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História Entre Sem Bater - Mesmo se a porta estiver trancada?


Escrita por: andreiakennen

Notas do Autor


Essa fanfic foi escrita originalmente para o Amigo Secreto Yaoi realizado pelo grupo Projetos do Facebook. Mas, com o consentimento da minha presenteada, Shana Black RX e da organização do Amigo Secreto, ela também está sendo dedicada ao Yaoi Day 2014, espero que gostem!

Capítulo 1 - Mesmo se a porta estiver trancada?


Entre Sem Bater

Por Andréia Kennen

Capítulo 01

Mesmo se a porta estiver trancada?

 

— Não é apenas por 20 centavos!

Não fora bem um grito, mas uma exclamação em tom imponente, acompanhada do som de punhos fortes e fechados batendo fortemente sobre a mesa, os quais fizeram um silêncio sepulcral se instaurar dentro da sala de aula.

Meu sono se esvaiu no mesmo instante. Estava acostumado a cochilar mesmo com todo o barulho de dentro da sala de conversinhas paralelas e a voz do professor tentando sobressair as das conversas.

Levantei a cabeça devagar e direcionei meu olhar ao foco da atenção de todos: a fileira do canto direito da sala.

Thiago estava de pé, com a cadeira afastada e com as mãos espalmadas em cima da mesa. Seus óculos haviam escorregado para a ponta do nariz, dando a estranha sensação que iriam cair. Talvez devido a maneira abrupta com que ele havia se levantado para dar aquele brado.

Mas, pelo amor de Deus, com quem ele tinha que se meter?

Logo o professor Roberto de Legislação Trabalhista e Previdenciária?

O cara é do tipo conservador, mesmo que não aparente ser tão velho. Provavelmente o Roberto esteja beirando os quarenta.

O professor Carlos, de Matemática Financeira, um senhorzinho de quase sessenta anos, tinha ideais muito mais liberais que o Roberto. O que prova que idade não faz o conservadorismo.

Não demorou o professor Roberto rebater a exclamação do Thiago e os dois recomeçarem a discussão de forma fervorosa, cada um defendendo seu ponto de vista com uma paixão avassaladora. O Thiago falava a favor das passeatas que estavam ocorrendo em São Paulo e no Rio de Janeiro contra o aumento da tarifa de ônibus. Assunto do qual eu tinha conhecimento não por estar de olho nos noticiários, mas porque aquele era o assunto do momento nas redes sociais, principalmente no Facebook.

Todavia, o professor Roberto, que também parecia seguro do seu posicionamento, defendia o ponto de que a segurança e o patrimônio público estavam sendo afetados. Que esse tipo de manifestação era a abertura perfeita para vândalos destruírem a cidade, saquearem o comércio, caixas eletrônicos, depredarem as vidraças e que o prejuízo não compensava a causa.

Eu vi o rosto moreno do Thiago ser coberto por um rubor discreto, suas mãos se fecharem em punho e tremerem ainda apoiadas na mesa. Achei que ele fosse estourar, mas, diferente do que eu imaginava, o Thiago endireitou a postura, arrumou os óculos no rosto e encarou o professor Roberto com uma calma de causar arrepios.  

— Eu não acredito que o senhor se considera “educador” com uma linha de raciocínio tão limitada. 

Não entendi exatamente o porquê, mas aquela resposta ferina, ousada e dita de forma tão amena, fizera meu estômago comprimir. Parecia que ninguém na sala respirava. Olhei para a carteira ao meu lado e vi a Laura com os olhos arregalados na minha direção. Ela parecia gritar com o olhar que agora a discussão iria pegar fogo.

Porém, não pegou da forma que imaginávamos. O professor Roberto recuou, caminhou até a porta da sala e a abriu. Provavelmente, tentando retomar sua postura de “educador”, ele solicitou ao Thiago que saísse da sala.

— Por favor, Thiago, me espere na coordenação. Vamos continuar essa conversa lá.

Thiago apanhou a mochila e os cadernos na carteira, se levantou e, com a cabeça erguida, saiu da sala sem dar uma palavra.

