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História Forgivable - A falsa alegoria de um amanhã


Escrita por: zandollar

Notas do Autor


❥ a música que acentua com esse capítulo eh “I love the way you lie, part. II”, pra quem não sabe, eh uma continuação da música e vale a pena.
boa leitura!!

Capítulo 17 - A falsa alegoria de um amanhã


Até os anjos tem planos perversos, você leva isso para novos extremos.

Leio e releio várias vezes, porque a droga do meu olho arde a cada parágrafo. Leio as letras que constroem câncer e fazem a palavra miserável ser puramente repugnante em todos os sentidos. Jogo o exame na cama, mas outro papel cai de dentro dele. Uma dobradura. Abro, e puxo de dentro de mim o ar que eu sei que seria a última dosagem.

Para Jawadd,

Foi sem querer quando eu mudei por você. Me vi apaixonada antes mesmo de sentir o gosto da tua boca e foi ali que eu soube: estávamos predestinados a um caos vicioso. Eu idealizei que no meu mundo melhores amigos dariam certo, por isso eu mudei, e não sei quando ou onde aconteceu, mas você costuma dizer que me conhece melhor do que eu mesma, espero que um dia possa me encontrar de novo e responder com suas próprias palavras ríspidas quantos dos teus quereres foram realizados por mim, já que eu estive disposta a qualquer coisa para ter você ao meu lado. O melhor de tudo é que eu nunca quis tanto querer alguém da mesma forma que eu era desejada. Eu nunca quis tanto perder o foco, a cabeça, o sono e os sentidos. Eu nunca entendi porquê queria tanto ser sufocada por um beijo enquanto o coração me transferia ar. Acabei descobrindo que não é sobre essas coisas, porque Chad Peters me fez o que você faz, mas ele não faz como você fez. Ninguém substitui o único homem que me tem na mente e nas mãos.

Você é insuperável em todos os sentidos sujos, doces e indecentes da palavra.

Também existem duas grandes coisas insuperáveis sobre mim. A primeira delas é a fuga. Eu sempre vou fugir, eu gosto de fugir, sou assim e não vou mudar mais por você. A outra é que eu fiz a primeira por não poder mudar a segunda, e agora você sabe. 

Acho que não posso te dar filhos, e pelo meu próprio bem preciso decidir se jamais poderei. Se não conseguir lidar com isso, continue onde está cuidando do mais perto que você terá de uma filha. Madelyn ama você. Mas, se conseguir ser você comigo para sempre, disposto a mudar e marcar um ponto na escala onde você não me alcança, sabe onde encontrar dólar de areia.

Mesmo que não consiga ficar, considera o meu último querer. Vem me ver.

Cathryn Malik

Minha mão dói. E está longe de ser a única, é como se a minha cabeça pudesse explodir espontaneamente, e um alarme atraísse raios. Puxo a porta e desvio pra não bater na minha cara, e enquanto desço os degraus rangendo com meus passos pesados tento não tropeçar nos meus pés. Nem na minha raiva.

Eu nunca agradeci tanto por Liam ser meu vizinho como agora que um trajeto de carro foi encurtado em vinte passos ou menos. 

Ele abre a porta quando escuta minha mão contra a madeira e eu passo direto sem ouvir reclamação. Varro a sala com os olhos e vejo Madelyn no sofá, assistindo concentrada demais.

— Dá o celular pra ela — viro para a loirinha, tentando poupar ela do cenário que viria à seguir. — É sério, Payne, manda ela pra cima.

Liam pega o aparelho do bolso, e tento medir minhas palavras em consideração a idade da minha afilhada atrás de mim, mas o pai dela plantado na minha frente torna isso quase impossível. Ele espreita os olhos, meio atento, mas logo faz o que eu pedi. Madelyn me mostra um aceno enquanto sobe as escadas com o eletrônico em seus dedos, mas eu tô vidrado demais para mostrar qualquer sorriso. Ela não se importa com nada além do jogo o suficiente para ficar chateada.

— Cadê a Raven?

