História Flechazo - Capítulo IX

Segundo dia no Submundo

Sakura acordou na manhã seguinte sentindo uma parte de seu rosto um pouco quente. Abriu os olhos lentamente para perceber que era um feixe de luz que passava pela fresta da janela.

A deusa se levantou num salto, imaginando estar em sua casa e que tudo o que havia se passado no dia anterior não era nada além de um sonho. Mas a esperança se esvaiu quando percebeu que o quarto em que estava não era o seu.

Se jogou na cama novamente, tentando relembrar da noite anterior. O que aconteceu depois de se debulhar chorando no chão eram apenas flashes na mente da deusa. Se lembrava de aparecer duas moças, das quais Sakura não se recordava os rostos, para a ajudar a se levantar. Logo uma terceira alma chegou e ofereceu um copo de água à deusa. Sakura receou um pouco em aceitar, mas acabou cedendo e bebeu todo o líquido que estava adocicado.

A próxima lembrança era da deusa já naquele mesmo quarto, não tendo a menor vontade de se despir e jogando-se nos lençóis. 

Suspirou. Não tinha vontade de sair da cama. Queria voltar a dormir até acordar novamente no Olimpo junto de sua mãe e tias. Seria aquilo algum castigo? Ela havia feito algo de tão horrível para estar naquela situação? Não era possível.

Toc toc

A batida foi tão suave que a deusa quase não escutou. Sakura se encolheu um pouco na cama, não queria ver ninguém naquele momento. 

Toc toc

A batida voltou a soar, não havia urgência ou mais força, fora exatamente da mesma forma que a primeira.

Toc toc

A deusa levantou abruptamente, um pouco irritada. Hesitou um pouco antes de abrir a porta, mas tomou coragem para fazer.

Sakura se surpreendeu em ver a mesma alma que havia lhe ajudado parada em sua porta. Na realidade, estava esperando o deus com algum pedido de desculpas e uma passagem de volta ao Olimpo. Mas a alma era alguém que a deusa preferia ver, qualquer pessoa seria preferível à Sasuke.

A moça estava prestes a dar outra batidinha na porta quando a deusa a abriu. Voltou rapidamente a sua posição original.

- Com licença, Senhora, vim lhe trazer o café da manhã.

Sakura se surpreendeu e se afastou um pouco da alma. Seu estômago pareceu acordar e lembrou a deusa de que estava há quase 24 horas sem comer nada, só havia bebido um copo de água. A boca aguou, principalmente ao olhar o carrinho forrado de comida que a alma trazia consigo.

A deusa se afastou da porta sem dizer nada, não sabia o que era aquilo, será que, além de presa no submundo, estaria presa no quarto também?! Mas a alma não deu sinal algum sobre isto enquanto colocava as bandejas na cama.

A moça estava tão entretida que não sentiu enquanto Sakura fechava a porta lentamente, trancando as duas no quarto. Quando a alma terminou de arrumar as bandejas e se virou para sair do quarto, percebeu a deusa segurando a porta e a olhando fixamente.

"É aqui que eu morro novamente" pensou a pobre moça colocando o carrinho entre as duas para se proteger.

Sakura levantou uma das sobrancelhas, não era possível que a alma achasse que a deusa poderia machucá-la. Ela era um espírito, isto nem poderia ser possível.

- Não quero que me entenda mal. - Começou Sakura lentamente, se afastando da porta numa tentativa de dar confiança a alma - Apenas gostaria de alguma explicação sobre... Qualquer coisa.

A alma pareceu se acalmar um pouco, mas não disse nada.

- Você tem um nome? - Sakura tentou mais uma vez, talvez ganhar a confiança da alma fosse o melhor caminho.

- Claro que sim. - Exclamou ela parecendo um pouco ofendida. - Sinto muito, não foi minha intenção lhe responder desta forma, apenas sim, me chamo Helena.

- Não precisa se desculpar, Helena. - Sakura se sentia aliviada por saber o nome da moça. - Apenas... Gostaria de te agradecer pelo café, foi muito gentil.

