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História Fantasma - Fragmentos do Passado


Escrita por: lohanacarter

Notas do Autor


E OLHA QUEM ESTÁ AQUI! Sim, pessoas, sou eu com mais um novo capítulo. Que admitam, veio rápido né? E hoje são mais de sete mil palavras para vocês lerem, aproveitem! HUAHAUAHAUAHAUHA

Quero agradecer aos leitores que apesar do meu sumiço, continuaram ao meu lado, comentaram e ainda estavam esperando pelo meu retorno. Foram poucos, mas foi muito significativo para mim saber que Fantasma é tão importante para vocês a ponto de permanecerem ao meu lado apesar de mais de um ano de ausência.

Sem mais delongas, vamos ao capítulo? Boa leitura!

Capítulo 22 - Fragmentos do Passado


Fanfic / Fanfiction Fantasma - Fragmentos do Passado

Se perguntassem a Castiel que sentimentos ele carregava quanto a questão daquela missão bizarra, provavelmente ele não saberia como responder. Era uma mistura conflitante de medo, insegurança e vontade de desistir, ao mesmo tempo em que sentia a adrenalina correr por suas veias e uma certa satisfação. Há muito tempo o ruivo não sentia nada parecido, a vida havia se tornado um tédio e aparentemente apenas tocar guitarra estava quebrando aquele ciclo de uma rotina de nada com coisa nenhuma. Mas até a guitarra estava entrando na rotina.

Não era burro para não saber no que estava se envolvendo. Castiel sabia que aquilo era perigoso, que aquela entidade desconhecida já havia matado sem misericórdia dentro do colégio e, ao que tudo indicava, fora dele. Peggy não estava incluída na “Operação Invadir Biblioteca”, já que estava ocupada juntando fragmentos que lhe dissessem se Faraize havia sido assassinado por métodos naturais ou se fora obra do espírito. A menina não havia dado nenhuma notícia a respeito até então.

Tragou o cigarro pela última vez antes de jogá-lo ao chão e pisá-lo com a bota de combate, deixando a fumaça branca livre ao ar com a última baforada, enquanto esperava os outros que restavam chegar. Fora Nathaniel, Charlotte e Rosalya, todos já estavam esperando do lado de fora da biblioteca, já fechada há pelo menos duas horas. Fora um sufoco conseguir sair de casa; desde o incidente com Ambre, Heloisa estava paranoica e não deixava de visitá-lo um dia que fosse, como se o assassino desconhecido estivesse esperando o momento certo para arrancar sua vida também. Talvez esteja, Castiel pensou, rindo sem humor.

— Desculpem a demora — gritou Rosalya, correndo na direção do grupo. — Encontrei eles no caminho.

Nathaniel e Charlotte chegaram poucos segundos depois, ambos parecendo tensos. Castiel sabia que o plano desagradava aos dois, entretanto, ninguém dera solução melhor.

— Isso é loucura — Nathaniel disse pela milésima vez, e pela milésima vez Castiel revirou os olhos. — Não podemos entrar! Podem ter alarmes, guardas... Não sabemos nada! Podemos arrumar outro jeito — dessa vez ele olhou para Cloe, como se pedisse para que ela impedisse aquilo, mas a garota somente apertou os lábios e olhou para os próprios pés.

— Outro jeito: arrume uma identidade falsa. Você gosta disso, representante? — alfinetou Castiel, arrancando um olhar fervente do loiro. A raiva do outro o fez sorrir de satisfação. — Eu preciso te lembrar que estamos fazendo isso pela sua namoradinha? Vamos, não seja covarde. Mostre a ela que você honra o que tem no meio das pernas.

— Escuta aqui...! — Nathaniel começou de maneira ameaçadora, dando um passo na direção de Castiel, mas o ruivo sequer se moveu ou piscou. Se Nathaniel quisesse briga, ele estaria disposto, mas Cloe Tally foi rápida ao colocar-se entre os dois, impedindo uma agressão física por parte do namorado.

— Não! — ela trovejou, surpreendendo Castiel. Até então tudo que ouvira sair da boca da menina haviam sido palavras nasaladas, baixas e inseguras, ou gritos de loucura. Naquele momento sua voz rimbombou de maneira firme e decidida, sem qualquer resquício de insegurança ou loucura. — Nath, me escute. Nós temos que fazer isso! — ela respirou fundo e meneou a cabeça. — Eu também não gosto disso, mas que escolha eu tenho?

— Pode esperar e encontrar uma solução menos perigosa — devolveu Nathaniel contrariado.

Cloe Tally mordeu os lábios e negou com a cabeça.

— Eu estou cansada de esperar — devolveu, voltando seu olhar para Castiel. — Nós vamos entrar.

— Você ouviu. A rainha disse que nós vamos entrar — debochou Castiel, recebendo o olhar de ódio de Nathaniel com prazer. — Mas não podemos entrar todos. Eu vou entrar com mais dois de vocês.

O grupo se encarou, como se esperasse que alguém desse o primeiro passo.

— Eu vou — Cloe disse. — Mais do que ninguém, é minha obrigação estar lá dentro.

— Muito bem. Você não é mais a menina assustada que eu conhecia — elogiou Castiel, sorrindo de maneira debochada. — E então?

— Eu — Charlotte entrou na frente de Nathaniel que, pelo que parecia, iria se oferecer. — Posso ter serventia lá dentro. Se houver câmeras posso acabar com elas.

Castiel havia se esquecido de que Charlotte citara que era usuária de magia. Algum tipo de bruxaria moderna ou sabe-se lá o quê. Nunca tivera curiosidade, na verdade mal sabia se acreditava naquilo, mas era o momento propício para Charlotte provar seu valor.

— Ótimo. Mostre-me o que sabe fazer.

— E o que o resto de nós vai fazer? — perguntou Lysandre cruzando os braços.

— Fiquem aqui fora, e atentos a qualquer movimento suspeito — instruiu Castiel, sério. — Liguem para a gente caso algo dê errado.

— Eu quero entrar! — Kentin disse, caminhando em passos decididos ao grupo escolhido. — A Cloe vai precisar de mim.

— Ela com certeza não precisa de você — Nathaniel trincou os dentes, fuzilando Kentin com o olhar.

Castiel revirou os olhos, rindo pelo nariz.

