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História Girl Meets Evil - O Poço e o Pêndulo.


Escrita por: Ghost_Fanfics

Notas do Autor


HEY GENTE

A TÁTICA DEU CERTO AAAAAAA OLHA QUEM VOLTOU A POSTAR NO HORÁRIO CERTINHO IRRRAAAAAA
Vou tentar manter isso pra postar nos domingos o que falta da história. Nossa, mas ta muito no fim, meu deus

ME SIGAM NO TWITTER PELO AMOR DE DEUS POR FAVOR POR FAVOR <333 @Ghooost_fa e não tenham medo, podem interagir comigo que eu respondo OIHOHIOHIHIOHIO

to tão ansiosa que nem sei o que dizer hoje OIHIOHIOHIHO Só vou dizer que lá embaixo tem um plot twist gigante e que POR FAVOR NÃO DEEM SPOILER SOBRE ELE NAS REDES SOCIAIS OU EM OUTROS CAPÍTULOS POR FAVOR OIHIHOIHOIHOIHOHIOHIHOIHO

OBS.: Não deu tempo de responder todos os comentários, mas eu vou responder todo mundo porque TEM CADA MENSAGEM LINDA QUE EU SEI QUE VOCÊS SÓ FAZEM PRA EU CHORAR MESMO! Leitores, vocês são os melhores! Obrigada pelas views, pelos comentários, pelos favoritos, POR TUDO! ATÉ OS FANTASMAS QUE EU AMO OIHOHIOHIOHIHOIHOIHO

e agora, com vocês, O CAPÍTULO NOVO! voa mlk

Capítulo 105 - O Poço e o Pêndulo.


Kim Namjoon's P.O.V.

Não disponho dos dons de vidência e feitiços como meu marido, Jin, e não entendo a bruxaria experimental que Hoseok pratica em sua loja de variedades exóticas. Não domino elementos naturais como __________, tampouco tenho o conjunto de habilidades peculiares aos Alfas. Por isso, julgo-me inútil em um campo de batalha. Sou um cientista, aliás, um estudioso de ciências exatas aplicadas à magia.

Não sou um soldado e, por isso, a escolha do Sr. Kwon Ji Yong me surpreende.

Sim, a escolha.

Porque ele me escolheu à dedo.

No calor do momento em que estacionamos na entrada do Hospital Geral de Juggi e discutimos estratégias, ninguém nota, mas o Sr. Kwon me examina da cabeça aos pés, entre suas discussões com Jungkook e os outros. Ninguém repara, mas ele toca meu ombro e me puxa com gentileza até que eu fique às suas costas, em uma posição tão discreta que nem mesmo Jinnie é capaz de se dar conta de que não fui incluído em nenhum dos planos. Ora, nem eu reparei nisso.

Só junto as evidências do quebra-cabeça quando estou acomodado no banco traseiro do sedã de luxo guiado pelo motorista charmoso de __________, ao lado do empresário e com o Gato do Jin deitado em meu colo. Lanço olhares erráticos às ruas, ao motorista e a Kwon Ji Yong que, estranhamente, está adormecido. Tento entender que razões o levariam a me escolher, entre tantos bruxos e Alfas a sua disposição. Faço uma lista mental das minhas habilidades, mas não vejo como poderia ser útil em uma guerra.

E permaneço no mistério, acariciando a pelagem macia do Gato do Jin, até o Sr. Kwon despertar. Depois de se situar, ele me lança um olhar arguto, mas agradável. É enigmático, no entanto já percebi que tudo sobre ele é envolto em uma trama de segredos. Então, ele me surpreende e me revela que é um caçador rebelde que desertou e agora luta ao lado das bruxas na guerra.

E ele é forte o suficiente para não precisar de Alfas ou bruxos com potencial bélico.

Seu interesse em mim é outro.

***

Flashback: Capítulo 25.

— ...Namjoon Hyung e Hoseok Hyung também são bruxos. — Jungkook se mexe no banco e fica de frente para mim. — Nunca reparou? Como acha que Namjoon vai fazer seus exames de sangue em casa?

— Ele vai fazer um ritual?

— Não, né? — Jungkook toma um fôlego e ri. — Ele estuda alquimia e esses ramos mais científicos da magia. É um lance de Nerd.

 

***

Ele precisa de mim porque sou um alquimista.

— Vamos. Nosso objetivo é roubar uma adaga. Sehun sabe qual é, e eu tenho uma cópia aqui. — Sr. Kwon me explica, me mostra sua cópia da faca e sorri, afável. — Você é mesmo um alquimista, garoto? Pode transformar ferro em prata?

Sei que é besteira, mas me sinto lisonjeado por sua pergunta.

Essa é a primeira vez em que alguém reconhece meu trabalho como alquimista.

De repente, sinto que meu tipo peculiar de magia não é tão inútil.

— Posso tentar. — Falo, modesto.

— Ótimo. Vamos. Temos uma guerra pra vencer.

É o que ele diz, e há fogo em seu olhar.

Isso me motiva.

Não posso só tentar, eu consigo.

