Ao acordar na manhã de domingo, Josh notou que estava sozinho no quarto. As camas dos amigos já estavam arrumadas. Coçou os olhos e deu um bocejo, espreguiçando-se em seguida. Ao olhar para o seu despertador no criado mudo à sua esquerda, viu que já passava do meio-dia. Arregalou os olhos percebendo que dormira demais. Fazia sentido, pois só conseguira pegar no sono quando já passavam das três da madrugada. Ficou se remexendo na cama a noite inteira, o cérebro martelando sobre os acontecimentos das últimas semanas. O reencontro com Harry, o beijo com Ricky, o beijo com Harry, o beijo com Ricky novamente, o beijo com Harry novamente, o terceiro beijo com Ricky; o fato de estar apaixonado pelos dois ao mesmo tempo.
Não conseguia entender. Poderia uma pessoa amar duas ao mesmo tempo? Para ele, aquilo existia apenas na ficção, como nos livros de L J Smith e Stephenie Meyer. Será que agora ficaria num conflito com si mesmo, como Elena Gilbert e Bella Swan tendo que escolher entre Stefan e Damon Salvatore e Edward Cullen e Jacob Black, respectivamente?
Balançou a cabeça negativamente, afastando os pensamentos. O que estava pensando? Nem precisaria escolher entre os dois, pois sabia que não ficaria com nenhum. Levantou-se da cama e entrou no banheiro. Abriu a torneira da pia e lavou o rosto, fechando-a em seguida e secando-se com a pequena toalha branca. Parou para pensar nos dois. Harry sempre foi seu melhor amigo; era legal, inteligente, bonito, uma pessoa muito confiável. Mas um dia isso mudou. Agora, parece que o tempo em que andaram afastados serviu para mudar os pensamentos do ex melhor amigo sobre a homossexualidade. Ele voltara a ser o Harry de antes: o melhor amigo e que não tolera bullying.
E quanto a Ricky? Além dele ser lindo, era fofo, gentil, engraçado. E parecia gostar dele. Sem falar que fora o seu primeiro beijo. E aquela frase que o rapaz lhe disse outro dia: Eu vejo uma pessoa perfeita. Nunca alguém lhe dissera isso. O fez se sentir tão especial...
Suspirou e pendurou a toalha de volta no gancho. Despiu-se e tomou um banho de água morna. Terminando o banho, vestiu uma bermuda preta, uma camiseta sem manga cinza e seus chinelos Kenner pretos. Penteou os cabelos, escovou os dentes e passou o creme antitranspirante. Seu estomago roncou de fome. Se encaminhou para o refeitório, encontrando lá sentados numa mesa num dos cantos dos fundos Liam, Gilbert e João. Pegou o seu almoço – um sanduíche e um suco de abacaxi – e foi se sentar com eles.
- Bom dia, gente. – disse.
- Boa tarde, foi o que você quis dizer, não é, Belo Adormecido? – Gilbert respondeu ironicamente.
- Josh, você dormiu pra caramba, hein? – Liam comentou.
- É. Eu... não tive uma boa noite de sono.
- Hum – Gilbert murmurou.
Conversaram normalmente durante o almoço. Tecnicamente, Liam, João e Gilbert conversaram, Josh apenas respondia a uma coisa ou outra. Sua cabeça estava nos dois loiros que roubaram seu coração. Deixou sobrar metade do sanduíche. Já não conseguia mais comer.
- Concorda, Josh?
O moreno piscou algumas vezes, voltando à realidade. Gilbert havia lhe indagado algo, mas o que fora?
- Hã?
- Ouviu o que eu disse?
- Eu... eu... desculpe, eu não ouvi.
- Está tudo bem com você?
- Sim. Está. Por que não estaria?
- Você hoje parece estar viajando – respondeu Liam a ele – Aconteceu alguma coisa? Quer nos contar algo?
Josh engoliu em seco. Sim, eu sou gay, beijei dois garotos esta semana e agora estou apaixonado pelos dois, falou em pensamento. Mas simplesmente negou com a cabeça.
- Não. Nada – levantou-se – Eu vou tomar um pouco de ar. Falo com vocês depois.
Assentiram com a cabeça. Quando ele se afastou, se entreolharam.
- O que tem de errado com ele? – Liam indagou a ambos – Eu notei que desde o início das aulas ele tem estado um pouco estranho.
- Eu também não faço a mínima idéia – Gilbert respondeu – Eu nunca o vi assim antes. E você, João? João? João? – deu uma cotovelada de leve no amigo, que estava quieto, encarando a mesa.
- Oi?
- Nossa, você também?
- Eu ouvi o que você disse – afirmou – Sobre o Josh... Não. Não sei de nada.
