História Fios de ouro - 7 - A filha do mercador

Antes de uma das secas mais conhecidas em Daxam, nasceu uma garota. Sexta filha de um mercador, única menina entre os cinco irmãos, a decepção do pai por ser quem era.

Uma menina esguia, fraca e tímida. Vivia nas saias da mãe até os sete anos. Seus irmãos não a aceitavam muito bem, afinal, ela era uma garota e eles homens formados. Sem ninguém para protegê-la, a filha do mercador aprendeu a fugir das lutas, a escolher seus inimigos, a se esgueirar pela multidão no menor sinal de perigo, mas não saberia se quer chutar alguém da forma correta para se defender.   

Aos dose anos, conheceu uma camponesa, linda, charmosa e que jurou protegê-la de todos os perigos e lhe dar o que ela nunca havia recebido, amor.

Em um de seus encontros secretos, o mercador descobriu. Revoltado, arrastou sua decepção até em casa pelos cabelos. Sua mãe não chorou, apenas concordou com o que quer que o marido fizesse, não possuía voz para tal ato mesmo. Como mercador, ele conhecia vários outros mercadores, era seu trabalho afinal. Ela se lembrava bem, um homem de roupas caras e sorriso malicioso a examinou como se fosse um cavalo à venda.

Um saco de prata, era tudo o que a filha do mercador valia.

O homem de sorriso malicioso a acorrentou e jogou em uma gaiola minúscula. Poderia ser nova, mas sabia muito bem o que acontecia, estava sendo levada para longe de sua casa, seus amigos e a camponesa. Vendida como escrava pois seu pai não suportaria vê-la com outra garota. Como sua mãe, ela não conseguiu derramar uma lágrima, não até que estivesse bem longe daqueles que a venderam.

A viagem foi o pior momento da sua vida. Haviam outras, meia dúzia de pessoas em jaulas, todas acorrentadas e em espaços minúsculos. Só haviam duas fontes de água, das chuvas congelantes do inverno ou sua própria urina. O que recebiam era o mínimo para se manter acordada, um pedaço de pão mofado e migalhas do jantar dos mercadores. A fome parecia o de menos quando seu maior medo era não chegar ao local destinado viva. Em uma noite, o garoto magricela que estava ao seu lado foi tirado de suas grades, fraco demais para andar e pelo que ouvira, ninguém iria querer um escravo assim. Não soube o que aconteceu quando o levaram para floresta, só que ele não voltou.

Quando chegou ao centro de Daxam, a capital, não conseguiu se deslumbrar pelos mercados ou pelas pessoas, tudo o que conseguia imaginar era o quão longe de casa estava. Poderiam ser cruéis, mas os amava e era a única família que tinha.

Foi vendida naquele dia mesmo. Um homem robusto de bochechas estufadas a comprou, as correntes não foram tiradas, não houve diferença alguma, a não ser, ter um teto para se proteger do frio. Seu novo dono não teve nem o trabalho de lhe mostrar sua função, apenas chamou outro escravo na casa para levá-la ao seu lugar. Limpar uma casa tão grande com nada no estômago era cruel, mas era isso ou o chicote e ninguém queria marcas permanentes em seu corpo.

Em um dos dias de limpeza, encontrou com o filho do dono da casa. Um rapaz forte, com sorriso encantador e de coração mole. Vendo-a naquela situação a alimentou e prometeu ajudá-la a fugir. O homem um era soldado do exército de Daxam, treinado para matar, então foi isso que ele a ensinou. Todos os dias, as escondidas do pai, ele ensinava a filha do mercador a lutar, também lhe mostrou as regras da escravidão e como escapar dela.

Os anos se passaram e a garota estava finalmente pronta para sua fuga. Os relatos na capital foram diversos. A escrava que matou seu dono não chegou a ser a história real, afinal, como uma mulher poderia matar um homem? Era algo fora da compreensão de qualquer habitante daquele reino.

A única pessoa que conhecia a história real era ela. A filha única do mercador. A assassina do seu dono.

O dia havia começado como qualquer outro, a menos é claro pela data, o dia para que seu comprador morresse. Não foi muito difícil chegar a seus aposentos, uma escrava não seria menos que uma barata andando pela casa. Ele estava em seu banho matinal de ervas, não notou sua presença até ter a faca em sua garganta. Mas aquilo não foi o suficiente para ela, outros poderiam não só herdá-la como a punir pelos seus crimes. O quarto do filho foi mais complicado de entrar, haviam guardas e a única entrada era pela janela. Ele tentou lutar, mas como todo mestre foi superado pela sua aprendiz.

Só há um jeito de escapar de sua corrente. Seu dono morre ou você morre. O preço da liberdade era a vida.

Antes mesmo de alguém notar a falta dos dois, ela fugiu pela floresta. Seus anos de treinamento a tornaram ágil, forte e boa o bastante para escapar até mesmo dos mais furiosos assaltantes. Roubar um cavalo de um viajante desatento foi fácil, ninguém duvida de um rosto bonito. Sua sede por vingança parecia pior a cada morte e sangue que derramava, infelizmente para ela, ao chegar em seu antigo lar, encontrou-o vazio. Com um saco de prata o mercador e sua família foram embora. Talvez, ela fosse apenas um fardo, uma boca a mais para alimentar e que não a queriam. Na menor oportunidade a venderam, a única menina e fugiram para bem longe.

Desde aquele dia, jurou que o mataria ou morreria em sua procura. Tornou-se aquilo que as pessoas mais temiam, a morte. Assim como seus compradores, era movida pelo dinheiro, seu único amigo, seu único amor. O dinheiro não traia, não mentia e não possuía sentimentos, era o melhor acompanhante de viagem. E, em meio a sua visita a um bar, soube de uma princesa em busca de seus serviços. Sua maior surpresa foi descobrir que a tal dama era ninguém menos que Alexandra El, uma das maiores guerreiras viva.

E não, Margaret Ellen Sawyer não deixaria sua curiosidade permanecer por muito tempo. Queria conhecer a princesa e descobrir o motivo dos seus serviços serem tão necessários. E foi assim que ela descobriu que depois de muito tempo poderia finalmente superar a camponesa de Daxam.