A verdade é que transformar elementos da tabela periódica em outros é meu passatempo favorito desde que meus pais me expulsaram de casa, quando me declarei homossexual. Na ocasião, argumentei que grandes cientistas como Alan Turing, o inventor precursor do computador, era gay, mas não adiantou. Eles me enxotaram com uma mala que tive que carregar por toda a cidade, até a casa da avó de Seokjin, porque não tinha dinheiro nem para o ônibus.

Hoje agradeço, porque esse fato mudou minha perspectiva sobre o mundo. Enquanto caminhava e chorava, percebi que minha mala barata, com zíperes e fechos de latão, era péssima para suportar muito peso. Ela se rasgaria logo mais, se eu não tivesse tido aquela ideia. Fiz uma transmutação de todo o latão e tecidos pobres para uma liga de metal leve, porém robusta. E, indo mais além, pensei que aquela era a metáfora perfeita.

Assim como minha mala era inconsistente e frágil, eu também era.

E, da mesma forma que a tornei mais forte e resistente, faria comigo.

O princípio de mutação da alquimia seria o lema da minha vida.

Foi assim que me transformei na minha melhor versão.

Aprendi a me amar, e isso foi pura alquimia. É por isso que faço transmutações até hoje, no meu laboratório, anotando resultados e reações que julgo interessantes. Especializei-me com o apoio do meu marido, meu amor. Hoje em dia, altero todos os grupos de elementos. Metais, semimetais, ametais e gases nobres. Mas, sou sempre cuidadoso, é lógico, a fim de evitar acidentes como explosões, queimaduras.

— Apressa aí, Namjoon. — Sehun me olha por cima do ombro e eu vejo a aflição em seu olhar.

— Claro, me dê a adaga. — Peço e estendo a mão. Kwon Ji Yong me entrega o artefato.

Dedilho o cabo e sinto o metal. Não é ferro puro. O objeto é feito de uma liga de ferro e crômio. Aço inoxidável. Agora que identifiquei os elementos, posso começar. Murmuro "revelare" e as tatuagens nas palmas das minhas mãos se tornam visíveis. São círculos parecidos com mapas astrais, com números e runas ao redor do perímetro e formas geométricas desenhadas no diâmetro, ligando pontos de estrelas.

Uso-as para fazer alquimia.

Concentro-me na transmutação. Ferro... Número atômico 26, peso atômico 55,845. Crômio... Número atômico 24, peso atômico 51,996. As moléculas começam a reagir sobre minha palma. Cubro a adaga com a outra mão e respiro fundo. Esse é o momento em que sinto o metal aquecer com a agitação dos átomos, se transformando em novas versões de si mesmos, mais maleáveis e nobres.

Prata... Número atômico 47, peso atômico 107,87.

Aos poucos, os átomos desabrocham.

Ergo a cabeça e entrego a adaga para o Sr. Kwon.

— Perfeito. — Kwon Ji Yong sorri, admirando-a. Agradeço o elogio com um aceno e fito minhas mãos, pronto para dizer "Celare" e esconder as tatuagens. — Espere. — O homem me para, sorri ainda mais confiante e puxa um saco abarrotado de adagas.

Arregalo os olhos, aturdido.

— Quer que eu... Transmute todas essas...

— Por favor. — Ele pede e eu engulo em seco, olhando o saco.

Essa é minha chance de ser útil.

— Preciso começar logo, então.

O homem sorri e traz o saco para o banco de trás, com a ajuda de Sehun.

Até tento tirar o Gato do Jin do meu colo, mas ele dorme tão tranquilo, que fico com dó de tirá-lo. Assim, começamos uma linha de produção. Sr. Kwon desembrulha as adagas, me dá e eu faço a transmutação. Aí, entrego-as para Sehun, que as coloca dentro de outro saco, até então vazio. Estamos no meio desse processo no momento em que o silêncio rompido por trovoadas se transforma em caos.

Tremo com o estrondo de uma explosão que rimbomba apavorante atrás de nós e olho pelo espelho retrovisor para a avenida. Abro a boca, aterrorizado. Prédios no alto da rua desmoronam em nuvens de poeira e bolas de fogo, e um carro desce em alta velocidade. Temo que sejam os caçadores, mas Sr. Kwon bate em meu ombro e faz um gesto para que eu agilize a operação.

Se ele está confiante, eu engulo o medo e sigo.

Ferro e Crômio se agitam entre meus dedos e sofrem a metamorfose para prata.

Prossigo mesmo quando o pai de Jungkook se aproxima de nós e chama o Sr. Kwon para fora do veículo. Somente Sehun me ajuda a separar as adagas agora, para agilizar o serviço. Então, ouço uma voz conhecida, que já não me é tão familiar. Ela gagueja meu nome e é instantâneo, começo a tremer. Minha garganta se embarga e eu ergo o olhar para fora do carro, vendo-a se aproximar.

...Ela nunca entendeu que meu amor por Seokjin não era impossível.

Minha mãe.

***

Flashback: Capítulo 41.

— Olha, de amores impossíveis eu entendo, afinal minha família é bem tradicional e... Até hoje eles não aceitam meu relacionamento com o Jin. É difícil nadar contra a corrente. [...] Mas, eu nunca me permiti ceder à pressão de um preconceito doente, ou de uma opinião que não vale a minha felicidade.

 

***

Ela passa por Kwon Ji Yong e abre a porta do carro, se acomodando no espaço que antes pertencia ao pai de __________.