***
Josh deixou o refeitório respirando fundo. Ficou andando sem rumo pelo campus, até chegar a uma árvore e sentar sob a sombra dela. Pegou seu celular e os fones de ouvido e ligou a playlist. Não queria pensar em nada no momento, ouvir música poderia ajudar. Fechou os olhos e esvaziou a mente, concentrando-se na canção.
Deu certo. Seus pensamentos voaram, apenas cantarolava a canção, baixinho. Mas isso logo teve fim quando chegou à canção My Love Is Like a Star, de Demi Lovato. Abriu os olhos. Lembrou-se de Ricky cantando-a.
Maldição, por que ele não sai da minha cabeça?, pensou. Bufou, frustrado e parou a musica. Guardou o celular e os fones no bolso da bermuda e se levantou. Deu um suspiro, olhando para o gramado recém-aparado. Ao erguer o olhar, deparou-se com duas orbitas verdes e brilhantes. Ricky estava com os cabelos molhados, a camisa regata cinza encharcada pelo suor. Usava um short verde e segurava uma garrafa de água. Ele havia acabado de sair da academia do instituto.
- Oi – cumprimentou-o.
- Oi – Josh respondeu, a voz mais baixa.
- Você não foi ao salão de jogos ontem. Por quê?
- Ah. Eu... Bem, eu... Eu desanimei. Fiquei sem vontade, desculpe.
- Sem problema. E quando chegamos ao quarto você já estava dormindo.
- É, eu sei. Só estava cansado, só isso.
- Entendo – disse Ricky, olhando para o chão – Eu agora vou tomar um banho.
- Ta – respondeu, apenas.
- Te vejo depois, então?
- Ta – repetiu.
- Ta – Ricky repetiu no mesmo tom e deu as costas a Josh.
O moreno observou o colega de quarto encaminhar-se para o respectivo dormitório. Até que ele parou no meio do caminho. Depois de um segundo, voltou até Josh.
- Josh. Eu tenho que te falar algo.
- O que é? Aconteceu alguma coisa?
- Não. Sim. Eu... Como vou dizer isso? – indagou a si aos sussurros.
- Ricky, o que está acontecendo? O que você quer me contar?
O loiro o encarou e respirou fundo antes de prosseguir:
- Desde que eu te conheci, senti uma coisa. Não tinha certeza antes, mas agora tenho. Principalmente depois que nos beijamos.
Josh piscou. Ele estava querendo dizer o que achava que ele queria dizer?
- Então, quando nos beijamos, foi tão bom. Depois disso, eu tive certeza.
- Ricky...
Mas o jovem o interrompeu.
- Josh. Eu gosto de você. Estou apaixonado por você.
Ricky parou de falar, Josh não respondeu nada. Estava atônito com o que o amigo revelara. Estava apaixonado por ele! Por ele! Não conseguia acreditar.
- Josh, diga alguma coisa. Por favor – Ricky pediu, quebrando o silêncio. – Josh? Você não vai me dizer nada?
O rapaz voltou à realidade.
- Eu... eu... – gaguejou – não faço idéia do que dizer – concluiu em tom baixo.
- Eu entendo – Ricky murmurou – Acho que agora você vai até querer de parar de falar comigo.
- O quê? Não. Por que você acha isso?
- Bem... Você não sente o mesmo por mim. Sente?
- Se eu sinto... Eu... eu...
Fala que gosta dele também, imbecil, você sabe que gosta!, seu consciente gritou para ele. Queria dizer que correspondia, pois era verdade; mas as palavras não saíam. O que havia de errado com ele, afinal?
- Vejo que o seu silêncio é uma resposta – Ricky constatou – Estou fazendo papel de ridículo. Desculpe. Eu vou indo.
- Não, não, espere. É que... você me pegou de surpresa, foi isso.
- Eu sei. Josh, sinto muito se...
- Não se desculpe. Sinceramente, não sei o que dizer. Ninguém nunca me disse isso – uma lágrima caiu do olho esquerdo dele – Ninguém.
- É bom ouvir isso, eu sei – sorriu, enrubescido.
- Ricky – deu dois passos para a frente – Você é a pessoa mais especial que eu conheço. Você é lindo, engraçado, gentil, sensível, fofo; nunca conheci ninguém igual a você.
- Você está querendo dizer que...
- Sim. Sim, eu também gosto de você. Também estou apaixonado – conseguiu colocar para fora.
A expressão de decepção de Ricky foi substituída por uma de alegria muito grande. Josh correspondia à paixão dele! Se aproximou dele e disse:
- Você não sabe o quanto fico feliz em saber disso.
Assim dito, aproximou seu rosto do dele, mas o moreno se esquivou.
- Ricky!
- Ai, droga! Mas que merda que eu ia fazer! Me desculpa. Por um segundo, eu esqueci que estávamos no instituto e que os outros alunos poderiam ver.