— Aqui... — escuto os passos e vejo as pernas, não demoro para encontrar o rosto que ao lado de Liam forma as duas maiores caras de pau que eu já vi ao vivo.

— Você sabia.

Jogo os papéis na mesa de centro. O olhar baixo dela cai sobre eles por um segundo, mas logo volta para mim.

— Eu era médica dela, claro que sabia.

— É sério, você está esperando que eu pergunte por que não me contou? — dou um passo à frente, não consigo me manter quieto. Liam se alarma como se eu realmente fosse capaz de avançar para tocar nela da forma que estão pensando.

— Zayn, se acalma — pede. Olho para cima antes de apertar meus olhos, rezando mentalmente para que o café do meu falecido pai tenha acabado e ele mande alguma solução de consciência. Eu preciso respirar. — A Maddie está bem...

— Se acalma o caralho. Ela tem câncer! — grito. Liam se põe na minha frente, me encarando com uma sugestão que eu interpreto mas não quero ler — Bem é última coisa que ela está. Como vocês tiveram coragem?

— Quando você se acalmar a gente conversa.

— Eu não quero conversar, vou me mandar daqui. Só quero saber o que vocês estavam pensando quando ajudaram ela a esconder algo assim.

— Ela exigiu sigilo médico e paciente, eu estaria infringindo a lei se contasse — a voz dela é cabisbaixa, mas não me comove.

— Que absurdo deve ser quebrar a porra da lei, não é?

— Menos, Zayn — meu ombro é empurrado para trás pela posição de autoridade que ele toma na frente da namorada. Como se a minha não estivesse em uma posição pior. Indiscutível — Se controla.

— Me controlar? Vai se foder.

— A Maddie que escondeu isso de você, Zayn, não fomos nós.

— Raven... — viro de costas por um segundo, tentando dissociar os xingamentos que preciso engolir — Ela é minha esposa, mas antes disso é família. Vocês compactuaram pra ela ir embora sozinha e ela está doente.

— Eu quis que ela contasse, Malik, sugeri várias vezes.

— Que tivesse contado! Porra, não se desiste da família assim, principalmente da mais sensível.

— Ninguém desistiu — Liam diz — Ela é adulta, pode muito bem decidir sozinha para onde quer ir.

— É a Madison! Ela não decidiu nada, ela fugiu, isso está longe de saber decidir alguma coisa — os braços de Raven se cruzam quando ela desvenda o fim da minha frase — Você sabe do que eu tô falando.

— Zayn... ela não está morrendo, mas tem que escolher entre duas opções cruéis demais para uma mulher — minha garganta fecha, sinto meu peito acelerado e o ar foge por alguns segundos — Se você quiser ir atrás dela, ainda dá tempo.

É a última coisa que eu escuto antes de dar minhas costas e sair do mundo colorido dos Payne, deixando papel e qualquer outra coisa para trás. É claro que Liam está me seguindo e é mais óbvio ainda que eu estou alheio demais à qualquer pessoa ou pensamento que não seja onde Madison está. E como ela conseguiu transformar tudo isso em uma bola asfixiante de neve e outros venenos.

— Zayn.

— Não.

Pressiono o botão da Skyline e apresso meus passos até o lado motorista, ignorando Liam e meus milhares de pensamentos destrutivos.

— Porra, para um segundo — aperto meus dedos e fecho meu punho, expulsando a vontade de dar um soco no rosto dele — Onde você pensa que vai desse jeito?

— Eu vou atropelar você.

— Deixa eu falar sobre ela.

Estávamos predestinados a um caos vicioso. As palavras parecem soar com a voz chorosa dela de brinde, e só de especular um cenário onde uma Maddie imensuravelmente machucada fugiu para enfrentar uma doença sozinha, eu perco meu senso comum. Minha razão e a porra da minha mente precária.

— Se você quisesse que eu soubesse de algo, não teria esperado isso acontecer —revira os olhos — Agora você vai mentir pra me acalmar, não sou o único previsível entre nós dois. Onde ela está, Liam?

— Ela não disse?

— Não, ela não...

Um trecho específico da carta clareia minha mente: você sabe onde encontrar dólar de areia.