Parece perturbada, dividida entre a urgência do momento e a aversão a mim, mas engole os sentimentos em seu rosto altivo e fita o motorista, cumprimentando-o. Depois olha em direção às minhas mãos e observa as tatuagens, a adaga que repousa em minha palma. Minha mãe suspira, murmura "revelare" e pega uma adaga de aço de dentro do saco. Passa a outra mão por cima do artefato e entrega a Sehun.

Ela é muito mais rápida que eu.

Meu coração bate tão depressa, que não consigo conter a respiração superficial.

Balanço a cabeça e volto a fitar a adaga, transmutando-a. Franzo o cenho, entrego a adaga a Sehun, mas ele ja está recebendo outra da minha mãe. Mordo os lábios para dentro da boca, com o interior apertado e claustrofóbico, e meus olhos começam a arder. Então, não sinto mais o peso da adaga em minha mão, e levanto a cabeça para Sehun, mas quem tem o objeto transmutado é ela, examinando-a.

Minha mãe ergue o olhar para mim e solta um suspiro, segurando a adaga de prata no ar.

— Eu sou meio lento... — Começo, voltando a me sentir inútil, mas ela me interrompe.

— Esse é o trabalho de um legítimo Kim. — Sua voz é inflexível.

Minha garganta treme e meus olhos se enchem.

— Eu...

— Os caçadores estão chegando. Está ouvindo a marcha dos Alfas? — Ela coloca a adaga na saca das transmutadas e tira mais duas do saco das de aço, me entregando uma. — Conhece o plano, Oh? — Ela chama Sehun pelo sobrenome, e o motorista assente. — Saia do carro e comece a entregar. Eu e meu filho damos conta da transmutação. — A mulher me olha e eu fungo. — Pare de chorar, garoto. Isso não é hora. — Ela fala, ríspida, e transmuta três adagas de uma vez, jogando-as na saca com um tilintar.

Ela me chamou de filho?

Do lado de fora do carro, Sehun começa a entregar as adagas para os soldados Alfas, que conservam a formação de fila até receber sua cópia, e se dividem em blocos no largo à frente do prédio abandonado. Para todos os soldados, Sehun repete uma ordem. "Perca ela no front quando o Dragão chegar." Não sei o que significa, mas não questiono, porque o segundo soar do apocalipse ecoa pela avenida.

E eu sinto que os Alfas não são responsáveis por esse pandemônio.

Os caçadores chegaram até nós.

E eu não tenho tempo de temer essa ameaça, quando um deles se aproxima do nosso carro, vestido em sua longa capa negra, porque um Kwon Ji Yong sombrio avança, furtivo como um ninja, na direção dele. Ele corre, toma um impulso, salta sobre o capô do carro e voa até o inimigo, que tenta segui-lo sem a agilidade necessária. É tarde demais. Ele olha para trás só para receber um golpe no rosto, estilhaçando sua máscara, que se parte em duas metades. O caçador cambaleia para trás por um instante, e avança desequilibrado para afrontar Kwon.

O desertor sorri e dá de ombros, parecendo se divertir com a coragem do oponente, mas se desvia do golpe sem esforço. Sem piedade também, porque o puxa pelo braço e o gira. Kwon se esgueira pelo corpo confuso do caçador e para às suas costas, junta as mãos na cabeça do homem e a vira com tanta força, que não ouço, mas consigo imaginar o ruído dos ossos estalando. O golpe é certeiro e faz o caçador cair, sem reação e inconsciente. Então, Kwon olha para mim e faz um sinal para que eu continue, porque estou protegido.

...Mesmo que Alfas e caçadores se engalfinhem em torno de nós.

Arregalo os olhos e me apresso no serviço de transmutação das adagas, trêmulo.

 

 

***

__________ P.O.V.

No instante perverso em que o pedaço de tecido embebido em clorofórmio resvala em meu rosto, e eu respiro, sei que desmaiarei. Não tenho nenhuma intenção de resistir ao sequestro, na verdade isso faz parte do plano, mas preciso performar esse papel de feminilidade que os caçadores esperam, o de uma donzela em perigo, para que eles não suspeitem de que lidam com uma forma de vida inteligente, e não com uma simples "mulher", o que, em sua visão sexista, desqualifica meu potencial intelectual. E funciona.

Finjo que não quero ir. Bato braços e pernas contra meus algozes no momento em que eles desfazem o feitiço que me paralisou, mas Mark tampa meu rosto com o pedaço de pano, e eu desfaleço. A sensação seguinte é irresistível. Minha boca perde a capacidade de gritar, meus braços amolecem e a resistência nas pernas se esgota. Minhas pálpebras pesam em uma sonolência semelhante a que me faz dormir todas as noites, só que mais profunda. E o universo se aquieta em uma escuridão vaporizada por éter. Durante esse tempo, inexisto.

Meu espírito adormece e os horrores que se parecem comigo renascem das cinzas da memória, encrespam suas brasas contra mim e rodopiam em um vórtice que me suspende da superfície em um levitar rodeado por diários e fantasmas e corvos e monstros que giram em torno de mim, balançam minhas roupas, meu corpo, meus cabelos, como se eu estivesse no centro de um tornado. Aí, ouço os ecos que gritam, recitam, crocitam ou sussurram um poema. Aquele poema que já ouvi em sonho... Uma vez.

