebês, de virgens...

O mendigo arregalou os olhos.

— Cale-se! Você que é uma anomalia, velha! Pare de blasfemar!

— Ande! Me entregue a criança! — gritou ela estridente, como se os velhos pulmões não fossem tão decrépitos quanto o viajante imaginava. — Se ficar com essa criança será perseguido por tudo de mal que caminha na escuridão.

O homem virou as costas para a mulher e seguiu depressa em direção ao terreno de onde viera. Aumentando os passos conforme se afastava. De forma alguma entregaria seu filho para aquela coisa.  

— Eu não acredito nessas tolices que está cuspindo, velha. Nosso Deus é muito maior e infinito! — respondeu firme. — Constantino e eu procuraremos outro lugar para nos abrigar e...

Mas bastou entrar na floresta e o homem sentiu uma rajada fria atingir seu rosto e paralisá-lo. Não via nada, mas parecia rodeado de algo estranho, uma névoa densa, fria e escura.

— Pai, pare, por favor — a voz abafada da criança o alertou e o homem estagnou.

Descobriu a cabeça da criança e o segurou sentado em seus braços.

— O que aquela velha disse são loucuras de uma mente cansada, Constantino. Não há nada sobrenatural que possa nos fazer mal aqui.

— Mas, eles estão aqui, a nossa volta. São muitos. E estão falando que irão possuí-lo.  

— Você consegue vê-los e ouvi-los?

— Sim.

Lágrimas brotaram nos olhos do mendigo.

— Então é verdade? Você é um deles?

— Não sei nada sobre isso, meu pai. A única coisa que sei no momento, é que és meu pai e eu sou seu filho, não sou?

O homem engoliu em seco e assentiu com a cabeça.

— É verdade.

— Mas esses seres parecem mesmo excitados com a possibilidade da minha existência.

— Não se preocupe, meu pequeno. Apesar de todas as desgraças que vivi eu creio em Deus — o homem buscou no pescoço uma velha cruz que trazia pendurada em uma corrente e a expôs para o menino. — Deus não permitirá que nos façam mal.

A criança olhou o objeto e notou que os vultos em torno do pai e dele se afastaram, eles pareciam temer algo. Notou então que havia uma luz brilhante vinda do interior daquele humano que o carregava, uma luz que vira muito fraca na velha da cabana, e que ficara mais intensa e ofuscante quando o pai segurou aquele objeto e proferiu aquelas palavras que conseguiram espantar os seres que os rodeavam. Sentiu certo deslumbre.

A densidade da névoa se dissipou e a luz da lua entrou por uma clareira entre as árvores, permitindo ao pai encarar o belo rosto e os olhos claros do filho, que sorriu pela primeira vez, um sorriso que não era meigo e doce, mas assustador, por ser cheio de dentes.

— Tem razão, pai. Eles têm medo de tocá-lo porque a luz que o senhor possui ficou mais forte de repente.

O homem assentiu orgulhoso e voltou a guardar a cruz dentro da roupa. Então tocou a boquinha do menino com seus dedos sujos, enfiando um dos dedos em sua boca e alisando os dentes afiados que ele tinha.

— Talvez a velha tenha razão. Talvez você possa se alimentar de carne.

— Não vai me entregar àquela senhora?

O mendigo ficou assombrado com aquela possibilidade.

— Nunca! Jamais! Ouvi dizer que bruxas devoram crianças. Vá saber o que ela faria com você em troca de poderes malignos — ele concluiu com pesar. — Não sei como você veio ao mundo, Constantino. Também não quero saber se é cobiçado por seres das trevas ou não. Você me lembrou que fizemos um trato, um acordo de sermos pai e filho, não é?

A criança assentiu sério, com um balançar de cabeça.

— Então, enquanto eu for seu pai, nessa Terra, acreditarei apenas em você. Em nós. Eu não sei exatamente o que você é, meu filho, mas um ser com olhos tão puros não pode ser maligno. Deus nos presenteou com uma vida e uma alma pura, mesmo assim, ele nos deu liberdade para escolhemos em vida seguir o caminho que bem entendermos. E muitos humanos, assim como aquela velha, escolhem o caminho do mal. Então penso que com você pode ser igual. Você foi presenteado com uma vida, que seja provinda das trevas, não importa, mas se tens a liberdade de escolher, poderá trilhar na Terra o caminho que bem entender, inclusive o do bem.

