❝Agora você pode não querer sentir nada, talvez nunca tenha desejado sentir algo. E talvez não seja comigo com quem você queira falar sobre essas coisas, mas sentir algo, você obviamente sentiu.❞
— Call me by your name
⚠
Não sei quanto tempo fiquei parado completamente estático, observando-o sentado em minha cama comendo aquela pizza como se fôssemos amigos.
Conversar? Eu não queria conversar. Queria que ele levantasse o traseiro da minha cama e fosse embora. Simplesmente não conseguia entender que tipo de maldição foi lançada sobre mim para os Kim's dessa família estarem tão interessados em me envolver em seus problemas.
Porra, foi só uma transa. Não é isso que dizem sobre fodas casuais? Você goza e depois cada um segue com sua vida como se nunca tivessem se conhecido. Que parte eu tinha feito de errado para ganhar o pacote família da máfia "fode com 1 leve 3?"
— Não quer mesmo um pedaço? — ele perguntou, limpando a ponta dos dedos de molho de tomate em um guardanapo de papel, erguendo as sobrancelhas sugestivamente. — Vai esfriar…
— O que você quer? — Cruzei os braços sobre o peito, mantendo uma distância segura. Não confio em homens lindos de terno, não depois do que Taehyung fez.
— É assim que sou recebido? — Sorriu de canto, parecendo se divertir com minha resposta. Outra atitude comum entre os irmãos: agir como se tudo que saísse da minha boca fosse uma grande piada. — Por que não se apresenta, criança?
Franzi o cenho, incapaz de impedir que uma careta se formasse em meu rosto ao escutá-lo dizer tal coisa. Criança? Ele não parece ser tão velho assim para me chamar dessa forma.
— Pra quê? Você sabe quem eu sou — respondi, desconfiado. Esse homem… é estranho. Ele parecia confortável demais em meu dormitório e sorria como se tivesse o mundo na palma das mãos e pudesse moldá-lo da forma que desejasse.
— Bem… — Ele limpou a boca com o guardanapo. Não que estivesse suja, eu notei, afinal, é basicamente impossível não encarar seus lábios grossos. Maldita seja a linhagem dos Kim's, em vez de uma arma, o pai deles tem um pincel no lugar do pau. — Por que não tenta me provar que estou errado? — propôs, sorrindo novamente como se toda essa situação lhe divertisse, e tive a ligeira impressão de que não era a primeira vez que fazia tal coisa. — Afinal, a pessoa que eu imagino que você é, não é exatamente quem eu espero que seja.
Semicerrei os olhos, desconfiado. Ele estava sendo gentil, mesmo diante de minhas respostas ácidas.
Calmo, sutil, completamente diferente de Jisoo e Taehyung. Ambos tinham a capacidade de dominar o ambiente com sua presença sem precisar mover um único dedo, no entanto, este Kim conseguia acabar com toda a tensão que pairava sobre nós com um único sorriso. Ele não parecia assustador e perigoso como Taehyung ou manipulador como Jisoo, não… Ele possui a perigosa aura angelical capaz de atrair qualquer pessoa que não o conheça para perto e quando fosse tarde demais, estaremos a um passo do declínio.
Ele é o pior dos caras. Aquele em que a gente confia e depois toma no cu.
— Você é o irmão gêmeo de Jisoo, certo? — perguntei e seu sorriso se ampliou.
— Jisoo é a minha irmã gêmea, eu nasci primeiro e aquela abusadinha sem criatividade copiou meu rostinho. Conhece aquela frase: "Copia, só não deixa igual"? Pois é… Ela é tipo meu rascunho — explicou e contive uma risadinha, concordando com a cabeça. Ao menos ele tinha senso de humor, diferente do careta do Taehyung. — Eu me chamo Seokjin — novamente, um riso escapou de seus lábios quando estendeu a mão em minha direção e me encolhi, ainda desconfiado. Provavelmente estava acostumado com esse tipo de reação. — E você é a bonequinha do meu irmão?
— Não! — grunhi, negando com a cabeça. — Meu nome é Jungkook, sou estudante de artes plásticas e visuais, e tenho dezenove anos, não sou uma criança como você tinha dito — o lembrei, desconfortável com sua inspeção indiscreta. — Esse é meu dormitório e você está na minha cama.
"Poderia sair?" pensei em lhe dizer, mas talvez fosse um pouco demais. Ele ainda é um Kim.
— Isso é tudo que tem a dizer?
— O que mais você precisa saber? — Dei de ombros. — Taehyung e eu não somos ficantes, namorados… ou seja lá como vocês mafiosos costumam chamar. Foi só uma transa de uma noite — Já disse isso para tantas pessoas que estou começando a ficar preocupado com suas incapacidades de compreensão.
— E por que você está com o anel dos Slayers? — prosseguiu e o encarei incrédulo. "É sério?"
— Você realmente não sabe?
— Digamos que eu prefiro coletar informações diretamente. Jisoo costuma ter olhos e ouvidos em todo lugar, mas informações podem ser distorcidas… — explicou, brincando com o próprio anel de serpente no dedo.
Era diferente do anel de Taehyung, o seu parecia de ouro. Até mesmo a região onde a tatuagem dos Slayers se encontrava não era a mesma. Taehyung possuía uma imensa cobra com asas nas costas, enquanto Seokjin a tinha tatuada abaixo dos olhos, como se fizesse questão de exibi-la para mostrar a qualquer pessoa que ousasse encará-lo de que era com um Kim que estava conversando.
— Taehyung esteve aqui semanas atrás, eu pensei que tava' me procurando e fui até ele, mas alguns policiais estavam seguindo-o e nos viram juntos — expliquei, me odiando por ter sido tão impulsivo naquele momento. Meus defeitos ainda iriam me matar. — Parece que esses policiais acham que faço parte de vocês e que estou envolvido na morte do líder da Dragon's. Então Taehyung me deu esse anel…
Seokjin suspirou, parecendo tão irritado com essa situação quanto eu.
— Ai, ai… Esse meu irmãozinho… — murmurou para si mesmo, sem desviar o olhar do próprio anel, balançando a cabeça negativamente. — Se ele não tivesse lhe dado isso, talvez a situação estivesse melhor para nós dois. Em algum momento as suspeitas sobre você desapareceriam, mas Taehyung tem a péssima mania de querer assumir responsabilidades que sequer são suas… protegendo um garoto como você dessa forma, confesso que fiquei surpreso.
— Protegendo? — ri debochado. — Não me leve a mal, mas pensei que os Kim's fossem mais inteligentes. Taehyung não está me protegendo, pelo contrário, está se aproveitando da suspeita que os policiais têm sobre mim para me usar como distração enquanto faz- bem… o que costumam fazer.
Seokjin pendeu a cabeça para o lado, enfiando as mãos nos bolsos da calça.
— Diga-me, criança… Você prefere a polícia em seu encalço ou um de nossos homens? — questionou e engoli em seco. "Ele estava me ameaçando?" — Taehyung tentou te manter em segurança do jeito dele… Sei que o fez presenciar aquele pequeno acidente durante a corrida e que deve ter sido assustador para você. Acredite ou não, todos nós já tivemos uma porcentagem de bondade e pureza em nossos corações antes de sermos apresentados a realidade nua e crua do nosso mundo. Lembro-me bem do dia em que ganhei minha primeira arma, eu tinha onze anos, sabia?
Engoli em seco, horrorizado com essa informação. Sequer conseguia absorver o que estava dizendo, não conseguia entender como Taehyung estava me mantendo em segurança me tornando um suspeito da polícia. Nada fazia sentido.
— E-Eu…
— Fui o mais velho, inclusive — continuou, observando-me com pesar. — Namjoon ganhou sua primeira arma com nove anos e Taehyung e Jisoo com dez — seus olhos tinham o mesmo brilho perturbador que dominou a face de Taehyung quando estávamos no racha, observando o fogo consumir o corpo do homem que abusou de Jisoo.
De repente, não tinha mais certeza se ele estava gostando da sensação, se a morte daquele homem lhe agradou ou se a expressão que vi em seu rosto significava outra coisa. Talvez ele não estivesse encarando as chamas, talvez Taehyung estivesse vendo a si mesmo nelas. Seus próprios demônios.
— Sabe o que nosso pai nos pediu para fazer com ela? — neguei depressa, angustiado. — Pois é… você não vai querer saber. Mas, com o tempo, entendemos que é o que deve ser feito e, anos depois, ganhamos nossa primeira tatuagem — ele indicou a serpente com asas abaixo dos olhos. — Você sabe o que elas significam?
— Não… — Sequer imaginei que tinham um significado. Quando perguntei a Taehyung, tudo que me disse soou vago demais, como se fosse um detalhe que não valia a pena ser compartilhado comigo.