***

Flashback: Capítulo 58.

Enigmas murmuram em minhas ruínas
É seu controle que sufoca meu infinito 
Em morte que mente e sangra para esquecer
Que meu silêncio nasce da dor

Porque...

Anjos cantam através de enigmas
Anjos sangram em busca de redenção
Anjos choram em silêncio para proteger
Anjos mentem para manter o controle
Anjos morrem para esquecer a dor

 

***

Os versos reverberam em minha escuridão como uma pedra jogada na calmaria de águas paradas para perturbá-la. E é isso que ouço até o segundo em que começo a emergir das sombras. No primeiro respiro, só um lapso frívolo de racionalidade na camada mais superficial do sono induzido, sinto que recobro os sentidos aos poucos. Estou despertando. As vozes dos meus sonhos ainda liberam a fúria de milhões de bruxas em meu âmago, mas a noção de que tenho um corpo físico se achega e me permito experimentar o sensorial de novo.

Governo meu corpo com a alma. Entreabro os lábios e respiro um ar frio, úmido e lodoso, diferente do ar rarefeito e tóxico que deixei para trás no momento em que os caçadores tocaram fogo nas cortinas do casarão. Meus olhos se movem abaixo das pálpebras. Sinto como se um solavanco me empurrasse contra o chão rígido e gelado, feito de pedra. Assim, recupero os sentidos e tento me mexer, sem sucesso. Os músculos dormentes formigam e dores excruciantes atravessam pontos específicos do meu corpo.

Minha cabeça pesa, as têmporas latejam em pulsos desiguais. Tusso. Meu estômago se revira e as entranhas se embrulham em uma espécie de ressaca, mas eu insisto e tento erguer as mãos. Um ruído metálico se arrasta no pavimento em que estou deitada e eu sinto o peso das correntes contra meus punhos e tornozelos. Estou presa, mas isso também era esperado. Respiro fundo para manter a calma e o plano, e reparo que não há vento aqui, sequer uma brisa. Preciso saber em que lugar exato estou.

Sinto primeiro o ar. É hirto, pesado e se adere à pele suada, sequestrando todo o calor que poderia habitar em meu interior. Dou-me conta, então, de que visto uma túnica de tecido leve, não o jeans e moletom que escolhi nesta manhã, antes de ir ao hospital, ao casarão... Até vir parar aqui. Onde é aqui? É a pergunta que faço, antes de pensar na resposta mais óbvia. Estou no Matadouro. O prédio no centro de Juggi, o lugar que Jimin e Taehyung encontraram quando eu e Jungkook estávamos em Seul.

Esse é o lugar em que os caçadores emboscaram nossos amigos, sequestraram e torturaram.

Nesse lugar, os caçadores derramaram o sangue de bruxas para alimentar sua ganância.

Aqui, meus poderes se anulam e não podem me proteger.

O Matadouro é o símbolo máximo da grandeza de genocidas que desejam acabar com minha raça.

E é por essa razão que nós escolhemos esse prédio como palco para trucidar esses malditos de uma vez.

O ódio que sinto por esses caçadores se transforma na determinação que se prende a cada rastro de vontade que tenho em mim. Isso me dá mais força, coragem. Sinto que posso vencer qualquer obstáculo e ir até o fim. Tomo um fôlego, abro os olhos para investigar o mundo ao meu redor e me acho em um Déjà vu. Estou em decúbito dorsal, com as costas inteiras presas ao chão de pedra. Acima de mim, vejo uma câmara com paredes circulares feitas de pedra lodosa e úmida, e um teto abobadado de onde se desprende uma luz cegante.

Esse clarão paira sobre mim e machuca minha visão, mas não é capaz de me parar. Forço-me a captar mais detalhes da câmara e vejo que as paredes, por trás da grossa camada de lodo, são pintadas de vermelho escuro e terroso, mas o que chama a atenção de verdade são seus ornamentos. Machados, martelos e clavas. Foices, espadas, lanças, facas e punhais. Um mangual estrela grande e ameaçador, com uma corrente pesada, pende de uma altura mais baixa, e eu posso ver seus espinhos afiados.

E se as armas e instrumentos de tortura suspensos nas partes mais altas da câmara são apavorantes para qualquer um, para mim não significam tanto quanto os adereços nas partes mais baixas das paredes. Relógios. São muitos e dos mais variados tipos, desde cucos e relógios com pequenos pêndulos, até os mais modernos e digitais, todos em contagem regressiva para a hora do ritual em que pretendem me matar. Ponteiros, pêndulos e números me encaram para me lembrar de que não tenho mais tempo. Isso é claustrofóbico.

Começo a tremer e cerro as pálpebras para bloquear essa visão e acalmar meu coração, que bate depressa. Não posso fraquejar, não tenho o direito de temer, mas preciso admitir o que sinto. Eu não quero morrer, eu só quero acabar com tudo isso e me salvar, salvar Jungkook e meus amigos, minha família, as bruxas que contam comigo para isso. Só quero viver em paz. Minha garganta ressecada se embarga e eu me lembro de que já estive nessa câmara antes. Reabro os olhos e fito o teto abobadado.