Helena saiu um pouco da sua posição de defesa sentindo-se um pouco mais confortável, abriu um pequeno sorriso para Sakura antes de lhe responder.

- O Senhor Sasuke quem pediu para que lhe trouxesse o café na cama, a senhora não participou do jantar ontem...

Helena se arrependeu da frase logo que a soltou. A deusa fechou a cara e pareceu desconfortável. Foi um episódio triste, ela não deveria ter lhe lembrado.

- Desculpe, não foi minha intenção. - A alma falou empática, a deusa não parecia uma pessoa má.

Sakura suspirou e olhou para a comida. Não queria nada que viesse de Sasuke, mas estava morrendo de fome e tudo parecia delicioso, talvez uma beliscadinha não fizesse mal...

- Tenho que ir ao banheiro antes de comer.

- Oh, quer que eu lhe prepare um banho?

- Não, meu deus, não precisa. - Sakura interrompeu Helena que já estava indo em direção ao banheiro. - Eu morava sozinha no Olimpo, não precisa fazer isto.

A alma se surpreendeu com a resposta, nunca havia morado sozinha na vida, nem conseguia imaginar a liberdade que era.

- Bem, quando a senhora terminar seu dejejum é só tocar a campainha. - E apontou para um sinozinho que estava sobre a cômoda que Sakura nem havia reparado. - Me instruíram de mostrar o castelo para a senhora.

Sakura a encarou por um tempo, não havia porquê de lhe mostrarem o castelo se não fosse para ela ficar. A deusa correu para o banheiro rapidamente e se apoiou na pia. Acreditava que havia chorado tudo o que podia na noite anterior, pois não saiu lágrima alguma de seus olhos. Jogou uma água gelada no rosto e fez o que devia antes de voltar para o quarto. 

Helena não estava mais ali. A deusa aproveitou e foi à janela, não entendia como entrava luz por ela se estavam abaixo da terra. Sakura segurou a respiração com a visão que teve. No andar em que estava, tinha uma bela visão do Submundo e ela era tão horrível quanto havia imaginado.

Estava estranhamente mais claro que a visão que que teve na noite anterior, podia ver todos os contornos com clareza, parecia um dia nublado da Terra. Sakura saiu logo da janela, não aguentava aquela visão, lhe deixava angustiada.

Voltou o olhar para o banquete em sua cama. Se concentraria na sua fome e esqueceria o local em que se encontrava.

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Quase meia hora depois, Helena se encontrava novamente no quarto. Sakura a havia chamado há pouco tempo e se surpreendeu com a velocidade da alma. Imaginou se ela ficou lhe esperando no corredor enquanto tomava café.

- Acho que já estou pronta. - Começou Sakura ainda sentada na cama. Percebeu que havia restado um pouco de comida ainda e se envergonhou por não ter oferecido nada à moça, sua mãe a ralharia pela má educação. - Sobrou muitas coisas, não pude lhe oferecer antes.

- Não será necessário, não tenho fome. - Helena parecia um pouco triste ao dizer isto, Sakura se perguntou se ela não tinha fome neste momento ou se não tinha nunca, era uma alma, afinal. Mas achou que não seria educado perguntar.

A deusa se levantou sinalizando com a mão que seguiria a alma, mas Helena a encarou.

- A senhora não quer trocar de roupa? Não há nada de errado com sua túnica, mas há várias diferentes no armário.

Sakura não se lembrou que havia sido preparado vestimentas à ela, nem abriu o guarda-roupa para ver se tinha algo de interessante. Também não tinha interesse, mas acabou cedendo porque Helena parecia que só sairia dali se Sakura olhasse as roupas.

Sakura arregalou os olhos quando abriu o guarda-roupa. Havia muitas peças, mais do que imaginava. Correu os dedos pelos tecidos e todos eram claros e de ótima qualidade. Mas havia muitos para alguém que não gostaria de passar nem mais um dia no local.

A deusa tirou uma túnica parecida com a sua e foi se trocar no banheiro, mais tarde daria atenção aos vestidos. Helena a recebeu de volta sorrindo, era a primeira vez que parecia minimamente feliz.

