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História Feche a porta quando sair - Juntos éramos fracos


Escrita por: dudacartman

Capítulo 37 - Juntos éramos fracos


— Essa foi a coisa mais nojenta que eu já vi em toda a minha vida — cuspiu Ian, assim que ficamos sozinhos no corredor. — Acha isso certo?

— Não, sei que não é — Palavras não descreviam a vergonha que senti. O que Ian estava pensando de mim? Certamente sentia nojo.

— Então por que a deixa fazer essas coisas? — questionou, colocando a mão em meu ombro e apertando de leve. — Ela tem que ser presa, você é menor de idade e ela é sua mãe — ele fez uma careta, franzindo o nariz. — Isso é horrível, vou ligar para policia e...

— Não! — meneei a cabeça, assustado.

— Por que não? Por que ainda a defende?

Eu não queria falar a verdade, tive medo de que ele não entendesse. Mas eu já estava cansado daquelas mentiras, dos abusos, da lembrança atordoante das fissuras...

— Porque ela me ama, Ian — confessei, sem medo algum no meu tom de voz. — E querendo ou não, é o único amor que conheço.

Ian arregalou os olhos antes de me abraçar, senti-lo tão perto de mim trazia uma segurança que aquele quarto claustrofóbico jamais me proporcionou. Seus abraços, seu carinho, o modo delicado como afagava meu rosto, tudo isso só deixava claro de que dor não era exatamente a definição exata de amor. Ele podia ser bom, podia me fazer bem sem me machucar e aquilo foi uma espécie de revelação para mim.

— Você vai dormir comigo hoje — avisou assim que chegou um pouco para trás.

— Não posso, eu...

— Isso não foi um pedido — grunhiu, me interrompendo. — Se não vir comigo vou ligar para a polícia, denunciá-la e nunca mais olhar na sua cara.

— Por quê?

— Sei que está com medo, que isso te assusta, mas não pode agir como se isso fosse normal, como se não te ferisse. Não pode deixar que ela continue fazendo essas coisas, meu príncipe.

— Quem disse que eu escolhi isso? — choraminguei. — Acha que foi fácil ter todas as minhas primeiras vezes arrancadas aos sete anos de idade? Sentir nojo de mim mesmo por ser pequeno, imaturo e ainda ousar amar tanto uma pessoa que não fez nada além de me destruir? Acha que foi fácil, Ian?

Não chorei. Segurei todos os pequenos fragmentos em meus dutos lacrimais. Era doloroso ter todas aquelas cicatrizes internas sendo expostas pela primeira vez, ainda mais falar sobre elas com a última pessoa que eu queria que soubesse delas.

— Nunca disse que foi fácil, meu príncipe — disse com suspiro. — Enquanto eu estiver aqui, isso não vai mais acontecer.

Há! Quem era ele para me proteger? Como ele sabia que conseguiria? Minha mãe podia demiti-lo com apenas uma conversa. Um motorista jamais conseguiria proteger qualquer pessoa diante do poder que uma rainha tinha.

Naquele momento eu queria realmente acreditar nele, que tudo aquilo não passaria de um pesadelo, que cada toque indesejado não aconteceria novamente, que seria apenas uma lembrança manchando a infância que não tive.

Mas não acreditei, não acreditei nem por um segundo, porque quando a rainha passasse por aquela porta e nos visse juntos eu sentiria o peso de suas pedradas, a vergonha em seu tom de voz, Ian iria se encolher, eu iria me encolher. Seu tom autoritário nos separaria, o poder que tinha sobre mim me dominaria.

Eu era submisso a ela desde os meus sete anos e não seria uma conversa que mudaria tudo.

Ian era estúpido por pensar que era forte para me proteger, que conseguiria livrar o príncipe daquilo que sempre esteve presente com ele.

Juntos, eu e Ian éramos fracos.

Ele só era idiota e cego demais para notar isso.

 

Ian

Nos separamos assim que ouvimos a porta se abrir, revelando a rainha com um roupão roxo em volta do corpo e o cabelo cor de areia um pouco desgrenhado. Era tão parecida com o Noah que me assustava, era como se fosse uma versão feminina do meu príncipe.

Puxei ele pela cintura e o coloquei atrás de mim, a fim escondê-lo das garras imundas daquela mulher.

