“Pensei ter visto o diabo esta manha, olhando para o espelho e enchendo a cara com rum como um aviso para me ajudar a me ver mais claramente. Eu nunca quis iniciar um incêndio, eu nunca quis fazer você sangrar”.
Regina sempre amou regras.
E sua vida era baseada nelas.
Sempre tivera cada hora programada desde o momento em que acordava até seus últimos minutos antes de cair no sono e isso passou para seu filho.
Henry era um garoto que sorria para todos os cantos, sua tia Zelena vivia o comparando a um cachorrinho carente que fazia xixi em todos os lugares e saia com a língua pendurada feliz pelo simples fato de estar vivo, ele era a felicidade de toda a família, não havia um dia sem que Regina recebesse ligação de sua mãe e até mesmo de Zelena quando não se encontravam no trabalho perguntando como estava o pequeno Henry e o fato mais incrível era que: chegava o fim da ligação e ainda assim nenhuma das duas perguntava como estava a mulher, só que aquilo não era um problema, nem de longe seria.
Era só passar por Regina para saber o quanto ela estava feliz, mas nem tudo são flores, o tempo passa, crianças crescem e se crianças são cruéis Regina afirmaria até o fim da vida que adolescentes são piores e pela primeira vez em quinze anos viu Henry chegar com os olhos vermelhos, um hematoma no roxo e um filete de sangue escorrendo pelo lábio do menino. Em todos os dias que antecederam a este Henry chegava cantando alguma das musicas dos inúmeros musicais que ele e Regina tanto amavam.
Mas não naquele dia.
— Querido? – A mulher foi atrás do mais novo, preocupada, mas eles tinham regras, certas coisas teriam que fazer sozinhos e o outro não poderia intervir, Henry queria privacidade.
Ele havia escolhido aquela regra.
— Eu só quero dormir, mãe, está tudo bem. – A voz abafada do garoto lhe cortou o coração.
Queria abrir a porta a porta a força e perguntar o que havia acontecido com aquele rostinho que tanto amava, mas prometeu a ele que o daria espaço sempre que fosse necessário e supôs que aquele era um desses momentos.
— Estarei na sala, tudo bem? Fiz torta de maçã, quer um pedaço? – O silencio foi sua resposta e virou as costas, com calma caminhando até sua sala onde voltou a sentar-se e analisar a imensa pasta que tinha em mãos desde mais cedo.
Mal sabia ela que, se tivesse esperado apenas mais alguns segundos, veria o filho abrir a porta e pedir um abraço, mas desistir por não querer incomodá-la ao ver tamanha atenção em uma montanha de papeis que por sua vez teria largado tudo aos quatro ventos e dado todo acalento ao menino.
Era dois seres extremamente parecidos.
Cabeças duras. Teimosos. Tinham pavor de imaginar que estavam incomodando alguém.
E o melhor de todos, quando amavam, era com tudo que tinham em si e eles se amavam em uma dimensão gigantesca, eram o centro do universo um do outro.
Regina nem de longe era uma mãe ruim, jamais, qualquer um gostaria de dar este cargo a ela e Henry sempre foi muito grato por ter vindo ao mundo por aquela mulher, mas haviam criado tantas regras para suas rotinas que ambos se acomodaram a elas e aos poucos o mais novo definhava, sentia vergonha, sentia que não deveria pedir ajuda e que poderia enfrentar aquilo sozinho, mas essa era a pior ideia que já havia passado por aquela cabecinha brilhante.
A mãe jamais se esqueceria do dia em que tivera a noite mais doce de sua vida, nem de longe sonhou ser uma despedida, mas depois de um tempo, com os olhos certos, viu que todos os sinais estavam ali.
Henry colocou os três filmes favoritos da mãe, que não por acaso, também eram os seus e ajudou a mais velha na cozinha com lasanha e uma magnifica torta de maçã, a melhor refeição que já prepararam juntos, naquela noite ele não dizia ser sorte no tempero, dizia que o ingrediente secreto era todo o amor que sentia pela mãe e sem sombras de duvida Regina se derretia com cada gesto do seu pequeno homenzinho. Foi uma noite incrível, riram, jogaram até jogos de tiros em que Regina não acertava um alvo sequer e ainda assim Henry dizia que ela sempre seria a melhor, assistiram Yentl duas vezes, porque aquele era o favorito dos dois, junto de Funny Girl e Hello Dolly que também ocupavam um grande espaço no coração de mãe e filho que estavam atentos ao musical, poderiam afirmar ser sem sombra de duvida o top três em suas listas, mas ainda era como os garotos da escola diziam, “apenas viadinhos gostam desse tipo de filme.” e Henry chegou um dia a pensar que talvez os próprios filmes fossem um dos culpados.