- Vamos? - Helena lhe ofereceu o braço, como uma dama de companhia. Sakura o pegou prontamente, percebendo que o corpo da alma não era de todo sólido, parecia frágil e que afundaria a qualquer segundo.

Era uma experiência estranha, mas Sakura ignorou e as duas saíram lado a lado do quarto.

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O castelo era tão grande quanto Sakura imaginava, Helena já havia lhe mostrado todo o terceiro andar, onde havia só quartos, basicamente. O segundo andar fora o mais surpreendente, nele havia uma sala de teatro, uma sala de pintura, alguns cômodos trancados que deixaram Sakura extremamente curiosa e uma imensa biblioteca que descia até o primeiro andar.

Não imaginava que Sasuke era do tipo artístico, Sakura não o imaginava se interessando por nada de bom, na verdade, mas pelos corredores do castelo havia muitos quadros e esculturas. E uma iluminação que fazia parecer que o dia estava radiante lá fora, Sakura tinha que admitir.

Sakura não conseguiu notar, na noite anterior quando estava um tanto desesperada, a bela arquitetura do castelo. Era tão bela que parecia ter sido feita por Temari e não pôde deixar de comentar com Helena.

- Há ótimos arquitetos por aqui, a senhora sabe... - Começou a alma achando graça. - A maioria não está no momento, mas sempre chegam novos.

Sakura juntou as sobrancelhas, então, alguém já havia saído daquele local...

- Oh, eles saíram daqui? Que pena, gostaria de tê-los conhecido. - Sakura olhou para a alma pelo canto do olho, esperando que sua jogada tivesse feito algum efeito.

- Eles vão voltar, não há como fugir por muito tempo.

Aquilo deixou Sakura ainda mais confusa. Helena não parecia assustada ou triste, o que, para Sakura, ela deveria estar depois de praticamente dizer que Sasuke estava os caçando.

- Então... Eles fugiram há muito tempo? - Se eles haviam fugido, ela também poderia.

- Ah, eles não fugiram, o senhor Sasuke permitiu que renascessem após os serviços prestados.

- Mas você disse que eles não podiam fugir por muito tempo.

A alma soltou um risinho, achava graça na deusa que não sabia muito bem como funcionava o Submundo. Ela também não sabia quando chegou, mas já havia muito tempo.

- Da morte, eles não podem fugir da morte. - Começou a alma, enquanto desciam as escadas para o primeiro andar. - Renasceram e vão morrer novamente, quem sabe conseguem renascer de novo e daí... Bem, é um ciclo. Talvez eles sejam cozinheiros ou professores na próxima vez que estiverem por aqui.

Sakura abriu a boca, mas não tinha o que falar. Havia convivido apenas um dia com humanos, não sabia sobre a morte ou passagens de alma e essas coisas.

- E você? Por que não renasce? - Sakura não conseguiu controlar sua pergunta, percebeu só depois que talvez fosse muito intrusiva.

Helena não pareceu chateada, apenas ficou em silêncio por um tempo e Sakura entenderia se ela não quisesse responder.

- Para alguns, é difícil, sabe?! Quando você renasce, perde tudo... Eu tive a oportunidade no passado, mas não estava disposta a esquecer de mim mesma, e conheci pessoas incríveis aqui. - Ela parou por um tempo, parecendo triste pela primeira vez com a conversa. - Também não é a qualquer momento que se tem a oportunidade...

Apesar de curiosa, Sakura não quis insistir no assunto. Não se lembrava de agradecer muito por ser uma deusa, mas agora agradecia por não ter que passar por aquilo.

- Sasuke deveria ser uma pessoa melhor com vocês. - Sakura começou tentando desviar o assunto, não queria incomodar Helena.

- O senhor Sasuke não tem culpa, ele apenas cuida daqui. - Helena gesticulou com os braços, fazendo referencia a todo o Submundo. - Obviamente ele pode ajudar de muitas formas e renascer quem quiser, mas se fosse como a senhora deseja, a Terra seria uma bagunça.

Sakura tentou ignorar, mas se sentiu um pouco ofendida. Ela poderia sim cuidar daquele lugar melhor! Tentou afastar o pensamento, pois, por mais que pudesse, não queria ou iria.