Eu não fazia a menor ideia qual era a matéria que o Roberto estava explicando, também não fazia ideia de como eles haviam chegado naquele assunto, apenas sabia que a curiosidade era um bichinho traiçoeiro que estava me corroendo por dentro.

Mas o professor impediu que novos focos de discussões começassem ao retornar ao quadro e com o ar de quem não fora nada afetado, deu continuidade a matéria que, provavelmente, iniciara antes do estopim daquela briga.

O silêncio que havia se instituído na sala se prorrogou até o Roberto concluir a explicação, consultar o relógio e dar a aula por encerrada cinco minutos antes, nos deixando como tarefa os exercícios da página 166 a 170 da apostila.

Foi o professor desejar “boa noite” e sair da sala e as conversas retomaram em sua potência total, como se alguém tivesse, de repente, aumentado o volume no máximo. 

Olhei para Laura, quase desesperado, mas antes que eu pudesse perguntar o que diabo tinha acontecido, a sirene anunciando o intervalo soou.

Tornou-se praticamente impossível o ato até mesmo de pensar com todo o barulho de conversas e sons de cadeiras e carteiras se arrastando.

— Tá impossível ouvir alguma coisa aqui dentro, Caio — a Laura disse, gesticulando bem a boca, para que eu fizesse sua leitura labial. — Vamos para o pátio, a gente conversa lá fora — complementou ela, pendurando a bolsa no ombro, apanhando meu punho e me puxando para fora da sala.

...

Três toques de chamada e mais uma vez a voz anunciando que a ligação estava sendo direcionada para caixa de mensagem se fez audível, para minha indignação, óbvio. Desliguei antes que viesse aquela outra mensagem irritante: “deixe uma mensagem após o sinal”. Certamente essas mensagens haviam sido elaboradas por alguém que fora rejeitado muitas e muitas vezes ao ponto de fazê-lo criar uma fórmula para que todas as pessoas rejeitadas no mundo passassem por sua mesma angústia.

Aquilo também era um presságio de que eu deveria parar de marcar encontros pela internet e procurar alguém conforme os conselhos da Laura: o bom e velho convencional, chamando alguém para sair.

Parecia tão simples vindo da boca dela.

Mas como ser ousado a esse ponto com alguém?

Nunca tive facilidade em identificar homossexuais apenas com o olhar, e aqueles que ficavam evidentes normalmente não faziam meu tipo.

— Oi, Caio!

Ouvir a voz da Laura nas minhas costas me fez apressar em guardar o celular no bolso da calça.

— Oi, Laurinha.

— Trouxe enroladinho de presunto e mussarela, não tinha mais risole de frango com catupiry — ela informou, sentando-se do meu lado na escada de mármore e estendendo o saquinho branco com os salgados. — O cara enorme na minha frente pediu seis de uma vez e sobrou só um na estufa. Você acredita que alguém consegue comer seis risoles de uma única vez?

— Ele poderia estar comprando para os amigos como você? — eu sugeri.

— Com aquele tamanho todo? Duvido, meu bem.

— Por que você não trouxe o último então?

— Eu não ia comer sozinha e deixar você passando vontade na minha frente, né, Baby?

Balancei a cabeça negativamente e apanhei o enroladinho no saquinho com o guardanapo.

— A gente podia dividir, boba — comentei e dei uma boa mordida no salgado, sentindo minha desilusão ser aplacada junto com a fome.

— Eu não pensei nisso. Sou muito cabeçuda — a Laurinha se auto-recriminou, dando um tapa na própria testa. Depois disso, ela deixou a bolsa entre as pernas, no degrau abaixo onde havia sentado, e estendeu a lata de Coca-Cola na minha direção. — Abre. Não tô a fim de estragar as unhas que fiz hoje a tanto custo na hora do almoço.

— Foi a Débora? Deixa eu ver.

— Não, foi a Sônia mesmo — ela respondeu, estendendo a mão direita aberta na minha direção. — A Débora estava sem horário. Mas a Sônia não “comeu” tanto minhas cutículas dessa vez.