A criança sentiu uma sensação estranha, após a fala do mais velho, e uma água morna desceu dos seus olhos. Tocou-a com sua mãozinha e, curioso, mostrou para o homem a sua frente.

— O que é isso, pai?

— Lágrimas — ele respondeu contente. — Lágrimas são a prova mais real do que acabei de dizer, você possui sentimentos, Constantino. São a prova da sua pureza.

...

Earthen relembrava seu passado enquanto guiava o grupo de cavaleiros correndo na frente. Suas patas eram amortecidas pela neve macia que cobrira toda planície devido ao inverno rigoroso que fazia.

Mesmo com todo aquele gelo, sabia que seu faro potente o levaria exatamente onde quisesse e o odor que o conduzia parecia a cada passo mais próximo.

Além disso, era capaz de se guiar pela energia de um dos losangos de sua coleira, o qual havia deixado com Catherine para que ela o repassasse a sua cria. Certamente, Lady Francine estava carregando a peça, pois sentia que o odor do seu filhote e a energia vinham da mesma direção.

Sua coleira era um adorno de poder valioso, conferida por seu último amo, que apesar de completamente humano, nascera detentor de um poder e uma sensitividade rica, os quais ele fora aprimorando com estudos e pesquisa durante seus escassos anos de vida.   

O grupo passara pela estalagem aonde camponeses alegaram ter ocorrido uma série de estranhos assassinatos, cujo autor dos crimes era uma mulher acusada de bruxaria. Esta mulher, ao ser pega em flagrante, fugiu com a criança de colo que carregava com ela.

Ainda, de acordo com os rumores, um grupo de hospedes e moradores da região haviam se juntado para tentar capturar a mulher. Todavia, não retornaram havia quase uma semana.

A diligência de Valais seguiu por uma trilha na floresta que culminou em um penhasco.

Do alto, Albert viu estranhas ondulações no gelo na parte debaixo. Anunciou que dariam a volta e desceram. Bastou chegar ao local para indenetificar que o que vira de cima era os corpos mutilados e congelados dos homens que se ajuntaram na caça a bruxa.

Albert principiou receioso de que talvez estivesse lidando de fato com algo sobrenatural e demoníaco, mas não pensava em recuar. Afinal, tinha algo sobrenatural e demoníaco o apoiando naquela empreitada também.

Desde que encontraram os corpos congelados, Earthen disparara na frente pela floresta e não cessara a corrida.

O príncipe estava prestes a encerrar as buscas por aquela tarde. Os cavalos estavam exausto, seu grupo estava exausto. Mesmo que não agradasse em nada a ideia de acamparem na Floresta, naquele tempo, não haveria outra saída.

A noite estava caindo e o frio ficando mais intenso, somente o animal parecia focado em chegar ao seu destino. E mesmo com os pedidos e as reclamações incessantes do seu grupo, decidiu que se manteriam no encalço do lobo por mais um tempo.

— Só mais um pouco, homens! — gritou tentando reanimá-los.

O lobo cessou a corrida de repente. Os cavaleiros que vinham atrás o acompanharam na parada brusca, puxando as rédeas dos cavalos que quase trombaram um nos outros.  

Atônitos, observaram a formação diante deles. Inúmeros lobos, das mais variadas cores e tamanhos, estavam alinhados perfeitamente diante de uma caverna.  

— Mas que diabo é isso, alteza?

— Não faço ideia — respondeu Albert, ofegante, admirando a alcateia que encarava Earthen diretamente.

Os animais passaram a rosnar, mostrando os dentes e ouriçando os pelos, reação que fizera alguns dos cavaleiros do irmão do rei de Valais desembainharem suas espadas, mas com um gesto de mão estendida Albert impediu que estes respondessem aos lobos com ameaça.

— Mas, alteza...

— Deixem que Earthen cuide disso — demandou.

Receosos, os homens voltaram a guardar suas armas.

Albert notou a diferença exorbitante entre os lobos comuns e Earthen. O lobo negro tinha o dobro do tamanho e volume de pelos, a calda era longa e fazia uma curva cujas pontas se dividiam em pequenas mechas onduladas que quase formavam cachos. 