— Parem! — pediu Cloe envergonhada. — Eu vou ficar bem. Fiquem vocês dois aqui.

Nathaniel mordeu por dentro das bochechas contrariado, mas soltou um suspiro derrotado, aproximando-se de Cloe para beijar-lhe a testa.

— Cuidado — pediu.

Ela assentiu com a cabeça. Castiel percebeu que ela não estava tão segura assim, tinha postura rígida, suas mãos tremiam e ela aparentava estar mais pálida do que o normal.

— Vamos. Precisamos achar uma entrada — chamou Castiel, querendo terminar o serviço o quanto antes.

Seguido por Cloe e Charlotte, Castiel deu a volta pela construção, procurando alguma brecha pela qual poderiam entrar na biblioteca. A porta da frente estava descartada, se havia algum tipo de alarme, forçar a entrada pela frente o dispararia. Mas se havia aprendido uma coisa durante toda sua vida, era que nada era cem por cento seguro.

— Castiel — Charlotte chamou baixinho, puxando sua mão para obter sua atenção. — Olhe.

Ela apontava para a grama alta em um canto, com folhas e raízes que se emaranhavam. A princípio não entendeu o que ela estava mostrando, mas após alguns segundos observando, ele percebeu que as plantas escondiam uma grade de ferro, com abertura de aproximadamente um metro, por onde conseguiriam se esgueirar.

— O duto de ar — Castiel sussurrou, o sorriso se formando nos lábios do rapaz. — Você é genial, Charlotte.

A garota não respondeu ao elogio, mas sorria satisfeita consigo mesma. Os três seguiram para a grade, arrancando as plantas e jogando-as de lado desleixadamente, até finalmente poderem ver a grade. Castiel percebeu que ela estava muito bem presa, o que o fez trincar os dentes de frustração. Charlotte, porém sorriu, encostando os dedos nos parafusos para num passe de mágica transformá-los em ferro derretido. Castiel e Cloe a encararam, espantados.

— Eu disse. Sou praticante de magia — disse satisfeita consigo. — Quando isso acabar, Cloe, posso tentar te ensinar. Talvez você também consiga.

— Eu vou adorar! — Cloe disse empolgada.

— É, isso é bem impressionante — reconheceu Castiel, puxando as grades para liberar a passagem. Colocou-as de lado, olhando para as meninas. — Escutem, eu vou primeiro. Se algo der errado eu quero vocês duas voltem, entenderam?

Cloe e Charlotte se encararam céticas, para ao mesmo tempo voltarem a olhar Castiel atônitas.

— Você está dizendo que se alguma coisa der errado vai assumir a culpa sozinho? — Cloe perguntou insegura.

— Desde quando você é cavalheiro? — debochou Charlotte quase rindo.

— Calem a boca — resmungou Castiel, entrando pelo duto de ar. — E vamos. Fiquem em silêncio. — Bufou ao escutar Cloe e Charlotte trocarem risinhos atrás de si, realmente debochando de algo que ele não fizera para ser engraçado. — Quietas!

Para o alívio de Castiel, as meninas pararam de rir e testar sua paciência. A passagem, apesar de grande o suficiente para passar, para o físico de Castiel era um tanto apertado. Para as meninas provavelmente não seria problema, mas o ruivo se arrastava dolorosamente pelo duto de ar implorando para chegar logo ao final dele.

— Castiel? Estamos perto? — Cloe perguntou após alguns minutos.

— Não sei — respondeu. Mas no mesmo instante sentiu a cabeça bater em grades. — Puta que pariu! — xingou alto, recebendo uma censura de Charlotte para ficar quieto. — Está trancado. Charlotte, consegue fazer alguma coisa daí?

— Vou tentar.

Demorou alguns minutos até que os parafusos se soltassem, caindo no chão da biblioteca. Charlotte respirou fundo com o esforço, enquanto Castiel retirava a grade para poder pular no chão, finalmente libertando-se do aperto do duto de ar. Estava totalmente escuro e Castiel levou a mão ao bolso traseiro, onde trazia o celular, e acendeu a lanterna do aparelho.

— Venham. Está tudo bem — chamou as meninas.

Charlotte foi a primeira a saltar, caindo graciosamente sobre o chão. Levantando-se, bateu a poeira da blusa preta regata e a calça jeans, acendendo o celular assim como Castiel. Iluminaram a passagem do duto de ar para verem Cloe parada, com medo de saltar.

— O que está esperando? Vem logo! — disse Castiel.

— E-eu to indo — disse trêmula. A garota respirou fundo, colocou as pernas para fora, mas quando estava prestes a saltar, agarrou-se nas bordas e meneou a cabeça assustada, choramingando.

— Pelo amor de Deus! — Castiel quase gritou. — Desce logo daí!

Cloe respirou fundo e saltou, mas diferentemente de Charlotte, bateu o joelho e gemeu de dor, recebendo a ajuda da outra menina para se levantar.

— Tudo bem?

— Uhum — ela disse, levantando-se e mancando um pouco. — Vou sobreviver.

Castiel iluminou os arredores da biblioteca, procurando por câmeras. Percebeu que Charlotte fez o mesmo, pois escutou sons mecânicos acima dele, indicando que haviam câmeras sendo desativadas.

— Pronto. Vamos — chamou Charlotte.

A sessão restrita era bloqueada por um portão de ferro. Com dois grampos de cabelo, Castiel pediu a Cloe para que iluminasse suas mãos enquanto os invertia para usá-los como micha. Colocou-os dentro da fechadura e começou a mexer pacientemente, destravando a primeira volta da chave. A segunda demorou um pouco mais, porém após algum esforço a porta estava aberta.

E com o portão aberto, algo disparou. Um alarme.

— Merda! — gritou Castiel, jogando os grampos no chão. — Merda, merda!

— Temos que pegar os livros antes que a polícia chegue! — gritou Cloe, correndo para dentro na sessão restrita. — Charlotte, quanto tempo nós temos?

— Não sei! — ela disse desesperada, discando no celular. — Cloe, Castiel! Peguem o máximo de livros que puderem sobre esse assunto, eu vou pedir para o pessoal de fora me manter informada!

Castiel correu para o lado de Cloe, olhando as lombadas para ler os títulos. Pegou alguns que tinham “espíritos” ou “almas” no título, sem se ater muito a pequenos detalhes.