— E ficaram bem feitas — eu observei e abri a lata de Coca, fiquei segurando enquanto a Laura apanhava o salgado dela dentro do saquinho. Já tinha acabado de detonar o meu. — Gostei da cor também, é verde escuro?

— Isso. É um verde novo da Color B — ela explicou, mordendo o enroladinho. — A Sônia perguntou de você. Quer saber com quem você anda traindo ela, pois disse que você não marca para fazer as unhas há semanas.

Tive que rir.

— Se ela soubesse da minha situação financeira...

— Eu que o diga, você está sempre chorando no meu ombro, né? Mas obviamente que não falei isso para ela. Disse só que você é um boy-magia que sabe se virar muito bem sozinho e só vai ao salão quando tá sem tempo — ela me piscou um dos olhos.

— Obrigado por defender minha pele, Laurinha.

Desta vez foi a Laura quem riu. 

Eu gosto muito da Laura e apesar de parecer ela está longe de ser do tipo de garota patricinha, ela é vaidosa dentro da medida necessária. Duas vezes por mês ela troca o horário de almoço por uma manicure e a depiladora. Eu sei disso, porque além de frequentarmos a mesma faculdade e a mesma sala de aula, nós dois trabalhamos no mesmo escritório de contabilidade.

Considero a Laura muito bonita, mesmo sendo gordinha. Ela sempre atrai olhares masculinos por onde anda. Morena clara, busto volumoso, cabelos longos e ondulados — que graças aos reflexos lhe rende o adjetivo de “loira” — são alguns dos atrativos que chamam atenção para ela.

Além disso, a Laurinha é do tipo de mulher segura, bem humorada, inteligente, gosta de ler e navegar na internet e tem uma boa postura por ser alta e estar sempre de social.

Se eu fosse hetero e se a Laura não fosse comprometida, quem sabe até rolaria algo entre a gente.

— E aí, quem foi o escroto da vez? — ela fez aquela pergunta ao terminar de comer, interrompendo meus pensamentos e me fazendo desistir do nosso relacionamento imaginário.

Fora que, ouvir aquela pergunta, feita daquela forma pejorativa, me fez encolher os ombros.

— Do que você tá falando, Laurinha?

— Não tente me enganar, senhor Caio — ela disse, usando seu tom claro de repreensão. — Eu sei que você está tentando me despistar. Mas eu sou viva, Baby. Vamos, desembucha — ela pediu, pegando a lata de Coca da minha mão. — O que aconteceu no encontro de ontem? Percebi você meio amuado o dia inteiro. Não me diga que o cara foi um babaca?

Confessar que meus meios não davam resultados era bem mais difícil do que alegar que o cara havia sido um babaca. Mas mesmo que eu quisesse, não conseguiria desviar do olhar vivo da Laura sobre mim, enquanto ela sugava a coca pelo canudinho que ela havia apanhado de dentro sacola de salgados.

— Não posso nem dizer se ele é um babaca ou não, ele simplesmente me deu o bolo — disse de uma vez, dando um suspiro no final.

A Laura parou de sugar o refrigerante de repente e o canudinho escapou da sua boca. A reação dela não me ajudou. Estava preparado para ouvir um belo sermão do tipo: “Quantas vezes te disse que encontros marcados pela internet são idiotice?”. Mas desta vez a Laurinha só largou o refrigerante de lado, enfiou a mão dentro do saquinho e buscou outro salgado o qual apanhou sem guardanapo mesmo e o abocanhou.

— Sinto muito — murmurou, depois de um tempo mastigando.

Aquele “sinto muito” foi difícil pra mim. Ele deixava entender que, mesmo que a Laura não botasse fé nos meus encontros marcados virtualmente, ela carregava a esperança de ouvir algum dia uma reposta positiva vinda deles.

— Não faz essa cara. Fui eu quem levou o bolo — tentei animá-la, pedindo a latinha de refrigerante. Ela me passou e eu tomei um gole grande, usando o mesmo canudo dela, queria empurrar aquele nó estranho que estava se fazendo na minha garganta.

