G-DRAGON: Kwon Ji Yong's P.O.V.
Seguimos pelas ruas de Juggi em direção ao Matadouro.
Olho a paisagem com a testa encostada no vidro. Fito as gotas que rolam do outro lado da superfície. Permito-me gravitar entre o cinza da neblina e do medo. Sempre pensei que estaria pronto para esse momento, porque foi para ele que me preparei desde que prometi à Sunhee que as libertaria, mas a verdade é que sinto medo. Não da morte, porque essa eu abracei há muito tempo. Meu futuro é uma estrada feita de curvas tortuosas que eu mesmo desenhei para me encontrar meu destino.
Sinto medo de fracassar, porque há muito em jogo. Não abdiquei de um trono na Ordem dos Caçadores do Leste para assistir minha família morrer de braços cruzados. Não me revoltei contra minha linhagem, larguei minha sina e desisti do que poderia ser se ainda caçasse bruxas, para perder. Não cuspi no túmulo de antepassados para permitir a derrota da rebelião. Isso não se trata de uma dívida que tenho com bruxas, não é só em nome de Jisoo e Sunhee, nem é sobre a libertação de __________. Essa revolução é sobre um genocídio.
Ganhar essa guerra é algo muito maior do que chegar a um final feliz.
Significa libertar as bruxas de uma escravidão de almas.
Sim, as bruxas que morrem em nossas mãos são nossas escravas. Vejo cada sombra de cada alma que se aderiu à minha e se tornou parte de mim, quando as matei e saqueei seus corações. Elas são a energia que corre nas minhas veias e eu as escravizo para usar seu poder como se fosse meu. Não é, nunca foi. Não somos caçadores, somos ladrões. Matar bruxas, roubar poderes e criar fantasmas distorcidos não é sobre purificação, é um terror maior que nós e tem durado por gerações. É tempo demais.
Minha dívida de honra, é exorcizar as almas que moram no âmago dos caçadores. Muitos da minha estirpe vão morrer quando o poder das bruxas os abandonar, mas não posso parar. Preciso fragmentá-los para libertar as bruxas e acabar de uma vez por todas com as maldições. As que afligem caçadores e bruxas. Talvez eu mesmo morra no processo, mas não tenho escolha. Tenho vivido anos de maldade e arrependimento, tristeza, saudade e dívidas. Não resta outra alternativa.
Essa ação não é o bastante para conseguir perdão, acho que nem mereço isso.
Mas, ao menos, vou descansar sabendo que minha filha terminará o dia viva.
Sunhee, Jisoo e todas as outras se libertarão.
Elas descansarão em paz.
E isso é tudo o que eu posso querer.
— Sr. Kwon? — Uma voz jovial chama ao meu lado, no banco de trás.
Olho-o por cima do ombro.
— Sim?
— É que... — O rapaz pigarreia. Seu nome é Kim Namjoon e ele não precisa dizer que é bruxo para que eu saiba. É visível em sua aura. Desde os cabelos rosados até a corrente em seu pescoço, com um pingente maciço e circular, com símbolos específicos de alquimia. Ele se parece com uma bruxa alquimista que me procurou há alguns dias. Será que é filho dela? — É que eu queria saber qual é o plano. Vou ficar mais tranquilo se souber a estratégia. Eu sou um pouco... Metódico.
— Bem — desato a tensão nos músculos, fito o gato em seu colo e percebo que não se trata de um bichinho de estimação. Conheço esses olhos grandes, aquosos, fendidos e esverdeados. É um receptáculo, e há uma alma de bruxa em seu interior. Volto a fitar o garoto de cabelos pouco naturais e fungo. — O que quer saber?
— Pra onde Jungkook foi? E o pai dele? E nós? Pra onde vamos?
Fito o gato outra vez.
Ele me olha como quem também espera uma explicação.
— Somos quatro frentes ofensivas contra os caçadores — explico e ergo o olhar para Namjoon. — Jungkook e seus amigos estão indo à minha casa, pra buscar algo que minha filha pediu. Nós estamos indo ao Matadouro, pra nos infiltrar. Matadouro é um prédio velho no centro da cidade, é solo sagrado para os caçadores e é onde eles pretendem fazer o ritual pra acabar com a maldição deles. Qing está guiando seu exército pelas ruas de Juggi com comitivas ostensivas e carros de guerra, pra despistar as outras frentes.
— Jungkook, o senhor e o Sr. Qing. E quem é a quarta frente ofensiva?
— Minha filha — dou de ombros, como se fosse óbvio. Se bem conheço Kwon __________, sei que vítima e mocinha indefesa não são papéis que ela gosta de interpretar. Já bati de frente com aquela teimosa vezes o suficiente para saber que seu gênio só não é mais forte que seu poder. — Não sei o que ela está aprontando, e essa é a lacuna no meu plano, mas sei que ela vai se defender.
Fito o rapaz de rabo de olho e ele sorri.
— Ela tem um poder extraordinário.
— Tem. — Sorrio, mas lembro de uma circunstância agravante na situação e o sorriso se desmancha. — Só tem um problema. Ela está no Matadouro e poderes de bruxas não funcionam lá. — Desvio o olhar para minhas mãos, me sentindo culpado por não tê-la preparado, eu mesmo, para ser a guerreira que ela precisaria ser. Errei em pensar que eu seria capaz de impedi-los antes do momento final.
Mais um dos meus arrependimentos.
Espero que ela seja inteligente o bastante para escapar.
Mas, em meu íntimo, sei que ela é.
— Vamos chegar a tempo? — A pergunta me tira do devaneio e eu ergo a cabeça.
— São dez e meia da manhã? — ele confere as horas no celular e se vira para mim, confirmando. — O ritual só acontecerá às 03:20h da tarde. Temos tempo. — Informo, impessoal. — A profecia dos caçadores é clara quanto a isso. Para desfazer a maldição da bruxa Wang, o sacrifício da Ômega amaldiçoada deve acontecer em seu aniversário de 19 anos, no horário oposto ao da morte de Wang Juran e Qing Yi Jungkook. 03:20 da manhã... 03:20 da tarde é o horário oposto. — Lembro-me do recado pichado na fonte do casarão.
No dia em que eles usaram Mi-cha para me dar o aviso.
"Seu pesadelo voltou.
Manus obtulerunt odio.
Errant corde suo accepit idea de ludens ad mortem.
Ego Venandi.
Rex admirabilis.
Et triumphator nobilis.
19.03:20"
As mãos obtiveram o ódio.
O coração errante que aceitou a ideia de brincar de morte.
Bom caçador, rei admirável, o nobre triunfante.
Por anos, essa profecia foi dirigida a mim como um canto de adoração, mas se transformou no aviso do destino cruel que me aguarda desde o dia em que abandonei a Ordem dos Caçadores do Leste e prometi a Sunhee que eu a ajudaria a libertar as bruxas. Eu era o dragão protetor dos caçadores, o príncipe da vingança, o grande caçador. Tornei-me um traidor. Juntei-me às bruxas que me transformaram em um servo piedoso. Um caçador de caçadores. Então, elas confiaram em mim e passaram a se sacrificar para que eu absorvesse mais poder.
Elas me deram seus corações para que eu ficasse mais forte e pudesse destruir os caçadores.
E eu matei ainda mais bruxas depois disso, mas nunca conheci mulheres mais fortes, mais convictas.
E essa é mais uma responsabilidade que carrego, porque devo essa vitória às vidas que tirei...
...Em nome da liberdade de todas as bruxas.
***
Flashback: Capítulo 56.
— Ele está vindo... Ele está vindo. Ele está vindo para você. Ele nunca perdeu... Ele matou todas nós. Todas. Até as que ele não matou... Todas. E agora você... A herdeira da maldição. A última descendente. Ele... Sabe. E ele nunca perdeu... Ele matou todas nós. Eu não sabia... Eu não sabia até morrer. Até depois... Um dia eu apareci. E aí eu vi... Meu coração... Foi roubado. Eu lembrei de tudo. Ele... Está vindo.
Não consigo nem piscar.
— Ele quem?
— O caçador. O traidor. O piedoso. O caçador. — Ela olha para um canto além de nós e aos poucos sua forma desaparece. — Eu vi... Eu vi... Há tantos anos e... Eu estava lá...
***
— Senhor... — O jovem bruxo me tira do devaneio. — Sr. Kwon?
— Diga. — Volto a fitar a paisagem melancólica das ruas de Juggi e vejo uma revoada de pássaros negros na neblina.
— O senhor... É mesmo um caçador? — A pergunta é quase inocente.
Acompanho os pássaros negros no céu e sorrio, com saudade dessa ingenuidade.
— Estou do seu lado, garoto. Não vou te ferir. — Ouço um ronronar perto de mim e o calor de um corpo peludo em minha perna. Baixo o olhar para ver o gato se esgueirar até meu colo. — E você? — Falo com o bichano, tentando imaginar que alma habita seu corpo.
— Gato do Jin, volta aqui. Não perturbe o Sr. Kwon. — Namjoon ralha. — Desculpe, Sr. Kwon.
— Tudo bem. — Pego o gato pelas costelas e o ergo. Fito seu focinho de perto, analisando os olhos cor de oliva. — Quem é você?
— O nome dele é Gato do Jin, senhor. — O menino aponta para o bichano, com um sorriso tímido.
Namjoon não entendeu minha pergunta.
Talvez não saiba que seu bichinho de estimação na verdade é um receptáculo.
Não o julgo. Muitos bruxos rejeitam a arte da necromancia usada para esse feitiço, por ser magia negra.