— Vamos cair fora! — gritou Charlotte. — Estão ouvindo o carro da polícia!

— Não temos tempo de voltar para o duto de ar! — gritou Cloe apavorada.

Charlotte trincou os dentes, correndo na direção da porta da frente.

— Você ficou doida?! — berrou Castiel.

— Confiem em mim! — a garota respirou fundo diante da porta de madeira.

Castiel ficou confuso com as ações da garota, olhando para os lados desenfreadamente como se um policial fosse aparecer a qualquer minuto, mas uma explosão o assustou e o fez entender o que estava fazendo.

Charlotte acabara de explodir a porta.

Castiel largou os livros nos braços de Cloe quando percebeu que Charlotte iria cair no chão devido ao esforço. Cloe tremia da cabeça aos pés, e Castiel pegou Charlotte nos braços antes que a garota fosse ao chão por causa da fraqueza. Ele ainda estava abismado com o que a jovem fora capaz de fazer, mas perguntas deveriam ser feitas depois.

— Corre! — gritou Castiel.

Cloe correu desengonçada com os livros nas mãos, enquanto Castiel carregava Charlotte desmaiada nos braços. Na frente da biblioteca os outros chamavam, correndo pela rua. Os dois acompanharam o grupo, desesperados, antes de serem vistos pela polícia. A escuridão ajudava a mantê-los ocultos, escondidos atrás de árvores, bancos e moitas.

— Isso foi estupidez — murmurou Nathaniel ao seu lado.

— Cala essa boca! — Castiel disse ameaçadoramente.

— Psiu! Precisamos sair daqui — Armin chamou baixinho. — Eles estão distraídos lá dentro, vamos!

Castiel percebeu que o grupo de policiais era pequeno. Com o disparo do alarme provavelmente eles não haviam visto necessidade de mais gente, mas com a explosão um estava do lado de fora com o walkie-talkie na mão, provavelmente chamando reforços.

— Mas que merda... — disse Alexy trêmulo. — E se forem atrás da gente?

— Relaxem. Vai ficar tudo bem... — a voz de Charlotte se manifestou, fraca. — Não deixei que ficassem provas. Enquanto... Falava no telefone, eu limpei qualquer... — E voltou a desmaiar.

Castiel respirou aliviado.

— Devo reconhecer, garota. Você é mesmo genial.

~x~

O plano suicida de Castiel ainda deixava um gosto amargo na boca de Nathaniel, que desejara matar o ruivo depois do que havia acontecido. Felizmente conseguiram escapar sem serem apreendidos, mas a sensação de terem cometido um crime não abandonava Nathaniel.

Foi pela Cloe. Valeu a pena, foi tudo por ela, dizia a si mesmo. Esperava que aquilo desse algum resultado, senão não valeria de nada.

— Ainda está com raiva? — a voz fraca e trêmula de Cloe Tally adentrou seus ouvidos, chamando sua atenção. A garota o encarava de maneira culpada, segurando sua mão, enquanto caminhavam na direção da casa dela.

— Estou bravo com ele. Não com você — esclareceu. E se deu conta naquele momento que era verdade, não estava com raiva dela, nem um pouco. Mas estava, sim, com raiva de Castiel, por ser a mente que os colocara naquela situação.

— Isso vai valer a pena. Eu sei que sim — Cloe disse esperançosa, apertando seus dedos contra os dele.

— Espero que sim.

Castiel acabara levando os livros com ele. Por ter a melhor memória do grupo, todo grupo concordara que ele era o melhor para a tarefa já que poderia reter as informações melhor do que ninguém. Acabou virando tarefa dos gêmeos e de Lysandre escoltar Charlotte, ainda desmaiada, para casa.

— Charlotte foi incrível lá dentro — contou Cloe. — Nunca teríamos conseguido sem ela.

Nathaniel fora informado que Charlotte e sua família lidavam com magia, mas não sabia se acreditava naquilo. Mas com a explosão na biblioteca não havia mais como negar as habilidades da jovem.

— Não quero nem pensar o que teria acontecido se ela não estivesse presente — murmurou Nathaniel. Ele se lembrava de uma Charlotte diferente, mais fechada e limitada ao seu círculo de amigos que se limitava a Ambre e Li. Havia até mesmo arrogância na garota, mas desde que Ambre morrera ela estava diferente.

Ao chegarem no portão da casa de Cloe, os dois pararam. Colocando-se na frente dele, a jovem suspirou e segurou as duas mãos do namorado.

— Preciso ir — disse, parecendo lamentar. — Nos vemos amanhã?

No dia seguinte estava programado para que fossem para a casa dos avós de Cloe. Ele e Alexy haviam se disponibilizado para ir, e estavam esperando que essa visita desse alguma pista do que estava acontecendo. Havia uma foto, onde estava a avó de Cloe segurando um bebê, seu avô e sua mãe. E a presença de uma menininha desconhecida, visto que o bebê era Francine.

— Claro — disse, levando os dedos para a nuca de Cloe, puxando-a para perto para selar seus lábios em um beijo. Afastaram-se rápido, porém o loiro puxou-a pela mão novamente. — Espera...

— O que foi? — ela perguntou, olhando-o confusa.

Nathaniel não respondeu. Encostou-a na parede, envolvendo a cintura da garota com um dos braços, usando o outro para trazer o rosto dela para perto do seu. Voltaram a se beijar, mas desta vez o desejo ardente estava presente em seu toque desesperado, ansiando por ela como nunca fizera antes.

Os dois estavam sempre cercados de problemas, que sempre os impediam de terem tempo apenas um para o outro. Ambre morrera e Nathaniel passara por um período de luto afastado de Cloe e, quando finalmente estava preparado para voltar a vê-la, e pedir perdão por ter agido da maneira que agira, deram início a Operação Fantasma, o que os obrigava a passar mais tempo com os outros.

Não eram um casal normal. Não marcavam encontros como outros casais faziam; uma volta no parque, ir a lanchonete, ver um filme no cinema. Ou mesmo um programa caseiro, nada! E Nathaniel não podia negar, sentia falta de Cloe e a medida que o relacionamento se estendia, a necessidade de estar com ela se intensificava. Mas nos últimos tempos, o que haviam feito se resumia ao colégio e se reunir com os outros.