Eu o conheço.

Já estive aqui antes... Em sonho.

Sonhei com esse lugar no dia em que cheguei à Juggi, depois de conversar com Jackson e... Mark.

***

Flashback: Capítulo 02.

Meu corpo está deitado sobre uma superfície dura, como uma mesa, e o ar que me cerca é úmido, frio, com cheiro acre. Meus pulsos estão presos a correntes pesadas e sinto um gosto metálico na boca. É sangue. Abro meus olhos e tento me mexer, mas meus pés também estão presos a essas correntes. Tento falar, mas minha boca está amordaçada, e só consigo ver o teto negro, com um foco de luz sobre meu peito. Ergo a cabeça, e algumas lágrimas se formam no meu rosto, em desespero.

A sala é claustrofóbica, sem janelas. Há diversos instrumentos de tortura pendurados nas paredes vermelhas. Lágrimas saltam dos meus olhos e eu tento gritar por ajuda, mas não consigo. Tento mais uma vez, até minha garganta doer, mas nenhuma voz sai.

Lembro-me do que minha Omma disse uma vez, depois que eu acordei de um pesadelo quando era criança. "Se tentar falar e não conseguir, é apenas um sonho... acorde". É um sonho. Tento me forçar a acordar, sem sucesso. Desespero-me e me debato contra as correntes, chorando e tentando gritar. Mãos apertam meus ombros com força e me sacodem.

Um rosto familiar paira sobre o meu e meus olhos se abrem outra vez.

Vislumbro uma sombra, como um pássaro negro, sair pela porta da varanda, e o mundo ao meu redor gira.

 

O ar entra e sai com força por minhas narinas. Esquadrinho as paredes com o sonho persistente na memória. Lembro-me de que Jungkook teve que arrombar a porta do meu quarto e me sacudir até que eu despertasse. Aquela foi a primeira vez em que vi um corvo pousado no parapeito da varanda. Depois disso, vários vieram até mim para me consolar, proteger, avisar ou para me fazer companhia. O que esses corvos têm comigo? Será que foram eles que me avisaram em sonho sobre esse momento?

Será que eles querem me ajudar? Será que sabem que os caçadores querem me matar e roubar meu coração para destruir uma raça? Será que sabem que esses vermes hipócritas dizem que a bruxaria é perniciosa, e que bruxas precisam ser extintas, mas nos matam só para se apropriar do nosso poder? Meu peito queima em um sentimento impelido pela fúria, pelo anseio que os caçadores fizeram se enraizar e crescer em meu coração. Fito as paredes de pedra lodosa pintadas de vermelho e contemplo cada relógio, cada arma.

Penso em todo o sangue que habita as mãos desses homens.

E, no fim, consigo ver a beleza em nós, bruxas.

Palavras de ódio, intolerância e preconceito afiam nossa coragem. Agressões que nos ferem cicatrizam para nos mostrar que podemos renascer das cinzas de novo, e de novo, porque somos resilientes como uma fênix. Se cavam buracos em nós, os preenchemos com aço. O ruído desses caçadores não nos extinguem, só estende nossas raízes por todo lugar e nos faz crescer. Sua violência só nos fortalece. Nós, bruxas, podemos ser uma minoria, mas temos poder, e somos muito mais fortes do que qualquer ódio.

Mesmo que eles tentem acabar com tudo em nós, nunca conseguirão nos destruir.

E eu posso garantir que nem o mundo roubará meu coração.

— ...Amiga? — Ouço uma voz familiar em algum lugar. — Você acordou?

Levanto a cabeça de supetão, à procura da voz, e minhas têmporas latejam. O movimento abrupto faz as correntes em meus punhos e tornozelos se arrastarem pela pedra, tilintando. A luz acima de mim ofusca minha visão já turva e me atrapalha a identificar o que há ao meu redor. Vejo que minha "túnica" é um hanbok, um vestido tradicional coreano, branco com nódoas encardidas. É antiquado, um pouco esfarrapado e exala a mofo. Na altura do busto, o vestido tem uma tela retangular, bem na altura do coração.

— __________? — Fito as paredes da câmara, onde os relógios me encaram, implacáveis. A dor comprime minha testa. — Por Ed Elric, amiga, achei que não ia mais acordar. — Ela suspira aliviada e ri com excitação. — Eles me deram roupas. Se a Jennie me visse agora, ia morrer de inveja. Menina, estou parecendo um comensal da morte, essa roupa é muito babadeira. Vou roubar pra usar na feira de cosplay de Juggi. Sabe como é difícil conseguir um traje de tecido bom, que não seja fedorento e não pareça uma fantasia?

Mal consigo acompanhar seu raciocínio.

— ...Eu...

— Hm... É. Você tem razão, melhor não. — Ela se levanta e me faz perceber, dessa perspectiva, que não estou deitada no chão, e sim sobre uma plataforma, uma mesa de pedra no centro da cripta circular. Minha amiga bate uma mão nas vestes para limpar a poeira e o limo. Abre os braços para que eu possa vê-la com mais clareza e sorri mostrando os dentes. Lisa. Óbvio. Quem mais juntaria Ed Elric, cosplay e comensais da morte no mesmo pensamento? — A barra tá limpa, posso te chamar de amiga em paz. Você está bem?