Como se "negro" fosse sinônimo para algo ruim... Não é.
— Gato do Jin... Jin, filho de Jihye? — Pergunto, mas não ouço sua resposta, porque sussurros enchem meus ouvidos e minha expressão se contrai. Eu conheço essa voz. Ela tem sido minha companheira desde o dia em que usei sua especialidade, a magia negra da necromancia, para invocar seu espírito. Os sussurros me enchem. — ...Sra. Choi?
— O quê? — O alquimista, Namjoon, reage.
Não lhe dispenso um olhar.
— Sra. Choi... É você? — Ainda fito os olhos claros do gato.
O focinho treme e eu tenho minha certeza.
É ela.
Sra. Choi. A bruxa Wang... Wang Juran. Te achei.
Sorrio. Toda bruxa que perde o coração para um caçador se transforma em um fantasma incompleto. Por isso, nos meses seguintes às mortes de Jisoo e Sunhee, fiz rituais de invocação de suas almas. Elas nunca responderam meu chamado, mas outra Wang, mais poderosa e antiga, surgiu para mim em uma noite, quando a invoquei. Ela me disse que gostaria de ser chamada de Sra. Choi e selou um pacto comigo, para me ajudar a salvar sua descendente Ômega, e o descendente Alfa de seu grande amigo.
Mas, para me ajudar, a bruxa Wang precisaria acessar uma magia profana e obscura na arte da necromancia, porque fantasmas tendem a se desconectar da realidade, obliterar a consciência e se tornar cascas ectoplásmicas delirantes, presas ao passado. Para se manter lúcida e conectada ao plano dos vivos, Sra. Choi fez a magia do receptáculo, em que o bruxo pode possuir corpos de pessoas ou animais e transformá-los em uma espécie peculiar de mortos-vivos.
Desse jeito, a Sra. Choi conseguiu manter uma parte de sua alma em contato com a realidade, como se ainda estivesse viva, cem anos depois de morrer. Muitos bruxos fantasmas fazem isso para permanecer neste plano, mas nunca conheci alguém que fizesse o feitiço com a maestria que ela tem. E foi assim que descobri que até os fantasmas da linhagem de bruxas Wang têm poderes extraordinários.
Às vezes, ela se passa por uma pessoa viva, palpável, como quando pedi a ela para vigiar Jungkook e __________ em Seul, ou quando viajou comigo para Tóquio, para avaliar se a distância entre o filho de Mi-cha e minha filha faria diferença em nosso plano. Ou mesmo no dia em que arrancou a Marca Temporária do ombro da minha menina e conjurou um feitiço de morte nela, para acabar com seu rastro de magia e afastar um grupo de caçadores que se aproximava da escola. Ela sabia que __________ não estava pronta para enfrentar caçadores.
Desde o dia em que a invoquei, a bruxa Wang tem vigiado minha filha e Jungkook.
***
Flashback: Capítulo 44
— Olá... Boa tarde. E a senhora... É?
— Eu? Ah, sou a Sra. Choi. Fui contratada para fazer uma faxina no apartamento, pra que vocês pudessem se acomodar melhor. — Ela faz uma mesura cordial, muito formal.
Flashback: Capítulo 71
Exceto por meus olhos, não consigo me mexer. E a Sra. Choi continua lá, parada à frente de uma das portas dos quartos do hotel. Seu corpo rechonchudo se move como uma névoa fantasmagórica para frente. Ela continua a me enfeitiçar.
Meus olhos se injetam e eu vejo. Não há pés. De baixo para cima, ela fica cada vez mais sólida. Mas, para baixo, não é nada além de um espectro. Meus olhos vão ao Sr. Kwon, trêmulos e mareados. O homem me analisa confuso e meus olhos voltam a fitar a porta onde essa velha está. O pai da Monstrinha também se vira, imediatamente, mas não há mais nada lá.
A Sra. Choi sumiu.
Flashback: Capítulo 76
Aos poucos, vejo a Sra. Choi mais perto. Ela está parada há apenas dois metros, e parece levitar, sem pés. Fito seu rosto, os olhos estão cravados nos meus.
Intensifico a força com que expulso a fumaça e ouço uma risada, mas seus lábios não se mexem.
— O que você quer? Quem é você?! — Grito.
Uma voz suave sussurra em meu ouvido.
— Julga-se poderosa, criança?
***
— Sra. Choi — murmuro, ansioso por ter encontrado seu receptáculo. — Então, escolheu um gato. — Ouço um ronronar e quase rio. — Queria um dia saber se Jisoo e Sunhee também estão por aí. — Divago, olhando para o bichano.
— Ah, pronto. Mais um que conversa com o Gato do Jin. — Ouço o murmúrio vindo do jovem alquimista e o olho de soslaio.
— Mais um? — Franzo o cenho, ficando sério de repente. — Como assim? Mais alguém conversa com esse gato?
— Sim, o Hoseok. Ele também é bruxo, estuda poções. Ele é bom nisso... E em dar vida a coisas inanimadas. E arrombar fechaduras, mas acho que essa parte é mais ligada a tendência dele de... Bem — Namjoon pigarreia — Mas ele é uma boa pessoa. E eu acho que não é proibido contrabandear plantas legalizadas, então... Bem... Acho que ele não vai ser preso por fazer chá e... Bolo.
— O que ele conversa com o gato?
O rapaz franze o cenho, sem entender meu interesse.
— Ah, você sabe... Coisas do dia-a-dia. "Não confie nos mortos", "peça tal ingrediente pra fazer essa poção", hm... "não belisque o Taehyung antes de ele se transformar, porque pode irritar o lobo". — Ele funga e meus lábios se entreabrem. — Na verdade, eu só trouxe o Gato do Jin pra cá, porque o Hoseok disse que ele pediu pra vir. — O rapaz ri. — Por que eu traria um gatinho pra uma guerra, afinal?
— Você também consegue entender o que o gato fala? — Pergunto.
— Não. Isso aí é uma coisa do Gato do Jin com o Hobi. Só eles dois.
Fito o gato e pestanejo.
— Você tem um aprendiz? — O gato ronrona. Isso me dá coragem para fazer outra pergunta. — Sra. Choi, chegou a hora, eu preciso saber onde elas estão. — Fito os olhos cor de oliva do gato. — Por favor, me diga. — Ouço um crocitar ao longe e desvio o olhar para a janela do carro. Estamos parados em um semáforo e eu vejo alguns corvos pousados na calçada que ladeia a avenida, debaixo da chuva.
Caio em silêncio introspectivo, com palavras aprisionadas nos lábios.
Contemplo a melancolia dos pássaros sob respingos grossos da chuva. Frio e uma sensação bucólica me levam a um lugar remoto na memória, onde minha vida se despeja como o temporal que cai. Viajo para um tempo em que tudo era mais simples, um lugar onde minha alma não era feita de cicatrizes incuráveis, um passado em que eu sentia que um dia seria feliz. Os pássaros negros me encaram e as memórias pulsam em sinestesia, como se eu as pudesse reviver.
Como se eu pudesse encontrá-la mais uma vez.
Como se eu não soubesse que as bruxas Wang usam a necromancia do receptáculo.
Como se eu não conhecesse Sunhee o suficiente para saber que ela escolheria ser um corvo, se pudesse.
Porque ela sempre quis saber qual seria a sensação de voar.
***
Flashback: 02 de dezembro de 1993.
Leio a placa quando o trem para na estação.
Estação de Juggi, Coreia do Sul.
Desço os degraus do vagão e chego ao corredor da plataforma. Inspiro o ar frio, expiro o bafejar condensado que cria espirais de vapor em meu rosto, beliscando a pele nas bochechas. Agradeço com um aceno cortês ao funcionário do trem que me entrega o carrinho com minha bagagem. Contemplo a estação, estico os dedos cobertos pelas luvas e agarro a alça da mala.
Ouço o ressoar cavernoso e dissonante da buzina do trem às minhas costas, o tilintar do sino e o chiado mecânico da aceleração da locomotiva. Levanto as abas do casaco, saio da estação e caminho até a locadora de veículos sob um chuvisco. O inverno rigoroso derruba as temperaturas e deixa o tempo instável. Ao menos Juggi não tem chuvas ácidas como as de Seul.
Cruzo a calçada. Os respingos borrifam meu sobretudo de lã, mas não me molham, porque chego à locadora. Saio do estacionamento, depois, à bordo do utilitário que escolhi, e me guio pelo mapa da cidade de Juggi, para chegar à rua dos arrendados, onde fica a propriedade dos Wang. Não é difícil me localizar, porque a cidade se parece mais com um lugarejo do que com um centro urbano.
E não demora até que eu esteja diante do casarão centenário que representa apogeu e queda dessa maldita família Wang. Observo o estado de decadência da casa com um sorriso. Janelas e portas têm pintura desbotada. Manchas pardas crescem nas bases dos paredões cinzentos, resultado dos respingos de lama que as sujam quando as gotas de chuva caem nas poças próximas.
Se eu não soubesse que parte da outrora poderosa família Wang mora aqui, diria que esta é uma casa abandonada. Isso me satisfaz como uma parte que não planejei dessa vingança. Ver a degradação da família da bruxa que condenou meu povo é reconfortante. E resta a mim acabar com a raça dos Wang de uma vez. Subo os degraus da escadaria úmida, vou até a porta e toco a campainha.
Uma senhora de idade me recebe e me pede para entrar. Fito o chão e o pórtico do vestíbulo, inseguro sobre o que o Oráculo disse do casarão. "Não se preocupe, garoto. Feitiço nenhum funciona naquela casa velha, ela respira uma magia muito mais antiga que nós, é quase uma entidade. A bruxa que lá morar se alimentará de seu poder, assim como o caçador. Por isso deve comprá-la e fazer dela... sua."