“— Eu colecionava quando era mais nova, geralmente você pisa em cima de uma soterrada na areia, e essas são as que você pode levar para casa porque estão brancas e mortas. Mas se estiver roxa, ainda está viva, tem que devolver para o mar.

— Você nunca matou nenhuma delas, né?

— Claro que não, Z — ela põe uma na minha mão, fascinada por ter conseguido encontrar o ser marinho tão raro na praia da República — Eu sempre pisava em algumas, como essa agora... realmente pensei que dólar de areia só existisse em Santa Monica.”

— Disse.

A forma que ela calculou a pista tão certeira só serviu para me deixar ainda mais louco. Ela está desesperada e precisa de mim, eu não quero e não vou esperar as justificativas de ninguém.

— Então você sabe que não pode sair do país do modo tradicional.

— O caralho que eu não posso, não sou fugitivo.

— Mas ela é, e vocês compartilham o mesmo sobrenome, Zayn. Você pode deixar rastros para ela.

— Como ela saiu? — algo no rosto dele grita o nome óbvio demais para que precise dizer — Filho da puta.

— Ele não sabe. Ryan pensa que ela foi embora porque você não perdoou o primeiro problema. Só Raven e eu sabemos do... segundo.

Puxo a porta com força o suficiente para que não empurre de novo. Mas não adianta muita coisa, ele contorna o carro e entra no lado passageiro. Bufo, piso no acelerador e dou partida até a casa mais próxima de explicar um declínio irracional como esse.

— O que você tem?

— Que?

— Para prestar um favor, o que você tem? — encaro a avenida, pensando em desviar dos carros lentos e da pergunta dele — Anda, Zayn, você sabe que ainda guarda aquelas coisas.

— Liam, se você me disser que o filho da puta do Tony conheceu a Maddie, eu juro que desço com esse carro no oceano. — o silêncio me causa uma pontada na têmpora — Por que você fechou a boca?

— Vou esperar o carro estacionar pra te responder.

Aperto o volante e puxo para o lado, saindo da navegação torturante de buzinas e pego um atalho entre as ruas mais calmas até a mansão dos Woolery.

Estaciono e piso para fora do carro sem desligar o motor, sabendo que Liam pode fazer isso e eu não estou com cabeça para agir certo. Passo pela porta de entrada e estranho a falta de movimentação. Carol é a primeira pessoa que eu vejo descendo as escadas dentro de um vestido longo, e o complemento dela desce logo atrás. 

Pelos meus cálculos, é impossível chegar nos Estados Unidos direto da República sem fazer uma escala, o que torna o percurso longo, e como eu estou certo, uma madrugada é pouco tempo para que ela já esteja na América.

— Cadê a Maddie?

— Você é o marido dela, você deveria saber — cuspindo ironia, Ryan passa direto por mim. 

Desgraçado.

— Eu sabia até você mandar ela para algum lugar pelas minhas costas. — ele ainda não me olha, minha raiva cresce — Mas acho que agir pelas costas é uma coisa de Woolery, não sei porquê eu estou surpreso.

Seus passos cessam no meio do caminho, e ele finalmente vira para mim, Carol repete os movimentos dele parecendo mais ofendida.

— Não deve ser tão ruim quanto ainda ser o mesmo cara que deixa própria a mulher fugir.

Meu ombro é puxado antes que eu avance mais passos do que devo. Carol se põe na frente do marido e Liam atrás de mim puxa meu rosto.

— Ta bom, Zayn, já chega. Vamos resolver isso como adultos.

— Depois que vocês agiram como crianças?

O loiro mais alto revira os olhos e parece me enxergar como uma mísera piada. A sensação é recíproca o suficiente e eu penso o mesmo dele. Talvez um pouco mais. Depois de respirar por uns cinco segundos tomados pelo silêncio da cozinha, eu percebo que Ryan não sabe que a própria filha está doente. 

Ele só a ajudou porque me acha um babaca que não conseguiu perdoar a porra do adultério.

— O que você fez?

— Troca de serviço.

— Quanto? — espreita os olhos, como se duvidasse de mim.