- Tem que ser mais discreto.
- Eu sei. Eu vou ser da próxima vez.
- OK.
- Eu queria muito te beijar agora mesmo – murmurou.
Josh sorriu.
- Venha comigo.
***
Chegaram ao quarto que dividiam. Para a sorte dos dois, estava vazio.
- É sempre aqui que nos beijamos – Ricky comentou , olhando para os olhos azuis de Josh.
- É. As três vezes.
- Sua primeira vez – sorriu o loiro, gabando-se. Josh revirou os olhos.
- Eu não te disse antes, mas foi muito especial pra mim. Muito mesmo.
- Não tanto quanto para mim – acariciou os cabelos dele encostou-lhe os lábios. Josh lhe deu passagem na hora e deram um beijo de língua. Pararam para tomar ar e se encararam.
- Eu te amo – Ricky sussurrou.
- Eu também te amo – Josh respondeu e voltou a beijá-lo, desta vez, ele quem comandava. Ao parar o beijo novamente, afastou-se uns centímetros e segurou nas mãos de Ricky.
- Ricky. Quero lhe fazer uma pergunta.
- Faça.
Respirou fundo, tomando coragem para fazer a seguinte pergunta:
- Você quer namorar comigo?
O queixo de Ricky caiu e formou um pequeno O com a indagação inesperada.
- Você... ta me pedindo em namoro? De verdade?
- Sim, eu estou. Olha que eu nem tenho experiência nisso – riu – Eu amo você de verdade. Não consigo parar de pensar em você. Você me faz sentir que... eu valho a pena.
- E você vale, sim. Vale muito. Eu também te amo, Josh. E é claro que aceito ser seu namorado.
Trocaram sorrisos e se abraçaram forte, como se fosse a última vez que se vissem. Beijaram-se mais uma vez. O primeiro beijo de namoro oficial. Quando separaram as bocas, Ricky falou:
- Imagine como os outros ficarão ao saber.
O sorriso de Josh se desfez.
- Saber o quê?
- Que estamos namorando, é claro.
- O quê? Não! Ricky, não podemos contar a eles.
- Por que não?
- Eu ainda não estou pronto, eu te disse.
- Mas Josh, qual é o problema? São nossos amigos. Eles aceitaram o Ben, lembra? Vamos dizer a eles logo. Não tem nada mais que eu odeio do que não ser quem eu sou.
- Ricky, por favor. Eu ainda não estou pronto para contar a eles.
Ricky ficou cabisbaixo.
- Josh. Eu estou do seu lado. Estou aqui para apoiá-lo. Todos eles gostam de nós pelo que somos. Você, principalmente, os conhece tão bem quanto eu. Veja só: todos nós defendemos o Ben do Johnny e os Trogloditas. Aquilo é amizade verdadeira. E só eles saberão, não iremos revelar para o colégio inteiro. Tenha confiança em si.
Lágrimas silenciosas caíram dos olhos de Josh. Ele sabia que os amigos o aceitariam. Mas mesmo assim não se sentia à vontade para sair do armário. Secou as lagrimas e disse:
- Não posso, Ricky. Não agora. Por favor, tente me entender.
Ricky respirou fundo.
- Tudo bem. Eu entendo – coçou a cabeça, encarando o chão – Vou tomar um banho.
Pegou uma toalha no armário, descalçou os tênis e as meias e retirou a camisa, o short e a boxer preta, ficando nu.
- Você está chateado comigo? – Josh perguntou.
- Não. Eu não estou. Eu disse pra você que não tem a obrigação de se revelar. Só o faça quando tiver vontade e estar seguro sobre isso – deu um selinho em seus lábios – Vou tomar um banho. Namorado – sorriu ao dizer esta última palavra, Josh deu um sorriso de canto.
Enquanto Ricky se banhava, Josh pegou uma barra de chocolate pequena, guardada em seu armário. Encarou-se no espelho no interior do móvel, pregado a porta, vendo a face de um garoto reprimido que não se assumia.
***
Sentado no sofá da ala de lazer, Ben se recordava do que vira ontem à noite, no vestiário. Ele não esperava por essa. Pedro era gay, ou talvez bissexual, e estava ficando com Luis. O destino prega muitas peças.
O jovem não estava muito preocupado com a ameaça, apesar de ter sentido um pouco de medo na hora. Não que fosse contar o segredo de ambos, mas, se o fizesse, Pedro seria capaz de fazer algo tão grave como matá-lo?