O menino de apenas quinze anos ainda podia sentir os socos no estomago, os chutes que levava todos os dias, os tropeços causados propositalmente para que toda a escola risse de seu rosto colado ao chão e seus livros todos espalhados pelo corredor. Também jamais se esqueceria de como rasgaram seu livro favorito e como chorou com cada pagina arrancada. De como sentia vergonha e não queria dizer à mãe o que sentia por um antigo coleguinha, esse que agora ajudava em sua tortura diária.
Henry de garoto prodígio se tornou apenas uma foto, que foi posta na tentativa de homenagear o menino, aos poucos esquecida colocada na parede de um corredor em que ninguém sequer olhava para os lados.
E uma carta ao lado da cabeceira de sua antiga cama.
~*~
— Eu ainda não tive coragem de abrir. – Regina falou quando ouviu alguém se aproximar, sabia que era sua irmã e Zelena sorriu com tristeza para as costas da irmã.
Quando se aproximou o bastante passou o braço pelas costas da mais nova e abraçou o mais forte que conseguiu enquanto podia sentir a irmã soluçar e deixar o mar que guardava atrás de seus olhos inundarem sua camisa.
Não havia nada a ser dito, Zelena melhor do que qualquer pessoa sabia o quanto Regina estava sofrendo nos últimos meses, nunca havia visto a mulher daquela forma, tão despedaçada, nem mesmo quando o pai delas havia falecido dias antes do pequeno nascer.
As reações de Regina nunca eram como a que todos esperavam ou já estavam acostumado por ter um conhecido que passou por aquilo, como quando Daniel, pai de Henry havia sumido do mapa e a deixado sozinha com uma criança de apenas dois dias na porta do hospital, em menos de meia hora Regina já estava em casa, às roupas de Daniel em malas em frente a residência aguardando o lixo passar para buscar.
Ela não era dependente de ninguém.
Mas tinha sua fraqueza, era humana, da pior forma possível demonstrava isso ao mundo. Zelena desejava poder tirar toda essa dor da irmã, trazer Henry novamente e dizer que era apenas uma brincadeira de mau gosto, queria poder continuar indo até a casa da irmã e acordando mãe e filho em pleno domingo, antes das sete da manhã apenas para avisar que seria o fim de semana dos três mosqueteiros como tanto fazia, queria poder pular na cama do sobrinho enquanto ele estava jogando e o ouvir resmungar para depois se render aos risos pelas cócegas que a tia fazia em suas costelas.
Zelena sentia tanta dor com aquela ausência de felicidade na vida dela e por esse motivo imaginava o quão maior seria o buraco negro no peito da irmã.
Um mês na vida de tantas pessoas passa despercebido, infelizmente ocorrera com elas e o mais novo, não tinham entendido todos os sinais, não haviam lutado um pouco além dos limites que todos tinham um com o outro, se culpava também, sempre esteve presente e praticamente criou o menino junto de Regina e nem sequer notou a mudança de humor do garoto no ultimo mês.
Com muito cuidado, depois de longos minutos abraçando a irmã se afastou um pouco e pegou a carta em sua mão, lacrada com cola e sorriu secando a lágrima teimosa pensando que, até mesmo naqueles momentos Henry era tão apegado a detalhes quanto à mãe.
— Você quer que eu leia? – Zelena perguntou em um sussurro e Regina concordou com a cabeça em um movimento tão sutil que poderia passar despercebido.
A ruiva segurou a mão da irmã e com delicadeza, ou um pouco de delicadeza, puxou a morena para sentar ao seu lado em frente à pequena lápide na grama verde. Limpou a garganta e respirou fundo tendo visto apenas uma única letra escrita pelo sobrinho.