Ele queria senti-la, tocá-la, sentir o fogo de sua alma fundir-se a dela. E poucas oportunidades apareciam.

— Nathaniel... — ela gemeu seu nome contra seus lábios, indecisa entre afastá-lo ou puxá-lo para si.

O loiro respirou fundo, sentindo-se envergonhado por surpreendê-la. Afastou-se alguns centímetros, pousando as mãos sobre sua cintura.

— Sinto que não tivemos um tempo para nós desde que... — suas palavras travaram. Cloe meneou a cabeça e colocou o indicador sobre seus lábios suavemente, calando-o. Ela sabia o que ele queria dizer.

— Eu sei — sussurrou. — Sinto sua falta e vontade de estar com você o tempo todo — confessou. — Mas com tudo que vem acontecendo, eu...

— Eu sei — cortou-a, encostando a testa na dela. — Não é sua culpa.

Alguns segundos se passaram sem que nenhum dos dois falasse nada. Nathaniel levou uma das mãos aos cabelos de Cloe, acariciando os fios castanhos suavemente. Sob a luz fraca do poste, via a tez pálida da menina, os olhos fundos e as olheiras, e o cabelo castanho desbotado. Sentia os dedos dela suaves sobre suas costas, e os dedos da outra mão entre seus fios loiros. Cloe apertou os lábios, piscando para que uma lágrima descesse de seus olhos.

— Eu queria que tudo fosse diferente — confessou baixinho. — Eu queria ser normal.

Nathaniel deixou um riso escapar dos lábios, arrancando um olhar intrigado de Cloe.

— O que foi?

— Se você fosse normal, nunca teríamos ficado juntos.

A própria Cloe riu, concordando com a cabeça. A história deles se resumia a todos os eventos estranhos que os cercavam, a curiosidade e o desejo de protegê-la. Sem nada disso nunca estariam juntos.

— Tem razão...

Dessa vez o ímpeto veio da própria Cloe, que puxou-o para si com desejo. Os lábios se encontraram e as línguas dançaram juntas, e o fogo de Nathaniel se espalhou por todo o seu corpo de maneira voraz, desejando intensificar cada toque, cada beijo. E foi esse desejo abrasador que lhe instigou a colocar as mãos por dentro da blusa de Cloe, apertando a pele da barriga e sentindo o tecido do sutiã ao subir as mãos, sentindo-a gemer contra seus lábios.

Cloe também deixou o desejo tomar conta de seus atos, escorregando as mãos para dentro das costas dele. No momento em que Nathaniel percebeu onde ela colocara as mãos, afastou-se assustado; estava repleto de hematomas nas costas.

— O que aconteceu? — ela perguntou corada.

— Nada. Não foi nada — disse, voltando a beijá-la antes que ela fizesse mais perguntas.

Mas não conseguiu evitar o gemido de dor quando Cloe aumentou a pressão de seu toque em suas costas, bem em cima de um dos hematomas, fazendo-o se afastar de repente. Soltou-a, vendo a garota olhá-lo confusa, como se tivesse acabado de fazer alguma coisa errada.

— Você está bem?

— Eu... — engasgou com as palavras. — É melhor eu ir.

Nathaniel virou-se para ir embora, mas não contava que ela corresse atrás dele. Apenas sentiu o ar frio da noite quando a blusa foi levantada, revelando cada centímetro de sua pele marcada.

Ela vira, sob a fraca luz do poste, o seu segredo mais sombrio.

— Nathaniel... — ela murmurou chocada, deixando que ele voltasse a cobrir-se. — Isto é...

— Não é importante... — disse, mas sequer conseguia olhar nos olhos dela.

— Está machucado! E isso está horrível! — disse quase gritando. — O que aconteceu?

— Não posso falar...

Cloe meneou a cabeça, incrédula, com os olhos marejando.

— Não é justo — sussurrou. — Você sabe tudo sobre mim. Me deixe ajudar você...

Era verdade. Mas Nathaniel não queria ser fraco diante dela, não diante da garota que prometera cuidar. Os problemas dela eram infinitamente piores do que os seus, não precisava aborrecê-la com os seus. Ela não merecia carregar mais um fardo sobre suas costas. Ele poderia lidar sozinho com seus próprios problemas.

— Tchau, Cloe

Nathaniel deu-lhe as costas, envergonhado de suas próprias atitudes. Sabia que ela estava chorando, sabia que agira como um cretino. Mas estava humilhado demais para conseguir agir de outra forma.

Ele não precisava dar a ela mais motivos para sofrer. Ele prometera ser a felicidade dela, não outro caminho de sofrimento.

Não demorou muito para chegar a sua própria casa, ciente de sua demora. Mas não estava se importando mais com as consequências, estava furioso: furioso consigo mesmo, furioso com seu pai. Estava fervendo de ódio da humilhação que acabara de ser submetido. De todas as pessoas que poderiam ter descoberto, porque justamente aquela que Nathaniel mais queria proteger?

— De novo? — a voz de seu pai rimbombou como um trovão da poltrona da sala, fazendo Nathaniel parar no meio do caminho entre a porta e a escada. O loiro respirou fundo e tentou controlar suas próprias emoções.

— Eu tinha coisas pra resolver — respondeu tentando manter a calma em sua voz, embora a sonoridade trêmula indicasse que fazia muito esforço. — Vou para cama, estou cansado.

Seu pai levantou-se da poltrona, caminhando em sua direção. Obrigando-se a encarar o pai, Nathaniel respirou fundo e devolveu o olhar severo, carregado de ódio. Os olhos de Francis se arregalaram diante da prepotência do filho, fechando as mãos em punhos para energizar a autoridade em sua expressão.

— Não olhe assim para mim — avisou perigosamente.

Nem isso fez Nathaniel recuar.

— Eu só quero subir e tomar um banho — disse trincando os dentes.

Não foi uma surpresa quando seu pai, carregado de raiva pelo desrespeito, atingiu o punho direito em seu rosto, acertando o olho e o nariz, que sangrou no mesmo instante. Apesar do impacto, os pés firmes de Nathaniel no chão apenas o fizeram cambalear, não cair. Levou a mão ao rosto, respirando com força, mas não se moveu.

— Quem você pensa que é? Hein? — gritou, acertando-lhe a barriga. — Hein, garoto insolente?!