— Então, me deixe te contar um segredinho… — Seokjin se curvou em minha direção. — Taehyung deveria ter feito isso, seria mais fácil fazê-lo perder o interesse em nós dessa forma do que levando-o a aquele racha — murmurou, desaprovando a atitude do irmão. Arregalei os olhos quando levou as mãos aos botões em sua camisa social, abrindo-os despreocupado, revelando o peitoral coberto de tatuagens. — São muitas, não? Cada uma delas representa uma pessoa que eu matei. É uma tradição dos Slayers.
Arfei e senti minhas pernas fraquejarem diante de sua revelação, lembrando da recente tatuagem no pescoço de Taehyung e a que vi em seu quadril no quarto da boate.
— Ta-Taehyung, ele… — Esse era o maior medo que eu tinha. A confirmação de que o Kim poderia ser um assassino. Estava lidando com o fato de ser um traficante, mas isso… era demais.
— Ah, Taehy tem apenas três — explicou e a forma como disse "apenas", como se três vidas não significassem nada, fez meu estômago embrulhar. — Ele não é como Namjoon ou como eu costumava ser.
Franzi o cenho, confuso.
— Costumava?
— Digamos que eu estou tentando me redimir com Deus — sorriu constrangido e pela primeira vez a imagem angelical que ele tinha pareceu real. — É cansativo limpar o sangue em meus ternos.
Ah.
— Por que está me dizendo isso?
— Porque não quero que você se torne uma tatuagem — respondeu, e prendi a respiração, assustado. Seokjin sorriu largo, balançando as mãos como se não precisasse ter medo. — Você é um bom garoto, ao que parece. Um pouco sem noção e abusado? Sim. Mas eu quero ajudá-lo a sair dessa situação.
— Não pode estar falando sério — comentei, olhando ao redor, buscando algum indício de que ele poderia estar aqui por outra razão. Quem sabe implantou escutas e câmeras no meu dormitório para vigiar Jimin, ou eu.
— Taehyung tentou afastá-lo de Seul, mas não conseguiu… — desdenhou. — Então, acredite em minhas palavras, Jeon. Porque, se eu quisesse, você não estaria na minha frente agora e sim no porta-malas de um carro a caminho de Daegu.
Engoli em seco, aflito. Ele estava dizendo a verdade. Seus olhos não mentiam e permaneciam sombrios, como se estivesse escondendo um monstro adormecido dentro de si em uma gaiola com correntes de ferro.
— E como pretende me ajudar?
— Não é óbvio? Você recusou a oportunidade que meu irmão lhe deu de voltar para Daegu, sendo assim… Se não pode se afastar do inimigo, junte-se a ele.
— Só pode estar maluco — neguei depressa, exasperado. — Seu irmão é um babaca! Ele me fez assistir… — respirei fundo, tentando afastar a imagem do carro em chamas da minha mente. — Ele colocou todos em perigo naquela noite-
— Você sabe que o plano foi de Jisoo, certo? E que tudo que aconteceu foi organizado por ela... — Seokjin me interrompeu. — Taehyung só estava… lhe dando apoio moral.
— Vocês tem um jeito bem estranho de fazer isso — reclamei e Seokjin sequer negou. — Mas eu não posso… não consigo imaginar qualquer resultado seguro para mim ao fazer uma loucura como essa. Não quero fazer parte disso. Eu contaria tudo a polícia se não soubesse o quão insanos vocês são.
O sorriso de Seokjin se desfez e logo percebi que mais uma vez havia dito o que não devia. Maldita língua!
— Você não precisa ser amigo de Taehyung, não precisa sequer olhar na cara dele, criança — Se aproximou lentamente e não recuei. Que diferença faria? — Odeie meu irmão, odeie todos nós… Não importa. Mas, em hipótese alguma, pense em foder com a nossa família! Entendeu? — concordei assustado, enxergando finalmente o homem que ele era, mas que tentava esconder, ou melhor, conter. — Entendeu?! — esbravejou, me fazendo estremecer ao notar o quão alto ele era.
— S-Sim… Eu e-entendi.
Sua expressão logo se desfez, retornando ao pequeno sorriso gentil e à postura descontraída, relaxando os ombros largos.
— Que bom… Deus não aprova fofoca e traição, criança. Lembra de Judas? — falou, afastando-se tranquilamente e o encarei incrédulo.
“É sério? Qual o problema desses caras?"
— Ahn… Tá legal… — Não sei se isso de fato faz algum sentido, mas não vou contrariar um crente mafioso, esse fator só o torna mais problemático e perigoso.
Seokjin sentou-se outra vez na cama, parecendo satisfeito com nossa conversa, sinalizando novamente para a pizza sobre minha escrivaninha como se não tivesse acabado de me ameaçar.
— Anda logo e senta aí. Preciso te falar mais algumas coisas antes de ir e ver você em pé está me dando nos nervos — gesticulou e sentei na cama de Jimin com cuidado.
O Park sempre foi muito cuidadoso com seu lado do dormitório, se algo estiver fora do lugar terei que lidar com o "diálogo" outra vez e não quero que isso se torne uma rotina.
— Agora, vamos logo ao que interessa — o Kim indicou meu anel antes de morder a pizza com gosto, me oferecendo mais uma vez e neguei. Se tentasse comer provavelmente colocaria tudo pra fora, tamanha ansiedade. — Esse anel aí, eu sei que você já testou — comentou e não fiquei surpreso, afinal, Taehyung sabia sobre o ocorrido, então era de se esperar que seus irmãos também tivessem conhecimento. — Qual foi a sensação? Você gostou, não foi? De ver aquele cara se borrar de medo.
— Eu… — Desviei o olhar, constrangido.
— Se não gostou, me devolva — continuou e neguei depressa, escondendo as mãos no moletom, arrancando-lhe uma risada nasalada.
— Não tive escolha… — argumentei. — Mas não posso devolver, é pra minha segurança, isso-
— Não seja hipócrita — alertou, sério. — Você ficou assustado quando Jisoo matou aquele cara com um acidentezinho, mas também sentiu seu coração bater forte no peito de prazer quando o mesmo medo dominou os olhos daquele homem nas escadas. Estou enganado? — neguei, me recusando a admitir isso em voz alta.
Aquela sensação me apavorou. Não deveria ter gostado, não deveria ter me sentido bem ao vê-lo com medo. Mas senti, porque ele estava com uma arma apontada para à minha cara e, logo em seguida estava se desculpando. Eu fiquei irritado e me senti vingado. Mas não deveria.
— Ah… Esse é o olhar! — Seokjin bateu palma, apontando para mim empolgado. — O olhar de alguém que sabe como Taehyung e Jisoo se sentiram quando aquele homem morreu. Então… Me diga, Jeon, mesmo que não tenha matado alguém, você não hesitou em assustá-lo exatamente como um Kim faria. Você usou o poder da nossa família. O nosso nome pra isso — ditou, me encarando com atenção. — Então, diga-me: você não quer me devolver o anel porque está com medo de perder nossa proteção ou porque está curioso e quer experimentar um pouco mais desse poder?
— Eu n-não… Isso… — Me sentia exposto. Como ele conseguia enxergar e arrancar esse sentimento que estou tentando esconder o mais fundo dentro de mim com tamanha facilidade?
— A história está se repetindo — comentou e pisquei confuso. — Taehyung sempre faz isso… Ele lhe mostra o poder e depois tira ele de você. É viciante, eu sei. Essa sensação não vai embora, você pode lutar contra ela, porém você vai querer mais e se não estiver acompanhado das pessoas certas, ou melhor, erradas, vai acabar se encrencando, como aconteceu com aquele homem nas escadas.
— Aonde quer chegar?
— Eu disse que vou te ajudar, não foi? Você deu sorte, estava planejando te levar pra Daegu no porta-malas, seria mais fácil. Mas, você é corajoso e muito idiota, também, o que provavelmente vai me render boas risadas às custas de Taehyung. Por isso vou lhe dar o benefício da vida.
O que eu deveria fazer, agradecer? Não conseguia entender como isso poderia ser bom para mim.
— O que vou lhe dizer não é um acordo, tampouco um pedido — declarou, verificando as horas no relógio caro de pulso. — Eu vou deixar você ficar com o anel que meu irmão lhe deu e, também, pode experimentar quantas vezes quiser, descubra o que ele é capaz — pisquei confuso, porém alerta, esperando pela parte ruim. Tinha que existir uma parte ruim. — Mas, para ele funcionar e você seguir com sua vida entediante em segurança, precisa ser visto conosco em algumas ocasiões, por isso Taehyung se manteve por perto e lhe convidou para aquele racha, não eram apenas os policiais que iriam vê-los juntos, mas os homens da Dragon's também — explicou e arfei surpreso. Pensei que ele só queria me usar para distrair os policiais. — Então, quando for necessário, você terá que estar ao lado do meu querido irmão para sustentar a mentira que você criou ao contar a todos que é a boneca favorita dele.
"Em alguns meses conseguiremos assumir Seul e tudo estará resolvido. Você poderá continuar vivendo normalmente como sempre fez e permanecerá com nosso anel como um símbolo de… nossa gratidão."
— Eu não quero fazer parte disso, já disse!