“Oi mãe, eu sei que é um pouco difícil de explicar, faz dois dias que tento escrever algo, mas me faltam palavras... Lembra-se de quando nós dois criamos um quadro e colocamos regras? Nela tinha sobre a organização do meu quarto, que eu não deveria deixar meus sapatos jogados pela escada porque era perigoso, também tinha que toda noite leríamos alguma história juntos.”
Zelena parou alguns segundos engolindo em seco, com menos de um paragrafo já notava em como cada letra rasgava um pouco da irmã e não queria que sobrasse apenas um emaranhado de papeis picados. Mas o olhar ansiando por mais, por saudade, culpa e desespero eram mais convincentes que a própria razão da ruiva.
“Brincamos dizendo que não poderia faltar nenhum dia e o sono não iria nos impedir. Essa foi à regra que mais amei em todos os meus quinze anos. Eu descobri mundos mãe, descobri que eu poderia ser o que eu quisesse ser e quando eu quisesse, mas não são todos que possuem a capacidade de entender isso e só então eu entendi que eu jamais conseguiria ser eu mesmo sem culpa, não nesse mundo e doía toda vez que precisávamos abrir a porta de casa.”
Regina estava entregue ao choro, é como se seu peito queimasse e quisesse a destruir por dentro. A qualquer momento poderia explodir, queria gritar, queria destruir tudo a sua frente, queria arrancar aquilo de si, pois tudo que sentia era culpa. Queria poder ter conseguido tempo para mostrar que ele poderia ser o que fosse e ela jamais soltaria sua mão.
“Talvez eu vire uma estrela, como você disse um dia que acontecia com aqueles que partiam, lembra? Ou talvez eu vá parar em outro mundo onde eu tenha superpoderes e quatro olhos. E não vamos ignorar a possibilidade de nascer novamente príncipe, porque você sempre me deu a certeza de que eu já era isso. Eu era alguém, era um garoto que tinha ótimas notas, um garoto que amava musicais e quando pequeno amava sair correndo com os sapatos de sua mãe, porém parou porque diziam que era coisa apenas para meninas, mas não era verdade, não é? Você sempre disse que não havia problema naquilo. Sinto muito que tudo tenha sido dessa forma. Mas eu não poderia mais, não aguentaria mais e acabaria sucumbindo à loucura e entre isso e a morte; sabemos o que parecia mais fácil e menos doloroso. Eu sei que deve estar doendo, a conheço o suficiente para afirmar que está se culpando, mas você foi a melhor mãe do mundo e eu rezo essa noite para que todos tenham uma Regina Mills na vida deles, porque o mundo seria melhor, as crianças seriam mais felizes e talvez isso tudo não ocorresse mais. Você foi incrível mãe. Cada abraço seu, cada eu te amo antes de dormir e cada livro que lemos juntos. Não quero que carregue peso algum, você merece apenas felicidades, toda felicidade que é possível para um ser tão maravilhoso quanto você”.
Zelena, ao lado de sua irmã suspirou tão profundo que seu peito ardia, não era capaz de segurar lágrima alguma naquele momento, estava tão quebrada e mesmo assim só conseguia querer abraçar e cuidar da irmã que já tinha a testa encostada na grama recém-cortada. Faltavam apenas mais algumas palavras e então poderia voltar a respirar.
“Manda um beijo a tia Zelena, diga ela era a melhor tia do mundo e comparsa em comer sorvete escondido durante a noite e não brigue com ela por isso, eu sabia que ela não conseguia me dizer não, era muito fácil pedir as coisas para ela.”
Zelena soltou uma gargalhada alta e fez com que Regina levantasse a cabeça com um sorriso doloroso no rosto, sabia daquilo, eles nunca se lembravam de guardar o pote ou as colheres, mas fingia que não e adorava os olhares cumplices que os dois trocavam na manhã seguinte.
— Eu sempre soube porque vocês eram horríveis em disfarçar ou desfazer as pistas. – Até tentou limpar os olhos, mas era impossível.
— Aquele garoto só precisava olhar pra mim e eu já estava invadindo a sua cozinha pela madrugada, você criou um conquistador, Regina. – Zelena deu um beijo na testa da irmã e abraçou seu ombro voltando a ler.