— Estou... — Quase choro de alívio por constatar que não estou sozinha e sorrio. Lisa vem até minha mesa, passa a mão no meu rosto e afasta algumas mechas de cabelos presas nas minhas bochechas e pescoço. — O que aconteceu...? — Minha voz sai rouca. — Por que está vestida como... Um deles? — Tento focar a visão em seu rosto, mas Lisa ainda está embaçada.

— Meu jutsu de agente dupla é muito bom. — Não sei o que ela quer dizer com "jutsu", mas não me importo, porque Lisa ri e acaricia meu ombro. Isso me alivia ao ponto de amenizar a dor que sinto por todo o corpo. — Tem certeza de que está bem? Você está meio pálida.

— Sinto dor... Vai passar. O que aconteceu depois que eu desmaiei?

— Longa história, mas você vai gostar de ouvir, porque eu descobri umas coisas. — Lisa olha ao redor da cripta e depois se volta para mim, puxando uma garrafinha da manga de sua capa. — Sede? Talvez a dor seja por causa do clorofórmio. Água vai ajudar.

— Quero. — Ela sorri e abre a garrafinha, prova um pouco e joga o resto do líquido em minha boca aberta, administrando com cuidado, para não me afogar nos goles. — Essa água tem açúcar? — Passo a língua pelo céu da boca e ela pisca.

— Lógico, ué. Fiz a mistura na copa, pra levantar sua glicose e dar energia, mas tem uma garrafinha de água normal aqui também. — Lisa fecha uma e pega outra, abrindo-a e voltando a administrar os goles na minha boca. — Então, quando você desmaiou, eles me levaram pra longe do Yoongi, e minha mãe apareceu. Foi a primeira vez que ela olhou pra mim sem o ranço de sempre, sabe? Ela parecia orgulhosa, e se algo é motivo de orgulho pra minha mãe, pode conferir que tem treta, tem truque, tem coisa errada.

— E o que ela fez? — Pergunto. Aos poucos, seu rosto entra em foco e minha dor de cabeça diminui.

— Ela me puxou pela mão e fez uma coisa sinistra. — Seus olhos se arregalam. — Todos os caçadores que estavam lá com a gente pegaram umas joias que estavam usando e abriram uma porta, um portal pra cá. Inclusive, segure essa informação. Aí a gente veio pra cá e deixou o Yoongi pra trás. — Lisa faz uma careta sofrida. — Amiga, tem certeza de que o Jungkook tá indo pra lá salvar ele, né? Porque se aquele fogo encostar em um fio de cabelo de Min Yoongi, eu sou capaz de cometer um crime de ódio.

— Fique tranquila, ele não vai falhar. — Falo sem precisar pensar.

Jungkook vai cumprir minha ordem.

— Certo — Lisa sorri — vou confiar. Mas, então. Aí os caçadores abriram esse portal, a gente veio pro prédio e eu descobri a primeira coisa. Por fora, isso aqui parece um lugar abandonado, mas por dentro, quando você entra usando uma joia como chave, o Matadouro parece um prédio... Sei lá, do governo. Tem vários andares, várias salas, estalagens. É enorme. É outro lugar. E é aqui que os caçadores estão, desde sempre. A gente nunca achou nenhum deles por causa disso. Eles estavam escondidos aqui o tempo todo.

Pestanejo, incrédula.

— Não acredito.

— Pois, pode acreditar.

— Deixa eu ver se entendi, ok? O Matadouro, o prédio abandonado que era usado pra matar bruxas no século XIX, na verdade é o quartel general dos caçadores, e eles estão escondidos aqui desde sempre, por isso nós não os encontramos em nenhuma busca que os meninos fizeram. E só tem acesso a essa versão do prédio quem tem uma chave pra abrir o portal... Uma joia. É isso?

— Exato. — Lisa parece perceber que a luz que emana do alto do teto cai em meu rosto e põe a mão sobre mim, formando uma sombra em meus olhos e aliviando o peso torturante do clarão. Murmuro um "obrigada". — Aí, enquanto trouxeram você pra cá, minha mãe me levou pra copa, me deu comida, as vestes negras de caçadora, a máscara branca e me mostrou um porta-joia, pra eu escolher a minha. Ela disse que eu nasci caçadora e que a que eu escolhesse seria minha pra sempre, como uma ligação eterna.

— Você escolheu? — Franzo o cenho, sentindo o peso das correntes em meus punhos.

— Pensei rápido, mas já te digo meu raciocínio. — Ela levanta um pouco a manga das vestes para me mostrar uma pulseira de prata com um pingente em formato de globo terrestre. — O que achou? É bonita? — Lisa olha a pulseira, com um questionamento genuíno. — Eu escolhi um globo terrestre porque tem um pessoal deles que é terraplanista, acredita? Mas, também, tinha que ser, né?

— Acho que eu ia gostar mais se ela não fosse um símbolo de caçadores. — Faço uma careta. — Eu nunca usaria um troço desses.