— Seis.

— Qual presídio?

— Segurança máxima — sendo seguido por Carol atrás dele como garantia, vai até a geladeira e pega uma cerveja, depositando mais força na tampa do que o necessário — E eu tô só começando.

— Só fuga? — ele assente e eu começo a formular soluções equivalentes ao patamar de tirar seis filhos da puta da cadeia.

— Eu posso pensar em algo que o Tony quer, mas você já sabe que tem.

— Tenho.

Dou minhas costas com movimentos menos bruscos.

— Zayn?

A voz que me chama parece expulsar um calafrio com a voz, e é a única que eu espero ouvir soar tão delicada entre nós quatro. Caroline para em minha frente antes de passar sugestivamente por mim, ela segura a barra do vestido e uma sensação de dejà-vú cármico demais me sufoca. Sigo a mulher para onde quer que ela esteja indo, sem compreender ao certo porque eu estou logo atrás. Mas eu sei. 

Ela também é a droga de uma Woolery com olhos verdes.

Quando puxa as maçanetas da porta principal e espero que ela sente primeiro no banco da varanda, sem vontade nenhuma de tentar esfriar a circulação do meu sangue para ficar parado como uma estátua, ou como ela. Carol cruza as pernas e encara as outras varandas e jardins que compõem a rua deles.

— Quando eu fugi, eu não quis que o Ryan fosse atrás de mim.

Me encosto na parte da madeira da porta que não abre.

— Você precisa tirar da sua cabeça que você e a Madison são iguais de alguma forma.

— Bom... eu consegui que você ficasse quieto, já é alguma coisa.

— Só porque é interessante saber o que uma pessoa que nunca fala sobre porra nenhuma tem a dizer.

— Acho que você deveria me respeitar mais, eu ainda sou sua sogra — alguns namorados sofrem com isso, guardo o comentário para mim — Eu sei que ela não está bem.

Ignoro a chance de me surpreender com isso. Filho de peixe sempre é outro peixe e no caso da Maddie, não é um peixinho nem de longe.

— O que você quer?

— Não vou perguntar o que é porque vocês são como carne e unha, se ela não me disse você também não vai dizer — ainda bem que ela é esperta — Mas independente do que seja, ela vai agir por impulso.

— Que impulso?

— Se você demorar demais, Zayn, se você for, mas não estiver realmente , e ela perceber... Maddie não vai aguentar o baque.

— Tem como ser menos burocrática? 

— Se ela tiver que escolher algo, vai escolher com base no que acha que você ia querer só para conseguir sua atenção, porque ainda não amadureceu o suficiente para ouvir a si mesma. Madison está te chamando para resolver um problema que ela não pode. Isso pode soar obsessivo, mas foi um fardo que você assumiu quando se casou com ela.

Caroline fica de pé e passa a mão nos meus ombros, irônica.

— Eu tenho bipolaridade, fugi para bem longe com um filho ainda dentro de mim, e adivinha? Ryan que pediu para voltarmos. 

E então ela mostra um sorriso em um gesto que eu não sei nem por onde começar a desvendar.

— Os olhos são o que menos tornam nós duas iguais. Madison não é uma Woolery, é uma Austen — a droga do sorriso aumenta — E eu acho que você não conhece os Austen.

A loira passa por mim e entra na casa, me deixando sem nenhuma palavra na boca. Austen, ou Woolery, ou dependência emocional. Qualquer tópico problemático que seja, eu sei lidar com ela.

Subo os lances de escadas que pela primeira vez parecem ser mais longos e vou direto para o quarto de Phoebe.

— Oi — eu estou entrando, e ela saindo, mas para subitamente quando parece captar o caos e ardor no meu rosto — Entra, Zayn.

Mal observo o quarto ou a decoração minimalista, muito menos sento na cama. Eu nunca mais levantaria dela se o fizesse.

— Eu estou indo para os Estados Unidos — sua boca abre em um círculo e um som de confusão escapa — E preciso que você segure as pontas por uns dias enquanto eu dou um jeito de te levar para lá depois.

— Por que?