“Também diga a vovó que eu amo, e eu adorava cada suéter que ela me dava ou as toucas que tricotava a mão. E, por favor, não conte a ela que fazíamos cobertores e roupinhas para Lola, não acho que ela ficaria muito feliz, você conhece Cora Mills.”
Zelena passou os olhos pelas seguintes palavras e entregou a carta na mão da irmã e sorriu encostando a bochecha em sua testa, aquele fim era dela, para ela, não roubaria aquilo de Regina.
“Por fim, seja feliz, não deixe de viver, por favor. Posso parecer egoísta e querer diminuir sua dor, mas viva, mãe, viva intensamente a ponto de quando for bem velinha conseguir ter mais quadros do que paredes pela casa. Realize cada sonho e não deixe o mundo girar com você parada sobre ele. Esse era o meu tempo aqui, mas você é gigante. Jamais esqueça que você é e sempre será a melhor mãe do mundo e eu não poderia ir embora sem te lembrar disso mais uma vez. Com todo amor, seu príncipe, fedido e suado, Henry depois de correr pelo parque.”
— Quando ele fazia isso de vir me abraçar suado e cheirando mal depois de brincar com a Lola, eu dizia que chamaria a vigilância sanitária. – Regina tentou rir, mas seu sorriso se desfez aos poucos com as lágrimas escorrendo com mais força.
Não conseguiria descrever em palavras o que sentia, até porque no fim das contas só conseguia chorar, só conseguia sentir um enorme vazio em seu peito, não sabia que tamanha dor era possível e que realmente existisse. Sentia tanta saudade que sua cabeça doía, sentia tanto e tudo ao mesmo tempo. Fazia seis meses que nem ao menos conseguia entrar no quarto do filho e Zelena sabia daquilo.
— Nós faremos isso juntas, você não está sozinha. – Zelena deitou o rosto nas costas da irmã que mantinha a testa novamente próxima à grama e se permitia chorar tudo que segurou durante nove meses.
Era como uma nova gestação, um luto que não parecia ter fim, mas que naquele dia, no aniversário de dezesseis anos do menino as coisas precisavam ser diferentes, Regina queria aquilo, e agradecia aos céus por ter sua irmã por perto e quando o relógio já tinha cansado de girar e se rendeu a tristeza da morena, Zelena percebeu que já estavam ali, paradas encarando a lápide fazia pouco mais de duas horas, com calma se levantou e esticou a mão para a irmã que a contragosto levantou sem a ajuda da ruiva. Não era por não querer ajuda, mas Regina estava tão alheia às coisas a sua volta que caminhou até o carro em silencio, no automático.
Foram em carros separados, e mesmo chegando antes à irmã mais velha ajudou a outra a sair do carro e entraram na grande casa juntas. Aquele lugar agora parecia tão grande, tão frio e estranho que até Zelena podia sentir como a irmã descarregava tudo que sentia naquele lugar. Quando a ruiva viu a pequena Lola chegar próxima a Regina, sabia que ela entendia e que também sentia falta do garoto, seu escudeiro quando comia os sapatos de Regina e nisso a morena se abaixou para abraçar a bolota de pelos claros, paradinha, com as orelhas caídas e a cabeça apoiada no ombro da dona.
— Vamos, Lola também nos ajudara, não é mostrenga? – E realmente, ela seguiu as mulheres pela escada e as três pararam na porta. Regina sabia que assim que abrisse não havia poeira ou algo fora do lugar, estava tudo como Henry havia deixado, apenas pedia para que fosse tirado pó, pois não conseguia tocar me nada ou entrar naquele local.
Regina entrou passando a ponta dos dedos nas paredes, os pôsteres de brandas, super-heróis e próximo a cabeira da cama três em especial que a fez sorrir enquanto tocava Yentl, Hello Dolly e Funny Girl colados na parede.
— Uma vez ele disse que iria ser o rei da Broadway. Que cantaria tão bem que o mundo viria até Nova Iorque só para vê-lo. – Regina falava com orgulho, erguendo a cabeça que há muito tempo estava baixa.