— Você já faz parte disso e como me disse, não é uma criança — Ergueu as sobrancelhas, cínico. — Você sabia com quem estava se envolvendo quando fodeu com meu irmão e sabia que Park Jimin era um gângster quando decidiu segui-lo até as escadas e foi pego por aqueles homens. Não fomos nós que o colocamos em perigo por ser visto com um Kim, foi você que fez isso consigo mesmo e escutou o que não deveria. Acha justo Taehyung receber toda a responsabilidade por um descuido seu?
Engoli em seco, odiando o fato de ele estar certo em relação a isso. O único momento em que fiquei em perigo por causa de Taehyung foi durante o racha e talvez este momento sequer fosse válido, visto que o Kim me afastou do acidente e me trouxe de volta ao dormitório, embora tenha me deixado muito assustado. Ele estava fazendo o que disse que faria: me manter em segurança. Do seu jeito torto e absurdamente problemático. Ainda assim, ele estava fazendo sua parte.
— Os holofotes estão sobre você agora, Jeon. E Taehyung não vai conseguir mantê-lo em segurança se recusar tê-lo ao seu lado por alguns minutos. Você precisa tornar essa mentira real. Seja a boneca favorita do meu irmão, ou, ao menos, faça eles acreditarem nisso.
Neguei, teimoso, sentindo as lágrimas ameaçarem escapar ao perceber que não havia qualquer saída para mim.
— N-Não pode me obrigar a isso! O que Taehyung fez foi cruel! E a proteção que este anel oferece… seu po-poder… é o mínimo que eu poderia esperar diante de tudo que vem acontecendo desde que o conheci!
Seokjin se levantou, limpando a gordura dos dedos em outro guardanapo de papel, ajeitando a gravata indiferente ao que estava lhe dizendo.
— Taehyung me disse que você gosta de filmes, certo? — murmurou e o encarei confuso. — Então, vou lhe dizer algo que faça sentido: com grandes poderes, vem grandes responsabilidades.
Entreabri os lábios, incrédulo com sua ousadia em citar um de meus heróis favoritos.
O Kim me deu as costas, caminhando em direção a porta, deixando-me para trás completamente atordoado com tudo que tínhamos conversado.
— Deixei um cartão com meu número na sua mesa — indicou, tranquilo. — Me envie uma mensagem com sua resposta amanhã.
— Pensei que não tivesse escolha…
— Você não tem, mas vou deixá-lo acreditar que sim e lhe dar a oportunidade de aceitar isso de forma… pacífica — sorriu de canto, abrindo a porta. — Boa noite, Jeon. E, ah! Cuidado com a tranca, eu menti quando disse que Park Jimin me deixou entrar.
E, antes que pudesse lhe responder, Seokjin foi embora, contrariando o que havia me dito quando o encontrei no meu quarto. Os Kim's eram iguais, todos eles.
⚠
Sempre escutei piadinhas pelos corredores do campus sobre o fato de toda turma ter um aluno especial, aquele que adora agradar os professores, que sempre levanta a mão para falar mesmo quando não é solicitado e que, às vezes, ousa tentar corrigir os professores. Pois bem, minha turma de Desenvolvimento a Pintura no ateliê da senhorita Sônia, uma brasileira com excelente fluência em coreano e lindos cachos, não era diferente.
Ele se chamava Park Bogum e eu o odiava.
— Não precisa fazer essa cara, Jungkook — Lia me seguia a passos rápidos junto de Yuna, que tentava carregar seus materiais nas mãos, pois a alça de sua mochila arrebentou com o peso. — A senhorita Sônia adorou seu quadro.
— Sim! Ela disse que era original — Yuna tentou me animar e apenas revirei os olhos, entrando no elevador impaciente.
— Aquele garoto trapaceou, vocês viram, não foi? — questionei, cerrando os punhos.
Lia teclou o botão e virou-se para ajudar a amiga.
— Isso é verdade. — Arregalei os olhos ao escutar Hyunjin sussurrar atrás de mim, notando sua presença apenas neste momento. Seu silêncio constante sempre me fazia esquecer que ele fazia parte do grupo. — Eu vi Bogum aplicar aquele spray de secagem sobre o trabalho dele, por isso conseguiu mais tempo para dar mais acabamento e detalhes à pintura. Jungkook não conseguiu finalizar a dele…
— AHÁ! — praticamente gritei, assustando-os. — Eu não disse? Trapaceiro filho de uma-
— Ei, respeite a mãe dele, ela não tem culpa por não ter criado o filho bem — Yuna rebateu e Lia fez uma careta diante de seu sermão.
— Olha… Fazer acusações não é legal. Você precisa aprender a perder, Jeon — Lia rebateu, afastando-se um pouco para alguns alunos entrarem. — Sua pintura estava ótima, mas a dele era melhor.
— Só porque eu não tive tempo de finalizar… — sibilei, descontente. Onde estava seu apoio moral?! — Hyunjin — me virei para o garoto que parecia ter voltado para o próprio mundo concentrado no celular. — Vamos voltar lá e contar tudo à professora Sônia, o que acha?
— De jeito nenhum — negou e meu sorriso logo se desfez.
— Por que não?!
— Porque eu estou com fome e meu sanduíche favorito sempre é o primeiro a acabar no refeitório — respondeu e entreabri os lábios chocado, enquanto Lia e Yuna riam de minha reação.
Então este é o mundo real do qual Taehyung me falou, no qual a justiça vale um sanduíche…
"Porra de mundo."
— Tá legal, pelo visto terei que fazer novos amigos — resmunguei, lançando um falso olhar irritado aos três. — Vou conversar com Ryujin. Eu notei que ela e Chae estavam me encarando durante a aula e certamente devem ter percebido.
— Não deveria fazer isso — Yuna murmurou, e notei que Lia parecia desconfortável.
Logo me lembrei que ambas eram ex-amigas de Ryujin.
— Já te falei que ela ficou toda estranha depois que começou a andar com a esquisitona da Yeji — Lia concordou.
— Ela não é esquisitona — Hyunjin a interrompeu, sem desviar o olhar do celular. As duas lhe encararam de cenho franzido e o loiro suspirou, desviando sua atenção do aparelho para as amigas. — Ela tem estilo e todos os professores gostam dela. Estou dizendo que só porque ela tomou a amiga de vocês não quer dizer que seja uma pessoa esquisita ou ruim.
— Ela deve ser bem pior. Provavelmente uma criminosa, com todas aquelas tatuagens suspeitas, falando nos corredores com alunos mais velhos — Yuna comentou e Hyunjin fez uma careta.
— Ei! Você não acabou de dizer que fazer acusações não é legal? — retruquei e suas bochechas enrubesceram.
— E qual o problema em falar com alunos mais velhos? Vocês estão sendo ridículas — Hyunjin concordou comigo.
— E o que você sabe sobre ela? — Lia cruzou os braços, na defensiva e suspirei aliviado quando as portas do elevador se abriram e os alunos desconhecidos saíram.
Yuna e Lia não pareciam contentes com nossa conversa e logo me arrependi de tê-la começado. Estava claro que falar sobre a antiga amiga delas era como tocar em uma ferida.
Hyunjin saiu do elevador impaciente e o seguimos pelos corredores em direção ao refeitório. Não sabia dizer se estava com pressa para comprar o sanduíche ou irritado com a conversa.
— Ei! Vai ficar calado agora? — Lia perguntou, parecendo irritada com a tensão que nos envolvia. Yuna segurou sua mão e negou com a cabeça, em um gesto sutil para não piorar a situação, parecendo aflita.
Hyunjin parou a poucos metros de distância da entrada do refeitório e se virou, parecendo realmente irritado com toda essa conversa. Nunca o tinha visto assim, sempre que discutíamos ele se mantinha neutro ou fazia piadinhas maldosas para apaziguar a situação, mas nunca perdia a paciência.
— Tudo que eu sei é que não devemos julgar alguém pela aparência — ralhou, baixando o capuz de seu moletom e pela primeira vez consegui ver com clareza o piercing que ele tinha na sobrancelha, escondido pelos fios longos de seu cabelo loiro, quase platinado. Mais estudantes passaram por nós, deixando o corredor vazio. — O que vocês diriam sobre mim se não me conhecessem e vissem isso? — Senti meu coração falhar uma batida no instante em que ele puxou as mangas do moletom, revelando o braço repleto de tatuagens. Mas, não foram elas que me deixaram angustiado e sim as cicatrizes nos pulsos, parcialmente escondidas pela tinta gravada em sua pele.
Yuna cobriu os lábios com as mãos assustada e a expressão irritada de Lia se desfez no mesmo instante. Os olhos de Hyunjin brilhavam devido as lágrimas e a estranha tensão que pairava sobre nós se desmoronou junto com o muro que separava nosso grupo. Não éramos mais simples colegas de classe que apenas faziam trabalhos juntos, éramos mais agora.
No entanto, ele não nos deu chances de lhe responder, apenas se virou e foi embora. Fiz menção de fazer o mesmo, para me certificar de que estaria bem, mas Lia me conteve e negou com a cabeça, correndo atrás dele, seguida por Yuna. Elas precisavam desse momento com ele, para se desculpar.