— Eu sei, Caio. Mas as férias do meio do ano estão chegando de novo. Eu não gosto da ideia de você passando sozinho, Caio. Pelo menos aceite viajar comigo.

— Não.

— Que resposta rápida foi essa?

— Não me dou bem com fazendas, Laura. Acho monótono. Ainda por cima, é a sua família e não a minha.

— Então vá passar com a sua — ela rebateu.

— Nem pensar. Eu já te expliquei como é a minha família. Não tem como eu passar férias agradáveis ao lado deles. E são apenas duas semanas, não vou morrer se ficar sozinho. Além disso, eu não vou tirar férias do serviço agora em julho como você.

— Eu tinha me esquecido desse detalhe.

— E olha que nem é loira de verdade.

Rimos e eu aproveitei o momento de descontração para mudar de assunto.

— E aquela do Thiago dentro da sala de aula, hein? Ele é sempre tão comportadinho, nunca imaginei que ele fosse peitar o Roberto daquele jeito.

— Isso porque você não viu o começo da discussão, eu estou com o Thiago e não abro. O Roberto é um babaca. Se o Thiago receber alguma punição e precisar que alguém interceda por ele na coordenação, eu vou com toda certeza.

— Mas, Laura, esse assunto nem diz respeito a nossa cidade. É coisa que está acontecendo em São Paulo e no Rio.

— Larga de ser tapado, Caio. Tem a ver com a gente sim. Tem a ver com o Brasil. Com a corrupção do nosso país. Do povo cansado de ser explorado. Eu estou compartilhando tudo que está rolando. Você não está lendo?

— Sim, mas...

A verdade é que eu nem estava lendo nada daquilo.

O sinal terminando o intervalo soou e dei graças a Deus de não precisar mais continuar aquela conversa, levantei rápido e estendi a mão para ajudar a Laura levantar quando vi os olhos dela se arregalando.

— O que foi?   

— Temos questionário valendo ponto hoje — ela anunciou de repente.

— Questionário?

— Você foi embora antes da aula acabar ontem, lembra?

— Sim. Fui me arrumar para encontro.

— Então, eu esqueci completamente de te avisar que o professor Rubens vai dar um questionário valendo ponto hoje. Meu Deus! E agora, Caio? — ela elevou as mãos na cabeça, fazendo a situação parecer mais desesperadora do que realmente era.

— Tá tudo bem. É de consulta, não é?

— Sim. Será de consulta, só que em duplas. — Ela aceitou minha mão e eu a puxei, assim que a Laura ficou de pé ela apanhou a bolsa no chão e voltou a se explicar, enquanto subíamos a escadaria. — Ele pediu para definirmos ontem mesmo as duplas e que não poderia ser com quem não estava presente, acabei aceitando fazer com a Dafne.

Eu revirei os olhos.

— Não tem porque se preocupar, Laurinha. — Joguei o braço esquerdo por cima dos ombros dela e sorri. — Seu amigo aqui dá conta.

— Ah, é? Você por um acaso esqueceu que é péssimo em Legislação Tributária?

— Na verdade, a Lei tributária do nosso país que é uma merda por mudar a todo instante! — exclamei e continuamos subindo, com os ânimos menos exaltados.

...

Mas foi entrar na sala para eu perceber que eu estava mesmo encrencado. As duplas haviam se formado rapidamente e, obviamente, os que tinham faltado, não demoraram arrumar seus pares. Sentei na minha cadeira enquanto a Laura me seguia com seu olhar de cachorrinho triste.

— Nós vamos soprar as respostas pra você, tá, Caio? — ela cochichou e eu fingi que não estava ouvindo, porque o professor Rubens estava olhando as duplas e por algum motivo seu olhar havia se detido em mim.

— Está sem par, Caio Henrique?

Odeio quando me chamam pelos dois nomes, me faz lembrar a minha mãe e quando ela me chamava pra me dar bronca.