— E eu jamais duvidaria que acontecesse... Olhe, eu que comprei para ele mesmo você dizendo não. – Zelena pegou uma arma NERF quase maior que ela mesma, quem dirá para uma criança com sete anos na época e isso arrancou um riso de Regina, lembrando como o menino tentava correr pelo quintal carregando aquilo e não conseguia fazer sem que fosse arrastando. – Eu comprei só para poder te contrariar, sabia que não duraria um dia de brincadeira e nunca mais seria usado.
— Henry só brincou porque ficou com pena da sua cara animada quando ele abriu o presente, você sabe, não é? – Regina sentou na beirada da cama e acariciou a cabeça de Lola que estava sobre a colcha azul.
A morena alcançou o travesseiro do menino e aproximou do rosto, não tinha mais o cheiro de seu filho, não tinha cheiro algum, apenas o vazio.
Olhou em volta e parou os olhos em uma caixa grande o suficiente para caberem alguns cadernos e sentou-se ao chão, junto de Zelena e logo Lola estava entre elas. Abriu o primeiro caderno, se deu conta de que eram os diários de Henry, havia fotos, recortes, o menino contando sobre seu dia e como havia sido na escola.
Apesar do sonho de atuar em musicais da Broadway, Regina sorria imaginando que o garoto também seria um ótimo escritor, talvez um roteirista de sucesso, Henry tinha o dom da palavra e ninguém poderia contrariar aquilo. A cada segundo a morena sentia seu peito inflar de orgulho do garoto que a nove meses não chegava em casa cantando e a chamando para assistir mais uma vez o mesmo filme, ela sabia desde seu nascimento que Henry era precioso, mas com aqueles quinze anos em que esteve com o garoto sendo seu maior aliado via o quanto era pouco para o descrever, Henry era mais do que apenas precioso. Devoravam cada palavra, até Zelena tocar no braço de Regina e o segurar chamando sua atenção.
— Meu sobrinho era gay? Eu nunca notei isso como? – Regina a olhou descrente e revirou os olhos. – Você nunca conversou comigo sobre isso! Você é uma péssima irmã, me devolva agora àquela carta. – A ruiva estendeu a mão e como resposta Regina bateu na palma a fazendo encolher o braço – Você é detestável.
— E queria que eu falasse o que exatamente? Eu esperei que ele se abrisse comigo, era algo dele, não meu.
— Talvez as coisas façam mais sentido agora. – Zelena correu os olhos pelas palavras em caligrafia nitidamente adolescente e sorriu pensando em como o sobrinho era grande mesmo que achasse o contrário.
— Acha que eu deveria ter pulado a parte da espera e ter conversado com ele? – Regina rompeu o silencio com sussurros, esses que se a irmã não possuísse uma boa audição jamais teria entendido.
— Sabe, eu acho que você precisa parar de imaginar como teriam sido as coisas. Nós não temos o poder de mudar o passado, infelizmente estamos de mãos atadas quanto a isso, não fique remoendo algo e dizendo que errou, você é humana e foi a melhor mãe que o Henry poderia ter tido. Lembre-se do que ele mesmo disse, Gina.
Regina apenas dedilhou as paginas, ali ficou sabendo o nome do menino pelo qual Henry descobriu seus sentimentos, o mesmo que vivia em sua casa desde muito pequenos, descobriu como de amigo a paixão passou a ser o causador de tanta dor. Descobriu sobre o quanto Henry sofreu na escola e mantinha o olhar sereno ao chegar a casa deles quando conseguia esconder seus hematomas. Descobriu que foram diversas as vezes que o jogavam na lata de lixo e zombavam do garoto, que até mesmo os alunos mais velhos implicavam com ele. Da pior forma descobriu que aos poucos tudo foi planejado, sua noite perfeita, a carta, o ultimo abraço, o eu te amo tão sincero que disse a Regina antes de sair do quarto da mãe já quase se rendendo ao sono, do ultimo dia em que havia escrito em seu diário e de como foi à partida.
Henry sempre amara regras.
Sua vida era baseada nelas.
Tudo era calculado, repensado e pensado novamente. Cada passo, cada ato que foi tomado. A mãe não descartou a hipótese de até mesmo ter escrito um roteiro para tudo aquilo e não o julgaria, o garoto era sua copia e por vezes Regina calculou cada centímetro que percorreria até a padaria a dois quarteirões de sua casa.