As palavras se repetem no fundo da minha memória, e eu fito a idosa, agradecendo.
Entro na casa e paro no vestíbulo.
Nada acontece.
Ganho segurança para sorrir.
Um dia a propriedade dos Wang será a propriedade dos Kwon.
— Annyeonghaseyo, senhora — Fito a mulher com um gracejo e ela responde com um aceno. — O Sr. Wang Hyuk está?
— Ô, ani. Não. O senhor é o moço que veio comprar a propriedade? — A voz da mulher é áspera e gasta, um pouco trêmula.
— Sim, sou eu. — Respondo com um suspiro agradável. — Imaginei que ele estivesse ocupado a essa hora.
— Aish... Esse frio queima o arroz, é terrível. O Sr. Wang está agora mesmo nos campos com os arrendatários, mas o senhor pode esperá-lo na sala-de-estar. — Ela pigarreia com um som cheio e espirra. — Aigoo, perdão.
— Não, senhora. Não há o que perdoar. — Tiro um lenço do bolso do sobretudo e ofereço para ela. — Por favor...
Mulheres mais velhas se comovem com gestos atenciosos de homens jovens.
Não é diferente com ela e, pela forma como ela fala dos Wang, sei que devo bajulá-la.
— Ani! Não precisa se preocupar. — A velha fita o lenço e depois me olha com as bochechas enrugadas e coradas. — Você é mais jovem do que eu esperava. Deve ter quase a idade da menina, aigoo. Pensei que receberia um senhor mais velho. — Ela solta uma risada mais divertida. — Você é só um garoto...
— Que garoto, Areum? — A voz feminina e jovial soa de algum lugar nas escadas. Nem preciso ser apresentado a ela para saber de quem se trata. É ela. Tenho certeza. Está parada em um degrau, com uma mão pousada no corrimão de metal retorcido em arabescos. — Quem é você, estranho? — Pergunta-me, curiosa.
Ela é tudo... Menos o que eu esperava ver.
Está vestida em um pijama de flanela muito maior que seu corpo e os pés estão calçados em meias coloridas. Os cabelos estão presos em um rabo de cavalo com fios soltos na franja e por cima das orelhas. O rosto é pálido, mas os lábios estão pintados com batom carmesim. Os olhos são vivos, curiosos, pousados em mim com interesse genuíno. A magia flui dela como o vapor frio de uma noite de inverno.
Apesar de bruxa, ela tem uma beleza perturbadora.
— É você que vai comprar nossa casa? — Ela corta meus pensamentos com mais uma pergunta e eu pestanejo, assentindo. A menina sorri e pula alguns degraus, descendo até nós, parando de frente para mim, erguendo o pescoço para me encarar. — E você vai me dizer seu nome, estranho? Ou vou ter que adivinhar isso também? — Seus olhos seguem pousados nos meus, brilhantes. — Hm... Deixe-me ver...
— Sunhee, não atormente o rapaz. Ele deve estar cansado da viagem. — reclama a velha.
É ela mesma.
Wang Sunhee.
É a menina com quem devo me casar.
— Ele não parece cansado. — Sunhee fala com um sorriso dúbio. — Kwon Ji Yong, acertei? — Meu recente divertimento diminui e ela parece perceber a mudança em meu semblante. — Aigoo, não se assuste, ouvi Appa falar com você no telefone. Como eu poderia adivinhar seu nome? Só se tivesse poderes mágicos, né? — Ela ri. E o sorriso volta ao meu rosto, acompanhando-a em sua brincadeira.
Se ela soubesse o que eu sei.
Se soubesse o que pretendo fazer.
— Sunhee, deixe o rapaz em paz. — A idosa fala mais séria.
— Não, tudo bem. Ela não está me aborrecendo. — Digo sem tirar os olhos da menina. — Aliás, gostei da brincadeira de adivinhação. Pode descobrir mais alguma coisa, sem que eu diga nada... Srta. Wang?
Ela franze o cenho e me analisa.
— Isso é um desafio? — Seus olhos escuros focam meu rosto, e eu arqueio uma sobrancelha. — Gostei de você.
Trocamos esse olhar profundo e interrogativo, como se quiséssemos enxergar as almas um do outro.
— Que bom que propus o desafio, então — falo, finalmente, e ela ri.
— É. Olha, eu não gostei do seu nome — Sunhee comenta sob os protestos da idosa, mas eu sorrio — Vou te chamar por um apelido.
É quase como se ela soubesse o que meu nome significa, mas eu sei que não sabe.
— Apelido? Qual?
— Estranho. Porque é isso que você é pra mim. Um estranho.
— Wang Sunhee. — Reclama a Sra. Areum. — Se não voltar pro seu quarto, direi ao seu pai que veio receber as visitas de pijama. — A menina dá um salto para trás e fita a empregada da casa, com os lábios retorcidos. — Agora.
— Aish. — Ela reclama e volta pelos degraus de onde veio. — Te vejo no jantar, Estranho.
Ela olha para mim por cima do ombro quando fala isso, e sorri.
Suas bochechas ruborizam quando percebe que tem toda a minha atenção.
***
Flashback: 03 de dezembro de 1993.
— Sua família é daqui da Coreia do Sul mesmo? — Wang Hyuk pergunta pela terceira vez desde que começamos a conversar na sala de visitas. — Kwon é um sobrenome familiar pra mim. — Há um brilho indistinto em seus olhos. Está claro que o velho Wang sabe que Kwon Ji Yong é um nome suspeito, porque sabe de toda a história de Wang Juran e de sua maldição.
E é por isso que não o omiti.
Minha capacidade de dissimular é melhor.
— Sim, vivemos em Seul há muito tempo, mas minha família tem raiz em Ilsan. — Ergo o olhar do homem para as longas janelas do cômodo, por onde posso ver os respingos da chuva grossa escorrerem. — Meu pai me deu esse nome porque gosta de filmes de ação com personagens com nomes de dragão. — Falo como se estivesse constrangido e rio. E é isso que quebra a desconfiança de Wang Hyuk.
— Aigoo, e ele tem razão. Os melhores personagens são dragões. — Ele também ri e bebe um gole de chá fumegante na xícara de louça fina. Pelo que tenho percebido desde a noite anterior, os Wang têm habilidades de intuição comprometidas. Wang Hyuk é um rico decadente e sua esposa é ingênua, submissa e desinformada.
O filho mais novo do casal, irmão caçula de Sunhee, é quieto, tristonho. Duvido que tenha percebido minha presença.
Somente Sunhee me olha de esguelha desde o jantar e é a única que parece ter uma curiosidade genuína sobre mim.
— Eles são mesmo. — concordo.
— Ah, garoto... Tem uma coisa que ainda está me deixando intrigado.
— Sim? — Franzo o cenho.
— Por que comprar essa casa gigante em uma propriedade tão distante? E numa cidade tão pequena? Isso será mesmo bom pros seus negócios? Você tem certeza de que Juggi é um bom lugar pra colocar seu dinheiro?
— Sr. Wang, só tem uma coisa na minha vida que eu sei fazer... E essa coisa é ganhar dinheiro. Pode ter certeza de que meus motivos pra estabelecer minha empresa em Juggi são estratégicos. E quanto a casa... Eu gosto de casarões. E esse... É o mais bonito que eu já vi na vida. Não sei porque o senhor a está vendendo, aliás. Essa é minha maior dúvida... A casa tem algum problema?
Minha atuação continua a convencer.
— Não... Na verdade, não tenho mais como manter a propriedade. Meus empregados estão com salários atrasados, a casa precisa de reparos pelos quais não posso pagar... Não há nada que eu possa fazer. Aish. Tentei de tudo. Tentei de todas as formas recuperar a propriedade, trabalhei, investi. Tudo deu errado. Estou com muitas dívidas. Eu me desfiz de todos os bens da família... Só sobrou a casa.
— Sinto muito.
Não sinto nem um pouco.
Muitas das perdas financeiras dos Wang não foram tristes coincidências do destino.
Digamos que eu tenho alguns bons contatos e odeio a família de bruxos.
— Tudo bem. Com o dinheiro da venda da propriedade, vou pra Seul com minha esposa e meus dois filhos. A família tem negócios por lá, não ficaremos desamparados. Além disso, Sunhee terminou os estudos agora e quer fazer faculdade lá, e meu mais novo pode terminar a escola lá mesmo, em Seul. O ensino é melhor, de qualquer forma.
— É um bom modo de ver o futuro. — Beberico um pouco do chá que ainda levanta nuvens de vapor.
— Vou sentir falta da casa, mas, talvez, no fim... Seja melhor mesmo me desapegar dela. A propriedade é feita de memórias, e essas ninguém pode me tirar. — O velho Sr. Wang sorri para mim. — E você? Vai morar sozinho nessa casa gigantesca?
— Ah, não. Minha família vem comigo.
— Já é casado? Tão novo? Você tem o quê? Vinte anos?
— Sim, tenho vinte. — rio. — Não sou casado, a família de que falo são meus pais e minha tia, com os dois filhos dela. Eu só escolhi o imóvel. — Minto. — Mas, um dia pretendo formar uma família pra morar aqui, também. — Essa é a parte verdadeira.
— E tem alguma pretendente? Um rapaz como você deve ter uma namorada. — Ele pergunta e estala os dedos. — Tem dinheiro, é educado, distinto. Aigoo, é o tipo de genro que um sogro pediu a Deus.
Passo a língua pelos lábios.