— Estou, senhor — respondi, o que era bem óbvio, só faltava ele perguntar se eu iria fazer o trabalho sozinho.

— Vai fazer o trabalho sozinho?

Não, professor, eu vou fazer com a Britney Spears. Eu tenho outra opção?

— É, né, professor. Se não tem mais ninguém sem par...

Tentei soar não grosseiro, mesmo assim os meus colegas riram.

O professor só me olhou por cima dos óculos de aro fino e antes de me dar uma réplica ferina, ele, eu e todo restante da sala, se voltou para porta e para o rapaz que entrava.

O clima antes descontraído ganhou certa tensão, era o Thiago. Não entendi bem porque o maldito do meu estômago apertou.

Movendo somente a cabeça para direção do aluno detido na porta, ainda segurando o maço de questionários em um dos braços, o professor perguntou:

— Está atrasado, Thiago César?

A sala inteira caiu na risada pelo professor, novamente, estar fazendo uma pergunta cuja resposta era óbvia. Claro que o Thiago não entendeu e não achou graça. Ele continuou sério, detido na porta, encarando somente o professor.

— Desculpa aí, professor? Estava resolvendo um problema na coordenação. Posso?

Foi nesse instante que meu estômago apertou para valer, pois o professor apontou a cabeça na minha direção e demandou.

— Sim. Teremos um questionário valendo nota. Sente-se com o Caio Henrique. Ele é o único sem par. Vou distribuir os questionários.

Depois de dizer isso o Rubens seguiu para a primeira dupla da primeira fileira da sala e passou a distribuir o caderno de questões, totalmente alheio a minha tensão e a contorção desordenada dentro do meu estômago.

Estávamos no quarto semestre de Contabilidade, muitos colegas haviam desistido naquele ínterim e por isso a sala não estava em sua lotação completa. Sempre sobravam carteiras esparramadas e, por sorte, tinha uma na fileira ao lado da minha. Por isso o Thiago nem passou pela carteira dele, a segunda do canto esquerdo da sala, entrou direto na fileira do meio, onde estava a carteira vazia que eu mencionei, e despejou a mochila sobre ela. Depois empurrou a mesa para o lado da minha, sentou-se e me cumprimentou com um chocho: “e, aí?”, sem sequer olhar nos meus olhos.

— Beleza, e você? — minha resposta saiu no automático também, um reflexo do cumprimento desinteressado dele.

No entanto, o Thiago ficou em silêncio por um instante, enquanto retirava a apostila e o caderno de dentro da mochila. Depois desse instante ele se voltou para mim e me respondeu com um sorriso de lado, meio jocoso.

— Agora estou melhor — afirmou.

Eu não sei exatamente o que aconteceu, mas meu coração ganhou um ritmo diferente. O Thiago havia entendido que eu estava perguntando sobre a confusão que rolou mais cedo, mesmo que essa não tivesse sido minha intenção. De qualquer forma, não importava o mal entendido, a única coisa que eu soube naquele momento, é que fiquei perdido naquele sorriso.

Puta merda!

Por que diabos sorrisos sacanas fazem as pernas da gente tremer?

Os lábios do Thiago eram lindos, carnudos, rosados e bem desenhados. Os dentes eram bem cuidados, os caninos salientes. Ele estava com uma barba por fazer. Mas aquilo que mais me encantou e que eu não havia notado antes, eram os olhos por trás das lentes dos óculos: verdes.

Os olhos do Thiago eram verdes. Estavam em um tom mais escuro naquele momento. Apesar de todo mundo pagar pau para os azuis, quando ao assunto era tonalidade mais clara dos olhos, eu sempre optei pelos verdes.  

— Por um acaso você tem uma caneta sobrando aí? — perguntou o dono daquele belo par de olhos verdes. — Eu acho que perdi a minha.

— C- claro.

Apanhei o estojo embaixo da carteira, retirei dele uma caneta esferográfica preta e entreguei para ele.

— Valeu — ele sorriu novamente ao agradecer, o que fez o meu coração assanhado aumentar as batidas.