Engoli em seco e entrei no refeitório, buscando pelo sanduíche favorito dele. Era tudo que eu podia fazer agora.
⚠
O sanduíche de Hyunjin estava na minha frente sobre a mesa do refeitório, ao lado do meu celular, com a mensagem de um número desconhecido brilhando na tela:
[Desconhecido] 11:35 AM
"Criança, não se faça de difícil e me dê uma resposta logo."
Que diferença isso faria, sinceramente? Kim Seokjin era um homem estranho. Eu não o odiava e o medo que sentia parecia irreal em alguns momentos, visto que estranhamente simpatizei com ele após perceber que estava tentando me ajudar de alguma forma e que conhecia a famosa frase do "Homem Aranha". Ele merecia alguns pontos por isso.
Eu tinha preocupações demais se acumulando sobre mim e não sei quanto tempo vou suportar lidar com todas elas. Talvez ceder e seguir as instruções do Kim seja a melhor opção. Não havia escapatória de qualquer forma.
— Nossa, você tá com uma cara péssima — Seulgi noona se sentou na minha frente, bebericando um suco de caixinha de tomate enquanto comia um bolinho de alecrim. Só ela gostava dessas coisas estranhas.
— Parece que viu um fantasma — Mingyu concordou, tentando roubar o sanduíche de Hyunjin, mas tomei de sua mão. — Um fantasma estressadinho e egoísta. Eu dividi minhas batatas fritas com você!
— Você só me deu uma e negou o ketchup! — respondi e Yugyeom que acabara de chegar com Hoseok Hyung, começou a rir, concordando com a cabeça.
Felizmente ele tinha uma boa alma e comprou sanduíches para todos nós.
— O que houve? — perguntou, me entregando um sachê de ketchup.
Suspirei, incerto sobre o que poderia lhes contar. Já tinha envolvido Hoseok nessa história ao lhe dar detalhes sobre os últimos péssimos acontecimentos em minha vida. Porém, meus amigos sabiam sobre meu lance com Taehyung, afinal, estavam na boate quando tudo aconteceu.
Olhei ao redor cauteloso, me certificando de que "Park ladrão de amigos Jimin" não estava aqui e me inclinei na direção deles, rindo quando todos fizeram o mesmo, os olhos brilhando, prontos para escutar a fofoca.
— Kim Seokjin me visitou noite passada — sussurrei e Seulgi engasgou com o suco de tomate, o que foi bem estranho e nojento porque parecia que ela estava cuspindo sangue, enquanto Yugyeom e Mingyu apenas fizeram uma expressão engraçada.
Hoseok permaneceu em silêncio, as sobrancelhas se unindo preocupadas e os lábios se curvando para baixo, evidenciando que não estava contente com essa notícia. Ele era transparente demais.
— Você é um filho da puta sortudo — Mingyu roubou meu ketchup. — Dois Kim's na sua cola!
"Tecnicamente, três", pensei e não tenho certeza se isso é motivo de orgulho.
— O que ele queria? — Seulgi perguntou, limpando-se com a manga da camisa de Yugyeom, que lhe deu um empurrão ao notar sua atitude.
Nem mesmo quando eu estava falando de algo sério eles deixavam de ser um bando de arruaceiros.
— Aconteceu um mal entendido depois que Taehyung e eu… Vocês sabem — sorrisos maliciosos dominaram os rostos de meus amigos e revirei os olhos. — Então ele me deu esse anel, que é praticamente uma forma de proteção até tudo ficar bem. Mas… Digamos que pra funcionar, eu preciso ser visto com eles em alguns momentos e o Kim disse que iria me dizer o que fazer para me ajudar…
A expressão desconfiada de Hoseok ficou ainda pior. Ele não confiava em uma só palavra dos Kim's. Desde o início, lá na lanchonete, o Jung se mostrou contra minha aproximação e sempre demonstrou ser contra a relação de Yoongi com os Slayers.
— Então é isso? Agora você vai fazer o que ele mandar? — Yugyeom perguntou e dei de ombros.
— Eu não tenho muita escolha… Se quero que este anel funcione, as pessoas precisam ver que os Kim's realmente possuem alguma relação comigo. É a melhor alternativa.
Precisava admitir que seria suspeito nunca ser visto com eles e ter sua proteção, isso apenas manteria as gangues rivais de olhos em mim com intenções de tirar a prova se o anel era verdadeiro ou não. E com certeza o que eu menos quero é outra arma apontada para mim.
— Esse anel pode nem funcionar — Mingyu comentou, avaliando a joia com curiosidade. — E se for uma desculpa para você obedecer eles? Talvez Taehyung esteja interessado em você e isso seja um novo tipo de coleira gângster.
Seulgi fez uma careta com a suposição de meu amigo e não o julguei porque eu provavelmente pensaria a mesma coisa em algum momento.
— Ele funciona… Eu testei — sussurrei e dessa vez Hoseok me olhou irritado. Ele não queria que eu lhes contasse. — Um cara tentou me machucar e quando viu o anel, fugiu. Vocês precisavam ver, a forma como ele se desculpou e me deixou ir embora — ri soprado, evitando entrar em detalhes.
— Você tá certo, eu precisava ver — Yugyeom disse, cético e Mingyu balançou a cabeça, concordando.
— Eu acredito — Seulgi noona murmurou, séria. — Essa galera é barra pesada. Sabiam que muitos se identificam pelas tatuagens? Por que não poderiam fazer isso com este anel?
Sorri para ela, aliviado. Os dois trocaram olhares incertos e apenas deram de ombros.
— É por isso que preciso fazer o que o Kim disse. Não tenho outra escolha.
— Agora eu acho que você está mentindo — Seulgi me interrompeu, intercalando o olhar entre mim e Hoseok, que permanecia quieto, percebendo que havia algo de errado. O Jung com certeza me daria uma bronca mais tarde. — Seus olhos brilharam ao falar sobre isso, Jungkook. Acho que está usando a ajuda do Kim como desculpa para testar o anel mais uma vez. Você gostou.
Maldito seja seu talento para o curso de Jornalismo.
— Tá legal… Eu admito que foi diferente. Mas não tenho certeza se gostei ou apenas fiquei… Grato por não ser morto — sussurrei, constrangido. Falar sobre isso ainda me assustava, porque não queria ser esse tipo de pessoa, que se diverte em ameaçar outras, amedrontando-as. — Eu nunca tive a chance de viver fora das rédeas do meu pai e tenho uma liberdade insana nas mãos, tipo, literalmente — indiquei o anel. — O que vocês esperavam?
— Que não fizesse acordos com mafiosos — Hoseok resmungou e o encarei irritado. — E nem fodesse com eles — ele iria esfregar meu erro na minha cara pelos restos dos meus dias. Sua expressão dizia: "eu te avisei" e não existe sentimento pior no mundo do que esse.
— Não farei isso! — me referia a ir para a cama com o Kim. Depois do que aconteceu naquele racha e descobri o quão perigoso Taehyung é, quero evitar ao máximo me envolver intimamente com ele. Ser visto ao seu lado é uma hipótese com a qual posso lidar, mas arriscar algo mais é perigoso e não posso permitir que meus sentimentos assumam o controle.
— Deixe ele — Seulgi noona revirou os olhos, esvaziando seu suco de tomate. — Se eu fosse você, Jungkook, aproveitava. Não é todo dia que um puta mafioso te dá um anel como esse. E se terá que seguir algumas regras dos Kim's, nada mais justo que faça uso do anel.
— Aish… Não fala isso — Esfreguei os olhos, incerto. Embora eu pense da mesma forma em alguns pontos, ser encorajado é pior do que imaginei. — Eu tô igual aquele pinguim nesse momento.
— Como assim? — todos questionaram e comecei a rir com o pensamento.
— Não me empurra que eu já tô na beira... — cantarolei, arrancando-lhes uma gargalhada divertida.
— Só faça o que for melhor para você — Mingyu jogou o braço sobre meus ombros. — Estaremos aqui para recolher os cacos.
Não me senti muito motivado. Não queria ter cacos para serem recolhidos.
— E se tiver que fazer alguma besteira, que seja com o gostoso que tá vindo até aqui — Yugyeom sorriu largo e pisquei confuso, virando-me para saber para quem estava olhando e, inevitavelmente, um sorriso também surgiu em meus lábios.
Christopher Bang caminhava em nossa direção com as sobrancelhas erguidas, jaqueta de couro e uma deliciosa calça justa que marcava bem demais suas pernas.
Puta merda… Eu precisava logo de um momentinho com ele.
— Como foi o encontro? — Hoseok aproveitou a deixa para mudar de assunto rapidamente, antes que BangChan nos alcançasse e ri quando mais uma vez todos se inclinaram em minha direção.
O que viramos, um bando de fofoqueiros?