Balançou a cabeça para afugentar os pensamentos. Ele nunca contaria sobre Pedro e Luis. Agora ele entendia o motivo de Pedro ter sentido um verdadeiro remorso pelo que ajudou Johnny a fazer. Mas por que andava com eles? Medo de que descobrissem? Bancar o machão para que ninguém desconfiasse? Ódio de si mesmo? Por mais que não quisesse, aquelas perguntas permaneciam em sua mente. O pior de tudo é que não podia conversar sobre isso com ninguém. Exceto uma pessoa. Precisava falar com ele. Assim, saiu da ala de lazer e foi procurar por ele em seu dormitório, 2° ano A, quarto 405. Bateu três vezes na porta e um rapaz que ele não conhecia o atendeu.
- Oi. O Luis está aí?
- Não. Acho que ele foi para a sala de música – respondeu o desconhecido.
- Ah, sim. Obrigado.
O jovem saiu do dormitório e seguiu para o prédio principal, subindo até o segundo andar. Adentrou o corredor onde ficava a sala de música e ouviu alguém tocando violino. Abriu a porta de leve avistou Luis Gustavo tocando o instrumento. Entrou devagar; Luis notou sua presença com o barulho que fez ao fechar a porta.
- O que você faz aqui? – perguntou secamente.
- Eu queria falar com você.
- Você vai ficar querendo – respondeu com arrogância.
- Luis, sobre ontem...
- Cala a boca. – o rapaz o interrompeu – Não era pra você estar lá. Você estragou tudo. Se não fosse por você, Pedro não teria terminado comigo.
Ben piscou antes de perguntar:
- Ele terminou com você?
- Sim. E a culpa é sua. – a voz de Luis era uma mistura de raiva e dor.
- Luis, não era a minha intenção, eu juro. Eu só... estava no lugar errado, na hora errada.
- Tarde demais. Meu namoro acabou definitivamente. Ele disse pra mim que era melhor, porque se você nos descobriu, imagine se fosse outro aluno. Imagine se fosse um dos Trogloditas.
- Luis, por favor, me escute. Eu vou guardar o segredo de vocês. E não é pelo Pedro ter me ameaçado. Eu não sou esse tipo de pessoa. Eu sei como é ter que esconder quem você realmente é.
Luis fez uma expressão confusa.
- O que quer dizer?
Ben respirou fundo.
- Eu também sou gay, Luis.
Luis ficou espantado.
- Você? Isso é sério?
- Sim, é sério.
- Uau. Nossa. Eu... não imaginava que... Nunca me disse isso.
- Ninguém sabe, Luis. Só os meus amigos. E agora? Confia em mim?
- Eu... acho que sim. Puxa, eu nem consigo acreditar. Com exceção do Pedro, eu não conhecia mais nenhum gay aqui no colégio. Para mim éramos os únicos.
- Pois é, agora não são mais – sorriu de canto.
Luis guardou o violino no estojo e deixou sobre o piano; sentou-se no banco de couro, Ben sentou ao seu lado.
- Eu sinto muito que ele tenha terminado com você.
- Eu também sinto. O maior medo dele era que alguém daqui descobrisse. Uma vez Bob quase nos flagrou no laboratório de ciências. Foi por um fio. Ele deu a desculpa de que éramos dupla num trabalho de química.
- Entendo.
- Ontem, depois que eu saí do vestiário, o segui. Quando o toquei, ele se esquivou de mim. Falou que tinha dado merda, que era melhor a gente parar – contou, fungando – Eu implorei para ele não fazer aquilo comigo, disse que o amava. Mas ele não deu a mínima. Falou que não podia ficar conhecido como viado do colégio – terminou, iniciando o choro. Ben o abraçou de lado, deixando que afundasse o rosto no seu peito e suas lagrimas molhassem sua camiseta.
- Calma, Luis, não chora. Dê um tempo a ele, vocês conversam com calma depois.
- Mas ele terminou comigo, Ben. Não quer nem olhar na minha cara.
Ben parou para pensar.
- Eu falo com ele.
Luis ergueu o olhar.
- Será que é uma boa idéia?
- Melhor que nada. Eu vou falar com ele que pode confiar em mim e convencê-lo a reatar o namoro com você.
Luis fungou e deu um sorriso de gratidão.
- Obrigado, Ben. Você é um amigo legal.
Ben sorriu para ele e o abraçou.
***
Na academia, Harry se encontrava correndo na esteira, ao som de Best Song Ever, do One Direction, no radio. Não usava camisa; o abdômen bem definido estava exposto e suado, os cabelos molhados. Correu por mais dois minutos até que desativou a maquina e ofegou. Pegou sua garrafa de água na bolsa, bebeu um gole e jogou um pouco no rosto.
Saindo da academia, seguiu para o seu dormitório. Precisava de um banho. Quando saiu do prédio, seu celular tocou; era sua mãe quem ligava. Sentou-se num banco de madeira e atendeu.
- Oi, mãe.