Mas doía e não iria parar de doer, sempre se lembraria de seu pequeno pacote de amor, de como ele se acalmava com o simples toque de Regina no berço, de como ria da cara da mãe quando estava com vergonha de algo que o menino fazia em publico. Se lembraria de que ele em meio a tantas decepções sempre fora seu maior orgulho e era imensamente feliz por ter sido chamada de mãe por ele, Henry Mills, o garoto mais doce que ela já havia conhecido.
Seu príncipe, o motivo pelo qual Regina achou forças entre percas e abandonos.
O dono de seu mais puro amor.
~*~
Faziam quatro dias que Regina não ia ao trabalho, nem mesmo no hospital, estava tão absorta com as coisas que encontrava no quarto de seu filho que as vezes se pegava rindo sozinha. Em alguns momentos Zelena chegava com uma pizza e até sua mãe aparecia com a ruiva para ler tudo que o menino deixou escrito enquanto comiam algo no chão do quarto, ou como na maioria das vezes, deixavam Lola achar que estava comendo despercebida dos três pares de olhos totalmente atentos das mulheres Mills.
— Escutem essa: “Hoje eu senti a maior vergonha da minha vida! Minha mãe às vezes gosta de bancar a bruxa má e me fez ir com o cabelo totalmente lambido para o dia da fotografia anual do livro de alunos, eu com toda certeza serei massacrado.”. – Zelena riu tão alto que Lola saiu do quarto com o rabinho entre as pernas assustada. – Você realmente criou um dramático, Regina.
— Essa é ainda melhor: “e como eu sei que tia Zelena beira a loucura, mesmo que ela me ame, não posso deixar que ela descubra que fui eu quem pintou o rabo de Rubio, o chihuahua estranho que ela chama de filho, da cor verde, ela provavelmente me faria desaparecer rapidinho.” – A mãe das mulheres riu fechando o caderno e batendo na perna de Zelena que olhava incrédula para a irmã mais nova.
— Você sabia disso Regina?
— Claro que eu sabia; Henry e eu não tínhamos segredos... – O fim da frase saiu melancólico, e notando Zelena levantou, estendeu a mão e ajudou ambas as mulheres a ficarem de pé como ela.
— Nós vamos a um lugar.
— Ah, vamos? Não lembro de ter marcado em minha agenda nada do tipo: “sair de casa sem vontade alguma”.
— Ih, deixa de ser chata, filha, vamos, vamos andando, leve Lola também.
— O que vocês duas estão aprontando? Eu não vou a lugar algum! – Regina se jogou no sofá da sala e levantou as pernas. – Ficarei bem aqui, plena, calma e talvez chorando enquanto assisto.
— Não, nada disso, nada de Barbra Streisand hoje, Barbra já não aguenta mais ver que é você no outro lado da tela. Não sei como esse DVD ainda não fez buraco de tanto que vocês assistiam.
— É tipo vaso ruim, ou você, que às vezes eu quero quebrar no tapa e não posso.
Zelena penas sorriu enquanto empurrava Regina para fora da casa e fechava a porta atrás de si. Se até mesmo Cora estava animada com a ideia e com a maior velocidade do mundo vestiu a guia em uma Lola totalmente animada que já estava no banco de trás do carro da ruiva. Bufou, tudo que menos queria era sair de casa, deixar o conforto que ali tinha ou as coisas de Henry, e esse ultimo era o maior motivo para nem ter visto a luz do sol nos últimos dias.
~*~
Regina conhecia aquele lugar e melhor do que ninguém sabia até onde o fim da estrada levaria, mas não entendia, mesmo depois de duas horas de viagem não conseguia ligar os pontos e criar um bom argumento para estarem a caminho da casa de campo da família, não fazia sentido algum pensar que estavam a levando até o local apenas para “tomar um ar”, mas com mais algum tempo estacionaram na grande entrada da casa.
Lola foi a primeira a sair, já arrastava a guia enquanto rolava pela grama e logo pulava para correr até outro ponto e assim ia, como um looping. Regina foi a ultima a sair, ainda sem entender nada e sentindo um aperto incomodo no peito, pois a ultima vez em que estivera ali fora para visitar o antigo corcel de seu filho e Cora sabia o que aconteceria e naquele momento não queria interferir, por isso adentrou a casa cumprimentando a todos os funcionários e começou a preparar o chá favorito de sua filha mais nova, que outra vez, não por coincidência, também era o favorito dos dois Henrys da vida de Regina.