— Não tenho uma namorada, mas tenho alguns interesses... Nada que me tenha feito pensar em casamento, mas... — Não retiro o sorriso da boca e vejo o lampejo de curiosidade nos olhos do homem, que não pergunta mais nada sobre isso por não ter a intimidade necessária para saber da minha vida pessoal. — À propósito, sei que perguntei por telefone e o senhor permitiu, mas queria reiterar o convite. Posso passar uns dias aqui pra inspecionar o terreno que comprei no centro pra construir o prédio da minha empresa?
Wang Hyuk sorri e assente.
— Em todas as outras conversas que tivemos, já te ofereci acolhida. Não seria diferente agora. Inclusive... — Ele pigarreia. — Sunhee!
Seu grito me desconcerta e eu ouço os passos da menina no corredor.
Ela aparece na porta da sala de visitas com os olhos arregalados.
— A culpa não foi minha.
Fito o pai da menina, cujo rosto começa a se avermelhar.
Não parece ser a primeira vez que ela se defende de algum mal feito.
— Culpa de quê, Sunhee?! — Ele pergunta entredentes.
Sunhee me olha, depois o pai, e sorri desconcertada.
— Nada. — Seus olhos se tornam risquinhos. — Precisa de alguma coisa, Appa? — Fala com uma doçura que não é sua.
Conheço Wang Sunhee há 24 horas, mas já deu para ver que meiguice não é sua marca.
— Pode mostrar a casa ao rapaz? Preciso ver como estão as coberturas de lona no pasto. — Sr. Wang se levanta e nos olha, soltando um suspiro para depois sorrir. — Vocês podem fazer companhia um para o outro. — Ele abana uma mão para apontar para mim e para a filha. E é nesse momento que eu entendo que tenho o consetimento do pai dela para namorá-la, se eu quiser.
Agora falta ter Wang Sunhee em minha mão, e o resto será como em um romance que começa feliz com namoro, casamento... Filhos até que uma menina seja a caçula. Então, o início de uma nova era, o grande final dessa história. Deve ser triste para a bruxa da família Wang, mas será muito feliz para mim e para os meus irmãos de estirpe, os caçadores da Ordem do Leste.
Meu conto de fadas é, ou não é, emocionante?
***
Flashback: 19 de dezembro de 1993.
Abro a porta da biblioteca, onde sei que Sunhee está trancada a tarde inteira.
É aqui que a encontro, entre estantes e lustres antigos, sentada em uma poltrona à frente de um gabinete de mogno maciço e robusto. A menina dos olhos dos Wang tem o semblante concentrado e monta um quebra-cabeças que parece ser complexo demais para uma pessoa impaciente como ela. E sua concentração frágil se acaba quando ela me vê.
Um sorriso surge espontâneo em seu rosto bonito.
— Ji Yong! Vem cá. Estou com um problema. — Ainda não consegui me acostumar com a intimidade que ela me trata.
Ninguém me chama por meu primeiro nome dessa forma.
Ou me chamam de G-Dragon, ou de Sr. Kwon.
Ji Yong ou Estranho são nomes que só essa maluca usa.
— Em que posso ajudar, Sunhee-ssi? — Fecho a porta da biblioteca às minhas costas e a olho.
Ela ri.
— "Em que posso ajudar, Sunhee-ssi?" — Sunhee imita meu tom. — Você é sempre tão formal. Assim, eu acho fofo, mas não precisa ser tão quadrado comigo, temos quase a mesma idade. — Ela segura uma peça do quebra-cabeça entre os dedos e suspira. — Não consigo achar o lugar de todas as peças e já estou aqui há muito tempo, não aguento mais. — Ela suspira, cansada, e eu rio.
— Por que tenho a impressão de que esse não é seu passatempo favorito? — Pergunto, sem admitir que estou interessado em saber que diabos ela faz aqui dentro com um quebra-cabeças. — Já te vi correndo pelo jardim, subindo nas árvores, brigando com os empregados. Se não me engano, foi você que eu vi tentando arrancar ervas daninhas com um ancinho no jardim... Não?
— É. — Sunhee abre um espaço ao seu lado na poltrona para eu me sentar. — Appa disse que uma mulher sábia tem que aprender a virtude da paciência e me colocou de castigo aqui. Odeio esses ensinamentos machistas do tempo da coca-cola com rolha. Pelo amor de Deus, estamos em 1993, já passou da hora de começar a me tratar como ele trata o Dong. — Ela fala o nome do irmão mais novo com ressentimento. — Ele é mais novo que eu e tem mais liberdades. Aish.
— Por que ele te pôs de castigo? — Pego a peça que ela me oferece quando sento ao seu lado e fito a imagem meio montada.
— Porque eu estava jogando dardos com os arrendatários, lá nos fundos da propriedade. — Ela revira os olhos e pega outra peça, analisando-a e olhando a figura por montar. — Nenhum deles me faltou com respeito nenhuma vez na minha vida, mas meu pai acha que desse jeito, fazendo coisas de homem, nunca vou arrumar um namorado, como se eu quisesse. Aigoo, às vezes eu penso em arrumar uma namorada só pra ele ver que se um homem não me quiser, uma mulher pode.
Olho-a de soslaio, receoso.
— Você não gosta de homens? — Acho que minha pergunta sai interessada demais.
Wang Sunhee me lança um olhar inquisidor, acompanhado de um sorriso.
— E por que está interessado na minha orientação sexual, Estranho?
O brilho difuso em seu olhar me pega desprevenido e eu pigarreio.
Minhas orelhas esquentam e eu gaguejo, sem formular uma frase.
Respiro fundo.
Por que ela me deixa assim?
— Não é nada, oras. Eu só perguntei porque... Bem, não importa. — Franzo o cenho e encontro o lugar da peça no quebra-cabeças. Minhas têmporas latejam e um sentimento esquisito borbulha nas entranhas. Engulo em seco e solto o ar pela boca, pegando outra peça. — Você gosta de meninas? — Não consigo conter meu impulso, e não me reconheço por isso.
O que está fazendo, Kwon Ji Yong?
— Hm... Acho que o amor tem que ser livre, independente desse negócio de homem e mulher. — Ela fala e dá de ombros. — Imagine que chato. Gostar somente do gênero oposto faz com que você perca quase a metade das outras pessoas que existem por aí como opção pra ser um par romântico. — Suas palavras são bem articuladas e ela argumenta com a propriedade de alguém que já viveu muito.
— Então, você gosta de garotos e garotas?
— Posso te contar? Não vai me julgar? — Sunhee sussurra e eu meneio a cabeça. Ela sorri. — Minha primeira paixão do fundamental foi uma menina. Uma vez, ela veio aqui em casa, a gente tinha doze anos. Estávamos brincando de bonecas. Tínhamos duas barbies e um Ken. E ninguém queria fazer o Ken, sabe? Aí fizemos nossas Barbies namorarem. — Sunhee ri e se mexe na poltrona. A lateral de seu corpo roça no meu e um arrepio eriça os pelos do meu braço. Escondo para que ela não perceba.
Preciso me concentrar no que ela fala, não no que sinto quando ela se aproxima.
Eu nem deveria sentir alguma coisa, em primeiro lugar.
— E aí? — Pergunto, curioso.
— E aí, o quê? Obviamente, quando as Barbies se beijaram, a gente ficou curiosa pra saber como seria de verdade. Aí nós duas fomos pro meu banheiro, fechamos a porta e nos beijamos. E essa é a história do meu primeiro beijo. — Ela ri ainda mais, meio nervosa, e funga. — Foi legal... Não tem diferença, sabe? Entre beijar a boca de um garoto e uma garota. São só... Bocas.
Pestanejo, fascinado.
Ela é maluca.
De uma forma charmosa.
Não se parece em nada com o que eu pensei que encontraria aqui. É muito mais encantadora.
— Você... — Quase rio, desconcertado. — Não acredito que já beijou uma garota.
— Tsc. — Ela estala os lábios e ri. — Tenho quase 19 anos, Ji Yong. E essa amiga veio muitas vezes aqui em casa. Já fiz mais do que só beijar uma menina. — Ela confessa e minhas sobrancelhas se erguem. De repente, sinto algo como intimidação em sua expressão, e ela desvia o olhar. — Mas eu não sou fácil, certo? Nem estou disponível pra que alguém me use. E nunca fiz com um menino.
Um alerta se forma em meu rosto.
— Não! Eu nunca te desrespeitaria por já ter feito... Ahm... Desculpa. — Apresso-me, para que ela não pense que eu tenho a intenção de violá-la dessa maneira. Então, me lembro do que tenho que fazer com ela, da minha missão como caçador, e minha cabeça pesa. O que pretendo fazer é bem mais grave do que só usar seu corpo e desvirtuá-la. Fito o quebra-cabeças, sem saber o que está acontecendo comigo. Purificá-la e tirar seu poder não é grave, é só minha missão. Não é errado machucar uma bruxa... É?
No que estou pensando?
Que espécie de coração mole estou virando?
— Hm... É... Eu acho que sei que você não me faria mal, por isso te contei. — Ela murmura e me traz de volta.
Eu não faria mal a Sunhee? Que bobagem é essa? Não faço mal a ninguém.
Eu faço?
Bruxas são seres inferiores que precisam de dominação e extermínio, afinal.
Não estou fazendo o mal.
Estou?
— Hm... Então você beija garotas, não é mais virgem e quer fazer faculdade de letras em Seul. — Mudo de assunto, porque minha cabeça entra em um rodopio de consciência e eu não quero questionar meus princípios agora. — Tem mais algum segredo pra contar?