Eu não conseguia entender.

Realmente não conseguia entender.

Como eu nunca havia reparado no Thiago antes?

Tá. Na verdade eu sei. Ele se veste mal pra burro. Normalmente calça jeans surrada, tênis All Star, uma camisa de malha fria de manga-longa (de cores sóbrias) por debaixo de outra camisa de manga-curta (sempre na cor preta) e de estampas diversas, nas quais nunca reparei bem o desenho, mas imagino ser de bandas de rock, como aquela que ele estava vestindo no momento e estava escrito: “Ledd Zeppelin”.

Também acho que o Thiago tem moto, pois de vez em quando ele trás para sala o capacete, normalmente quando chega atrasado, provavelmente por não encontrar vaga no estacionamento interno da universidade e ter que deixar a moto na rua. O que justifica também o uso da malha fria de manga longa, andar de moto na noite de Campo Grande sem agasalho é pedir pra pegar um resfriado.  

De restante, o cabelo do Thiago era o que mais estragava sua aparência. Deus, que homem dessa era usa cabelo comprido daquele jeito? O cabelo dele deve chegar ao meio das costas, não dá pra ter certeza do comprimento porque eu nunca vi o Thiago de cabelo solto antes, só amarrado com um elástico rente a nuca. Contudo, era notável que o cabelo dele não é do tipo bem cuidado, pois quando não estava brilhando de oleosidade, os fios quebrados surgiam exibidos, espetados para cima. Talvez se ele usasse um cabelo com um corte curto, roupa menos folgada no corpo, ele ficaria até atraente.

De repente o professor depositou o caderno de questões entre nossas mesas, fazendo com que eu me sobressaltasse e parasse de morder a tampa da caneta que eu nem tinha percebido que havia colocado na boca. Aliás, “depositou” foi um termo delicado, na verdade o professor Rubens soltou o caderno do alto e nos olhou desconfiado. Mas, sem dizer nada, se afastou e continuou a distribuição.

Eu olhei para o Thiago e ele só ergueu os ombros e balançou a cabeça negativamente, como se dissesse “não ligue, ele é louco”.

Assim que o professor terminou de distribuir os questionários, ele pediu que começássemos e não nos esquecêssemos de colocar os nomes.

O Thiago sugeriu dividirmos as páginas, eram doze questões distribuídas em quatro páginas, ficariam seis questões e duas páginas para cada. Eu não gostei muito da ideia, por ser péssimo na matéria, achei que teria oportunidade de entender se fizéssemos juntos, visto que o Thiago parecia o tipo nerd.

Mas ele não deu margens para que eu pudesse argumentar e assim que apanhou suas duas páginas do questionário, debruçou-se na cadeira e começou a responder.

Suspirei fundo e decidi tentar fazer sozinho. Porém, logo de cara, pulei a primeira questão, dei uma resposta meia boca para segunda e travei na terceira.

Espiei o Thiago de soslaio e o notei empenhado, exatamente como era nas aulas: calado, sério e concentrado. Ele terminou a terceira questão enquanto eu o assistia e logo passou para a página seguinte. Foi então que notei o fio preto vindo de dentro da blusa dele e o zumbido discreto em seu ouvido.

O Thiago estava respondendo as questões enquanto ouvia música?

Fiquei um pouco impressionado e voltei para minha parte da tarefa. Apaguei o que tinha escrito na segunda questão e comecei de novo. Mesmo assim, por mais que eu tentasse, eu não conseguia achar nenhuma resposta digna. Virei para o lado oposto ao meu companheiro de trabalho e procurei pela Laura. Ela estava conversando animadamente com a Dafne, apesar de que o assunto parecia ser algo paralelo a matéria.

Dei uma sondada ao redor e notei que as duplas folheavam as apostilas juntos, discutiam. Esse era o propósito de se fazer trabalho em dupla: a cooperação entre colegas. Seria assim se eu tivesse fazendo o trabalho com a Laura-traidora que disse que me sopraria as questões e agora estava tão entretida com a Dafne que havia esquecido que eu existo.