— Eu queria ter lhe dado isso antes, foi um pedido, na verdade, eu apenas atendi e... Bem, espero que goste. – Regina abriu o celeiro e nele havia o cavalo em que Henry montava e outro, chegou mais próxima à baia e estendeu a mão, acariciando a crina macia e sorrindo já entendendo muito bem o que aquilo dizia. – Viva, Gina, vamos logo, monte de uma vez.
Na noite em que tudo virou de cabeça para baixo Zelena havia recebido uma mensagem estranha do sobrinho:
“compre um cavalo bem bonito e preto para minha mãe, ok? Amo você, porém bem pouco, entre você e aquele chihuahua com cara de doido... amo mais o Rubio Zarolho”.
Zelena demorou uma noite inteira até entender o motivo, mas com os dias e toda dor havia esquecido, até o aniversário do menino estar próximo.
Regina acabando de montar a cela limpou a lágrima teimosa. Sabia de alguma forma que aquilo só poderia ser obra de Henry. Montou o cavalo e deixou a irmã para trás que abraçava o próprio corpo e sorrindo, Regina, aos poucos estava se tornando livre mais uma vez, rezava todas as noites que não voltasse a se esconder em seu casulo de tristeza. Entendia a irmã, mas a queria sorrindo novamente.
Já um pouco distante, com o vento soprando e bagunçando seus cabelos Regina sorriu, sorriu tanto que sentia suas bochechas doerem e não se incomodou com as lágrimas, apenas deixou sua voz sair em um grito de dor e alivio, uma mistura tão bem feita que não sabia que poderia ser tão gratificante.
Gritou mais uma vez e outra.
Sem querer, lembrou-se da loira naquele quarto de hospital, só então lembrou também de seu livro esquecido e desejou que estivesse melhor, em tantos meses querendo a todo custo aliviar sua culpa nunca tivera uma real conversa com os pacientes, apenas ouvia, a loira foi a primeira mudança, o pontapé que ela precisava e nem sabia. Vindo de uma estranha deitada em uma cama de hospital depois de uma trágica tentativa.
De longe Zelena não podia a ouvir, a irmã havia se tornado apenas um pontinho preto entre tanto verde e tanto brilho do sol e tentando encontrar Regina não percebeu a mãe se aproximar com duas xícaras em mãos que ao notar aceitou de bom grado. Bateram os ombros e sorriram. Também sentiam falta do garoto, também sentiam que faltava algo na vida das três e sabiam que nada iria preencher aquele vão que agora era ocupado por nada mais, nada menos que o vazio, mas sabiam também o que céu havia ganhado mais uma estrela e agradeceram pela grande ideia do presente, por Regina se permitir enfim a começar a trilhar o caminho da superação, por mais clichê que fosse.
— Ela vai melhorar. – Zelena apenas afirmou.
Acreditava naquilo.
Encontro algum é por acaso, particularmente falando nem mesmo Zelena acreditava nesse papo de “acasos acontecem”, o acaso na verdade já era algo predestinado, antes da consciência, antes do ser e existir. Zelena poderia sofrer, mas passou a entender que não haviam outras rotas, mesmo que tantos dissessem que sim, não culparia a irmã, não culparia o sobrinho nem diria que ele havia sido fraco. Apenas acreditava que todos tinham suas missões.
Talvez fosse para ser, mas naquele momento com o vento, o relinchar e seus gritos, Regina apenas agradeceu por conseguir sentir algo novamente.
“Meu passado teve um gosto amargo por anos, então eu vou negar ele e encarar. Graça é apenas fraqueza ou então fui mal informado, eu fui frio, eu fui implacável, mas o sangue em minhas mãos me assusta até a morte e talvez eu esteja acordando hoje. Eu serei bom, por toda a luz que eu apaguei, por todas as coisas inocentes das quais eu duvidei, por todas as feridas que eu causei e as lágrimas, por todas as coisas que tenho feito todos esses anos. Sim, por todas as esperanças que eu chutei para longe, por todas as coisas perfeitas das quais eu duvidei eu serei bom, eu vou ser bom.”
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.