Sunhee me olha com seu sorriso mais bonito e cutuca meu ombro com uma peça.
— Eu amo a Cosmopolitan. — Ela coloca a peça no quebra-cabeças disposto sobre a mesa. — Tenho uma amiga que é fã da sessão de contos eróticos que eles publicam nas edições em inglês. Aí quando ela termina de ler os contos, eu leio os artigos da colunista feminista da revista. Aprendi inglês só pra isso. Mas, odeio as reportagens estilo "Conheça os cinco métodos para amarrar um homem na cama". Não quero que ninguém se prenda a mim por causa de sexo. — Ela faz uma careta. — Aigoo, eu queria conhecer os Estados Unidos, a revista fala deles como a terra da liberdade. É o que eu queria pra mim. — Ela me olha. — Está calado, Ji Yong. Que foi?
Pestanejo, chocado.
— Vocês... Vocês leem... Contos eróticos?
— Aish. De tudo o que eu falei, você só ouviu essa parte? Sério?
— É que... Bom... Você lê contos eróticos de revista? — Repito a pergunta, mais chocado.
A garota Wang ri com gosto.
— O que tem isso? Vai me dizer que você nunca olhou foto de mulher pelada numa playboy. — Meu rosto inteiro se afogueia e eu rio, com uma vergonha súbita. — Já viu sim, danadinho. — Ela aponta para mim e ri. — É simples, homens e mulheres têm as mesmas vontades e deveriam ter o mesmo direito de ter, falar e fazer qualquer coisa. Por que alguém tem que se escandalizar com o que eu falo, mas um homem falando sobre a mesma coisa é normal? Por que eu não posso fazer o que eu quero, e você, com a mesma idade, pode? Entende?
— Sim... Entendo. — Respondo, automático.
— É, mas nem todos os homens entendem — ela continua. — Appa não tolera meu discurso feminista e sempre me coloca de castigo por causa disso. Na biblioteca. De castigo. Como se eu fosse uma criança. É um absurdo.
— Ahm... — Pigarreio, encabulado.
— Ah, Ji Yong. Por favor, não seja como meu pai e não me julgue. — Sunhee pede. Respiro fundo e a olho. — Por favor.
— Não vou julgar, mas eu também vim de uma criação conservadora e... Bem, acho que essa nossa conversa é a mais escandalizante que eu já tive na minha vida. Não estou te julgando, tá? Mas você é muito maluca. — Rio, desconcertado. — No bom sentido, que fique claro. Olha esse papo... Mulheres fazendo sexo antes do casamento... Com outras mulheres? E lendo contos de pornografia? E falando sobre as mulheres que aparecem nuas na playboy? — Mexo os lábios, sem saber o que dizer. — É no mínimo surpreendente e...
— E... — Ela arqueia a sobrancelha.
Sei que se eu der a resposta errada, nunca terei seu afeto.
E, fora todo o plano que me trouxe para Juggi, eu quero, de verdade, sua amizade.
Quero ser mais próximo de Wang Sunhee, e espero que nenhum caçador nunca saiba disso.
Porque eu vim até aqui para conquistá-la, ter filhos com ela e matar todos depois.
E, quando esse pensamento me cruza, sinto repulsa.
Por que?
— ...Ji Yong? — Sunhee me chama, um pouco mais triste.
Pisco uma vez e a olho, afastando os pensamentos.
Sorrio.
— Nunca me informei sobre esse tipo de coisa, sabe? Mas fiquei curioso... Pode me ensinar?
A pergunta faz os olhos da menina brilharem.
E meu coração falha uma batida.
— Quer mesmo que eu te ensine? — Suas sobrancelhas se erguem em espanto.
Jogo a peça do quebra-cabeças sobre a mesa e assinto.
— É, me conte mais sobre esse negócio de feminismo.
***
Flashback: 24 de dezembro de 1993.
Penteio os cabelos úmidos com os dedos e saio do banheiro ainda molhado, com a toalha em volta da cintura. Confiro as roupas que deixei sobre a cama para vestir e participar da ceia da família Wang, e vou à mala para buscar um par de meias e a caixa com meu relógio de prata. Avalio. Calça e camisa sociais, uma gravata fina de lã e um suéter cinza.
É quente e confortável, mas formal. Vai me proteger do frio que emerge da geada esbranquiçada nos campos da propriedade nessa noite de véspera de natal, mas também vai passar a imagem que quero representar para o pai de Wang Sunhee. Ponho as meias por cima dos sapatos que engraxei mais cedo, coloco o relógio no pulso e fecho o elo. Suspiro com um cansaço maior que minha consciência.
E me lembro de tudo o que aconteceu desde que cheguei a essa cidade.
Aonde foi parar o assassino implacável?
O dragão que devora corações de bruxas e coleciona fantasmas?
Quem sou eu, agora?
Nunca falhei em nenhuma missão, abati todos os meus alvos. Matei todas as bruxas que cruzaram meu caminho e roubei centenas de almas. Centenas. Sempre fui um herói para aqueles que importavam, o salvador da minha linhagem, o escolhido para trazer a vida de volta à Ordem dos Caçadores do Leste. Sempre me considerei um colecionador de corações e só.
Todavia, diante do rastro pálido da lua sobre o piso de taco de um cômodo do casarão Wang, entre os sopros frios da brisa que exala da varanda e o mormaço que crepita na lareira acesa para afastar o inverno do quarto, sinto vergonha. Não há mais uma gota de orgulho no que faço. Sinto-me muito mais como um colecionador de vítimas, como se eu fosse o vilão da história de centenas de bruxas.
Como se eu fosse o vilão da história de Sunhee, não mais o herói da minha história.
É que os Wang, como qualquer outra família de bruxos, está nas minhas mãos. Eu os manipulei como um lobo tacanho em meio a um rebanho de ovelhas crédulas. Esse era meu objetivo desde que cheguei à cidade, e eu consegui obter meu sucesso, mas não sinto vencedor. A convivência com essa família me fez perceber algo que nunca mais esquecerei. Eles não são somente bruxos, são pessoas como eu.
Não como eu, porque eles são mais honrados.
Eu os enganei.
Só precisei de algumas semanas em contato com as bruxas, para entender que tudo no que tenho acreditado desde que nasci pode não ser a verdade. Olho meu reflexo no espelho do quarto e um monstro sem escrúpulos me encara de volta. Não sou o Escolhido, o Purificador de Almas, o Dragão da Ruína. Sou um assassino, um ladrão, um monstro.
Por trás da tranquilidade em meu semblante, respira um pensamento mórbido sobre traição, porque traio bruxas e caçadores ao pensar no que penso. Traio meu sonho de ser o soberano da Ordem dos Caçadores ao considerá-la monstruosa, traio meu ódio pelas bruxas ao nutrir um sentimento por uma bruxa Wang. Traio até Sunhee por ter que odiá-la quando sei, em meu âmago, que estou apaixonado por ela.
E eu me odeio por tudo isso.
Não sei o que fazer.
Levo os dedos às têmporas, as massageio e sinto essa dor latente e desgastante. Que futuro posso dar a essa bruxa, se significo sua morte? O que devo fazer? Abdicar da missão e sumir? Contar a verdade e me afastar dela? Ou contar e pedir a ela para me aceitar e fugir comigo? Ou devo afogar esse sentimento, arrancar a culpa do peito e terminar a missão? Seria mais simples, mas é o que eu menos quero.
Só queria acordar desse pesadelo.
— Ô. E-eu não queria... — Ouço a voz às minhas costas e me viro.
Sunhee está parada na porta do quarto, deslumbrante em um vestido escuro que a cobre até os joelhos. Seus lábios são marcados por um batom carmesim e linhas pretas adornam suas pálpebras. Sua expressão espantada, porém, destoa da figura impecável. É que seus olhos se prendem ao meu corpo, e eu me lembro de que ainda não me vesti. Só tenho uma toalha enrolada em volta da cintura.
Sua boca se abre em espanto e ela ergue o indicador para apontar para mim.
— Ji Yong, você...
— Sunhee? — Meus olhos se arregalam e eu coloco os braços na frente do dorso. Essa é a pior reação que eu poderia ter escolhido. — Me desculpe! Sunhee-ah! — Peço, exasperado. Mas, espera. Por que estou pedindo desculpa? — Me desculpe, eu...
Só que a maluca não sai do quarto.
Ela entra, fecha a porta com um empurrão e corre até mim.
— CARAMBA! — Seus olhos se arregalam e ela para a alguns centímetros de distância, olhando meu corpo com curiosidade.
Quando percebo isso, meu rosto se aquece.
— O que está fazen...
— Você tem muitas tatuagens! — Ela sussurra, entusiasmada como uma criança em um parque de diversões. Seus olhos passeiam por meu peito, abdome e ombros. — Minha nossa! Isso é uma esfera do dragão? Você gosta de Dragon Ball?! Eu amo o Vegeta. Ai, Estranho, casa comigo. — Ela toca as bochechas com as palmas das mãos e saltita.
E eu pisco.
...O quê?
Essa mulher nunca vai parar de me surpreender.
— Eu... Eu gosto e... Sunhee-ah. Eu... Eu estou sem roupa.
— E eu estou de vestido. — Ela fala em um tom divertido. — Percebi que está pelado, Ji Yong. Mas, minha nossa. Nunca vi alguém com tatuagens, só nas revistas. Ah! Que legal! — Ela dá mais pulinhos e cutuca a esfera do dragão no meu ombro. Ela acabou de me tocar? Mas... Eu estou nu. Minha nuca esquenta. — Ah, Ji Yong, você me enganou direitinho! — Ela suspira, desapontada.