E eu aqui, sem saber o que fazer — ou responder no questionário — com o esquisito de sorriso sádico mais bonito do mundo, bem no seu dia de fúria.

Não vou mentir. Apesar de o Thiago fazer o tipo “anti-social”, seu belo sorriso me fez acreditar, por um instante, que ele seria um cara mais acessível. Mas acho que me enganei. A divisão da tarefa e os fones em seus ouvidos me faziam acreditar que ele não queria muita conversa.

— Terminei — ele anunciou de repente, se voltando para mim, mas não me dando tempo nem de admirar sua agilidade, direcionou um olhar desconfiado para a minha parte da tarefa. — Tá tudo certo aí? Está tendo dificuldade?

Eu não queria confessar, mas o olhar dele era penetrante, então eu soltei os ombros e confessei.

— Foi mal. Sou péssimo nessa matéria.

— Dá aqui — ele pediu.

— Não — a resposta saiu da minha boca no automático, sem quem eu percebesse. — Eu vou conseguir. Não seria justo.

O Thiago me encarou, mas depois de alguns segundos em silêncio, ele respondeu dando de ombros.

— Você quem sabe.

Eu sou um babaca!

É claro que eu não iria conseguir. Aquela bendita matéria não me entrava na cabeça. Mesmo assim deixei meu orgulho idiota falar mais alto e iria colocar a perder a minha nota e a dele. De qualquer forma, tentei. Tentei de verdade. Mas quando percebi que não iria sair do lugar, voltei atrás.

— Não dá. Help-me.

— Certo, passa para cá.

— Não desse jeito, merda! — acabei praguejando sem querer. — Eu quero fazer a minha parte. Se você me explicar, eu posso conseguir, não acha?

Novamente o Thiago me encarou. Eu gelei. Achei que desta vez ele perderia a paciência e eu seria xingado. Mas não demorou e ele fez que sim com a cabeça e em seguida pediu para que eu lesse a pergunta.

Fiquei um pouco mais contente e aliviado. Li a pergunta e ele realmente tentou me explicar. Porém, em inúmeros momentos eu me distraí, ao invés de eu prestar atenção no que o Thiago falava, meus olhos se fixaram nos lábios dele, que se moviam tão perto do meu rosto. E quando eu disse “hã?” pela terceira vez, o Thiago parou a explicação e deu uma risada forçada.

— O que foi? — eu ainda quis saber.  

— Sua dificuldade é sua falta de atenção, cara. Tem momentos que você parece concentrado, mas no segundo seguinte sua cabeça parece entrar fora de órbita.

Aquela observação me deixou muito sem graça.

— Foi mal.

— Não precisa fazer esse bico — ele me repreendeu, tentando ser gentil e sorrindo, o que me fez acreditar que não era uma bronca séria. — Está parecendo minha irmãzinha de quatro anos.

Sorri desconcertado novamente, por dois motivos: ter sido comparado com uma fofa garotinha de quatro anos e por tê-lo feito sorrir daquele jeito bonito novamente. Mas o lindo sorriso do Thiago não durou e logo ele retomou o semblante sério.

— Vamos tentar de novo — ele declarou, apontando um trecho na própria apostila. — Está vendo esse trecho aqui — ele apontou na própria apostila e eu me aproximei para olhar de perto, sem querer acabei encostando no braço dele.

Foi nesse instante que eu consegui estragar o princípio do que poderia ter sido “algo”.  O Thiago tocou no meu ombro e me empurrou de volta para onde eu estava.

— Não, cara, não encosta — ele pediu, desta vez, em um tom claro de reprimenda. — Melhor manter distância. Olha aí na sua apostila.

Eu repeti o “foi mal” e dessa vez o Thiago nem se deu ao trabalho de responder meu pedido de desculpa, apenas voltou a explicação. Mas eu não ouvia mais nada depois daquele momento constrangedor e a única coisa que eu queria era terminar o trabalho o mais rápido possível e ir embora.