— Aí que está, amiga. — Lisa estala os dedos no ar e se aproxima. — Com essa pulseira, tenho acesso livre ao prédio. Posso ir, trazer e levar o que eu quiser, quem eu quiser. — Ela mexe as sobrancelhas e eu pestanejo, começando a entender. Abro a boca, admirada. — Quer saber do que mais? Acho que matei a charada que estava faltando pra encaixar tudo que me contou sobre o rolo dos caçadores com sua avó, Wang Juran. E, se meu palpite estiver certo... Você usou uma joia de caçador por toda a sua vida.

— ...Eu?! Tá doida?! Eu... — De repente, uma verborragia de lembranças ressoa em minha mente

Lembro-me da joia que tenho usado desde que Omma me deu e disse que um dia me protegeria. A joia que a Srta. Jeon usou no dia em que os caçadores a ostentaram como um aviso de que tinham livre acesso a mim. Lembro-me do que os corvos disseram sobre uma chave para a porta do quarto de Jisoo, e de como minha irmã, por meio de um enigma que fez para ludibriar metade de sua própria alma, me mostrou que aquela joia era, de fato, uma chave de portal. Meu corpo inteiro se arrepia ao entender.

O anel de rubi.

Outro murmúrio sopra em meus ouvidos.

Uma voz que me diz que Omma e Jisoo são os anjos que cantam através de enigmas.

Anjos cantam através de enigmas
Anjos sangram em busca de redenção
Anjos choram em silêncio para proteger
Anjos mentem para manter o controle
Anjos morrem para esquecer a dor

 

— Hm... — Lisa sussurra. — Está pensando o mesmo que eu? 

— M-mas... De onde Omma e Jisoo tiraram o anel de rubi, porque... De quem ele... — Falo sem fôlego, com os olhos esbugalhados.

— Meu palpite. — Lisa fita os relógios. — Sinto até vergonha de dizer, mas vamos lá. Nos dias em que fiquei presa na casa do Yoongi, o pai do Jungkook foi lá pra conversar com ele. — Assinto. Jungkook me falou sobre isso. — Só que, sem querer, que fique bem claro, acabei ouvindo a conversa deles. Alfas são barulhentos. Enfim, ouvi uma história sobre um antepassado, um Alfa Lúpus chamado Qing Yi Jungkook.

***

Flashback: Capítulo 89.

Lisa e eu tomamos rumos opostos no corredor.

Ela se tranca no quarto de Yoongi para me dar mais privacidade e eu caminho lentamente até a sala, até Qing Ji Sung. Não me apresso, porque quero controlar minhas emoções antes de bater de frente com esse homem outra vez.

 

***

Franzo o cenho.

— Qing Yi Jungkook é o cara da profecia do Alfa Lúpus e da Bruxa Ômega.

— Tá... Você entendeu, então? — Lisa me olha, esperançosa, mas eu meneio a cabeça.

— Fala logo, Lisa. A gente não tem tempo...

— Tem sim, estou presa aqui com você até o próximo passo do plano maluco que a gente fez. Inclusive, não te soltei dessas correntes porque elas estão enfeitiçadas. Se você sair daí, elas vão soar um alarme filho da mãe de tão alto. Enfim, acompanhe meu raciocínio.

— Estou acompanhando.

— Choi Youngjae matou a Ômega de Qing Yi Jungkook. Qing resolveu se vingar e entrou pra Ordem dos Caçadores de bruxas porque o Choi era um Alfa-Bruxo. Aí ele começou seu plano de vingança e se aproximou da Juran, descobriu que ela também sofria com os abusos do marido e se afeiçoou a ela, certo? Os dois viraram amigos e começaram a criar um plano pra acabar com o Choi, hm?

— Sim. — Concordo.

— Aqui começa minha suposição. E se os dois não eram só amigos? — Lisa estreita o olhar. — Juran era uma Ômega e Qing era um Alfa Lúpus. Juran era viúva do boy, o carinha lá que o Choi matou, e Jungkook era viúvo, porque o Choi também matou a Ômega dele. Está entendendo? — Franzo o cenho, mas assinto. — E se o Qing, antes da noite em que a Juran morreu, tivesse dado a joia de caçador dele... Pra ela, sei lá...? Será que essa joia era um anel de rubi... Uma pedra preciosa bem vermelha, como os olhos de um Alfa?

Meus olhos se arregalam de novo.

— Espera... Isso faz... Faz muito sentido.

Ami, — Lisa bate em meu ombro, animada. — Você se lembra das palavras: "Para abrir a porta do quarto de Jisoo e acabar com a maldição dos Wang, preciso usar o anel de rubi e entregá-lo ao rei da Europa" — recita — Estava aqui sentada, olhando a pulseira e pensando em tudo isso e cheguei à conclusão de que a Jisoo deixou esses enigmas pra metade ruim dela não saber, entende? O encantamento da porta pode ser um enigma pra ligar o anel de rubi ao Jungkook, pra gente deduzir o resto. Sabendo que Qing era "namoradinho" da Juran, que ele era caçador, e que o anel de rubi é uma chave de portal que todos os caçadores têm... Bingo! A gente deduz.

Respiro fundo, porque a história de Lisa faz total sentido, e rio de novo, com lágrimas nos olhos.

Ami, — repito a forma como ela me chama —, você é um gênio.

— Eu sei — Lisa abana a mão no ar com um sorrisinho e as bochechas coradas, toda pomposa.

— Então, o anel de rubi é uma joia de caçador e o Jungkook vai pegar ela com o Yoongi pra...