— Foi muito bom — sorri ao me lembrar de como nossas conversas fluíam bem e ele sempre sabia como me provocar. — Mas nada aconteceu… a gente só flertou…
— E isso é ruim? Lembro que todos os seus encontros eram assim no colégio — Mingyu comentou.
— E ele odiava todos — Seulgi pontuou e concordei.
— Dessa vez eu gostei, ele foi incrível, mas… Ah, eu tava' esperando um pouquinho de atitude — confessei, constrangido.
— É porque você está mal acostumado. Sabe, com um mafioso gostosão que sempre que te vê age como se estivesse louco pra te foder — Hoseok alfinetou e senti meu rosto esquentar, envergonhado.
— E qual o problema? Eu amaria um parceiro de foda — Yugyeom queixou-se e todos começaram a rir, disfarçando quando BangChan os cumprimentou e se sentou do meu lado, sorrindo de forma adorável, quase me fazendo sentir mal por ter reclamado de nosso encontro.
— Eu gosto de esperar — Hoseok comentou tranquilamente, não deixando em evidência que estávamos falando dele. — Sabiam que Yoongi e eu só nos beijamos depois de um mês? Eu estava inseguro e mesmo sendo um galinha, ele teve paciência comigo…
— Eu também prefiro ir devagar — BangChan comentou e formei um biquinho com os lábios, pensativo. Também costumava ser assim. Na verdade, ainda penso dessa forma em alguns momentos. Quero um relacionamento como dos livros, filmes e séries que amo, quero alguém que sempre demonstre o quanto sou especial e que me mime de todas as formas melosas possíveis. Alguém que olhe apenas para mim e que não me veja como um lance casual.
Mingyu sorriu triste e Seulgi abraçou Hoseok de lado, acariciando seus cabelos.
— Você vai encontrar alguém que te faça feliz um dia, Hyung — falei e BangChan continuou nos observando, curioso. — Ou então, pode ser feliz sozinho, você não precisa de outra pessoa pra isso e... Existem muitos caras legais por aí, também.
— Como eu — BangChan brincou e o encarei aborrecido, negando com a cabeça.
— Você não.
— Por quê? — ele riu diante de minha fala, inclinando-se para perto, me fazendo sentir seu perfume amadeirado. Porra, era bom. — Por acaso… Tem alguém interessado em mim?
— Talvez tenha… — sussurrei, mordendo o lábio inferior ao sentir sua mão alcançar minha coxa, apertando-a levemente. — E talvez você perca a oportunidade por ser lerdo demais para tomar uma atitude — provoquei, erguendo as sobrancelhas, escutando as risadinhas provocativas de Yugyeom e Mingyu.
Christopher umedeceu os lábios com a língua e percebi que ele também estava se contendo há tempo demais.
Talvez ele fosse um romântico incurável e gostasse de ir devagar em seus lances como eu, ou, só estivesse fazendo pose para parecer um cara romântico. De qualquer forma, eu sei que ele me deseja e que um beijo não vai estragar tudo.
— Te encontro no terraço do prédio de Artes depois das aulas, hoje — sussurrou, para que apenas eu pudesse ouvir e concordei depressa com a cabeça, me lembrando dos boatos sobre o que os estudantes costumavam fazer no terraço após as aulas.
"Finalmente."
⚠
Meu celular não parava de vibrar com mensagens de Seokjin e Taehyung, o que me deixou ligeiramente preocupado. No entanto, me encontrava em uma situação na qual não podia sequer respondê-los.
Minhas mãos estavam sujas de argila e Yuna não parava de rir do que deveria ser minha suposta escultura teste. Um desastre. Embora divertido.
Não era difícil, mas as mensagens continuavam chegando e isso estava me distraindo totalmente das explicações do professor Noel, nome este que para mim combina perfeitamente com o velhote barrigudo com menos de um e sessenta de altura, barba branca semelhante a do papai noel e que parecia amar com todas as forças o suéter vermelho que ganhou de sua esposa, pois não parava de comentar sobre isso.
O celular vibrou mais uma vez e franzi o cenho ao ler de relance algumas das mensagens dos Kim's.
[V] 15:22 pm
"Você tem um terno, boneca?"
[V]15:25 pm
"Não qualquer terno, mas um que diga: eu sou o mais gostoso nesse jantar, olhem para mim.
Quer dizer, o segundo. Porque eu serei o mais gostoso."
[V]15:29 pm
"Então. Você tem?"
[Kim do bem] 15:30 pm
"Jungkook, se o Taehyung perguntar diz que você tem um terno caro e lindo, O.K? Não deixe o idiota do meu irmão pensar o contrário porque ele tem péssimo gosto para roupas.
Eu cuido disso!
Qual seu tamanho?"
Que merda de perguntas eram essas, afinal? Pra que eu precisaria de um terno?
— Quem é V? — Yuna perguntou e sujei o celular ao pegá-lo rapidamente, impedindo-a de ler toda essa baboseira.
— Aquele cara que eu falei — dei de ombros e ela me encarou preocupada, porém a distraí facilmente quando lhe mostrei o que deveria ser uma xícara de argila que mais parecia com um apito gigante, arrancando-lhe uma gargalhada jovial.
Desliguei meu celular e ignorei as mensagens, voltando a me concentrar na aula, tentando executar as instruções do professor Noel.
Eram quase cinco da tarde quando minhas aulas acabaram. Eu adorava as disciplinas, porém, ficava exausto ao fim do dia. Felizmente, senhor Feng me dispensou do trabalho esta noite.
Estava saindo do meu prédio, prestes a ligar o celular quando vi BangChan apoiado na parede ao lado do elevador, buscando por alguém entre os estudantes com o olhar e, quando me viu, um sorriso largo e brilhante dominou seus lábios, gerando um estranho, porém agradável, calafrio em minha barriga.
— Pensei que iria me dar um bolo. — Ele fingiu estar chateado e arregalei os olhos ao me lembrar de nosso possível encontro no terraço do prédio. Fiquei tão distraído pensando nas mensagens dos irmãos Kim que acabei me esquecendo totalmente. — Ah, não… Você está fazendo aquela cara, sabe, de quem acabou de se lembrar.
— Desculpe, Chris… — sorri constrangido. Não queria mentir para ele, BangChan tem sido bom para mim desde que cheguei a universidade.
Inesperadamente, outro sorriso surgiu em sua face e pisquei incrédulo quando ele se aproximou um pouco mais de mim, beijando minha bochecha, me fazendo corar com sua atitude.
— Estará totalmente perdoado se continuar me chamando dessa forma…
— Chris? — Sorri sugestivo e ele concordou. — Se você insiste…
— Perfeito! Agora venha, temos que ir ao terraço antes dos inspetores e seguranças fecharem o prédio. — Ele segurou minha mão, indicando as escadas, provavelmente por ter acreditado em minha mentira dias atrás sobre manter a boa forma.
— Mas como vamos sair depois? — questionei receoso e BangChan apenas ergueu as sobrancelhas de forma atrevida, me deixando cada vez mais curioso sobre o que os estudantes faziam lá em cima.
— Você não vai — retesei ao escutar a voz aveludada tão bem conhecida por mim logo atrás de nós.
BangChan se virou, confuso.
Taehyung sorriu minimamente, soprando a fumaça de seu cigarro lentamente enquanto o observava com cautela, os olhos atentos às tatuagens visíveis na pele de BangChan, como se estivesse buscando indícios de alguma gangue criminosa como a dele. Cerrei os punhos, irritado com sua intromissão e acusação silenciosa. Christopher não é como ele.
O Kim retirou a outra mão do bolso da calça e ergueu o celular, mostrando quantas mensagens e ligações ele tinha feito para mim e que foram ignoradas porque desliguei o aparelho. Ele não parecia irritado, apenas… Cansado, como se estar aqui na minha frente lhe exigisse muito esforço.
— Detesto arruinar a aventura de vocês, mas temos um compromisso agora, boneca — murmurou, levando o cigarro em direção aos lábios novamente, sequer olhando para mim enquanto falava, mantendo os olhos felinos fixos em BangChan, que também o observava com cautela. Talvez ele soubesse que Taehyung era um mafioso barra gângster, afinal, sabia de muitas coisas a respeito disso por aqui.
— Não pode fumar aqui, cara, é um local proibido — disse por fim e arregalei os olhos, temendo que Taehyung enxergasse sua repreensão como um confronto.
No entanto, o Kim apenas ergueu as sobrancelhas surpreso, encarando a placa de proibição a poucos metros de nós, gesticulando outra vez para meu celular e rapidamente o peguei, lendo brevemente as mensagens de seu irmão e do próprio, informando que iriam me buscar para comprar um terno.
"Oh… Ele tentou avisar, ao menos."
— Entendo… Desculpem-me — O loiro sorriu, tragando uma última vez antes de apagar a ponta do cigarro despreocupadamente, aproximando-se de BangChan, colocando a bituca no bolso de sua camiseta. Engoli em seco diante de sua atitude, notando o instante em que Christopher trincou o maxilar e antes que ousasse tentar alguma coisa, o Kim lhe deu as costas. — Vamos, Jungkook, eu não tenho muito tempo.