— Depois eu explico.

— Eu sei que a Maddie foi embora — ameaço sair, mas seu copo prensa a porta e não preciso observar que o peso todo está nela.

— Phoebe, sério, eu te ligo, ok? Não dá para conversar sobre isso agora.

— Certo, Zayn, você quer se comunicar assim? Vamos fazer isso — ergo uma sobrancelha e ela ergue o nariz — Eu não vou sair da República.

É a minha vez de repetir o gesto que o rosto dela fez há um segundo. O que há de errado com as mulheres dessa casa?

— Eu estou em um nível de estresse que você não está pronta para entender. Então por favor, não me contraria, não cria ideias, sai da frente da porta e espera minha ligação. Por favor.

A ênfase que dou na súplica é o suficiente para que ela desencoste. Respiro, pesado, e me esforço enquanto dou um beijo prologando em sua testa. Não preciso me esforçar para perceber uma pontinha de decepção em seu rosto, e semicerro meus olhos.

— Cadê o Louis? — os ombros levantam, e relaxam na mesma densidade.

— Dormiu fora.

Ela encara qualquer outro ponto morto no quarto e suspira, deixando bem claro que tomar uma decisão de encerrar algo não era tão fácil como parece.

— Esquece isso, não vale a pena — ela assente, com um mínimo sorriso — Eu prometo que vou ligar.

— Cuidado, Z. Dirige devagar.

Duas presenças no corredor me fazem cessar os passos. Estranho que Ellis esteja de pé tão cedo, mas suspeito que ela tenha dormido de alguma forma. Niall rindo ao seu lado pode ser a explicação. Ela capta o movimento no meu joelho e revira os olhos.

— Se você se agachar pra falar comigo eu dou uma joelhada em você.

— Só vim me despedir — ela não reage, e é como se estivesse esperando.

— Não deveria, eu odeio despedidas. Niall, vamos na praia? — o loiro me lança um olhar de quem diz você acredita nela? Eu solto uma risada, incrédulo. O método de fuga é realmente mais genético do que eu pensei. Me aproximo.

— Você passa o verão com a gente até ficar de maior e se mudar, fechado? — espreita os olhos, mas percebo certa rendição neles. 

— Tanto faz.

— Tchau pra vocês.


— A porra do sangue é todo seu, não dou a mínima.

— Só a passagem de barco, tem certeza que não quer passagens de avião? Passaporte, documentos...

— Vai se foder, eu não vou virar o seu mascote.

Tony achou que me levar na brincadeira prolongaria o entretenimento que eu estou dando para ele e seus cães de guarda. Por isso a risada dele também prolongou minha dor de cabeça, e minha vontade de explodir dois mil metros quadrados com pessoas como ele dentro.

— Valerie está chegando no porto, esteja pronto com a mercadoria.

— Quem é Valerie, caralho?

— O barco.— ele põe uísque em um copo e vira na boca dentro de dez segundos. Depois encara Liam e eu, sem mover um músculo na cadeira — Devo dizer, Zayn, você está fazendo a escolha certa.

— O que você tem a ver com isso?

— É só uma análise básica. Não se deixa uma mulher gostosa daquelas ir embora, você sabe escolher muito bem.

— Filho da puta. — avanço dois passos pra cima dele, mas o maior segurança da sala aponta a arma para mim e me escolta de volta. Puxo meu braço do toque do filho da puta.

Descemos os corredores dos fundos da boate e logo estamos dentro do carro. Liam resmunga alguma coisa quando eu abro a porta e ele entra.

— Que é? Virou minha sombra? — ele não responde.

Payne também não indagou nada sobre o desvio no caminho que eu faço quando estaciono no posto de gasolina. Desço do carro, alegando que voltaria logo, e mesmo percebendo que o tanque está cheio ele não questiona nada.

Empurro o vidro da loja de conveniência e me deparo com uma mulher atrás do balcão. Ela usa piercings em todo o rosto, e enrola os cabelos vinho com mechas lilás. A primeira impressão que tem sobre mim, não existe, já que ela não desvia os olhos de uma pilha de revistas em sua mão para ver quem balançou o sino acima da porta. 