Uma série de golpes foram desferidos, de maneira como Nathaniel nunca fora submetido antes. Sabia que não estaria em condições de sair por dias, talvez semanas, mas deixou que viesse. Deixou que o pai lhe atingisse.

Quando este cansou, após ter finalmente conseguido derrubar Nathaniel que recusava a cair, o loiro se levantou com dificuldade, com a respiração entrecortada, encarando-o com apenas um olho já que o outro estava inchado. Mas movido pela raiva, pelo ódio e a humilhação incessante em sua alma, fechou o punho e acertou o rosto do pai. O que o derrubou não só pela força do impacto, mas pela surpresa.

— Boa noite... — rosnou Nathaniel, ignorando a presença da mãe na escada, encarando a cena com as mãos sobre a boca e cheia de pavor. Apenas subiu as escadas, batendo seu ombro no dela, para trancar-se em seu quarto finalmente.

Nathaniel sabia que precisaria contar tudo para Cloe, mas não se sentia pronto. Estava destruído, por dentro e por fora, mas precisava falar com ela. Tirou o celular do bolso, digitando uma mensagem de texto.

Não poderei ir amanhã com você, sinto muito. Eu sei que está preocupada, mas prometo explicar quando estiver pronto. No momento não consigo falar sobre isso.

Enviou. Respirando fundo, largou o aparelho sobre a cama e despiu-se, caminhando para o banheiro anexado ao quarto para afundar na banheira.

~x~

Cloe demorara a conseguir dormir na noite anterior.

Depois que Nathaniel saiu de maneira misteriosa, deixando-a confusa quanto aquelas feridas horríveis em suas costas, não conseguia parar de pensar no namorado. Não conseguira parar de pensar em como ele agira diante de sua descoberta, envergonhado e sem conseguir pronunciar uma única palavra. E ela ficara extremamente preocupada, imaginando mil possibilidades loucas e se desesperando cada vez um pouco mais.

O que estaria acontecendo, afinal de contas?

A mensagem de texto que ele lhe enviara só serviu para despertar ainda mais sua inquietação. Mandou uma resposta perguntando se ele estaria bem, mas demorou horas até que ele enviasse apenas um “Sim”.

Ela sabia que não estava nada bem.

Para piorar a situação, além de Nathaniel ter desmarcado, Cloe acordou com uma ligação de Alexy parecendo aflito. O amigo pediu desculpas, mas sua avó acabara de sofrer um derrame e estavam correndo para o hospital com ela. Claro que Cloe o liberou de ir com ela até a casa dos avós, afinal de contas, não poderia obrigar Alexy a lidar com os seus problemas sendo que ele já tinha os dele para se preocupar.

O ruim era que acabara ficando sozinha para ver os avós, algo que ela realmente não queria. Se lembrar daquela casa lhe causava grande desconforto, em como fora arrastada para War & Peace sem ter escolha. Precisava de alguém ao seu lado, alguém que seria um suporte para ela na frente deles. Na frente daqueles que haviam lhe colocado no pior lugar que já conhecera.

— Você vai mesmo?

Cloe foi retirada de seus devaneios ao ouvir a voz de Francine, que entrou na cozinha escovando os dentes. Cloe só dissera no dia anterior que resolvera ir ver os avós. Francine tinha planos e dissera que iria desmarcar para ir com ela, mas Cloe a tranquilizou dizendo que estaria acompanhada. Mas agora não tinha ninguém que pudesse ir com ela.

— Eu não sei... Nathaniel e Alexy desmarcaram — Cloe coçou a nuca.

— Quer que eu vá? — perguntou Francine, apontando para a sala com o polegar. — Posso ligar para o Aaron agora e desmarcar...

— Não, tia — Cloe riu, meneando a cabeça. — Vai se divertir. Eu vou ver se outro amigo pode ir comigo.

Francine apertou os lábios e concordou, virando-se de costas para sair. Porém girou sobre os calcanhares, voltando a encarar Cloe.

— Tem certeza?

— Tenho. Vai, você trabalha a semana inteira. Merece descanso — garantiu. Cloe sabia que a tia também não gostava muito de visitar a casa dos pais, desde que eles a puseram em War & Peace a relação deles havia se transformado em puro gelo.

Francine bufou pelo nariz, mas deu-se por vencida, jogando as mãos para cima com as palmas para frente, dando de ombros.

— Você é quem sabe. Depois não reclama, viu?

Cloe riu e Francine saiu da cozinha, voltando para o banheiro para escovar os dentes. A relação das duas estava cada vez melhor, os dias que Cloe passava isolada e sozinha, evitando o contato com Francine, pareciam estar tão distantes que já pareciam ser a vida de outra pessoa, não a de Cloe. A jovem não sabia, mas encontrara em Francine um forte alicerce para manter-se firme, alguém com quem poderia contar. É verdade que Francine algumas vezes tentara, de maneiras erradas, tirar Cloe do próprio isolamento, mas o fazia com a melhor das intenções.

Francine era mais que uma tia. Era uma mãe. E tudo que Cloe desejava era que ela fosse feliz, e já havia um tempo que ela vinha saindo com esse tal de Aaron... Cloe imaginava que não demoraria muito para conhecer o novo namorado da tia.

Respirando fundo, puxou o celular sobre a mesa enquanto mastigava um pedaço de croissant, analisando a lista de contatos. Cloe não queria mais adiar aquela conversa, todas as vezes que abria o armário ela sentia que aquela menina da foto estava a encarando, como se pedisse para que ela se apressasse em descobrir.

Seus dedos pararam sobre o nome de Kentin. Mordendo o lábio, Cloe concluiu que provavelmente ele poderia acompanhá-la. Eram amigos há muito tempo, os dois entendiam melhor do que ninguém o sofrimento da rejeição vinda da própria família. Sabia o que era ser trancafiado em uma prisão, e enlouquecer diante de tantas coisas horríveis que estavam acontecendo lá dentro.

Ele conhecia Cloe melhor do que ninguém.

Selecionando o nome de Kentin, colocou o telefone sobre o ouvido para ouvir o som que indicava que estava chamando. Finalmente ele atendeu, após quatro toques.

— Alô?

— Oi Ken. É a Cloe — falou, sentindo-se meio idiota em seguida. É claro que ele sabia quem era, o nome dela devia ter aparecido na tela.

— Hey! — falou animado. — Tá tudo bem? Já foi ver seus avós?