— Ahn… — O observei se afastar em direção ao carro escuro estacionado próximo ao prédio e me virei para BangChan. — Desculpe, eu preciso ir… Ele, hum… — Merda, o que eu deveria dizer?
— Tem certeza? Esse cara é estranho — perguntou, parecendo preocupado e apenas concordei.
— Ele é um pé no saco, mas está me ajudando com… um problema… então preciso ir. — Pelo menos não estava mentindo completamente. — Desculpe.
— Relaxa — BangChan suspirou, conformado. — Se ele 'tá te ajudando, você precisa ir. Podemos nos encontrar em outro momento.
Concordei depressa, me desculpando uma última vez por deixá-lo sozinho, correndo em direção ao carro preto em que Taehyung tinha entrado, notando que mais uma vez ele não estava com seus guarda costas.
— Você precisava mesmo vir hoje? Eu tinha planos, Dementador — resmunguei e Taehyung ergueu as sobrancelhas inquisitivo. — Fala sério, agora você está indo longe demais, Kim! Nunca assistiu Harry Potter? Não teve infância?
Taehyung revirou os olhos, ignorando outro de meus ataques nerd e prendi a respiração quando ele o ligou o carro e segurou o volante, atraindo minha atenção para a recente tatuagem em sua mão.
"Cada uma delas representa uma pessoa que eu matei. É uma tradição dos Slayers", lembrei das palavras de seu irmão e não pude deixar de pensar quem teria sido sua vítima e os motivos que o levaram a isso.
— Você não vai querer saber o que eu fazia enquanto você assistia Disney — foi tudo que respondeu, dirigindo para fora do campus da universidade tranquilamente.
Me remexi desconfortável, desviando o olhar da tatuagem de uma flor de lótus em sua mão para a janela.
— Hum… Desculpe, eu não queria-
— Você está bem falante para alguém que não queria olhar na minha cara — brincou e mordi o interior da minha bochecha. Ele estava certo, mas não conseguia ficar calado perto dele. — Relaxa, boneca, não é como se eu fosse Edvard Munch — falou e arregalei os olhos, me virando subitamente no banco para encará-lo melhor, surpreso.
Taehyung me observou com o canto dos olhos, confuso com minha atitude repentina.
— Edvard Munch? O pintor que teve uma vida repleta de traumas? — questionei e foi a vez de Taehyung me lançar o mesmo olhar surpreso.
— Ora, ora… Então você não é tão ignorante assim, boneca — Sorriu cínico e revirei os olhos.
— Eu sou estudante de artes visuais e plásticas, esqueceu? E como você entende sobre isso? — insisti e o Kim apenas deu de ombros, como se isso não fosse importante.
— É esperado que eu saiba sobre essas coisas, fazendo o que faço… — respondeu e pisquei confuso.
— E desde quando ter um diploma em artes virou requisito para ser um mafioso? — retruquei e o loiro riu divertido, jogando os fios para trás, atraindo minha atenção novamente para a tatuagem. Era bonita, combinava perfeitamente com sua mão grande.
— Digamos que eu sou uma exceção… — murmurou e gesticulei para que explicasse, estava curioso. — Sou um grande fã de quadros e às vezes eu gosto tanto deles que decido tomá-los para mim.
— Tomá-los… Ah! — entreabri os lábios, lembrando que Yoongi Hyung havia me dito que o Kim financiava roubos de artes.
— Isso te incomoda, boneca? — provocou. Ele não se importava, mas parecia interessado em minha resposta.
— Imagina, claro que não me incomoda pensar que paguei uma grana para ir ao museu quando a Monalisa estava aqui em Seul e provavelmente era falsa! — respondi, irônico, embora verdadeiramente preocupado.
Que tipo de fã de quadros faz algo assim? Ele era o que, uma nova espécie de sasaeng?
— Eu não tenho a Monalisa — comentou e o encarei desconfiado. Não acredito em uma palavra sua. — Mas irei anotar sua sugestão.
— Não ouse! — protestei, fazendo-o rir novamente. — Isso… não é perigoso? Tipo… As pessoas não sentem falta dos quadros?
O sorriso do Kim se ampliou e um calafrio percorreu minha espinha.
— Quem sabe um dia eu te mostre.
— O quê?
— Meu hobby — respondeu, me deixando ainda mais confuso e curioso. Que hobby?
O Kim não permitiu que eu lhe perguntasse e parou o carro para que uma mulher com um carrinho de bebê pudesse atravessar. Assim que ela pisou na calçada e uma dupla de garotos tentou aproveitar a oportunidade para fazer o mesmo Taehyung acelerou, assustando-os, rindo ao observar suas expressões pelo retrovisor.
— Que cruel… — comentei.
Ele continuou dirigindo por alguns minutos, estacionando finalmente em frente a uma loja com a fachada de vidro e tapete vermelho na entrada, me fazendo arregalar os olhos ao ver a logo imensa da Versace na porta.
— Puta merda… Por que estamos aqui? — perguntei, retirando o cinto e piscando confuso quando Taehyung deu a volta no carro e abriu a porta para mim. — E por que está sendo um cavalheiro? Isso é uma tentativa de se redimir comigo por ser um babaca no racha?
— Eu deveria me desculpar por abrir seus olhos para a vida real? — retrucou, caminhando em direção a loja com as mãos nos bolsos da calça, me deixando para trás.
— Ei! — o segui apressado e irritado, alcançando-o a tempo de ser recebido por uma mulher bonita com um sorriso treinado no rosto.
— Seja bem-vindo, senhor Kim. Estamos fechados hoje como pediu — falou e a encarei desacreditado. Ele tinha mesmo ordenado tal coisa?
— Eu lhe agradeço, Debby — Taehyung sorriu de canto e, ao notar o rubor nas bochechas da mulher, logo soube porque ela seguiu suas ordens tão bem. — Venha, boneca — chamou, entrando na loja e um xingamento entalou em minha garganta ao pisar no lugar, me deparando com a belíssima estátua da medusa no centro do hall de entrada.
A Versace não era conhecida como uma marca luxuosa sem razões. Sua logo exibia poder e não precisei me esforçar muito para compreender os motivos de provavelmente ser a marca favorita do Kim. As serpentes no lugar dos cabelos da estátua pareciam combinar perfeitamente com os Slayers.
— Por que estamos aqui? — sussurrei. Tinha um palpite, mas queria ter certeza.
— Você não tem um terno e se vamos seguir o plano do meu irmão, precisará de um — explicou, gesticulando para a mulher se afastar um pouco e não pude deixar de notar seu olhar enciumado sobre mim. O Kim enlaçou minha cintura, pegando-me de surpresa e se inclinou em minha direção, o hálito quente e com cheiro de menta nublando meus sentidos. — Você quis ficar em Seul, não foi? Eu avisei que se fizesse isso teria consequências. Seokjin sabe o que está acontecendo agora, então tudo que lhe resta é obedecê-lo. E se vai ficar ao meu lado, deve estar apresentável...
— E-Eu… — Sabia que teria que fazer isso e estava certo de que assim que visse Taehyung não conseguiria sequer olhar na sua cara. No entanto, aqui estou eu: curioso e tagarela. Como sempre. — Que seja. Mas você não precisa me tocar dessa maneira — afastei suas mãos da minha cintura e caminhei até os cabides repletos de peças de luxo. — Vamos comprar um terno e ir embora, certo? — Taehyung concordou. — Ótimo, farei questão de gastar todo seu dinheiro.
— Não acho que exista um terno por aqui que custe tanto — murmurou, aproximando-se da mulher que nos dera privacidade para conversar. — Preciso de algo para ele, o que sugere, Debby?
— Temos excelentes blazers da nova coleção — respondeu e neguei com a cabeça rapidamente.
— Já que estou sendo obrigado a isso, eu irei escolher — sorri largo e Taehyung negou, indicando uma das peças da nova coleção, entregando-a à Debby, que levou até o provador.
Cruzei os braços e peguei uma peça que me chamara atenção.
— Eu não tenho nenhum terno da Versace, Kim... não seja chato — murmurei suavemente, sorrindo mínimo, empurrando-o até que se sentasse em uma das poltronas brancas de couro que havia ali. — Eu escolho!
Taehyung ergueu as sobrancelhas, parecendo se divertir com minha atitude, apoiando o rosto na palma da mão, observando-me com malícia, abrindo as pernas, ficando totalmente largado sobre a poltrona.
— Se eu não aprovar, você não vai levar — desafiou e dei de ombros, resmungando quando ele indicou outra peça a Debby, que rapidamente a levou ao provador. — Por que está aí parado, boneca? Quer se trocar na minha frente? — Provocou, umedecendo os lábios com a língua.
Engoli em seco, odiando a sensação quente em meu baixo ventre. Queria entender porque ele estava agindo dessa maneira, visto que tentou me afastar de si com aquele showzinho cruel no racha.