- Oi, filho. Tudo bem com você?
- Sim, e a senhora? – ele sempre a chamava de senhora.
- Estou bem, mas estou com muitas saudades suas.
- Também estou, mãe.
- O que está achando do colégio? Fez amigos?
- É ótimo, mãe. Fiz amigos, sim. Ah, nem vai acreditar: eu encontrei o...
Deixou a frase no ar, sentindo-se triste ao lembrar-se de Josh.
- Oi? Querido, quem você encontrou?
- Hã? O que foi?
- Você quem falou. Estava dizendo que encontrou alguém. Quem foi? Algum conhecido?
- Ah... sim. Encontrei o Josh – respondeu, disfarçando a tristeza na voz.
- Josh? O filho da Emily e do Gustavo? Que ia à nossa casa direto?
- Sim. Ele mesmo.
- Oh, que legal, Harry. Como ele está?
- Ele está bem.
- Que bom saber que você reencontrou seu amigo, meu amor. Puxa vida, eu senti tanta saudade dele. Aliás, você nunca mais me falou dele. Achei que o facebook existia para os jovens não perderem o contato – riu.
Harry fungou uma vez. Um bolo se formou em sua garganta.
- Harry, ainda está aí?
- Ah, sim, sim. Eu estou aqui.
- A ligação ficou muda – a mãe deduziu.
- É, ficou – mentiu – Mãe?
- Sim?
- Quando a gente sabe... – interrompeu-se de novo.
- Quando o quê?
- Nada. Não é nada. Eu tenho que ir agora, vou tomar banho.
- OK, filho. Um beijo. E manda um pro Josh também.
- Eu vou.
Harry foi o primeiro a desligar o telefone. Suspirou passando a mão pelos cabelos ondulados. A pergunta que estava prestes a fazer à mãe, mas não conseguiu ir até o fim dela era: “quando a gente sabe que está apaixonado?”. Sim, isso mesmo. Harry Tyree estava apaixonado por Josh Hale. O amava e queria ele com si. Porém, Josh não o queria mais por perto. Mas Harry sabia que ele o amava também. Podia ver nos olhos dele.
Depois de um tempo sentado no banco, voltou a fazer seu caminho para o dormitório. Ao chegar ao quarto, deparou-se com Josh e Ricky sentados na cama deste primeiro. Ricky tocava uma canção que ele não conhecia em seu violão.
- Oi – deu-lhes um meio sorriso.
- Oi – Ricky sorriu para ele, Josh não olhou em seus olhos.
Harry pegou sua toalha e foi para o banheiro. Abriu a torneira na água fria. Durante o banho, refletiu. Perguntava-se mentalmente se, da noite para o dia, havia se tornado homossexual. Nunca sentira atração por homens antes – não que se lembrasse. Nem sabia dizer se homens o atraíam. Ou seria apenas Josh?
Terminando o banho, secou-se e saiu com a toalha enrolada na cintura. Pegou no armário uma camiseta de mangas compridas vermelha e uma calça jeans escura; vestiu-se e penteou os cabelos. Sentou-se em sua cama em silêncio. Tentou puxar conversa com Ricky e Josh.
- Ricky, posso dar uma olhada no seu violão?
- Claro – respondeu. Harry estendeu a mão para pegá-lo, mas Ricky apenas o segurou no alto – O que está fazendo?
- Você perguntou se poderia dar uma olhada – brincou. Harry revirou os olhos – Brincadeira, toma aqui.
Harry começou a tocar uma música qualquer. Josh e Ricky ficaram impressionados.
- Não sabia que você tocava – Ricky comentou.
- Tive aulas ano passado.
- Legal.
Harry sorriu. Logo começou a tocar uma musica conhecida pelos três jovens.
Lembrei desse sentimento
Gritando dentro de nós
Éramos todos meninos
Em cada um vivia uma paixão
Como na cena de um filme
Vencemos pesadelos, enfrentando os dragões
Criados por nossos medos
Fruto da imaginação
De frente a uma nova era
Na onda de uma canção
Nós construímos história, mente alma e coração
Ricky começa a acompanhá-lo.
Long live the walls we crashed trough
(Vida longa aos muros pelos quais passamos)
How the kingdown litghts shined
(como as luzes do reino brilhavam)
Just for me and you
(só para nós dois)
I was screaming “long live”
(eu gritava “vida longa”)
All the Magic we made
(toda a mágica nós fizemos)
And bring on the Pretenders
(e trazia todos os fingidores)
One day we Will be remembered
(um dia irão se lembrar de nós)
Riram juntos. Era a primeira vez que Harry e Ricky ficavam mais íntimos do que costumavam ser. Não conversavam muito nem aproveitavam tanto a companhia um do outro, fora os momentos em que todos estavam reunidos.
