"Mãe, Pai, se vocês estiverem lendo isso por favor mandem ajuda, só tem gente doida aqui. Estou longe de casa a menos de algumas horas e já sinto saudades."
Yuuri escrevia no seu celular, enquanto se escondia perto de um dos braços do sofá. Ele tinha se vestido de um jeito qualquer e saído de seu quarto para tomar um ar, supostamente ele iria para um baile hoje. Em sua cabeça só queria ser tirado daquele hospício com pouco investimento e voltar para o seu morro o mais rápido possível. O único problema é que não era rico o suficiente para comprar um barco esportivo para passar entre as correntezas da enchente, então por enquanto reclamar estava ótimo.
A decoração do lugar não era o problema, tudo estava nos trinques, a maior preocupação eram as pessoas que habitavam lá.
— AI AI AI AIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII. — Um berro o fez pular do sofá, ele rapidamente olhou em direção ao quarto de Chris, será que ele tinha se machucado? Precisaria de ajuda?
— QUE ISSO VIADO?!— Viktor gritou do banheiro de visitas.
— Ai, bicha, é Malária e Maraísa, me gonga não.
Seus olhos se apertaram por alguns segundos, eles não estavam falando desse jeito, não era possível. Quando viu seu amigo cruzar para a sala, pensou que toda sanidade do lugar poderia por um segundo ser reduzida, por que voltar ao normal estava difícil.
— Que nem aquela cantora, Malária Kelly. — Phichit disse, atravessando o corredor e se jogando no sofá de frente para Yuuri.— Eu amo as músicas dela é cada gritinho que ela dá.
Será que ele deveria se intrometer? O silêncio é a melhor resposta para esse povo. Pelo visto ninguém era capaz de trazê-los de volta para os eixos.
Seu amigo nunca foi uma das pessoas mais normais, sempre teve um desejo de estar nos holofotes e ter atenção. Isso requeria um pouco de um jeito, peculiar de ser, com direito a várias lives em momentos inoportunos, como no meio da prova do Enem.
Phichit era sem dúvida uma ótima companhia para se estar, conseguia arrancar risadas de qualquer um. Seu grande problema era com vergonhas, não podia ver uma que já queria passar. Yuuri acabou virando uma espécie de babá para ele.
— Você sempre tão gótica, vai conversar com os machos, quem arrisca não petisca. — Ele começou fazendo o amigo abaixar o celular prontamente. — Aquele dos cabelos brancos é um babado, babado não, ele é a saia toda.
— Eu não curto muito isso, quer dizer, você sabe...
— Ain, não inventa, que em briga de rola cê dá voadora de cu.— ele retirou seu celular do bolso e já apontou a câmera para o outro.— Eai Nepichatiii, enquete quem acredita que Yuuri é hétero? Da print aí
— Vai para merda, Phichit! — revirou os olhos. — Não tem nada a ver com a minha vontade de colocar uma rola na boca.
— Eu escutei a palavra sagrada. — Chris veio desfilando desde seu quarto. — Só quero dizer que amo.
Os seus olhos percorreram o look que ele tinha escolhido, realmente tinha um bom gosto para roupas que combinava muito com a sua personalidade peculiar. O que ainda o deixava em choque era o tamanho do decote da blusa dele, daquele jeito era melhor ir sem já que tudo estava de fora de qualquer jeito. Provavelmente ele comprou a blusa pela metade do preço.
Como uma rainha, jogou-se no meio dos dois garotos com uma risada e colocou os braços ao redor deles.
Era claro pela expressão de Yuuri que ele só estava esperando um tiro para se entregar. Preso em uma casa com três pessoas completamente piradas, a única coisa que fazia valer era o banho quente e a cama confortável.
Durante toda a sua vida foi o garoto quietinho que tirava notas boas e não aprontava muito na escola, diferente da sua irmã que só podia ser eleitora de lula de tanto PT que dava. Por isso era tão acostumado em tudo aos trinques e ninguém extravagante ao seu lado.
Precisava se esforçar para enxergar toda a situação de um novo ângulo, talvez pudesse ser um exercício espiritual para ele.
O que ele poderia dizer sobre essas pessoas?