— Noah, vá para o meu quarto — ordenei, com a voz firme. Tentei me manter rígido e autoritário. Eu sabia que era loucura levantar a voz na presença da rainha, mas nem liguei.

Para a minha surpresa, ele nem pestanejou, acho que foi por causa do clima pesado daquele corredor.

Noah simplesmente se virou e apressou o passo ao descer as escadas, lançando um olhar preocupado a mim ao fazê-lo. É claro que ele estava com medo de que eu fosse demitido ou algo assim, mas eu não. Para falar a verdade isso não me incomodava, até porque eu já esperava por isso.

Dei uma piscadela para ele, que obviamente corou e pela primeira vez me obedeceu sem reclamar.

Voltei-me para a rainha no mesmo instante, sustentando o olhar surpreso e rígido dela. Ela estava zangada e com umas verdades presas na garganta, tava na cara que ela só estava esperando o meu príncipe sair para falar o que queria.

— O que pensa que está fazendo? — questionou, deixando bem claro o seu ar de superioridade, exatamente como o Noah antes de eu mostrar o quão errado era aquele comportamento imaturo dele. Eu ficava triste em ver pessoas se achando melhores do que outras simplesmente por terem mais dinheiro. De que adianta ter uma conta bancária infinita e um coração vazio?

— Protegendo ele dessas suas barbaridades — Me posicionei com a mesma rigidez. Eu não gostava de agir assim, mas não iria deixar ela me inferiorizar daquele jeito. — Como uma mãe pode fazer uma coisa dessas com o próprio filho? Se é que eu posso ao menos chamá-la disso — Minha voz estava calma e serena. Eu não ia gritar, embora quisesse muito. Ela merecia um tom de voz bem rude e quem sabe até mesmo um tapa, mas eu jamais faria isso, não apenas por ela ser uma rainha ou algo assim, mas porque eu tive que aprender com a vida de que violência não devia ser paga com violência, de que uma conversa passiva resolvia tudo.

— Eu faço com o meu filho o que eu bem entender — seu tom gelado me fez estremecer.

Mal acreditei quando aquelas palavras me atingiram. O que eu a vi fazendo era desumano e Noah não era propriedade dela apenas por ter saído de seu ventre. A maternidade era uma benção, ter um filho e gerar uma vida era um presente e ver essa mulher não apenas machucar o próprio filho física e psicologicamente além de me ferir, me fazia duvidar de que o ser humano tivesse mesmo evoluído.

Claro que eu sou a prova viva do quanto o ser humano pode ser cruel, do quanto as diferenças podem incomodar, mas nada justifica um abuso.

O Noah não tinha culpa por não ter falado para ninguém e me senti mal por ter dado aquele ultimato um pouco rude a ele. A vítima nunca tinha culpa e sim o agressor e quanto mais forte o parentesco, mais nojento e repulsivo ficava.

— Não, você não faz.

Ela ousou rir, uma risada que fez a minha bile descer.

— Você não questione, não me responda — pontuou, exibindo suas unhas como as de um gato prestes a me arranhar, dei um passo para trás assim que as vi. — E não chegue perto do meu filho, ele é um homem.

— E eu também — falei, um tanto inseguro. Pela cara dela eu já sabia o que viria. No começo eu até gostava da rainha, a achava uma mulher fina e educada, que ria nos momentos certos e que falava de uma forma que deixava todos entretidos. Mas a imagem que eu tinha dela morreu assim que vi o modo como ela tocava a intimidade do próprio filho, como se ele fosse um objeto, como se ele não tivesse sentimentos, como se ela não soubesse as marcas internas que deixaria nele para sempre.

Ela me olhou de cima a baixo, me analisando com um sorriso debochado, como se duvidasse de mim. O peso do olhar dela fez com que eu me sentisse pequeno, insignificante apesar de eu ser bem mais alto do que ela.

A rainha sabia, não tinha como não saber. Soube no momento em que me contratou, no momento em que confiou em mim para entreter Noah, ser amigo dele.

Mas não houve qualquer julgamento da parte dela, qualquer hesitação porque ela sabia que isso não era um empecilho para que eu pudesse trabalhar ali. Porém, quando notou o quanto eu e Noah estávamos envolvidos deu para ver a diferença e aquilo que de inicio não a incomodou pareceu se transformar na coisa mais nojenta e repulsiva do mundo.