- Gosta da Taylor Swift, Harry? – Ricky perguntou.
- Mais ou menos. Ouço, mas não sou fã.
- Entendi.
- Sou mais a Katy.
- Ah, a Bad Blood?
- Ei, ei, ei, não fala assim dela. A Katy é muito simpática e canta muito.
- Calma, eu sei, só to zoando. Gosto dela.
Josh ficou boiando na conversa. Se sentia intimidado com a presença de Harry. Mas havia uma coisa que queria perguntar a ele. Algo que o intrigava. Mas como fazer aquilo na presença de Ricky? Xingou-se mentalmente por não tê-lo ouvido na oportunidade em que estavam a sós.
Ricky se levantou para pegar o celular na cama; mas não estava ali. Olhou na gaveta do criado mudo e na bolsa, mas não o achou. Seu celular havia sumido.
- Viram meu celular? – ambos negaram com a cabeça – Ótimo. Agora onde está?
- Vê no criado – indicou Josh.
- Acabei de olhar, não está. Ah, droga – pôs a mão na testa – Acho que deixei lá pela academia. Vou lá buscar, já volto.
Saiu do quarto, deixando os dois a sós. Josh olhou para Harry. O loiro deixou o violão de lado e falou ao mesmo tempo que ele:
- Tem uma coisa que quero falar com você.
Riram sem humor.
- Fala você primeiro – disse Harry.
- Ta – pigarreou – Há umas duas semanas, você tinha me dito que perdeu um amigo seu. Eu pensei que você estivesse falando de mim. Mas, ontem, quando você disse que estava feliz em me ver aqui... vivo... Foi aí que eu me toquei.
Harry abaixou o olhar, cabisbaixo.
- E eu quero te perguntar – prosseguiu Josh – Quem foi esse amigo que você perdeu? O que aconteceu com ele?
Harry fechou os olhos com força. Respirou fundo e respondeu:
- Ivan. O nome dele era Ivan. Eu o conheci no colégio em que estudava quando morava em São Paulo. Ele era muito legal. Mas tinha um segredo. E confiou na pessoa errada ao revelá-lo.
Oh, meu Deus, Josh pensou. Ele sabia qual era o final daquela história.
- Ivan contou a um garoto que dizia ser amigo dele que era gay. Ele não o conhecia de verdade. Não fazia idéia do que viria depois. – Harry começou a chorar. Josh sentiu um aperto no coração, pela história e por vê-lo desse jeito.
- O... o que aconteceu com ele?
Harry fungou antes de responder:
- Ele se matou. Se matou por causa do bullying.
Josh deixou cair lagrimas silenciosas. Já ouvira falar de casos de bulicidio, mas nunca testemunhou. Ficava imaginando como alguém tinha a coragem de tirar a própria vida.
- Como?
- Ele roubou a arma do pai dele e foi para a escola. Quando uns garotos começaram a zombar dele, ele sacou a arma e atirou pro alto. Todos se assustaram. Logo em seguida, deu um tiro na cabeça.
Josh pôs a mão na boca, horrorizado.
- Meu Deus. Então é por isso? É por isso que você queria tanto se redimir comigo?
Harry confirmou com a cabeça.
- Quando o boato se espalhou, eu entrei em choque. Eu olhei para ele, o olhar dele tão magoado. Eu dei as costas a ele. Deixei meu orgulho me dominar. Se eu tivesse sido amigo dele, ele não teria se matado. Eu tive que ver isso acontecer. A culpa foi principalmente minha, Josh. Este também foi um dos motivos da minha automutilação.
Josh sentiu arrepios ao se lembrar das cicatrizes e queimaduras nos braços de Harry.
- E aí eu me lembrei de você. De que fiz o mesmo com você. Comecei a ficar paranóico achando que você poderia ter se matado também. Toda noite eu orava por você. Para que estivesse bem. Que isso nunca acontecesse com você. E prometi a mim mesmo que seria uma pessoa diferente. Tirei para sempre esse preconceito de mim.
Mais lagrimas caíram dos olhos de Josh, ele logo as secou e se levantou.
- Você não pode mudar o passado, Harry. Mas saiba que eu não guardo mais rancor de você. E eu sinto muito pelo Ivan – desabafou, soluçando. Harry se pôs de pé e limpou suas lagrimas.
- Eu agradeço muito, Josh. De verdade. Eu prometo que nunca mais irei magoar você. Eu te amo.
Josh piscou, atônito.
- O quê?
- Foi isso que você ouviu. Eu te amo. Eu não queria admitir para mim mesmo. Eu não sei se sou gay ou não. Tudo o que sei é que eu te amo. E quero ficar com você.
