Assim que anoiteceu liguei para a minha irmã que atendeu a chamada no segundo toque. Expliquei toda a situação para ela; falei sobre as cobaias e a crueldade da organização para com eles, falei sobre as “experiências” e também sobre a minha discussão com o papai e, por fim, obviamente, falei do meu plano da forma mais detalhada possível.
- Você... Tá falando sério? – Pergunta incrédula.
- Estou, claro. – Respondo.
- Lucy, isso é loucura. – Disse ela calmamente.
- Vai me ajudar ou não? – Pergunto impaciente.
- Claro! – Exclamou – Não é sempre que a minha irmãzinha contida e sem graça cria um plano maluco pra salvar alienígenas em coma – Disse ela em tom dramático me fazendo rir.
Minha irmã sempre se preocupou muito com o meu bem-estar, ao ponto de não se importar consigo mesma. Ela é inteligente, forte, calma e sempre cuidadosa. Uma grande ajuda, uma grande amiga, e atualmente é a minha pessoa favorita no mundo todo.
- Amanhã você tem que vim aqui depois que o papai sair do trabalho. Entendeu?
- Certo. – Falou
- Se ele perguntar alguma coisa...
- Eu invento alguma desculpa. – Completou em tom monótono.
Apesar de não sermos tão próximas ao ponto de fazer compras juntas ou falar sobre garotos, eu sempre admirei muito ela, seu coração dócil, sua personalidade forte e a sensação de segurança, de ser cuidada por alguém que realmente se preocupa comigo. Além de ser a minha irmã ela também é a minha melhor amiga e cúmplice. E, além do mais, acho ela a garota mais linda de todas, sua pele clara, seus olhos de uma cor azul céu, seu cabelo curto... Enfim, eu amo a minha irmã, mesmo não tendo uma ligação tão forte com ela como tinha com a mamãe, porém, só percebi isso meses após a morte da nossa mãe. Papai passava cada vez mais tempo no trabalho e a minha única companhia, mesmo que silenciosa, era ela, a Virgo.
Desligo o celular e deslizo meu corpo sobre a poltrona até cair sentada no chão.
“Esse plano tem tudo pra dar errado, mas é a minha única opção. Ou eu arrisco ou assisto os meus amigos serem mortos.” Penso enquanto encaro o teto.
(...)
O dia correu perfeitamente normal. Tirando a visita inesperada de algumas enfermeiras que rodearam as macas fazendo anotações, cochichando entre elas e rindo baixo vez ou outra.
Logo depois que elas saíram troquei os medicamentos e verifiquei os sinais vitais como sempre faço.
“Esse procedimento... Não haverá uma próxima vez...” Pensei sentindo as lágrimas.
Meu pai tinha razão, eu me apeguei a eles. Todos os dias conversando, rindo e cuidando deles acabou preenchendo um vazio que eu nem sabia ter. Depois que eu sai de casa e comecei a viver por conta própria acabei me tornando uma pessoa fria, fechada... Egoísta..., mas agora eu sei como é bom ter amigos, ter pessoas com quem se importar, ter com quem conversar, com quem rir, com quem compartilhar ideias..., Agora sei como é se preocupar com o próximo e querer vê-lo bem e feliz.
“Esse plano tem que dar certo, precisa dar, pois a vida deles depende disso.”
Essa realidade me atinge fazendo com que minha respiração falhe. Fecho os olhos tentando me acalmar.
“Vai dar certo. Vai dar certo...” Repito várias vezes como um mantra.
(...)
Agora são exatamente oito horas. Meu pai já deve ter ido embora e a Virgo vai aparecer por aqui a qualquer momento... “Assim espero.”
Começo a arrumar as minhas coisas dentro da mochila velha pendurada na parede. Roupas, sapatos, notebook, as chaves da minha casa e as pastas com os DVDs que eu “peguei emprestado.”
“Certo! Agora vem a parte mais difícil, ou talvez a mais problemática.”
As cobaias.
Vou desligar o monitor cardíaco assim que a Virgo chegar. Temos aproximadamente meia hora pra conseguir sair daqui, pois os medicamentos já estão acabando novamente e quando perderem o efeito quero estar bem longe daqui, pro incidente não se repetir.