Cloe tamborilou os dedos na mesa.

— Então, tive um problema.

— Problema?

— Sim. Nathaniel e Alexy... Os dois tiveram problemas pessoais — falou, arranhando a unha irregular sobre a madeira. Não precisava falar sobre o que acontecera na noite anterior. — Estou sozinha.

— Ah — ele pareceu desapontado. — Então você não vai?

Ela respirou fundo antes de responder.

— Eu vou. Se você for comigo — disse. — Por favor! Eu não vou conseguir pisar lá sozinha. E de todos... Você é o que mais entende, Ken. Por favor, preciso que esteja comigo.

— Eu vou. Claro que eu vou — ele respondeu no mesmo instante. Até parecia animado com a ideia.

Cloe ficou um pouco surpresa com a rapidez com a qual ele aceitara.

— Mesmo?

— Claro! Eu vou me arrumar e passo aí, tudo bem?

— Tudo bem! — Cloe respondeu, sorrindo aliviada. Kentin era mesmo um amigo incrível. — Obrigada, Ken.

~x~

Kentin esperava que os avós de Cloe morassem em outra cidade. Preparado para um trajeto longo, ele ficou surpreso ao se dar conta que se tratava de apenas quinze minutos no ônibus. Durante todo o trajeto, Cloe aparentava ficar tensa a cada segundo. A aproximação com certeza mexia com ela, e Kentin sentia certo ódio dos idosos que nem mesmo conhecia. Sabia que fora eles que haviam prendido Cloe naquele inferno, e ele sabia melhor do que ninguém que aquilo não tinha perdão. Mesmo ele, anos depois, mal conseguia perdoar os pais pelo que haviam feito com ele. O colégio militar fora mais fácil de suportar.

Ao darem sinal, os dois desceram do veículo público e o viram partir em direção à próxima parada. Kentin olhou para Cloe, vendo a menina respirar fundo e demonstrando a preocupação nítida em seu olhar. Apertando os lábios, o moreno depositou sua mão sobre o ombro da garota, apertando carinhosamente. Ela precisava saber que não estava sozinha.

— Eu estou aqui com você — prometeu. — Vai dar tudo certo.

Ficou satisfeito em arrancar um sorriso tímido da amiga, que colocou a mão sobre a sua. O contato da mão pequena de Cloe na sua o fez apertar os lábios, mas sorriu para disfarçar. Era uma droga ser somente um amigo para ela, principalmente porque para ele Cloe representava muito mais. Desde sempre, desde a época em War & Peace, ela era especial para ele.

Cloe era seu anjo de luz em um mundo atormentado por trevas.

— Só temos que seguir direto por aqui — ela disse, apontando para a rua em frente. — Número 1018.

— Certo — ele concordou. — Relaxa, OK?

Ela concordou com a cabeça, apesar de ainda estar tensa.

— OK.

Levaram pelo menos quinze minutos andando. Logo estavam parados diante de um portão de madeira polida, brilhando com o que parecia ser uma camada nova de verniz. Apesar de não se tratar de uma mansão, Kentin esperava uma casa menor para um lugar onde moravam apenas dois idosos. A caixa de correio ao lado era uma pequena casinha de madeira, pintada em tons alegres de vermelho, azul e laranja, além dos dizeres “SEJA BEM-VINDO”.

Cloe hesitou com o dedo sobre a campainha. Kentin aproximou-se, apertando o dedo dela junto ao seu, recebendo um olhar agradecido da menina claramente aliviada.

Não demorou muito para que uma voz feminina e envelhecida falasse ao interfone.

— Alô? Quem é?

Cloe abriu a boca, mas hesitou.

— Alô? Olha só, se isso for brincadeira...

— Sou eu, vovó — disse enfim, logo se retraindo ao soltar essas palavras.

O interfone ficou mudo pelo que pareceu uma eternidade.

— Cloe...?

A garota abaixou o olhar e respirou fundo. Kentin deduziu que estava se esforçando para não chorar e não deixar as lembranças lhe atormentarem.

— Sim, vovó. Sou a Cloe.

— Por Deus. Cloe... — ela sussurrou, parecendo chorar do outro lado. — Espere! Estou indo abrir pra você! Não saia daí!

O interfone desligou. Cloe deu dois passos para trás, parecendo tentada a fugir. Kentin segurou sua mão, entrelaçando seus dedos aos dela, esperando que esse simples gesto lhe passasse segurança. Ela retribuiu ao aperto, parecendo trêmula, e ele entendia a reação. Quando saíra do colégio, Kentin se recusava a ver os pais no hospital. Demorou muito tempo para que conseguisse olhar para eles sem se lembrar do que havia passado, e mesmo assim, ainda era difícil olhar para eles sem lembrar do que fora obrigado a passar. É claro, milhares de pedidos foram feitos, mas ele não conseguia perdoar. Não de verdade. Só quem vivera naquele maldito lugar sabia o que era War & Peace.

A porta menor se abriu. Kentiu viu uma mulher idosa de cabelos completamente brancos — a não ser por poucos fios pretos, quase imperceptíveis. Era pequena e rechonchuda, e a ele aparentava ser uma versão envelhecida de Cloe. Os cabelos estavam presos em um coque apertado, e óculos de armação grossa estavam diante de olhos verdes que lacrimejavam.

— Cloe...

A senhora tentou se aproximar, mas Cloe deu passo para trás. Kentin duvidava que ela tivesse feito aquilo intencionalmente, provavelmente fora involuntário, pois a própria Cloe aparentou estar envergonhada de sua ação. A senhora também percebeu, baixando o olhar e ficando claramente desapontada com o reencontro com a neta.

— Se puder entrar... Seu avô queria ver você também.

Kentin sabia porquê Cloe ficou ainda mais tensa ao ouvir isso. Segundo ela mesma dissera, fora ele quem tivera a ideia e insistira em matriculá-la em War & Peace. Provavelmente ele havia sido o monstro da imaginação dela durante todos aqueles anos.

— Sei que está chateada... — a avó de Cloe disse cautelosa. — Mas precisamos conversar, Cloe. Francine nem mesmo quis nos deixar ir ver você.

— Não é culpa dela — Cloe sussurrou. — Eu que pedi.

A idosa concordou.