Nojento e repulsivo — era assim que eu sempre fui conhecido.

— Acha mesmo que ele ficaria com você? Se ele realmente te conhecesse, te acharia um monstro, uma aberração — Cada palavra parecia um tapa muito bem dado, que me encolhia ainda mais, tanto que eu podia sentir as lembranças do meu passado pularem na minha cara, ganhando vida depois de todo esse tempo tentando afugentá-las — É o que eu acho e é o que o Noah acharia, conheço o meu filho.

Aberração.

Monstro.

Eram palavras que ouvi a minha vida inteira, mas que ao fugir daquele lugar sufocante se transformaram apenas em um eco quase inaudível no lugar mais obscuro da minha mente, o lugar onde ela estava.

A imagem que ela representava, tudo o que ela representava. Eu não queria lembrar daquela fase e nem de nada do que deixei para trás, mas aquelas palavras eram como um chamado a ela.

Sacudi a cabeça, tentando pensar em Noah porque quando eu me desesperava e pensava que ia desmoronar, apenas pensar no meu príncipe me acalmava.

No entanto, isso apenas piorou tudo porque por mais que doesse admitir, a rainha tinha razão. Noah jamais me aceitaria e eu tinha plena consciência disso, se ele soubesse metade das coisas que eu já passei, metade do meu passado, ele provavelmente me espancaria, me xingaria de todos os palavrões possíveis e nunca mais olharia na minha cara.

— Então, irei propor um acordo — disse a rainha quando notou que eu não ia falar mais nada. — Na verdade é uma ordem — reformulou sem deixar o tom firme que parecia estar enraizado nela. — Você tem até amanhã para ir embora e levar todas as suas coisas com você e caso algo dê errado por uma gracinha sua, eu conto tudo para o Noah e você vai parar atrás das grades por estar dormindo com um garoto menor de idade.

O que?

Tive que piscar para entender que ela realmente tinha me dado um ultimato injusto e absurdo daqueles. Dormindo com um garoto menor de idade? Não ia ser sonso e dizer que eu era um santo e que nunca tive vontade de fazer nada com ele, porque todo dia eu tinha, mas nunca fiz. Já toquei nele, mas nunca de fato fiz, ao contrário dela. Sem falar que tudo o que eu fazia era consensual, Noah queria estar ali comigo, compartilhava do mesmo prazer, completamente diferente dela, que abusava sem pudor daquilo que não lhe pertencia.

— Não vou a lugar algum — tive que fazer força para falar e minha voz saiu um pouco rouca.

— Vai mesmo arriscar? — Ela levantou a sobrancelha e cruzou os braços. Não havia medo algum em seus movimentos e no sorriso vitorioso que já esbanjava. Era como se estivesse rindo de mim, rindo do meu aparente desconforto.

— Eu não abusei dele, tudo o que fiz foi com o consentimento dele.

— E você acha mesmo que a policia vai acreditar em você? — O sorriso dela alargou, visivelmente satisfeita ao me ver hesitar. Eu estava perdendo e a cada frase dela, eu perdia ainda mais o Noah porque não era apenas um absurdo, mas sim um absurdo com camadas mínimas de verdade, verdade essa que pode acabar com a relação que construí com o meu príncipe. De que adiantaria lutar por ele se no final das contas ele não falaria mais comigo?

— Eu...

— Noah não vai estar do seu lado quando eu contar tudo a ele, a polícia não vai acreditar em você. Vai passar anos e anos atrás das grades sozinho, vale mesmo a pena?

Eu queria retrucar, queria mesmo, porém ela estava certa. Não valia a pena. Embora meu fim não fosse feliz, não deveria ser aquele, eu não merecia aquilo. No entanto, abrir mão do Noah era um esforço muito grande a ser feito e eu não podia fazer isso com ele, não depois de ter prometido com todas as letras que eu não iria deixá-lo.

— É um acordo muito bom — insistiu. — Você sabe que não tem chance nenhuma contra a rainha, não é? Seja a aberração que você é bem longe daqui e bem longe do meu filho.

Eu poderia dar uma resposta muito bem dada, responder da maneira que ela merecia, mas minha garganta estava apertada sufocando e enterrando as lágrimas que estavam prestes a sair.

E eu jamais daria esse gostinho a ela.

 



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