— Você amaria, não é? — Sorri desafiador, dando-lhe as costas e entrando na cabine que era maior do que as lojas de departamento que já estive, com três espelhos ao redor.
Respirei fundo, escutando a atendente dizer ao Kim que não poderia fumar dentro da loja. Espiei pela fresta da cortina, vendo-o de pé em frente a alguns cabides, escolhendo outras peças para mim com atenção. Debby se aproximou com um sapato preto em mãos e o Kim fez uma careta.
— Ele gosta de botas, então traga algo com algum salto ou… menos brilhoso — disse, verificando os sapatos. — E ele calça quarenta.
Fechei a cortina depressa quando o loiro se virou e quase me viu espiar, surpreso por ele saber o tamanho dos meus sapatos.
Vesti o conjunto cor de areia e me avaliei com cuidado. A calça era justa e marcava bem minhas coxas, porém me fazia parecer mais velho e não sei se gosto disso. Na verdade, sequer sei para onde iremos para escolher uma roupa adequada.
Saí do provador rapidamente e cruzei os braços.
— Para onde iremos, afinal? — perguntei e Taehyung me avaliou em silêncio, parecendo odiar essa roupa tanto quanto eu.
— Um jantar — uma voz suave nos alcançou e estremeci quando Kim Seokjin se aproximou lentamente com um sorriso gentil. Ele vestia um terno cinzento e colete preto sobre a camisa social. — E esse terno está horrível em você. Mas eu vou levar, combina comigo — falou e Debby concordou, buscando o mesmo modelo de tamanho maior.
— Que tipo de jantar?
— Do tipo que meu irmãozinho não suportaria sem uma companhia — respondeu, jogando o braço sobre os ombros do Kim e por uma fração de segundos vi sua expressão endurecida suavizar. — Então… Que bom que eu cheguei, hein? Sabia que faria o coitado se vestir como um cinquentão.
Taehyung o empurrou e ri quando se jogou na poltrona.
— Eu não mandei ele vestir... isso — Ele parecia ofendido com a fala de Seokjin. — Porra, Jungkook, já disse pra você experimentar os ternos que eu escolhi — Taehyung reclamou, girando o anel dos Slayers no dedo, impaciente.
Ao menos não estava fumando, o que é um grande avanço, embora acredite que seja apenas porque Debby lhe repreendeu. No fim, ele ainda tinha educação.
Revirei os olhos e os deixei discutindo sobre o melhor terno sozinhos, entrando no provador novamente, despindo-me e vestindo outro conjunto que gostei. Se terei que acompanhá-lo a este jantar contra minha vontade, irei usar o que eu quiser às suas custas.
— E então? — Saí do provador e sorri de canto, colocando as mãos no bolso. Estava vestindo um belíssimo conjunto escuro com gravata borboleta.
Taehyung fez uma careta, o que arruinou totalmente minha autoestima.
— Esse terno diz que você é um garotinho de dezenove anos mimado pelos pais — comentou e lhe mostrei a língua. — Viu? Acabou de provar meu argumento.
— Eu gostei — Seokjin tentou ficar do meu lado e sorri para o mais velho. Definitivamente ele era o Kim que eu menos desgostava.
— Obrigado. Parece que apenas você tem bom gosto — alfinetei.
— Troque — Taehyung ordenou, nos ignorando.
— Aigoo! Idiota — resmunguei, entrando no provador, despindo-me a contragosto novamente e experimentando outro terno que me agradou, ignorando a peça que o Kim tinha escolhido para mim. — E esse? — perguntei, afastando a cortina.
Taehyung gargalhou e Seokjin cobriu os lábios com as mãos, contendo uma risada.
— O que foi agora?
— Esse terno diz que você é um falso rebelde em busca de atenção — o loiro zombou, gesticulando para me trocar mais uma vez e fechei a cortina irritado, tirando a roupa, aborrecido.
Vesti, então, um blazer preto junto com uma calça escura levemente justa nas pernas e coloquei a camisa social da mesma cor por dentro da calça, deixando alguns botões abertos, finalizando com um cinto prateado. Sai do provador impaciente, caminhando em direção a Taehyung que parecia entretido demais com o celular, sequer me dando atenção quando lhe chamei.
— Kim! — falei e prendi a respiração quando o loiro ergueu o olhar lentamente, avaliando-me com atenção, umedecendo os lábios levemente ao encontrar meus olhos. Suas orbes castanhas brilhavam em satisfação e senti um calafrio na barriga ao vê-lo sorrir de canto.
— Porra... De jeito nenhum, escolha outro.
— Por quê?! — reclamei, cruzando os braços.
— Porque esse blazer está praticamente gritando "me fode no provador" e eu não vou pensar duas vezes em fazer isso.
— Como se eu fosse deixar... — Mordi o lábio inferior, contendo um suspiro idiota que quase me escapou ao escutá-lo dizer tal coisa.
Taehyung sorriu ladino, da forma mais cretina possível, erguendo uma das sobrancelhas ao encaixar o dedo na fivela do meu cinto, me puxando para perto, entre suas pernas.
— Ah, boneca... Você iria implorar por isso.
— É você quem parece estar implorando, sabia? — provoquei, me curvando em sua direção, apoiando as mãos no encosto da poltrona, levando o joelho para o meio de suas pernas, tocando sua intimidade com o joelho.
Um suspiro escapou entre seus dentes e Taehyung sorriu, desviando o olhar brevemente para o irmão, que conversava com Debby sobre os sapatos.
No entanto, antes que ele fizesse alguma coisa ou eu acabasse perdendo o controle, me afastei, verdadeiramente satisfeito ao ver seu sorriso se desfazer.
Não irei mais ceder a ele, tampouco permitir que um desejo me afunde ainda mais em seu mundo. Taehyung estava certo, a realidade em que ele vivia era cruel e mesmo que o acompanhe a este jantar ou seja visto ao seu lado, agora que sei o quão verdadeiramente perigosos os Kim's são, não posso baixar a guarda, mesmo que me sinta atraído por ele.
— Acho que levarei esse, então — disse, alto o bastante para Seokjin e Debby nos escutarem. O mais velho concordou, acompanhando a mulher ao caixa. — E, Kim… Nunca mais ouse me tocar, entendeu? Eu não sou a sua bonequinha e só estou aqui para seguir os planos do seu irmão. Entendeu? — murmurei, me endireitando, afastando sua mão do meu cinto, sentindo meu ego inflar com o olhar felino que ele me direcionou.
— Nunca mais? — perguntou, lenta e tortuosamente, como se estivesse experimentando minha nova regra na ponta da língua e isso apenas o divertisse ainda mais.
Concordei, tentando manter minha expressão e postura neutra, evitando ao máximo lhe mostrar o quão afetado estava com sua análise silenciosa. Então lhe dei as costas e entrei no provador, suspirando pesado ao fechar a cortina.
Taehyung estava me desafiando. Embora não tenha dito nada, consegui notar apenas com seu olhar que não acreditava em uma única palavra que eu dizia. Para ele, minha recusa aos seus toques soavam como uma provocação, porque ele sabia que eu iria ceder em algum momento, sabia que independente de eu saber o quão perigoso ele é, ainda me sinto atraído o bastante para jogar tudo pelos ares.
Porque aquela noite significou algo para mim, aqueles sentimentos ainda me atormentavam e esse desejo não desapareceria depois do que aconteceu. Meu corpo e minha cabeça não estão entrando em consenso e a cada dia que passa eu me pergunto que lado irá vencer.
Felizmente, meus sentimentos não estão nessa batalha, caso contrário, seria uma causa perdida.
Espiei pela cortina, incerto sobre o que fazer. Queria ter saber com certeza se ele estava aqui porque Seokjin ordenou ou porque de alguma maneira desejava me manter por perto, mesmo que tenha tentado me afastar cruelmente.
Queria que ele me contasse suas reais intenções comigo. Porque agora que sei que tudo que fez foi para manter os policiais me vigiando como forma de me manter em segurança. Minha cabeça estava uma bagunça e ainda não conseguia perdoá-lo ou superar o que fez ao me colocar em tamanha exposição e perigo naquele racha.
Eu só precisava entender… O que ele estava planejando. Tudo isso realmente é somente para sustentar minha mentira? Não existe uma única preocupação dentro de si? E por que eu estou tão ávido por isso?
— Maldição… — grunhi. Toda essa situação estava me enlouquecendo. Me sentia irritado comigo mesmo, por mais uma vez estar cogitando uma segunda possibilidade, por não estar fazendo o que disse a mim mesmo que faria quando o visse novamente: ignorá-lo e odiá-lo.
Me irritava ainda mais sua indiferença. Taehyung não se desculpou e estava agindo como se estivesse tudo bem, flertando e lançando olhares maliciosos em minha direção como se uma foda fosse resolver tudo.
Queria irritá-lo e mostrar-lhe que não poderia me ter de novo, que seu desejo por mim nunca seria saciado depois do que fez. Se existia algo que eu pudesse fazer nesse momento seria brincar com seu orgulho.
Sorri, tentado.