Earthen encarou Albert como se estivesse tentando lhe dizer algo e o príncipe compreendeu que ele desejava que o acompanhasse.

Bardo, que sentia dificuldade em cavalgar sem um das mãos, fora o último a chegar, a tempo de ver o príncipe de Valais se posicionar ao lado do Earthen enquanto a alcateia diante deles abriam caminho.  

Entre cochichos impressionados, Albert alertou ao restante do seu grupo que esperassem sem fazer nenhum movimento ríspido e seguiu ao lado do animal que parecia impor respeito nos demais, quase como se ele fosse um rei ou um deus.

— Eu também gostaria de acompanhá-los! — Bardo clamou.

Albert precisou olhar o lobo e ter dele o consentimento. Earthen não reagiu, entendeu então que não havia problema e fez um gesto de mão para que Bardo viesse.

Rapidamente o pai de Catherine desceu do cavalo com a ajuda de um dos obreiros de Albert e andou depressa até eles. Tentando não se impressionar ou se amedrontar com a quantidade de lobos a volta.

Os três marcharam até a entrada da caverna, de onde vinha uma luz tremulante amarelada, certamente de alguma fogueira. Detiveram-se na entrada e aguardaram, pois se ouvia um movimento vindo de dentro. Alguém estava saindo.

Não demorou surgir uma mulher loira de vestes sujas e rasgadas, cabelos loiros e longos, olhos azuis claros, mas firmes, quase impiedosos, carregando uma criança em seus braços.

Bardo sentiu a margem dos seus olhos arderem e sorriu abertamente ao identificar lady Francine de Valdávia.

— M- Milady?

— Bardo — devolveu ela séria, com um cumprimento de cabeça.

— Esta é a mãe de lorde Crispian? — inquiriu Albert. — A semelhança é gritante.

— Sim — o homem assentiu, ainda sendo preenchido por uma quantidade extra de sensações em ver que a sogra da filha e aquele pequeno ser que tinha nos braços estavam vivos. — Esse é o príncipe Albert, milady. Ele veio na busca pela senhora e meu neto, depois que seu filho interveio com o rei.

A mulher fez uma breve reverência, segurando a criança com apenas uma mão enquanto pegava a ponta da lateral do vestido encardido e o erguia, tentando cumprimentá-lo na melhor da etiqueta, mesmo que não estivesse em condições para aquilo.

— É uma honra, vossa alteza.

— Não é para tanto, milady. Não sou nada mais que um servo de Deus — e abriu um sorriso, encarando ela e aquela criança.

Havia algo de estranho com aquele menino. Poderia ser loucura da sua mente, mas ele parecia compreendê-los, seus olhos estavam atentos e dirigia-se de um a outro conforme trocavam de lugares na fala. Mas ele parecia mesmo detido na fera que os acompanhava.

Porém, Bardo era o mais interessado na criança que qualquer outro ali e com os olhos transbordando de lágrimas que congelavam no rosto barbudo devido ao frio, ele esticou os braços na direção dela e viu o menino dirigir sua atenção para ele.

O velho homem percebeu que aquele pequeno era praticamente a cópia de sua amada Catherine, a pele tão alva quanto toda aquela neve ao redor, as bochechas rosadas, os cabelos lisos e negros, o único diferencial era a cor dos olhos, de um azul claro acinzentado e penetrante.

— Lady Francine, este é...

­— Ah, sim — Francine virou a criança para o homem, em seguida, apanhou-a por debaixo dos braços sem muita delicadeza e a estendeu na direção de Bardo. — Esse é seu neto. Sebastian, esse é o pai de sua mãe. Seu avô. Bardo. Cumprimente-o, querido.

O menino encarou o homem com certa sutileza no olhar para na sequência assentir e falar:

— É uma honra conhecê-lo, vovô.

Continua...

 

Notas importantes:

1) A primeira parte desse capítulo é uma versão minha, adaptada para a história, da criação bíblica da humanidade. Ou seja, não é nenhum estudo científico ou religioso válido.

2) O primeiro nome do Earthen, como notaram, fora Constantino. Ele teve outros nomes no decorrer dos seus 500 anos de existência, logo será explicado como ele chegou nesse último.

     


Notas Finais


Já sabem: se puder, comente!
Até o próximo!


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