Já conseguia ter uma boa ideia. Chris era completamente fora dos padrões do que se poderia considerar como "normal" e Viktor era seu mais fiel discípulo. Os dois eram provavelmente aquelas pessoas que você se divertia muito com, mas ele ainda estava bastante acanhado para poder se soltar mesmo que um pouco naquele lugar.
Uma coisa voltou a sua cabeça, o baile funk para o qual estava sendo arrastado: ele deveria falar com pessoas? Interagir? Será que as pessoas vão ficar com medo dele e chamar a polícia? Sua personalidade não o permitia ser muito bom com conversas e interações sociais, esse era o seu maior medo. Já conseguia sentir o frio na barriga começando.
— E esse baile Funk. — Começou, ainda olhando para o celular. — Vai ser onde?
— Na cobertura da cola velcro aqui da comunidade, a casa dela é um bafo. — Chris disse, olhando para o seu reflexo na televisão em sua frente
— Isso é bom, certo?
— É claro né, bicha burra. Vou te atualizar nas gírias daqui, eu sou bilíngue.
— Fala português e o que? — Questionou curioso e sem entender a relevância daquilo na situação.
— Oh, bebe, falo gíria hétero e gíria gay. De que mundo cê é? Quer dizer, nem responde. Pelo menos você é bonitinho
— Obrigado, eu acho. — Yuuri olhou para baixo, sentindo suas bochechas queimarem levemente.
— Mas, então, o que rola por aqui? — Phichit mudou de assunto.
— Acho que a melhor pergunta seria: o que não rola por aqui. — Viktor saiu do banheiro, já com um charmoso sorriso em seu rosto, ajeitando sua corrente dourada. No morro da Rússia o bagulho é sério
— Quantas regras sanitárias serão quebradas essa noite? — Resmungou para si, claramente preocupado com o que aconteceria.
— Ah, qual é, só vamos para um baile, o que demais poderia acontecer? — O amigo deu uma tapa no seu ombro.
(...)
Sua cabeça começou a latejar fortemente, estava desperto. Sentou-se, sentindo como se suas costas estivessem destruídas, e olhou ao redor, procurando o seu celular para responder qualquer mensagem que seus pais pudessem ter enviado durante a noite. A primeira pergunta que cruzou sua cabeça, onde estava seu celular? Onde estavam suas coisas? Onde estava o quarto que ele tinha alugado?
Levantou em quase em um pulo e olhou ao redor assustado. Por todo lado conseguia ver copos de bebidas jogados, garrafas espalhadas, roupas, comida, e alguns objetos que não sabia identificar. Com certeza ele não estava na pensão.
Onde será que estava Phichit, Chris, Viktor? Desceu com cuidado da cama e tentou andar pelo quarto sem pisar em uma garrafa para não ter que ir para o hospital. De longe conseguiu ver uma luz reluzente entre almofadas, será que não estava tão perdido como imaginava?
Afastou todo o volume e conseguiu encontrar um corpo ali jogado, estava respirando, a tonalidade normal, um bom sinal, quando finalmente pode dar uma boa olhada pode perceber que era Viktor, o amigo do dono da pensão e o começo de sua calvície brilhosa.
Duas palavras passaram em sua mente " Baile Funk". A comemoração teria ido longe demais? Alguém se machucou? Phichit foi levado pela Kombi dos palhaços? Chris estaria em um avião sendo traficado? Ele precisava de respostas, para isso o outro teria que despertar logo.
Segurou com força os ombros de Viktor e o chacoalhou com vontade, observando sua cabeça mexer para frente e para trás que nem uma boneca de pano.
— Eu sou inocente! — O outro gritou, despertando rapidamente. Quando abriu seus olhos e percebeu quem o chacoalhava seu rosto abriu um enorme sorriso— YUURI!— avançou em um abraço— Quando a gente vai fazer isso de novo?
"Nunca" ele pensou, mas estava com muita dor de cabeça para responder alguma coisa. Na verdade, não sabia nem o que tinha feito na noite anterior para poder repetir.
— Eh. Oi? — disse um tanto seco.— Por que a gente está aqui?
— Aqui onde? — quase cantou as palavras
— Nesse quarto cheio de garrafas! Caso você não lembre eu estou hospedado na pensão.
— Hm. — ele disse e olhou para os lados como se buscasse respostas. — Já sei! A gente tá na casa do Yuri!