E sem pensar direito, arrastei um pouco da cortina do provador, sabendo que ele poderia me ver pelos reflexos dos espelhos e, fingindo estar distraído, retirei o blazer lentamente, sentindo sua atenção sobre mim, desabotoando o restante da camisa social que vestia, permitindo que deslizasse por meus ombros e caísse no chão suavemente.
Escutei seus passos e mordi o lábio inferior, mantendo meu teatro ao fingir que não estava conseguindo retirar o cinto, prendendo a respiração quando o barulho da cortina se arrastando preencheu o local e seu cheiro de menta levemente mesclado a whisky invadiu meus pulmões.
— Precisa de ajuda, boneca? — questionou, tocando meu quadril com os dedos firmes, afastando minhas mãos do cinto, substituindo pela própria, desafivelando-o, perto o bastante para me fazer esquecer completamente o que estava planejando.
— Eu estou bem… — murmurei, erguendo o olhar, encontrando suas orbes castanhas fixas nas minhas, buscando algo em meus olhos que não fazia ideia do que poderia ser. O Kim se aproximou mais, me fazendo recuar até encostar no espelho e ofeguei baixinho quando ele deslizou o nariz pelo meu pescoço com leveza, gerando um arrepio na região, livrando o cinto da minha calça.
— Mesmo? — Taehyung piscou vagarosamente, batendo levemente com o couro do cinto em minha bochecha, sorrindo como o verdadeiro canalha que era ao notar o quão afetado eu estava.
Devia ter pensado melhor antes de provocá-lo. Diferente de mim, Taehyung não é um novato nesse quesito.
"Ele não vale a pena… Não ceda, Jungkook", repeti a mim mesmo diversas vezes, umedecendo os lábios ao notar que ele estava cada vez mais perto.
— Você é lindo, Jungkook. Sabe disso, não é? — sussurrou e pisquei confuso, tentando compreender por que estava me dizendo tal coisa. — É fodidamente gostoso, também. Atraente pra caralho e tão… tão irritante que me faz desejar afundar meu pau nessa sua boquinha linda para mantê-lo bem caladinho. — Puta merda, estava ficando duro. — E eu não me importo de lhe dizer isso, de fazê-lo saber como eu gostaria de fodê-lo bem aqui. Porque eu posso me conter, boneca. E você?
— E-Eu… Você… — Engoli em seco, atordoado com tudo que estava me dizendo. Taehyung não fazia joguinhos, era direto e sincero sobre seus desejos e saber disso apenas me deixava mais enlouquecido com essa situação.
— Mas eu não posso, não é, boneca? Você me proibiu de tocá-lo. Então… — Ele se afastou e odiei a sensação de arrependimento que preencheu meu corpo. — Vista o terno azul que eu escolhi, você irá usá-lo no jantar e não se preocupe, comprarei o blazer já que gostou tanto…
E, sem dizer mais nada, ele saiu do provador, me deixando para trás com uma maldita pré-ereção e arrependimento por ter começado tudo isso.
Taehyung estava me provocando a ponto de me fazer voltar atrás com minhas próprias palavras. Agora, se em algum momento eu desejá-lo, terei que pedir ou lhe dar permissão para me tocar. De um jeito ou de outro, eu estava em suas mãos.
⚠
Desci do carro rapidamente no instante em que Taehyung estacionou em frente ao prédio do meu dormitório.
Durante todo o caminho de volta, fiquei imensamente grato por Seokjin nos acompanhar e passar grande parte do tempo tagarelando sobre o projeto de Jisoo com a nova boate, dando-me oportunidade para ficar em completo silêncio.
Ambos se despediram brevemente de mim e apenas acenei e entrei no prédio com as sacolas em mãos, usando o elevador por estar cansado demais para subir tantos degraus.
Ao entrar, encontrei Jimin jogado na cama lixando as unhas enquanto cantarolava baixinho a nova música de um girl group que aparentemente ele adorava. O Park vestia apenas um roupão e os fios rosados ainda estavam úmidos, evidenciando que havia acabado de sair do banho, embora suas bochechas estivessem muito rosadas.
"Ah, não…", espiei o banheiro, temendo encontrar um desconhecido pelado. Felizmente, estava vazio.
— Para alguém que diz todos os dias o quanto odeia gângsters e vai se afastar, você está cada vez mais íntimo deles — comentou, apontando para as sacolas.
— O que posso fazer? Um deles dorme bem ao meu lado — resmunguei, me jogando na cama, exausto. — E não estou íntimo deles, caso não se lembre do que disse naquele dia, aparentemente sou a boneca favorita de Taehyung. Só estou fazendo isso parecer verdade.
— E por que está me contando o plano de vocês? — perguntou, sorrindo largo e apenas dei de ombros. Jimin é inteligente e esteve presente no momento em que menti. Ele descobriria de um jeito ou de outro.
— Não sei… Às vezes me esqueço que você é como eles.
— Por que uso rosa?
— Porque fala e age com tranquilidade sobre isso… Faz parecer menos pior do que realmente é.
Jimin riu alto, balançando a cabeça negativamente.
— Só é ruim se você for descoberto por quem não deve — comentou e decidi ignorar seu conselho. — Sinceramente, fico feliz que os Kim's estejam envolvendo-o nisso, quem sabe assim não param de ser hipócritas ao me julgar — disse, levantando-se.
— Como assim?
Jimin não me respondeu, apenas retirou o roupão, pouco se importando em ficar só de cueca na minha frente e vestiu uma calça jeans escura junto de um moletom da mesma cor, me deixando ainda mais intrigado quando colocou uma touca preta. De repente, ele parecia outra pessoa sem os fios rosados em evidência e peças de roupa da mesma cor.
— Não me espere voltar essa noite. Tchauzinho, boneca dos Kim's! — gritou, rindo quando lhe mostrei o dedo do meio, saindo do quarto.
Suspirei e cobri os olhos com o travesseiro, sentindo meu celular vibrar no bolso. O peguei e pisquei incomodado com a iluminação, tentando ler as mensagens.
[V] 20:45
"Vou te buscar sábado às 22:00
Não me faça esperar como hoje
E use a roupa que eu escolhi."
[Você] 20:46
"Farei questão de me atrasar se continuar me atormentando durante a semana
E vou vestir o que eu quiser
Má noite pra você!"
[V] 20:46
"Está bravo, boneca?
Porque lhe neguei meu doce?"
[Você] 20:47
"Você se acha demais, Kim
Eu te rejeitei primeiro. Lembra?
E o doce que eu quero não é o seu
Me supera"
[V] 20:48
"Como eu poderia esquecer, vendo-o choramingar de arrependimento no provador?
Como você lidou com aquele incômodo? Sua demora em sair foi notável…
Mas eu entendo, uma putinha safada como você não suportaria esperar, não é?
Estava pensando em mim?"
"Merda!" Joguei o celular longe, respirando com dificuldade ao lembrar do que fiz quando Taehyung me deixou sozinho, da sensação gelada e gostosa que o anel dos Slayers causava sempre que eu me tocava. Eu tinha perdido aquela batalha, realmente tinha perdido o controle.
Para piorar, não sabia o que esperar desse jantar, não fazia ideia do que deveria fazer ao lado de Taehyung e, certamente, não queria descobrir o quão fundo entraria nessa situação quando finalmente fosse visto ao lado do Kim, diante de tantas pessoas, como seu acompanhante.
A única coisa que sabia era que estava ansioso para experimentar aquela sensação de novo, para encontrá-lo e, quem sabe, me vingar de sua atitude no provador.
Já não tinha certeza se estava irritado com ele, ou comigo mesmo.
Porém, se teria que fazer parte disso e estaria ao seu lado em alguns momentos, havia chegado a hora de aprender a lidar com sua aproximação. Taehyung sabia se conter e eu devia fazer o mesmo. Era a única forma de seguir com esse plano sem me prejudicar.
O celular começou a tocar e eu me sentei, atendendo-o impaciente.
— Eu não estava pensando em você! — resmunguei.
— Que pena… Porque eu fiquei pensando em você o dia todo — arregalei os olhos ao escutar a voz suave de BangChan do outro lado da linha e me levantei, assustado.
— Ahn… Desculpe, Chris… Eu só estava-
— Brigando com alguma pessoa? — Ouvi uma risada alta e suspirei, aliviado por ele não ter ficado bravo. — Eu entendo. Mas… Só poderei aceitar suas desculpas com uma condição.
Franzi o cenho, confuso.
— Qual?
— Desce aqui — pediu. Fui até a janela, sorrindo largo ao vê-lo parado em frente ao prédio, acenando para que eu pudesse vê-lo, segurando o que parecia ser o saquinho da cafeteria que fomos.
"Ah, merda… Ele é adorável", suspirei, mordendo o lábio inferior, pensativo. O que eu mais precisava nesse momento era de uma distração de toda essa bagunça, e de alguém que não fizesse parte disso, para que pudesse me lembrar das verdadeiras razões pela qual meu mundo era a melhor opção. A única opção.
— Não prefere subir aqui?
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