A tentava guardar cada mínimo detalhe do caminho e dos corredores na cabeça, quem sabe seriam úteis algum dia. Percebeu que estavam se aproximando da sala de jantar, Sakura não conseguiu conter o frio que subiu em sua espinha ao lembrar da noite anterior.

- A senhora gostaria de conhecer a cozinha? Poderá ir lá quando estiver com fome entre as refeições.

Sakura assentiu sem dizer nada, ainda pensava na conversa com a alma.

As duas se encaminharam para um corredor que havia atrás da sala de jantar, logo entrando por uma grande porta. Sakura se surpreendeu com a elegante cozinha à sua frente, "muitas coisas aqui são diferentes do que eu imaginava" pensou a deusa fazendo uma pequena careta.

No entanto, a coisa que mais surpreendeu Sakura não havia sido o elegante cômodo, mas sim as várias almas que estavam conversando. Estavam porque pararam imediatamente ao notarem a deusa de cabelos rosas entrando na sala.

Havia homens e mulheres, Sakura percebeu, todos se curvaram para cumprimentar a nova "visitante". Sakura corou com o gesto e se curvou também, apesar de não entender o porquê de tanto respeito se ela era uma prisioneira no submundo.

Helena apresentou ela para todos, mas não os apresentou para Sakura, o que Mamoru diria ser de muita má educação, mas Sakura não se importou, não pretendia ficar por muito tempo mesmo.

Sakura pediu licença, aquilo tudo era muito estranho. Saiu pela cozinha sem um rumo definido, forçando sua mente a se lembrar das rotas do castelo. Biblioteca, sim, biblioteca, elas não haviam passado muito tempo nela e havia uma entrada pelo primeiro andar.

A deusa demorou um pouco pra achar o local e só achou porque estava com a porta aberta. Colocou só a cabeça para ver a estrutura e abriu um mínimo sorriso, tinha que admitir que era um lugar... Aconchegante. 

Entrou e foi direto à primeira estante em sua frente, para tentar entender como os livros estavam divididos. Sakura passava os dedos por eles procurando alguma ordem, não havia nada escrito sobre o gênero e a deusa não reconhecia nenhum título. Se toda a biblioteca estivesse assim, ela teria um problema pra encontrar algo...

- Não acho que vá gostar desta estante. - Sakura pulou de susto com a voz grossa atrás dela. - É terror.

A deusa tomou coragem e se virou. Sasuke estava parado a alguns metros, mas a voz parecia estar mais próxima, pelo menos para Sakura. Ele não olhava para ela, mas sim para a estante atrás da deusa, como se procurasse alguma coisa.

Sakura não imaginava encontrar ele tão cedo, não queria, na verdade. Havia pensando em mil e uma coisas pra falar para ele, mas, como na noite anterior, tudo sumiu de sua cabeça. Mas não estava desesperada como antes, apertou os punhos atrás das costas pensando em alguma coisa para responder.

- Por que eu não gostaria de terror?

Sasuke levantou levemente uma sobrancelha, não esperava que a deusa dissesse alguma coisa.

- Apenas nunca a imaginei lendo algo assim. - A voz de Sasuke era realmente um evento, Sakura percebeu que ele segurava um livro.

- Nunca me imaginei neste lugar e olha onde estou.

Os olhos de Sasuke se voltaram para Sakura. A deusa apertou mais ainda os punhos tentando segurar o olhar dele, que parecia tão calmo. Sakura apertou os dentes, "como esse patife pode estar tão calmo?!"

Foi Sasuke quem desviou o olhar primeiro, olhando para a vista na janela. Se movimentou e Sakura achou que iria se aproximar, mas ele apenas se pôs de costas e começou a caminhar em direção a porta. 

- Tenho muito trabalho hoje. - Começou ele enquanto andava lentamente. - Mas ficarei grato se me deixar apresentar este lugar amanhã.

Ele terminou no exato momento em que chegou na entrada da biblioteca. Sakura não teve tempo nem de pensar, ele sumiu na porta e ela sentiu que podia voltar a respirar.