Não sei como vai ser quando acordarem, não sei qual será a reação deles, pode ser que me matem, pode ser que fujam, ou simplesmente, voltem donde vieram. O fato é que, independentemente do que acontecer depois, eu pretendo levá-los pra minha casa; eu sei que será o primeiro lugar em que os homens do meu pai vão procurar, mas não planejo ficar lá por muito tempo, é só até eu pensar no próximo passo, isso, claro, se eu estiver viva para poder pensar.
Dou uma risada triste e me levanto da cama ao ouvir a porta se abrir.
-Lucy?
-Virgo.
Abro a cortina do meu quarto improvisado e corro para abraça-la.
-Quem bom que você veio. – Digo apertando o corpo dela contra o meu.
-Você disse pra eu vim...
“Tão simplista” Penso achando graça.
-Temos de ser rápidas. – Me afasto para encara-la.
- Certo.
- E não podemos chamar muita atenção.
- Não chamar atenção.
-E sempre tentar desviar das câmeras.
- Desviar das câmeras. - Repete segurando o riso – Relaxa Lucy, estou aqui, então vai dar tudo certo.
-Claro, até porque você é a mulher maravilha – Comento em tom de ironia.
-Eu sou sim, você não sabia? Nas horas vagas eu caço vilões malvados que fazem experiências cruéis em seres indefesos
-Ai nossa...
Quando me dou conta estou com um sorriso no rosto, rindo com ela, e imediatamente me sinto mais relaxada.
-Certo – Respiro fundo para recuperar o fôlego – Vamos começar. Está pronta?
-Eu nasci pronta – Disse tirando a blusa de frio com um movimento rápido.
-Ótimo.
Me afasto dela e começo a desligar os monitores cardíacos, um por um, desconectando-os da tomada. Feito isso, retiro todo e qualquer fio ligado ao corpo deles, inclusive o equipo e o tubo por onde passam os medicamentos e, por fim, removo a agulha os deixando completamente livres.
Respiro fundo me preparando para o próximo passo.
“A partir de agora temos menos de meia hora pra conseguir sair daqui” Penso tentando não entrar em pânico.
Enquanto eu cumpria com a minha parte Virgo procurava lençóis nos armários de metal que ficam do outro lado do laboratório, na parede oposta.
Assim que ela encontrou os lençóis veio ao meu encontro e me ajudou a cobri-los.
Peguei a minha mochila e coloquei-a nas costas. Virgo saiu pra fora e espiou.
- Tá limpo. – Disse abanando as mãos, me apressando.
Peguei a maca do cara de cabelos longos com uma mão e com a outra peguei a maca do de cabelos rosados, ou melhor... Negros.
“Esqueci de voltar a cor original.” Penso mordendo os lábios pra não rir.
- Prometo que se me deixar viver arrumo o seu cabelo. – Cochicho perto da sua orelha esquerda.
Saio pro corredor empurrando uma maca e puxando outra. Minutos depois Virgo faz a mesma coisa, uma maca em cada mão.
- Eu vou primeiro, você me espera aqui. – Digo enquanto me afasto.
No começo andei meio desengonçada, tropeçando e quase batendo as macas nas paredes várias vezes, mas logo peguei o jeito.
Quando cheguei nos pés da escada deixei as macas de lado e subi os quatro lances o mais rápido possível.
Olho em volta e não vejo ninguém, olho para cima, para a câmera me encarando com aqueles olhos vermelhos vigilantes e disfarço continuando o meu caminho em linha reta até sair totalmente do seu campo de visão, porém, paro um pouco antes de dar de cara com outra câmera, uma que fica no segundo corredor.
Estou entre duas câmeras, então posso dizer que encontrei um ponto cego. Me viro pra frente e sigo pra um corredor escuro que também fica no ponto cego. Quando chego no fim desse corredor abro uma porta de madeira e entro.
Aqui dentro tem um elevador desativado, no entanto ele ainda funciona, só está fora de uso por causa das várias reformas que tiveram depois do incidente, e que acabaram deixando ele em um lugar de difícil acesso, ou seja, esquecido.
Apesar de ser um elevador de antes do subterrâneo ser considerado um andar, o elevador possui um botão que o leva pra baixo, pois durante a primeira reforma chegou a ser usado pelos mestres de obra, empreiteiros e pedreiros como um meio pra ir pra lá durante a construção do laboratório.
Com as mãos trêmulas respiro fundo e perto o botão pra descer.
