Despertou com a movimentação de Kouyou. O mais velho o afastara, e se levantara da cama, vestindo o casaco que deixara ao lado.
- Ainda não amanheceu... – disse, fazendo com que o outro o olhasse por alguns segundos, surpreso por não nota-lo desperto.
- Índigo chamou-me... Não sei o que ele quer, mas verei antes do amanhecer. – se aproximou, novamente, e selou os lábios do menor, que imediatamente sorriu.
- Tudo bem... – disse, vendo o mais alto voltar a se afastar, e sair do quarto.
Olhou ao seu redor pensativo, dormir não se fazia necessário, mas de alguma forma, seus pensamentos pareceram organizar-se mais depois daquele sono tranquilo, sem sonhos.
O gato saltou em seu colo, e ele o abraçou ternamente.
- Sabe Blu, tem muita coisa na minha cabeça. Muita mesmo... mas eu só preciso agir de forma mais madura. Não é? Seria como crescer?
Yuu ficou pensativo, e depois de alguns segundos voltou a olhar para o gato, que continuava folgadamente em seu colo.
- isso que eu estou sentindo agora... acho que eu preciso me alimentar... mas eu estou com medo disto também. Vai doer mais ainda, não é? Vou esperar o Kouyou retornar...
[...]
Kouyou seguiu para a sala do piano, ouvindo Índigo tocando uma canção doce, uma sinfonia que há muito não escutava.
Era a canção que ouvira quando fugira de seu mundo, e sem direção alcançara a mansão e fora abrigado pelo Lord Lilac, pai de Índigo.
Abriu a porta, sendo recebido por um sorriso. Mesmo que soubesse que Índigo era indiferente aos sentimentos, gostara de ver o sorriso no lábios do ‘irmão mais novo’
- Por que desejava falar comigo com tanta urgência?
- Ainda está de acordo com minha liberdade, não e mesmo?
- Desejas ir? – falou sentido, Índigo era o seu irmão, lhe ensinara coisas sobre como agir como um nobre, como um humano, como entender os sentimentos. Mesmo que se recordasse claramente do que havia dito, quando Lúcifer levara Yuu, não achava que o vampiro iria acatar a dica.
- Sou um perigo. – sorriu. - Em algum momento irão perceber, nos três vilarejos já há boatos sobre que entreguei minha alma ao demônio.
- Posso ainda buscar suas presas, não precisa ser visto.
- Não quero mais ficar trancado, Kouyou. Quantos anos passei lá no porão? Seis, sete anos? Mesmo que eu não sinta nada, ou ache que eu não sinto, aquilo era estranho, ver tudo por trás de grades, ouvir tudo lá de baixo e não poder interagir; Eu sei que queria apenas proteger-me de mim mesmo. Mas agora já tenho consciência disto. E não tenho mais espaço aqui.
- Já disse a mansão é tua, e eu ainda posso buscar suas presas. Não irás permanecer trancado, a mansão inteira está disponível para ti.
- Não seria uma prisão também? Eu estaria confinado a permanecer aqui dentro.
- Mas para onde irias? O sol não pode tocar tua pele, queimaria instantaneamente. Não desejo perder-te desta forma.
- teu criador disse que o meu tinha ainda proposito comigo, que eu mesmo tendo me transformado em vampiro, ainda sim era cuidado pelo criador dos humanos, por Deus ou seja lá que nome ele tenha. Talvez isso seja o plano dele, me tirar daqui, instalar esta vontade de ir, de conhecer... Posso abrigar-me do sol em qualquer lugar, mas este lugar aqui, já não me pertence mais, já não necessita mais de minha presença, e tu somente está adiando o inevitável Kouyou. Não podes ter-me para sempre ao seu lado.
Kouyou fechou os olhos. Índigo sempre teve bons argumentos para tudo, sempre o convencera a mudar de planos, a quebrar as regras que o pai colocava na mansão.
Talvez estivesse sendo egoísta, mantendo-o ali, forçadamente ao seu lado.
Voltou os olhos para o garoto, que deixou de tocar as notas, e voltou a encara-lo com os olhos esverdeados mais brilhantes do que recordava que eram.
- Você ainda é meu irmãozinho Kou, mas não podemos ficar para sempre juntos. Os caminhos nos afastam, mesmo que seus corações sejam ligados. Mesmo que meu coração bata apenas quando alimento-me, sei que ele esta em sintonia com o teu. – ajeitou-se no banco - irei ao anoitecer. Já tenho ideias de onde ir, decorei caminhos e abrigos. Sou rápido, logo estarei no porto.
- O que farás no porto? – Kouyou ainda tentou assimilar a decisão do mais novo, que apenas sorriu levemente.
- Irei partir num navio. Será um teste, para que eu não saia atacando nenhum humano, mas ficarei oculto quase toda a viagem.
- Índigo, não estás pensando direito. Não há nada longe daqui para você. Não sabemos se ainda existem outros como você, se há um lugar seguro para você;
- nunca saberemos se não sair daqui, não é? Não se preocupes, tentarei enviar-lhe cartas. Nunca perderemos o contato; Disseste que não sou prisioneiro, então não poderás impedir-me de ir. Correto?
Kouyou assentiu a contragosto, já havia dito que o garoto era livre, não poderia mudar de ideia justamente no momento em que ele decidia ir.
- Não vá sem despedir-se... ainda quero lhe dar uma abraço. – Kouyou sussurrou.
O vampiro sorriu mais uma vez, voltando a tocar a melodia.
Seria a ultima vez naquele piano, naquela mansão e ao lado de Kouyou.
Aproveitaria até o ultimo segundo ali.
Kouyou sentou-se ao seu lado. O observando deslizar os dedos pálidos pelas teclas de marfim.
Índigo terminou a canção, e o olhou por longos segundos.
- Sabe, sempre o imaginei livre... mas... realmente não me preparei para este dia... – Kouyou riu contidamente.
- Eu também não me preparei bem para me despedir de você... Mas temos que arriscar, não é? – Índigo respondeu, um tanto pensativo.
Kouyou assentiu.
- Recorda-se desta canção? – virou o livreto empoeirado, e começou a tocar outra canção.
- Sonata número 14? – Kouyou disse depois de alguns segundos ouvindo a melodia sutil.
- Sim... Sonata ao luar, ainda gosta dela? – disse sem perder a concentração, Kouyou assentiu mais uma vez, concentrado na melodia.
Que soava ainda mais como despedida.
[...]
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