— Mas eu não moro por aqui.
— Do outro, o menino guaraná caçulinha recheado de raiva— Concluiu com um sorriso satisfeito.
— Hein? — balançou a cabeça— De qualquer jeito a gente tem que achar o Phichit e o Chris!
— Nossa, por que tão preocupado com o Chris? Assim eu fico triste. — Yuuri levou a cabeça para o lado, um tanto confuso. De onde ele tirou tanta intimidade?
— Não, não é nada disso! — riu um tanto nervoso.— Eu só preciso dele para continuar vivendo na pensão.
— Ah, verdade! — abriu um enorme sorriso.— Bem, ele pode estar por qualquer lugar, ele nem vê quem jogou água e já tá passando o rodo, toda casa uma nova possibilidade diferente.
— Então é melhor começarmos a procurar. — soltou um suspiro, já prevendo quanto trabalho eles iriam ter para localizar o outro.
— A gente pode passar lá em casa e eu tento ligar para ele também.
Viktor começou a catar suas roupas pelo quarto e tentar as vestir, era claro pelo jeito que estava em pé o quanto havia bebido na noite passada, não conseguia acertar nem colocar a blusa da maneira correta. Não demorou muito para ele puxar Yuuri para fora do quarto, possivelmente o guiando para sua humilde residência.
O cenário era parecido com um filme de terror, a casa era quase toda escura, com móveis obscuros e estampas de animal print. Era difícil acreditar que alguém ainda usava aquele tipo de estampa, devia ser um crime de poluição visual.
Algumas pessoas estavam apagadas, seja pelos corredores, nos quartos ou até mesmo em cima da mesa da sala, as festas realmente não eram brincadeira no morro da Rússia.
No seu aniversário de 18 anos ele só foi para uma pizzaria, não queria nem imaginar o que essas pessoas faziam em datas comemorativas.
Será que no natal promoviam alguma espécie de cachaça para jesus? Aquilo era no mínimo ofensivo, afastou os pensamentos e continuou sua escalada pelas ladeiras do local.
Na rua não se via uma alma viva, todos estavam sentindo o efeito que slova mais conhecida como álcool tem em seu sangue.
Finalmente, cruzaram um portão baixo, um pouco mais a leste da casa do tal Yuri. De cara, já foram recebidos por um cachorro, que latia euforicamente.
Recheado de felicidade, Viktor abriu o portão e foi derrubado por aquele enorme animal que lambia seu rosto sem piedade, era um ato que provavelmente era para ser carinhoso, mesmo que o animal não tivesse noção do seu peso e como aquilo afeta as coisas ao seu redor.
— Yuuri, esse é o Makkachin! Ele não é lindo? Eu sei que é a minha cara. — Tentava se levantar e conter a alegria do animal.
— Bem, ele devia parecer com você? — pendeu a cabeça para o lado.
— Esquece. — Retrucou com um sorriso, rapidamente se recompondo e conseguindo andar para dentro da casa.
Para a surpresa de ambos, parece que a festa tinha se estendido por toda comunidade. O cenário pós apocalíptico festa também se fazia presente ali. No chão havia uma pessoa apagada, perto da cozinha mais duas. Contudo o que realmente chamou sua atenção foi três pessoas que estavam deitadas no sofá, a tatuagem no peito não mentia, era o Jota jota. Entretanto ao seu lado não estava a formosa belinha, e sim um garoto loiro de aparência magra. Aquilo era confuso, ele nera hétero nera?
Nos corredores mais garrafas espalhadas, caixas de pizzas vazias, e os quartos eram de difícil acesso.
Não era bom, precisavam encontrar Phichit e Chris para poderem voltar a pensão, todavia, com essa confusão toda seria bem difícil encontrar alguma coisa ali no meio daquelas pessoas, pelo olhar na cara de Viktor concordava com os pensamentos de Yuuri.
— Já sei o que fazer para conseguirmos encontrar algo aqui dentro. — Disse um tanto pensativo. Nenhuma ideia cruzava a cabeça do japonês nesse momento, afinal para ele só faltava os urubus para aquilo virar o lixão da Muribeca, não acreditava que alguém poderia dar um jeito naquilo.
— Alguém vai se machucar? — Questionou e ajeitou os seus óculos
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