— Você precisava de um tempo. Eu sei — disse suspirando. — Mas agora... Você está aqui.

Cloe concordou. Kentin percebeu seu queixo trêmulo e os olhos que se enchiam de água.

— Estou.

— Quer entrar?

Ela assentiu com a cabeça, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. Foi quando finalmente a idosa percebeu a presença de Kentin.

— Ah, olá — ela cumprimentou. — Você é namorado da Cloe?

A maneira esperançosa como ela dissera aquilo era quase repugnante. Era como se ela achasse um milagre que Cloe pudesse ter namorado, como se isso não fosse possível. Kentin queria muito dizer que sim, mas sabia que isso poderia aborrecer Cloe.

— Eu sou amigo dela — respondeu. — A gente se conheceu naquele colégio onde a senhora a colocou — acrescentou alfinetando. — O namorado da Cloe não pôde vir com ela hoje.

A senhora concordou com a cabeça, parecendo meio constrangida com a maneira como Kentin a confrontara. Cloe olhou para ele insegura, mas não parecia com raiva pelo que ele havia dito. Isso o fez respirar aliviado.

Entraram seguindo a mulher pelo corredor estreito de piso áspero. Na sala, decorada em tons pastéis e móveis de madeira branca lisa, um senhor idoso estava sentado sobre a poltrona. Sobre as pernas estava uma manta que mesclava desenhos laranjas com azuis. Não muito longe dali havia uma cadeira de rodas.

O avô de Cloe não era mais capaz de andar.

— Cloe — o idoso chamou, com a voz fraca. Era nítida que a velhice o abatera com mais crueldade do que à esposa; ele parecia definhar pouco a pouco, os olhos estavam amaldiçoados pela catarata, provavelmente mal conseguia enxergar. — Venha mais para perto. Quero vê-la...

Kentin deduziu que Cloe não esperava ver o avô tão debilitado, já que parecia estar chocada diante da visão. Em seus olhos era possível ver pena, e não medo ou raiva, como esperava. A jovem passara anos vendo seu avô como o monstro que destruíra sua vida, e agora este monstro estava velho, doente e quase cego. Era impossível odiar alguém assim.

— Oi vovô — sussurrou Cloe, andando para ficar diante dele.

— Eu posso... Pegar suas mãos?

Relutante, a garota estendeu as mãos para o avô, parecendo ligeiramente incomodada com o contato quando o velho pegou-as com suas mãos enrugadas. Não pela textura da pele, mas pelos sentimentos que nutria por ele. Não demorou para que as puxasse de volta, sentando-se em um dos sofás diante do avô, ao lado de Kentin. A avó sentou em outra poltrona, observando ansiosa.

— Tem alguém com você? — ele perguntou, forçando a visão na direção de Kentin.

— Eu sou amigo da Cloe — ele disse. Para aquele idoso debilitado, não teve a mesma coragem de afrontar como fizera com a esposa.

— Amigo... Sim... — concordou. — Bom, bom...

— Cloe está namorando, querido — a avó disse. — Mas parece que ele não pôde vir hoje.

— Hm... Nathaniel está um pouco ocupado... — contou, parecendo constrangida em falar sobre o namorado para os avós. — Mas posso trazê-lo outro dia, para conhecê-los.

— Seria muito bom. Gostaria de conhecer seu namorado — concordou o avô.

Alguns minutos de silêncio constrangedor cobriu a sala. Kentin sabia que seu dever não era falar, apenas ajudar Cloe a ter força para isso. Mas antes que a própria Cloe falasse alguma coisa, foi o idoso quem retomou a palavra.

— Sinto muito, Cloe — sussurrou arrependido. — Sinto muito pelo que fiz.

O queixo de Cloe tremeu e ela não conseguiu segurar as lágrimas, por mais que fizesse uma careta em uma tentativa falha. Fechou os olhos, mordendo o lábio com força, apertando os dedos sobre os joelhos.

— O senhor não faz ideia... — ela começou, soluçando. — Não faz ideia do que eu passei...!

Calou-se, soluçando demais para continuar. Sem saber o que fazer, Kentin passou o braço sobre os ombros dela, puxando-a para si como se isso pudesse ajuda-la. No rosto dos dois idosos, o claro arrependimento estava presente em suas feições.

— Eu fiz o que achei melhor para você — ele falou, tentando se justificar. — O que acreditava que lhe faria bem.

Cloe trincou os dentes e negou com a cabeça.

— As coisas... As coisas que eu vi lá... — ela falou com a voz fraca. — Eu sonho com isso quase todas as noites... Aquele lugar me destruiu.

A avó de Cloe tirou os óculos, secando os olhos que já estavam vermelhos.

— Mas isso... Não importa mais... — Cloe respirou fundo, retirando do bolso da calça a foto que haviam encontrado na casa de Francine. — Quero perguntar uma coisa. Foi para isso que vim.

Ela entregou a foto na mão da avó que, ao voltar a se recostar na poltrona e observar a foto com atenção, ficou tensa e olhou para o marido como se buscasse ajuda.

— Uma das meninas sei que é minha mãe. O bebê é Francine — Cloe falou, parando de soluçar aos poucos. — Quem é a outra que está do lado da minha mãe?

A avó apertou a foto entre os dedos trêmulos, parecendo que iria voltar a chorar. Passou a foto ao marido, como se vê-la doesse demais.

— Quem é ela? — insistiu Cloe, dessa vez mais desesperada pela resposta.

O avô pegou a foto e precisou coloca-la bem perto para enxergar. A reação do velho foi diferente, mas igualmente misteriosa; ele suspirou como se sentisse um fracassado.

— A menina da foto se chama Elena — contou o avô. Demorou alguns segundos antes de completasse. — E ela era nossa filha do meio.

Kentin arregalou os olhos em choque, olhando para Cloe. A garota parecia estar mais chocada do que ele; com certeza não sabia da existência de uma segunda tia materna.

Era? — perguntou Kentin. Cloe parecia chocada demais para falar. — O que aconteceu?

Os olhos do avô se voltaram para Kentin.

— Elena se suicidou. Ainda muito nova... — Ele meneou a cabeça, como se lembrar daquilo causasse muita dor. — Jogou-se dos telhados do colégio. Uma tragédia...