Ela sabe que eu a estou enganando?
Ela sabe?
Como ela sabe?
— O quê? Não estou te enganando! — Digo, à beira do desespero, e ela me olha, inclina a cabeça para o lado e ri.
Por que ela está rindo? Por acaso é engraçado estar em um quarto com um assassino?
— Meu Deus, homem. Relaxa. Eu quis dizer que você tem toda essa pose de conservador e tal, mas tem tatuagens! — Sunhee bate palmas e eu deixo os ombros caírem, suspirando. Ela é louca... Mas, é isso que gosto nela. — Aish! Dói muito pra fazer? Onde você fez? Pode me levar um dia pra fazer uma tatuagem? Nossa, eu sempre quis tatuar um corvo bem aqui. — Ela aponta para o ombro.
Franzo o cenho.
— Um corvo? Por quê?
— É que eu amo corvos, são bichos bem humorados e inteligentes. — Ela explica, com uma expressão descontraída, mas bem mais séria do que seu estado normal. — Eles podem aprender a se comunicar com pessoas, conseguem reproduzir palavras do nosso idioma. São fascinantes... E eu tenho inveja de pássaros porque eles podem voar, e eu não tenho esse dom. Se eu pudesse escolher, seria um corvo.
— Você seria um corvo? — Quase rio com seu pensamento.
— É. Ou um monte deles. — Ela abre os braços. — Imagina? — Sunhee coça a testa e ri. — Aigoo! Deixa eu ver suas costas.
— Hm, quê? Não, Sunhee-ah! Não devíamos estar trancados no meu quarto. Estou sem roupa. — Tento argumentar.
— Você vai me atacar? — Ela arqueia a sobrancelha e eu ofego, surpreso e aterrorizado.
— Claro que não! — Meus olhos se esbugalham e ela dá de ombros.
— Então minha tão valiosa "virgindade" está protegida. — Meu rosto se afogueia. Não dá para acreditar que ela disse isso. Ela vê que estou corado e ri ainda mais. — Que bonitinho! Você ficou vermelhinho. Aigoo... Que fofo. Vira de costas. Eu vi que tem nas costas também.
— Você... É impossível. — Constato e obedeço. Viro-me. Sinto seus dedos em minhas costas e tento controlar a reação de arrepio. Isso também é impossível. — Sua mão está fria. — Falo para deixar subentendido que minha reação se deve ao choque térmico.
— "Muito rápido pra viver, muito jovem pra morrer"... Por que tatuou essa frase? — Os dedos percorrem minha escápula e, aos poucos, relaxo. — Você não parece ser o tipo de homem que se aventura. Eu diria que você nunca fez nada transgressor. Exceto as tatuagens. Hm... Ah, com certeza. Ji Yong, você é todo arrumadinho, nunca teria coragem de fazer nada perigoso.
Olho-a por cima do ombro, com a sobrancelha arqueada.
— Isso é um desafio, Wang?
— Qual foi a coisa mais louca que já fez? — Ela pergunta.
Viro-me de frente para ela, com os olhos estreitados sobre os dela.
Penso em tudo o que já fiz na minha vida, desde que os anciãos me tiraram da casa dos meus pais para me tornar o melhor caçador que já pisou sobre a terra. Nada se compara à loucura que quero fazer. Nada se compara ao sorriso que rasteja em seus lábios, cada vez mais sinuoso. Nada se compara à adrenalina que acelera minhas veias, a pulsação. Nada se compara ao brilho em seus olhos.
— Acho que nunca fiz nada mais louco do que eu quero fazer agora.
— O que você quer fazer, Ji Yong?
— Eu quero... Te beijar.
Wang Sunhee ergue um pouco o queixo.
— Ah, é? — Não respondo. O receio embrulha meu estômago. Será que ela vai me rejeitar? — Vou ter que estragar isso, então. — Franzo o cenho. — Desculpa. — A sensação de tomar um fora de Sunhee começa a doer em meu interior. — É que eu vou te beijar antes... Sabe como é, eu preciso de um presente de natal. — Ela sorri e avança sobre mim, tocando meus lábios com os seus.
***
Flashback: 09 de março de 1994.
— Sunhee-ah? E aí? — Tento manter a calma na voz, para não transparecer minha ansiedade, mas acho que se eu andar em volta da porta do banheiro mais uma vez, o chão do quarto dela vai ceder. Então, seu rosto surge pela fresta da porta, inexpressivo. Meu coração bate na garganta. Paro, a olho e espero. Ela não diz nada e eu solto o ar pela boca. — Você está tentando me matar, é isso?
A despeito de tudo o que prometi para mim mesmo, deixo a angústia se entrelaçar em cada palavra.
O desespero vai acabar com meus nervos a qualquer momento.
— Hm... Oppa, você tem seguro de vida? — Ela franze o cenho.
Fecho os olhos e respiro fundo.
— Sunhee.
— Tá, tá bem. — Volto a encará-la, e ela sorri. — Acho que Appa vai te matar, e vai me matar depois que o bebê nascer.
Pisco algumas vezes.
Merda.
Merda.
Eu vou ser pai.
Ser pai dos filhos de Sunhee é mais um passo concretizado do plano. Como deixei isso acontecer? Não posso ser pai dos filhos dela. Não posso. Eu tomei as precauções, fiz de tudo para... Não, não pode ser verdade. É mais que irresponsável, é meu atestado de óbito. Acabei de cometer meu maior crime. Meu Deus, o que eu fiz? O que eu fiz? Não. Acabei de condenar a todos nós.
Como posso ser pai de um filho dela, se desisti de tudo? Acabei de abdicar da missão, fugi da Ordem, pedi clemência, um segundo de trégua para colocar tudo no lugar. Pedi até a intervenção dos antigos, para que eles invocassem uma nova profecia, qualquer coisa que salvasse Sunhee do sacrifício. Ela não pode estar grávida. Como vou protegê-la, agora? Como posso nos salvar?
Meu Deus. Eu só queria fugir com ela o mais rápido possível. Só quero protegê-la do destino cruel que a espera a diante, como meus antepassados previram. Não posso permitir que ela sofra, não. Eu a amo. Esse é o único sentimento certo que já abriguei dentro de mim. O único. Ela precisa viver em paz, sem filhos amaldiçoados, sem sacrifícios.
Se algo acontecer a ela, a uma criança gerada por ela, eu vou enlouquecer.
Esse é o pior crime que já cometi, diante de todo sangue que escorre das minhas mãos.
Como eu permiti que isso acontecesse?
— ...Oppa... — Ela sussurra. E essa é a primeira vez na vida que ouço sua voz tremer.
Sua coragem desapareceu.
Volto a fitá-la, e ela está pálida, trêmula.
— ...H... Hm?
— ...V-você vai me abandonar? — Seus olhos escuros começam a brilhar à beira das lágrimas. Isso me atinge muito mais do que qualquer outro medo. Não tenho o direito de magoá-la. Minha cabeça começa a doer. — J-ji Yong, você... — Seus lábios tremem. Não é só tristeza. Ela sente medo de que eu a abandone, a deixe sozinha com um bebê.
Não... Não sinta medo de mim, Sunhee...
Não sinta medo de mim...
— Ei, Sunhee-ah, vem cá. — Abro o resto da porta atrás da qual ela se esconde e a puxo, a abraço. Seu corpo inteiro treme e eu noto que me perdi dentro dos meus próprios problemas e esqueci de que ela é só uma garota que acabou de descobrir algo assustador. Ela sente medo, sim. Aperto-a contra mim e encosto o queixo no topo de sua cabeça, beijando seus cabelos. — Sunhee, me dê paciência, pare de tremer. — Resmungo baixinho e ela soluça. Meu coração bate mais depressa. — Não, meu bem, não chore.
— Mas eu pensei que você ia me deixar porque eu fiquei grávida e, e... e...
Seguro-a pelos ombros e a afasto para olhar em seus olhos, tenso.
Todas as implicações de uma gravidez caem sobre meus ombros. A culpa, o remorso, o arrependimento, a dor, o medo. E, só agora, entendo que tipo de crueldade tenho feito por todos os anos da minha vida. Destruí sonhos e esperanças e futuros. Destruí afetos, vidas. E planejava matar muitas mais... Planejava a morte de um bebê indefeso, uma menininha que se pareceria com Sunhee.
Um bolo se forma em minha garganta e uma vertigem faz meu estômago embrulhar.
— ...Oppa... — A voz me traz de volta a ela. — Oppa?
— Eu...
Ela me interrompe.
— ...Você está bravo comigo? Quer me deixar por causa disso? — As lágrimas rolam por seu rosto e ela funga. Ah, Sunhee... Se você soubesse do que eu tenho medo. — Oppa... Eu fiz tudo certinho, não achava que isso ia acontecer. Eu juro que a culpa não foi minha! Não me deixa... Eu não quero ficar sozinha com um bebê. É... É assustador. Eu sou muito nova e... — Baixo a cabeça por um instante e pigarreio. Ela se desvencilha das minhas mãos e segura meus braços. — Ji Yong... Estranho... — Volto a olhar para Sunhee e ela espera, angustiada.
Fungo.
E sei que esse é o único momento que tenho para me expor.