Josh engoliu em seco. Agora, não só estava apaixonado pelos dois amigos, como também os dois estavam apaixonados por ele. Sua vida estava, literalmente, de cabeça para baixo.
- Harry... por que?
- Eu não sei. Eu simplesmente amo.
- Não – afastou as mãos dele – Por que somente agora?
- Josh, eu sei que demorei, mas saiba que eu tenho certeza dos meus sentimentos por você.
- Que droga, Harry! Quem você pensa que é? Quem você pensa que eu sou? Eu não sou seu brinquedo, ouviu?
- Mas do que você está falando?
- Acha que é assim? Agora que já estou com alguém você diz que me ama?
Harry ficou em choque ao ouvir aquelas palavras.
- Como assim “estou com alguém”? Quem é que... É o Ricky, não é?
Josh fungou.
- Exatamente. Eu acabei de pedir Ricky em namoro.
Ao ouvir isso, Harry sentiu como se alguém tivesse dado um soco em seu coração. Por essa não esperava. Jamais. Sabia que Josh e Ricky ficaram, mais de uma vez até, mas nunca imaginou que Josh fosse pedir Ricky em namoro.
- Você não pode ter feito isso.
- Ah, e por que não? Por que sou muito tímido? Por que eu sou o garoto que prefere ficar na dele mesmo? Sabe, no dia em que fui me revelar para você, precisei reunir toda a minha coragem. Eu pensei “se eu não o fizer, me arrependerei para sempre”. Quer saber? Acho que teria doído muito menos se eu tivesse continuado sem contar.
- Josh, pare, por favor.
- Você destruiu meu coração, Harry – interrompeu-o – Mas agora eu encontrei alguém que me ama do jeito que eu sou. Harry. Eu amei muito você. Você não faz idéia do quanto eu sofri vendo você namorando com as meninas do colégio. Não sabia o quanto doía eu não poder estar no lugar delas. Tocando você. Te beijando.
- Esqueça o passado, Josh. Eu estou aqui agora. Eu amo você. E sei que você me ama também.
- Harry, eu amo o Ricky...
- Então diz pra mim. Olhando nos meus olhos. Você não sente mais nada por mim?
Engoliu em seco novamente. Eu ainda te amo, sim, gritava seu pensamento. Mas não podia amar duas pessoas ao mesmo tempo. Então, disse as seguintes e mentirosas palavras:
- Não, Harry. Não sinto mais nada. Acabou.
Era o fim para Harry. Ele não acreditava que fosse verdade. Mas o que podia fazer? Se Josh não o queria mais, não poderia insistir. Completamente magoado, disse:
- Acho que mereço isso. Tudo bem. Não irei mais incomodar você. Fico feliz que tenha encontrado alguém que ame você. Desejo tudo de bom para vocês.
- Harry, me desculpa. Eu não guardo rancor de você, eu juro. Mas de você só quero amizade.
Harry deixou o quarto, lutando contra as lagrimas. Já Josh as liberou, trancado no banheiro, soluçando alto e pondo para fora toda a sua dor. Quando enfim se acalmou, lavou o rosto diversas vezes. A partir de agora iria parar de pensar em Harry. Conseguiu esquecê-lo uma vez, conseguiria fazê-lo novamente. Agora ele tinha Ricky. Seu namorado. Ele iria fazê-lo esquecer Harry.
Será?
***
Um pouco mais tarde, Ben foi ao dormitório 2° ano C. O dormitório de Pedro. Luis indicara o quarto após o menor consolá-lo. Só esperava conseguir conversar com o rapaz.
O quarto era o n° 402. Subiu um lance de escada e bateu na porta. Ninguém atendeu. Pensou que talvez estivesse no banheiro. Bateu novamente, ninguém o atendeu ainda. Bufou, desistindo.
- O que faz aqui?
Ben virou-se rapidamente com o susto. Pedro estava parado ali, encarando-o com raiva. Ele usava apenas um short de moletom cinza, chuteiras Nike e estava sem camisa, deixando à mostra os músculos. Parecia que todos os garotos dali malhavam.
- Perguntei o que faz aqui.
- Eu-eu queria falar com você.
- Não tenho nada pra falar com você. Sai da minha frente – empurrou-o, tirando-o de seu caminho. Quando pôs a mão na maçaneta, Ben disse a ele:
- Pedro, você não precisava ter terminado com o Luis.
Pedro o prensou na parede com a mão cobrindo sua boca.
- Cala a boca – sussurrou com ódio no olhar – Cala essa maldita boca. Eu não blefei ontem à noite. Eu mato você se contar. Nunca mais fale disso.
Ben assentiu. Logo, foi solto.
- Eu só quero conversar com você sobre o Luis – falou em tom baixo – Só isso.
Pedro o encarou. Olhou para um lado e para o outro, verificando se ninguém observava. Abriu a porta do quarto espiou por entre ela. Estava vazio.