Kentin não conseguia acreditar que aquilo pudesse ser real. Cloe tivera uma tia que jamais fora citada, nem por Francine ou por seus pais. Nem mesmo pelos avós! Devia ser uma bomba e tanto, e ainda por cima suicídio? Era mais do que eles esperavam.

— Por quê...? — Cloe perguntou, secando os olhos e trincando os dentes. — O que fez ela se matar?

— Não sabemos — dessa vez foi a avó que falou, soluçando. — Elena era muito fechada, reclusa em seu próprio mundo. Um dia recebemos uma ligação do colégio de que ela havia se jogado dos telhados e não resistiu à queda — a idosa pausou, colocando a mão na boca como se relembrasse a notícia de maneira vívida em sua mente. — Sua mãe, Adele, estava chocada. Ela e outro garoto presenciaram o suicídio... E não conseguiram impedir... — Desta vez ela voltou a chorar abundantemente, escondendo o rosto entre as mãos.

Cloe respirava com dificuldade, sem conseguir acreditar que aquilo fosse real. Kentin achava que era melhor levá-la, mas quando estendeu a mão para ela, ela não pegou. Queria mais respostas.

— O que a minha mãe disse? Sobre o que viu? — perguntou.

— Adele nunca falou sobre isso — o avô contou. — Quando era questionada, o que fazia era chorar e nunca saía nada. O garoto também nunca falou sobre o que viu. É um mistério, mesmo para nós.

Era difícil aceitar aquela história.

— Elena dizia ver coisas — o velho continuou, voltando a prender a atenção dos adolescentes. — Como você dizia. Eu detestava que ela contasse essas histórias, então depois de certa idade ela nunca mais disse nada... — ele meneou a cabeça, desapontado. — Queria tê-la ajudado naquela época... Como me arrependo...

— O senhor não a teria ajudado! — Cloe gritou entre lágrimas, colocando-se em pé. — Não fazendo com ela o que fez comigo!

— Cloe... — Kentin tentou puxá-la de volta para o sofá, mas ela o afastou.

— Eu ouvi demais — Cloe disse descontrolada. — Eu preciso ir.

Saiu da sala, sendo seguida por Kentin. Felizmente o portão estava destrancando, facilitando a saída sem precisar pedir que alguém abrisse. Do lado de fora, ela o encarou perplexa.

— Uma tia! — desabou incrédula. — Meu Deus...

— Isso... Não sei o que dizer — Kentin passou a mão nos cabelos. — Mas que merda...

— Como isso tudo está relacionado? Quer dizer, ela também enxergava! — De repente foi como se uma luz se acendesse em sua mente. — Meu Deus, Ken...

— O que foi?

— Ah, meu Deus... — Cloe passou a andar em círculos. — Não, não, não.

— O que foi?! — insistiu quase gritando.

— É ela, Ken! — berrou Cloe desesperada. — O espírito é ela!

O trovão rimbombou no céu, anunciando a chuva que não demorou a cair, molhando os dois adolescentes da cabeça aos pés. Cloe parecia não se importar diante da revelação, abraçando a si mesma como se estivesse com frio. Kentin a puxou pelos braços, fazendo-a encará-lo.

— Escuta! Ainda não sabemos se é isso! — ele falou olhando nos olhos dela. — Precisamos nos esconder da chuva. Vamos, tente não pensar demais nisso. Temos que falar com os outros antes de deduzir coisas sozinhos!

Cloe soluçou, concordando com a cabeça. A chuva parecia tê-la ajudado a clarear a mente. Os dois correram para debaixo de um toldo de um estabelecimento fechado, para poder esperar a chuva passar.

Apesar das revelações daquela visita, uma coisa ainda passava pela sua cabeça. Algo que ele desejava mais do que tudo, que esperava ter um dia. Porém, o medo sempre o impedira, e agora um namorado que do nada surgira roubando o seu lugar. Era egoísmo entrar naquele assunto naquele momento, mas diante da pergunta da avó de Cloe pairando sobre sua cabeça, não conseguia mais aguentar.

— Cloe...

A menina voltou-se para ele, encarando-o confusa.

— O quê?

— O que você sente por mim? — perguntou antes que perdesse a coragem.

Cloe parecia confusa.

— O quê? — perguntou sem entender. — Por que isso agora?

— Eu preciso saber! — implorou. — Sei que não é o momento, mas...

Cloe apertou os lábios, meneando a cabeça como se aquilo fosse desnecessário.

— Você foi meu único amigo por anos. O único que eu tive naquele inferno — ela disse. — Você é meu melhor amigo, Ken. O único que me entende mais do que qualquer pessoa nesse mundo.

Ele sabia que essa seria a resposta, mas não conseguiu evitar a decepção. Ele esperava que pudesse ser algo a mais para ela, como ela era para ele.

— Você é tudo pra mim, Cloe — disse enfim, arrancando um olhar assustado da menina.

— O quê...?

— Minha luz na escuridão. Meu anjo no inferno. Minha vida na morte — ele enumerou várias coisas com as quais a relacionava. — Você é a única que me manteve vivo naquele lugar.

Cloe o encarou, espantada.

— Ken...

— Cloe, eu amo você — ele andou na direção dela, sentindo a água pingar dos fios dos seus cabelos. — Mais do que tudo. Eu desejei por anos ver você de novo... Pra te ver com um cara que não te entende. Um cara que mal sabe da sua vida!

Não era justo que despejasse suas frustrações sobre ela, principalmente naquele momento. Mas era difícil demais aguentar tudo aquilo sozinho. Estava tentando, mas não estava mais conseguindo.

— Ken... Isso...

Mas ele não deu tempo para que terminasse de falar. Tão perto como estava, não resistiu em ver as gotículas de água sobre seus lábios macios. Sem pensar, sem raciocinar, apenas queimando de amor e desejo, Kentin a puxou para seus braços e a beijou apaixonadamente.


Notas Finais


Sim, eu posto um capítulo tiro desses e saio correndo HUAHAUAHAUHA

No próximo eu queria fazer flashback, mas pensei que seria maldade com vocês diante de uma bomba dessas, então decidi que o próximo segue a cronologia original. Mas o próximo será um flashback, certo? Certo.

Deixem seus sentimentos, suas frustrações, seus surtos e teorias nos comentários. Quero saber o que você estão pensando sobre o rumo que a história vem tomando. ♥

Mil beijos e até o próximo capítulo!


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