Virgo enfileirou todas as seis macas em frente ao lugar onde o elevador iria descer, que é em um canto escondido atrás das escadas.
- Quanto tempo ainda temos? – Pergunto.
- Onze minutos. – Responde
Empurro a maca da garota de cabelos brancos pra dentro do elevador a encostando bem no cantinho.
Imaginei, obviamente, que não caberiam todas as macas dentro do elevador. Então, mesmo que seja ainda mais arriscado, decidi que faríamos três viagens.
Virgo acomoda a maca do de cabelos longos perto da outra. Aperto o botão e o elevador sobe.
O silêncio do elevador e o meu nervosismo fazem segundos se transformarem em horas. Fico inquieta, no fundo do elevador, espremida entre as duas macas, balançando sobre os calcanhares e estralando os dedos.
Finalmente o elevador para. Coloco a cabeça pra fora e não vejo ninguém. Rapidamente puxo as macas pra fora e corro, sempre tentando permanecer no ponto cego. Quando chego perto de uma câmera respiro fundo e tento agir o mais normal e calma possível, enquanto caminho lentamente em direção ao escritório do meu pai.
Deixo as duas macas lá e a minha mochila, e tranco a porta, com uma chave extra que eu ganhei do meu pai meses atrás e volto “tranquilamente” para o ponto cego, o elevador.
No escritório do meu pai tem uma segunda porta, perto do banheiro que da pra garagem que fica perto da portaria. Assim que eu trazer todas as macas, vou acomodar os meus amigos no bando de trás do meu carro e no carro da minha irmã, e depois é só ir pra minha casa e pensar no próximo passo. “Isso se correr tudo como eu planejei e não ter nenhum imprevisto”. Penso apreensiva.
É claro que uma garota passeando pelos corredores puxando e empurrando várias macas chamaria a atenção, mas durante a noite tem poucos funcionários e se eu agir com calma e naturalidade os seguranças vão pensar que estou apenas fazendo o meu trabalhando, seja lá qual for.
“Pelo menos é o que penso... Espero estar certa.”
Faço a segunda viagem sem problemas, passo em frente as câmeras com calma, deixo as macas no escritório do meu pai e volto, porém, algo inesperado acontece durante a última viagem.
As duas últimas macas são a do rosado e a da garota de cabelos azuis.
Virgo me ajuda com as duas últimas macas e sobe pro primeiro andar pra me esperar no escritório do papai. Ninguém vai desconfiar de nada, pois somos filhas do dono do escritório.
O elevador começa a subir pela terceira vez, porém, antes de chegar no primeiro andar dá um solavanco parando logo em seguida.
Fico sem reação encarando as portas fechadas à minha frente.
“O que aconteceu...?” Me pergunto.
Caminho com muita dificuldade entre as duas macas em direção ao painel de botões. Quando me aproximo o suficiente aperto o botão do primeiro andar. Nada. Aperto de novo, com mis força. Nada.
“Ai meu Deus... Do céu.” Penso entrando em pânico.
Aperto de novo, e de novo, e de repente, me dou conta de que estou apertando todos os botões do painel freneticamente.
-Droga! O que está acontecendo? - Gritei
Soco os botões várias vezes até perder as forças. Derrota encosto o meu corpo cansado na maca do rosado e, com as duas mãos apoiadas no espaço vazio do colchão perto dos pés dele choro alto fazendo meu corpo tremer com os soluços.
- Tá tudo dando errado. Está tudo dando errado desde que a mamãe morreu! – Grito com a mente em branco. – Meu sonho era ser veterinária, porque eu amo animais e... – Pauso a minha crise existencial para recuperar o fôlego - ... A vida se perdeu... Eu me perdi, e agora estou presa nesse elevador idiota! – Berro socando o colchão.
Fungo algumas vezes e desvio o olhar para o corpo sobre a maca. Continua imóvel, exceto pela mão esquerda que se move lentamente pelo colchão, tateando o tecido do lençol.
Arregalo os olhos percebendo que os onze minutos que me restavam já devem ter expirado a muito tempo.
- Ele está acordando. – Digo num sussurro, engolindo em seco.
Me afasto da maca assustada batendo as costas na outra atrás de mim.
- Estou presa no elevador... E ele está acordando... E agora? – Me pergunto sentindo o suor brotar em todas as partes do meu corpo.
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