Fiquei sério, assentindo para tudo que o Thiago falava, me esforçando para entender, enquanto aquela sensação ruim se revirava no meu estômago. Algo me dizia que ele pediu para que eu não encostasse nele por saber que eu era gay e sentir nojo de caras como eu.

O professor recebeu os primeiros exercícios prontos e anunciou que quem havia terminado poderia ir embora, foi então que me rendi, entreguei as questões que faltavam para ele e o permiti respondê-las.

O Thiago concordou, faltavam apenas duas e assim que ele concluiu, eu levantei.

— Pode entregar — avisei, apanhando minhas coisas.

— Falta seu nome.

— Não precisa meu nome, você respondeu tudo sozinho — eu afirmei aquilo com um engasgo querendo embargar minha voz, então deixei a carteira.

Ele não disse nada.  

— Caio, me espera no estacionamento — ouvi o pedido da Laura quando estava ultrapassando a porta.

Respondi para ela com um sinal de joia e saí antes que a vontade de chorar explodisse.

Fazia muito tempo que eu não chorava, desde quando decidi que não iria mais sofrer por ser estranho e sentir atração por caras ao invés de garotas. Nem quando meus pais, da maneira pior que pode existir, descobriram que eu era gay.

Fiquei com raiva de mim mesmo. Daquele sentimento de frustração que se apossou do meu interior sem pedir permissão. Raiva principalmente de não entender porque as lágrimas simplesmente vieram. Afinal, eu sequer havia sido rejeitado por alguém interessante.

Cheguei ao estacionamento em poucos minutos. Ainda estava lotado. Encontrei o uno da Laura com dificuldade, atrás de uma caminhonete gigante, depois de identificar o adesivo de “Baileiros a bordo” no vidro traseiro.

Consegui conter o choro. Sentei no capô abraçando aos meus materiais e, daquele buraco que chamavam de estacionamento, fiquei observando o pátio na parte de cima, onde ficavam as mortos. Dois motoqueiros saíram quase ao mesmo tempo e imaginei que um deles seria o chato do Thiago.

“De moto deve estar bem mais frio” eu pensei e quis me espancar por isso.

O que eu queria? Estar na garupa dele?

Por que eu ainda estava pensando no maldito que não gosta que outros caras encostem nele?

Senti raiva. Raiva não só do babaca do Thiago, mas de mim, por eu ter sido idiota suficiente e não ter pegado a chave do carro com a Laura e agora estar atormentado, frustrado e passando frio!

— Por que está demorando tanto, Laurinha?

Continua...


Notas Finais


Bem, está aí, mais uma estreia de original dessa autora que voz fala. Algum tempo atrás eu nem cogitava escrever originais e hoje essa será a terceira em andamento. Realmente o tempo muda as coisas. E estou me sentindo super feliz com a estreia desse trabalho.

Esse foi só o primeiro capítulo de “Entre Sem Bater”, a história terá inicialmente seis capítulos, mas a pedido da minha revisora Gi-chan, acredito que irei alongá-la para ficar pelos menos com uns dez ou doze capítulos.

A original é dedicada ao dia Internacional do Yaoi, Yaoi Day 2014, que será comemorado dia 1º de Agosto. Uma iniciativa também de um dos maiores portais de notícias Yaoi do Brasil a Blyme Yaoi.

Mas, como expliquei nas notas iniciais, essa original foi produzida originalmente para presentear a Shana Black Rx no Amigo Oculto do Grupo Projetos. Por isso o projeto é dedicado especialmente a ela, já que não fosse por ela a original não teria nascido. A Shan é desenhista e pretende me presentear com um fanart dos dois personagens principais da história: Caio e Thiago, enquanto isso, a capa foi essa montagem feita pela Gi-chan também. Obrigada, Gi.

Então, já conhecemos os nossos protagonistas, o que acharam deles?

A história vai se passar em Campo Grande, onde eu resido, espero que gostem também.

Por enquanto é isso. Vou esperar alguns comentários.

Beijos! Até o próximo! o/


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