— Se você soubesse o que sinto talvez não diria, nem pensaria isso de mim. — Sussurro, olhando em seus olhos. — Sunhee-ah, você não faz ideia do que já abandonei pra ficar com você. Sou herdeiro de um trono por aí, sabia? E eu o larguei pra ficar com você. Larguei minha família, minha posição social, meus amigos, larguei um povo que precisava de mim, larguei uma fortuna pra ficar com você. Abandonei tudo o que conhecia, tudo o que já amei, porque eu amo você. Abdiquei de uma missão, de uma promessa, por você. Abri mão da minha vida pela sua. Não precisaria de um bebê pra que eu ficasse aqui. Eu ficaria de qualquer jeito, porque meu coração é seu. Eu nunca vou te abandonar. Nunca. E essa é a única promessa que eu vou manter até enquanto respirar, porque te amo. E isso é tudo o que eu sei.
Ela não parece entender tudo o que digo, mas assente e chora mais uma vez.
E eu a abraço, aninhando sua cabeça em meu peito.
— Não sei falar bonito desse jeito, Oppa... — Ela fala com a boca abafada por minhas roupas, e eu rio com a voz embargada. — Como assim... Você é herdeiro de quê? — Ela volta a fitar meu rosto e eu fungo, encolhendo os ombros. — Você vai ser rei de quê?
— Eu seria rei se não tivesse escolhido você.
— E por que não me leva pra ser sua rainha? — Ela sorri e soluça. Antes que eu responda, seu sorriso se desmancha. — Ji Yong, eu preciso te contar uma coisa. — Ela respira fundo e solta o ar devagar pela boca. — Não fuja de mim quando te contar, certo? Não é nada demais. Eu te juro. É só que eu... É que eu... Bem... Como eu vou explicar... É que eu nasci com uma coisa que... É que eu sou uma...
— Uma bruxa?
O murmúrio paira sobre nós.
— M-mas... Como você sabe? Quer dizer, você sabe? Como? Você não é um bruxo e...
— Eu sei porque sou um caçador de bruxas, Sunhee-ah. E não sou um caçador qualquer. Eu deveria ser o rei deles.
Seus olhos se arregalam.
***
Flashback: 09 de abril de 1998.
O único pensamento que martela minha mente enquanto acaricio os cabelos de Jisoo, adormecida na poltrona do apartamento que aluguei ao lado do centro cirúrgico, é que meu segundo filho está nascendo em algum lugar desse hospital e eu fui proibido de entrar lá. A agitação e angústia em meu interior diminuem quando fito minha pequena e passo os dedos pelos fios delicados de sua franja.
Mas, no momento em que confiro a hora no relógio de pulso, o tempo volta a ser uma tortura lenta e cruel. Então, a porta do quarto se abre e a Dra. Chou entra com um sorriso brilhante e sua barriga avantajada de grávida. Ela me vê, sorri para mim e faz um sinal positivo. E eu me alivio tanto, que todos os sentidos se afrouxam. Apoio uma mão na parede para me recuperar da vertigem.
A Dra. Chou se alarma e se aproxima de mim.
Dispenso seu cuidado e me recomponho, com um sorriso.
— Oi, Tzi, então deu tudo certo? — Pergunto, mais seguro, e ela assente.
— Ji Yong, como vai? — A Dra. Chou fala e estende a mão, que eu aperto. — Não fiz a cirurgia da sua esposa por causa da minha Tzuyu, — ela acaricia a própria barriga de grávida —, mas chamei os melhores cirurgiões e acompanhei tudo de perto. Foi um sucesso. O neném é perfeito, a Sunhee está bem, se recuperando da ligadura de trompas. — A médica fala, cuidadosa. — Ela já vem pra perto de vocês.
Sorrio, tirando o peso do mundo das minhas costas.
Tenho um filho homem e caçula, e Sunhee não pode mais ter filhos.
Não teremos uma caçula mulher para sofrer com a Maldição do Ômega.
E eu não posso cumprir a profecia da Bruxa Wang e do Alfa Lúpus.
Meu pesadelo acabou, finalmente.
Sorrio.
— Ah, que ótimo... Então... Posso ver meu filho?
— Desculpe? — A médica inclina a cabeça, e ri. — Ah, sim! Acredita que as ultrassonografias estavam erradas? Acontece bastante, mas imagine a nossa surpresa, quando terminamos a cesárea e vimos que seu herdeiro na verdade é mais uma princesinha?
Meu sorriso começa a murchar, como se eu estivesse entrando em um dos meus pesadelos.
— ...O quê?
— É. Sinto muito pelo transtorno, Ji Yong, mas eu tenho certeza de que você não é desses homens que se importam com o sexo do bebê, não é? — Acho que ela percebe a perturbação em meu rosto, porque essa é uma emoção que não consigo controlar. — Ji Yong?
— Você está me dizendo que Sunhee teve outra menina?
Ela recua um passo, quase ofendida.
— Não acredito que você está aborrecido por não ter um herdeiro homem. — A Dra. Chou fala, alheia a tudo o que isso significa.
— Não, Tzi. Não é verdade, né? Ele é um garoto... Um garoto. Um menino. Não é um menino?
A médica se aproxima de mim, séria e resignada.
— Por favor, não repita isso na frente da sua esposa. — Ela me olha de perto, com os olhos quase úmidos. — Sabe quantas mulheres sofrem de depressão pós-parto por não conseguirem dar à luz um menino, pra que seus maridos fiquem felizes? Sabe o que meu marido disse quando soubemos que o herdeiro dele na verdade seria uma menina? — Suas palavras se tornam mais pessoais. — Eu chorei por...
Engulo em seco.
A mulher continua seu sermão sobre como eu devo me alegrar com a chegada de um bebê, seja ele homem ou mulher, porque filhos são uma benção de qualquer forma, mas não consigo ouvir. Entro em desespero. Todo tipo de horror circula minha mente. A notícia de que o bebê que acaba de nascer é uma menina começa a me rasgar por dentro. Uma menina. Uma menina como Jisoo.
Minha caçula é uma menina.
Não... Não.
E agora?
***
Flashback: 22 de setembro de 2004.
— Vá com Jisoo, Jin. — Kim Jihye oferece ao filho e aponta para a menina parada no vestíbulo, ansiosa.
— Podemos brincar lá fora, Appa? — Jisoo junta as mãos, me pedindo permissão.
— Claro. Podem ir. — Faço um sinal para que as crianças saiam e fito a mulher, que parece ansiosa demais para uma visita comum. Dá para ver a perturbação em seu rosto quando seu olhar abandona as crianças e se vira para nós. — Jihye, o que aconteceu? — Pergunto, mas é Sunhee que se aproxima da amiga e a segura pelos cotovelos, chamando sua atenção.
— O que aconteceu, amiga? — Ela pergunta.
E Kim Jihye cai em um choro incontido.
Sunhee me olha de esguelha e eu sei o que devo fazer.
Não demora até que estejamos encerrados na biblioteca do casarão, os três, entre estantes antigas e livros empoeirados. Jihye bebe a xícara de chá calmante que a empregada trouxe, Sunhee acaricia o ombro da amiga e eu espero, quieto, de pé e com as mãos juntas atrás do corpo. Sei que o que vem depois não pode ser bom. Jihye é uma bruxa e seu dom é o de vidência. Ela pode ter visões do futuro.
Se veio até minha casa à essa hora da manhã, desesperada e sem conseguir dizer qual é o problema, já posso imaginar do que se trata, e não gosto nem um pouco do rumo dessa história, mas não digo nada. Apenas espero, recolhido. Sunhee é quem acalma Jihye e, após um curto tempo de descanso, a bruxa vidente se vira para mim, me olha e respira fundo. Ela me chama e eu dou alguns passos.
Aproximo-me dela, ajoelho-me diante da poltrona e a olho de baixo.
É assim que me porto diante de bruxas, para que elas sintam segurança.
— Diga, Jihye. Foi uma visão? — Pergunto e ela assente. Meus olhos titubeiam em Sunhee, que me dá um sorriso triste. — De quê?
— Sacrifício. — Fico quieto, não interrompo, mas a palavra é indigesta e revira minhas entranhas. — Você não é forte o suficiente para lidar com o que está por vir, Ji Yong. O que eu vi foi uma terra arrasada. Nós todos morreremos em vão...
A inexpressividade do meu rosto racha e minhas narinas tremem.
— Jihye, você não sabe... Eu consumi o coração de muitas bruxas, eu posso lidar com...
— Bobagem. Você não está preparado. Ji Yong, você precisa... Precisa... De mais corações. — Seu olhar cai sobre o meu. Balanço a cabeça veemente, pronto para argumentar que parei de matar bruxas em 1993 e prometi a Sunhee que nunca mais roubaria um coração, mas a vidente continua. — Eu sou a primeira. Em algum momento, vou ter que me entregar em sacrifício a você, pra que absorva meus poderes. E isso vai acontecer depois da morte da Sunhee... — As lágrimas mareiam seus olhos.
Fito minha esposa, que mantém o sorriso e acaricia o ombro de Jihye para consolá-la.
Ela não se abate com a notícia, nem vacila o olhar calmo.
Volto a mirar a vidente, sentindo o enjoo se propagar.
Mas, se Sunhee não sente medo, tampouco devo sentir.
— Sunhee não vai morrer. — Meneio a cabeça e sorrio, encorajado pela coragem dela. — Vamos conseguir pará-los.
— Não vão, Ji Yong. Eles têm planos para os corações das Wang, querem usar o poder delas pra conjurar um novo Dragão, sejá lá o que isso significa. E eles querem se vingar de você. Vi terra arrasada se você não tiver o poder. E pra ter esse poder e libertar nossas irmãs, terá que prender tantas outras de nós. Eu vi. Centenas de bruxas virão até você e se entregarão em sacrifício pra que você liberte a todas nós. E eu serei a primeira... Já tenho data pra morrer. Não sei quando será, nem sei como será, mas... — Jihye fita a amiga e segura suas mãos. — Sinto muito, Sunhee-ah.