— Dez litros — entrego o dinheiro que paga a quantidade de gasolina, as unhas pretas admitem o dinheiro do balcão e os olhos com sombra escura varrem brevemente meu rosto, por baixo — Você tem um galão?

— Um galão?

— É. Meu carro parou lá trás, preciso levar a gasolina até ele.

A sobrancelha com o piercing se ergue, como se eu não fosse um ótimo mentiroso. O corpo dela está reclinando, empinando para trás ao esparramar os braços na madeira.

— Vou ver lá atrás, chuchu.

Reviro os olhos enquanto faço o que eu menos suporto na vida. Esperar.

— Só tem esse, não sei quantos litros cabem aqui — bate o galão de plástico empoeirado, espalhando areia.

Agarro a alça do recipiente e caio fora.  Preencho com gasolina, e prevejo uma enxaqueca ainda pior se comparada com a que eu já estou tentando lidar. Entro no carro quando está cheio e o cara ao meu lado me olha como se eu estivesse jogando um fósforo aceso dentro do galão.

— Eu preciso perguntar que merda é essa?

— Você pode se poupar se quiser.

Puxo meu celular do bolso e dou partida de volta para o centro. A manhã consegue deixar Santo Domingo mais movimentada, e a demora no trânsito é um dos maiores métodos de tortura para alguém prestes a sofrer uma combustão psicológica. Disco o número dela e levo o celular ao ouvido.

Além do latejo intenso na minha cabeça, minhas mãos estão suando como se eu estivesse com medo de alguma coisa, mas não sei identificar ao certo o que é, porque os pensamentos invasivos sobre a saúde e o estado de Madison me atingem um por cima do outro de uma forma que eu não consigo parar para raciocinar sobre um só e é inevitável não me sentir traído mais uma vez. Embora eu saiba que vou perdoar as duas malditas vezes. 

Maddie não atende.

Quando estaciono, Liam me encara antes de descer.

— Eu posso ir para casa ou você vai fazer algo que vai acabar se arrependendo depois?

— Você já me viu arrependido de algo? — ele revira os olhos e sai, contornando a lataria. Saio logo em seguida, mas sou chamado antes de seguir meu rumo.

— Ei — só entendo que sou puxado para um abraço quando os braços dele já estão me sufocando — Ela vai sair dessa.

— Eu sei que vai — digo, nem considerando uma possibilidade oposta.

— Te vejo em alguns meses — eu aceno, aliviado que vou ver ele de novo. 

Embora já soubesse disso. Não existe um mundo onde Liam e eu não estamos lado a lado.

— Vai pra casa, Payne. Vou fazer minhas malas e te ligo depois.

Depois de ser o próximo que se contentou com uma promessa escassa, eu digito uma mensagem no mesmo número que é o único do qual eu faço questão de ligar, enquanto carrego galão com a mão livre. Abro no iMessage dela e releio as últimas mensagens. São de um dia antes do declive quase anárquico entre nós dois e o filho da puta miserável com Peters no nome. 

Maddie estava me perguntando qual cor de lingerie era minha favorita, e minha resposta foi preta.

Porque o vermelho era só o que eu gostava de ver antes da sensação principal.

A porra dos meus olhos queimam, e mesmo perto, a gasolina está longe de ser o pivô do meu declínio emocional. Talvez eu esteja torrando além dos neurônios que sobraram com tanto desgoverno em um relacionamento. 

Contorno a residência até a casa da piscina e puxo o molho de chave do bolso, destranco a porta e vou direto até o freezer. As caixas dentro dele estão cheias e lacradas, exatamente como eu havia deixado. Pego tudo e guardo no fundo falso do porta-malas do carro, em seguida entro em casa. 

Largo o galão no chão, e envio a mensagem pra ela antes de bloquear o celular.

Meu único problema com a Valerie é que ela tem o cabelo ruivo.

Subo as escadas devagar, contrariando meu próprio pensamento. Quando meus olhos encaram a geladeira, eu penso na quantidade de cerveja dentro dela e o quanto não é nem perto do eficiente, então não vale a pena. No quarto, tento ignorar o ambiente. O cheiro.