- Você tem cinco minutos. Nenhum segundo a mais.
Entraram rapidamente e Pedro fechou a porta.
- Pedro, eu sinto muito por ontem. Eu não queria... Você sabe. Mas eu juro, ninguém vai saber disso por mim. E não é porque você me ameaçou que digo isso. Só quero que saiba que confie em mim.
- É bom mesmo.
- E volte com o Luis. Ele está muito mal. Ele gosta muito de você e está sofrendo.
- Você falou com ele?
- Sim, agora a pouco. Eu disse para ele que conversaria com você. Volte para ele, Pedro. Infelizmente, acabei pegando vocês no flagra sem querer. Mas graças a Deus fui eu, não outra pessoa. Pedro. Eu sei que você não é uma má pessoa. Você disse para o Johnny e os outros pararem de me bater quando me levaram para o vestiário. E quando me pediu desculpas, não só a mim, mas aos meus amigos também, eu vi sinceridade.
Pedro olhou para baixo.
- Por que você era amigo deles, afinal?
Voltou a olhar para o menor.
- Eu tinha medo que eles descobrissem que sou bi – revelou. Então, na verdade, Pedro era bissexual – Me bateram uma vez, quando não lhes dei confiança. Era melhor eu me juntar a eles. Se não pode com seu inimigo, junte-se a ele.
- Você não precisava disso. Olha o que eles fizeram com você. Pelo que eu me lembro, o Sr Javier disse que você quase ganhou uma bolsa para um intercambio.
- Escuta, eu nem queria fazer esse intercambio. Não queria por causa do... do... – deixou a frase no ar.
- Por causa do Luis? – Ben indagou, completando a frase.
Pedro confirmou com a cabeça.
- Sim. Eu o amo. Não agüentaria ficar sem ele. Mas numa coisa você tem razão. Eu não deveria ter me juntado ao Johnny. Quer saber? Eu te agradeço, Ben. A você, aos seus amigos; acho que ainda estaria andando com eles se não fossem vocês. Sinceramente, não tem nada mais que eu odeio do que fingir ser alguém que não sou. Eu não sou esse tipo de pessoa: preconceituosa, fria, que tenta ser o maioral. Eu me pergunta “o quê e para quem estou fazendo isso?”. Eu odiei cada segundo que passei com eles. Mas não podia deixar que soubessem sobre mim.
- Entendo. Eu sei como se sente. E a propósito, não há de quê. Mas, sobre o Luis, por favor, volte com ele. Ele precisa de você. E você também precisa dele.
- Eu sei. Eu irei falar com ele o mais rápido possível.
- Que bom. Eu já vou indo.
Abriu a porta, mas, antes que saísse, Pedro segurou seu braço.
- Você é, não é?
Ben confirmou.
- Sim. Eu sou gay. Sou uma verdadeira “Bibinha” – riu – Não conte meu segredo, por favor.
- Não irei. Até mais. Obrigado.
Ben lhe deu um ultimo sorriso antes que ele fechasse a porta. Seguiu pelo corredor e saiu do dormitório. Mas havia uma coisa que ele não sabia. Alguém, no final do corredor, perto da escada que dava acesso ao 3° andar, estava espionando na hora em que saiu do quarto de Pedro e disse a frase “eu sou gay”. Este alguém era ninguém menos que Johnny Roland.
***
- Segura ele aí, Mark!
- To segurando! Vai! Acaba com ele! Ele ta doidinho pra levar!
- Parem, por favor. Não façam isso. Me soltem, por favor. – o menino implorava aos dois, com as lagrimas encharcando o rosto e apavorado.
- Cala a boca, porra! – disse o maior, dando-lhe um tapa na cara. Enquanto o amigo o segurava, ele puxou as calças do jovem para baixo junto com sua boxer. O menor se debatia, em pânico. O que estava por trás dele abriu suas nádegas e o penetrou sem aviso...
***
Acordou sobressaltado, ofegando, suado. Um choro estava contido na garganta. Levantou-se devagar, tomando cuidado para não acordar os colegas de quarto, entrou no banheiro e fechou a porta. Jogou água no rosto algumas vezes e encarou a própria face no espelho. Os pesadelos estavam voltando. Há muito tempo não os tinha, mas, de uns tempos para cá, tem o atormentado durante todas as noites. Mal se lembrava quando fora a ultima vez que dormiu por mais de duas horas; passava as noites em claro.
Respirou fundo dez vezes, contando devagar. No armário, pegou um comprimido para insônia. Talvez o ajudasse. Encheu o copo de plástico verde com água até a metade e a engoliu junto com o comprimido. Apagou a luz e voltou para a sua cama, conseguindo dormir de vez.
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