Diferente da atmosfera sombria que se ergue na conversa, Sunhee sorri.
Ela aperta os dedos de Jihye entre os seus e assente.
— Prometa uma coisa pra mim, Jihye.
— Claro, amiga...
— Depois que acontecer comigo, se certifique de que as minhas meninas e o Ji Yong vão tomar banho e comer direitinho. Antes de você ir também, certo? — Ela fala como se fosse fazer somente uma viagem, com a mesma alegria de sempre. Como ela consegue? Uma vidente acabou de dizer que ela morrerá em algum tempo. — Dê uma olhada na __________... Eu estou tentando prender os poderes dela, mas ela é muito forte, não sei se meus feitiços vai conseguir anular a magia dela. — Sunhee baixa o olhar por um instante, mas retorna.
— Amiga, eu...
— Peça a Jung Hani pra trazer cinco corvos pra cá, o mais rápido possível, certo? Eu preciso disso.
— Corvos? — Kim Jihye fala, sem entender, e Sunhee assente. — Certo. Pra quê?
— É que eu gosto de corvos e sempre quis ter um... Se estou com os dias contados, é melhor fazer logo tudo o que eu sempre quis fazer, pra não ficar com nenhum desejo por terminar. — Ela dá de ombros e me olha. — Não é, Ji Yong?
Suspiro, derrotado.
— O que quiser, meu bem. O que quiser. — Falo, mas meneio a cabeça, porque não vou deixá-la morrer.
Sunhee não pode morrer.
***
Flashback: 09 de Outubro de 2010, antes
Ela está linda.
Sunhee nunca esteve tão deslumbrante quanto hoje, no aniversário de dezesseis anos de Jisoo.
Ela caminha pelo quarto e se senta em sua penteadeira, retoca o batom carmesim que sempre usa, coloca suas joias favoritas, passa um pente fino na lateral do penteado e borrifa uma nuvem de seu perfume com notas de almíscar. E me olha. Ela sabe que me provoca fascínio. Sunhee se levanta, vem até mim e acaricia minhas bochechas, ela sorri tão leve quanto no dia em que nos conhecemos.
Éramos tão jovens.
— Meu amor, não faça essa cara. É aniversário da sua filha. Faça o favor de ficar feliz. — Ela me diz.
— Eu vou infartar e a culpa é sua, da Jisoo e da __________. Já estou sentindo uma dor no braço. — Faço uma careta e ela ri.
— As moças Wang te dão dor de cabeça, Kwon Ji Yong? — Sunhee fala entre as risadas roça o nariz no meu. Ela se afasta para me olhar e passa as mãos por meus ombros. — Querido, você não se importa de me acompanhar, não é? Jisoo quer entrar com o Yoongi e você tem que ver como ele chegou aqui arrumadinho. Eles vão formar um casal tão fofo. — Seus olhos brilham e eu assinto.
Faço uma careta.
— Se ela quer tanto...
— Você não vai ficar com ciúme da sua filha, né? — Ela me analisa. Meneio a cabeça, em negativa.
— Eu gosto dele. E Jisoo gosta dele, então é o que importa, né? — Pergunto e Sunhee assente. — Mas, você me deixa colocar medo nele, pelo menos? Por favor. De que adianta ser pai de uma adolescente se não posso fazer um candidato a genro tremer de medo?
Dou de ombros e ela ri.
— Temos que ir. — Diz Sunhee, bem humorada. — Você vai ser meu príncipe hoje? — Não respondo, só olho. Sua beleza me sufoca. É minha vez de ir até ela e segurá-la pela nuca. Beijo sua boca sem me importar com o batom vermelho que a colore. Eu ainda a amo da mesma forma que amava aos vinte anos de idade. E, quando os lábios se separam, ela suspira. — Eu te amo, Ji Yong, não se esqueça disso depois que eu for embora. — Meneio a cabeça e minha garganta se trava. — Estranho?
— Você não vai morrer, Sunhee-ah. — Repito, como tenho dito pelos anos desde que Jihye nos contou sobre sua visão.
— Não... Não vou morrer. Vai ser uma viagem... Vou descobrir qual é a sensação de voar.
Baixo o olhar, segurando seu corpo quente contra o meu.
— Eu vou conseguir, Sunhee-ah, vou libertar vocês.
— Eu sei que vai. — Ela pega minha mão e coloca sobre seu ombro, bem em cima da tatuagem com pequenos corvos em revoada que a levei para fazer depois que Jisoo nasceu. Os pássaros negros que Sunhee sempre amou. — Quer dançar? — Franzo o cenho e ela ri, me puxando para dançar.
— Não tem música, Sunhee...
— Então cante pra mim... Eu adoro sua voz. Canta aquela música que me mostrou outro dia, eu adorei.
— Blackbird? Pássaro negro? — Pergunto e ela acena que sim. Suspiro e atendo seu pedido. Canto as palavras da música que ela escolheu. — Deixe o vento te levar pra casa, pássaro negro, voe pra longe. E que você nunca se machuque de novo... Além do sofrimento que você conheceu, eu espero que você encontre seu caminho. E que você nunca se machuque de novo...
Nos últimos versos, ela canta comigo.
E me abraça.
***
Flashback: 09 de Outubro de 2010, depois
Pouco me lembro do fim.
Lembro-me dos gritos que cortaram a noite, da música ruidosa que parou no momento em que alcancei a varanda e soltei o rugido de um monstro ferido. Lembro-me do medo, do vazio. Lembro-me da dor que senti. Eu vi o amontoado de pessoas perto da fonte, convidados do aniversário de Jisoo, e sabia que algo terrível tinha acontecido. Corri. O mundo girava ao meu redor, enquanto eu me lançava pelos degraus e avançava para perto do tumulto. Eu as vi. Cobertas de água e sangue. Jisoo e Sunhee sem vida, __________ abraçada a elas.
A dor contaminou primeiro meu peito e as têmporas. Espalhou-se pelo corpo como uma doença, se alastrou pelos poros como fogo em uma floresta seca. Ardia nos olhos, na garganta. Doía quanto podia doer. Não me lembro por quanto tempo gritei ou chorei, nem quando elas foram socorridas e levadas ao hospital. Só me lembro das lágrimas que irrompiam por meus olhos silenciosas, da respiração que custava a entrar e sair dos meus pulmões. Eu subi na ambulância depois de elas serem içadas por macas, e olhei para fora.
Vi Kim Jihye parada do lado de fora, lá perto da fonte, paralisada.
Lembrei-me de sua visão sobre a morte de Sunhee.
E ali eu soube o que faria depois, porque Jihye levou a mão ao peito.
As portas da ambulância se fecharam e me embriagaram em um sofrimento que jamais acabaria.
***
— Sr. Kwon? — Alguém balança meu ombro.
Pestanejo.
Olho para o lado e vejo Sehun e Namjoon, ambos parados em seus lugares, tensos.
O carro está estacionado em uma rua deserta do centro. Estamos do lado do prédio do Matadouro.
— Sr. Kwon, o senhor adormeceu. Deixamos, porque Namjoon sentiu uma magia fria ao seu redor, e disse que era resultado de um feitiço, mas acho que vimos sua filha ser levada para dentro do prédio e achamos que seria uma má ideia ficar mais tempo parados aqui. O senhor está bem? — Sehun despeja as notícias de uma vez e eu assinto, olhando para fora das janelas do carro.
Procuro os pássaros negros pelo céu e acho uma revoada de corvos riscando o cinza da chuva.
Sunhee... É ela.
Ela sabe como é voar.
Minha garganta se embarga e eu volto a fitar o motorista e o garoto que me esperam.
— Namjoon — faço um sinal para ele, que me olha atento. — Se puder, diga ao filho de Jihye que a mãe dele foi uma das mulheres mais corajosas que eu conheci... — Ele franze a testa, mas assente. — E... Wang Juran. — Olho para o gato no colo do garoto. — Vá até __________. Ela vai precisar de ajuda. — Ouço um ronronar e o gato se aninha, cerrando os olhos cor de oliva.
— W-w-wang Juran? Era com ela que o Hoseok falava?
— Pode apostar. — Concordo com um aceno. — Vamos. Temos uma... — Sinto meu celular vibrar no bolso da calça e o tiro de lá. Vejo o nome de Sung na tela e suspiro. Atendo. — O que foi?
— Hyung, eu estou sendo perseguido por um bando. Tem um esquadrão de Alfas à caminho pra me ajudar, mas precisava avisar, para o caso de acontecer alguma coisa comigo. — Sua voz é trêmula, ele parece estar sob efeito de adrenalina. — Precisa de algum reforço por aí?
— Estamos bem, até agora.
— Hyung.
— Diga logo o que você quer, Sung. Estamos no meio da nossa ação.
— Eu só queria agradecer por... Por ter me dado a chance de recuperar o afeto do meu filho, eu...
— Não seja sentimental, Ji Sung. Pelo amor de Deus. Só me faça o favor de não abandonar sua família. Nunca mais.
— Não vou, eu não... Tenho que ir. Ali! Ali! — Ele desliga a chamada e eu fito meus aliados.
— Vamos. Nosso objetivo aqui é roubar uma adaga. Sehun sabe qual é... E eu tenho uma cópia aqui. — Fito Namjoon. — Você é mesmo um alquimista, garoto? Pode transformar ferro em prata?
Kim Namjoon me olha mais vivo e assente.
— Posso tentar.
— Ótimo. Vamos. Temos uma guerra pra vencer.
***
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