Os perfumes impregnados aos longos dos poucos dias, em uma mistura imensurável que identifica nós dois. Quando a carta no chão consegue meu foco, guardo no bolso e examino a situação calamitosa. Eu tenho uma mala só no canto do guarda-roupa e estou pouco me fodendo para o vestuário, tem algumas coisas que eu prefiro colocar lá dentro e não envolvem as peças caras que ela um dia comprou para mim só por causa do preço na etiqueta.

Pego fotos. Desenhos. Documentos e o mínimo de peças que me interessa. O lado dela está completamente limpo e eu me pergunto como eu dormi tanto.

Que tipo de sono tomou conta de mim o bastante para me impedir de raciocinar o que estava bem na minha cara? A dor não era cólica. As manchas roxas não eram dos remédios. A péssima capacidade de ter um bom julgamento, o comportamento insinuante e destrutivo, tudo passou além do típico dela. É uma tortura saber que eu estava aqui o tempo inteiro, mas não estava aqui.

Desço com as malas, saio pela porta aberta e no carro, ponho tudo no banco detrás. 

Quando passo minha cabeça para fora do teto, dou uma olhada na casa mais uma vez. Meus passos são mais lentos e adiantados antes de me agachar ao lado do galão na entrada. Seguro, engolindo cada pegada dura do meu tênis contra a madeira rangendo e ignoro os quadros ao longo do corredor até o de cima. A tinta da parede tem uns descascos, e a marca antiga da minha mão entre dois quadros de carros formaram uma raiz trincada.

A casa é grande demais sem ela aqui.

Endureço meu rosto quando estou na linha do limite de entrada e encaro cada móvel do quarto que poderia ser algo lindo e encantador em qualquer dia desses.

O quarto do meio.

Giro a tampa do galão e espalho a gasolina pelo cômodo. As paredes ficam úmidas, os móveis neutros e vazios, o abajur ao lado da cama.

A cama parece cantar a porra de uma risada seca que ri da minha cara. 

Se eu quisesse parar para me ouvir, saberia que não contemplo nexo algum. Eu despejo gasolina em cada centímetro de madeira e resquícios de traição, o fogo do meu isqueiro se acende, eu respiro aliviado por conseguir extravasar sem matar ninguém além de um pedaço de mim mesmo.

E amanhã começa tudo de novo.

Quem sabe com o maldito passar do tempo eu consigo crescer e me estabilizar o suficiente para produzir um encanto especial que traga ela comigo. Uma coisa que não seja sempre correspondida, e que vá além do que já sabemos que ultrapassa o limite da existência do amor, da luxúria e do desejo. Porque eu sempre rolava pela noite, ela sempre divaga pela manhã, e porra do ciclo ocioso é tão especial que parece nos submeter a uma espécie de teste sem graça e definição exata.

Eu sempre duvido que ele exista, ele, o destino, o feitos um para o outro, e pela forma que a paixão sempre nos arrebata com um daqueles beijos que quebram e matam o tempo separados, eu posso arriscar a explicação do intuito por trás de tanto drama e adrenalina. A falsa estupidez e alegoria de não pertencermos, necessariamente um para o outro quando sabemos que o paradoxo consiste no preceito mais nítido.

Não foi fácil perdoar a traição, e nem difícil. Porque a maior convicção que eu tenho sobre nós dois nunca falha: ela é minha.

Isso traz um pouco de repouso para as milhares de perguntas carregadas do porquê ou como chegamos até aqui. De alguma forma, em algum ponto, o jogo virou a mesa e assim como há alguns anos Maddie aprendeu sobre perdão, eu agora consigo digerir da mesma maneira que o fogo consome a gasolina e o silêncio da casa que estou deixando para trás. 

O minuto que o relógio na parede leva para mudar o circuito do tempo, é o que eu levo para puxar a foto do nosso casamento do retrato na estante e enfiar no bolso. 

Também é a última coisa que eu faço antes de sair de fato e de vez da casa em chamas.



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