— Pra salvar a gente. Adoro. Vamos ser salvas por um príncipe encantado num cavalo branco. — Lisa completa e bate palmas. — Queria ter conhecido sua irmã... Ela sim era um gênio, não eu. Olha esse plano. Aliás, o povo da sua família tem uma reputação... Antes da minha mãe me colocar de vigia aqui, pra testar minha lealdade, eu ouvi uns caras falando do seu pai com uma mistura de ódio e admiração, tipo aquele meme "QUE ÓDIO KKKK", que você não sabe se fica puto ou se acha incrível. — Rio com ela. — Enfim, inteligentes.

— Tomara que ele chegue aqui logo, então... Mas, como ele vai saber onde eu estou?

— Ai, ami, ele se vira. A gente não tem que desenhar tudo pro macho. — Lisa dá de ombros, mas eu torço o nariz.

Para mim, ainda tem algo faltando.

— Será?

— Tenha fé. — Lisa pede e sorri. — Ei, tenho uma música ótima pra cantar nesse momento. Vem comigo. — Minha amiga pigarreia e começa a cantarolar baixinho, melodiosa. — I know... You see... Somehow the world will change to me and be so wonderful... — No primeiro verso, reconheço. É a música de abertura de iCarly. De onde ela tirou isso? — Canta comigo. Você vai ver que vai ser libertador. — Live life, breath air, I know somehow we're gonna get there, and feel so wonderful...

Prendo a risada e mordo os lábios.

Tento me mexer, mas as correntes raspam na pedra e eu solto um muxoxo.

Lisa, por sua vez, rodopia ao meu lado e abre os braços.

— Canta, amiga!

— ...And it's all real... — Canto baixinho e Lisa aponta para o ouvido, balançando a cabeça, fazendo menção de que não me escuta.

— ...I'm tellin you just how I feel! — Ela ergue um braço e começa a dançar, e eu rio, é óbvio. — So wake up the members of my nation, it's your time to be! — Ela aponta para mim. — There's no chance unless you take one! Everytime just see the brighter side of every situation! Somethings are meant to be, so give your best! And leave the rest to me! — Lisa aponta para si mesma e balança os quadris para um lado e para o outro. — LEAVE IT ALL TO ME! — Ela ergue os braços, cantando mais alto, e eu continuo a rir.

Até me esqueço de onde estamos.

Mas, a câmara nos lembra.

Os relógios disparam todos de uma vez e nos assustam.

Os mais antigos soam em cucos e badaladas barulhentas, os mais novos alarmam com seus zumbidos eletrônicos. Então, como se o ruído mórbido da marcação das horas não fosse aterrorizante o suficiente, ouvimos um estremecer e fios de poeira espiralam do teto até minha plataforma de pedra. Olho para cima, na direção do feixe de luz que me tortura, e vejo o centro do teto abobadado da câmara circular se abrir. As luzes oscilam e tremeluzem entre as sombras de algo que desce pelo buraco.

Poderia ser um lustre, mas é um enorme pêndulo descendo até parar dois metros acima de mim.

Estremeço, porque se isso cair, vai me fatiar ao meio.

Os ruídos dos relógios ao nosso redor param, mas meus olhos continuam presos ao pêndulo que balança suavemente lá em cima. Não consigo parar de tremer. É o tipo de tortura psicológica que me avisa que temos pelo menos uma hora a menos até o início do ritual. Engulo em seco e solto o ar devagar pelas narinas, tentando me acalmar. Torço para que a parte do plano de Jungkook funcione, para conseguir cumprir as próximas. Suspiro para livrar um pouco do peso nas entranhas. Vai dar certo.

Nós somos fortes e vamos conseguir.

— Que susto! — Lisa corre até mim. — Tem outra coisa que eu esqueci de contar.

— O quê? — Arqueio a sobrancelha e ela suspira, mais aliviada ao me encarar.

— Ah, então... Perguntei pra minha mãe se a gente ia lutar na linha de frente, e tal, e ela me disse coisas horríveis sobre as caçadoras mulheres. — Lisa passa uma mão pelo cabelo e coloca uma mecha atrás da orelha. — Eles têm uma hierarquia ridícula de machista. Mulheres caçadoras são como escravas domésticas. Elas aprendem a arte do latim e coisas mais intelectuais, pra servir aos caçadores homens. Elas não participam das batalhas, a menos que seja muito necessário. A função das mulheres na Ordem é procriar. E o pior não é isso.

— E o que poderia ser pior do que isso?

— Se a caçadora conceber uma primogênita mulher, é impedida de reproduzir outra vez. Eu sou primogênita, minha mãe não pôde ter mais filhos. Acho que é bem por isso que ela me odeia, além de não ser uma menina padrão que assume o papel de feminilidade imposto pela sociedade patriarcal e gostar de moças e rapazes, mas isso não vem ao caso. Primogênitas são até mal vistas por aqui... É um inferno.

— São um bando de... — Penso em um dos palavrões do vasto vocabulário de Jungkook, mas não consigo dizer nenhum.

Porque ouço os ecos de sua voz no fundo da minha alma.

...Monstrinha... Está me ouvindo? Por favor... Esteja viva, por favor...

A única convicção em meu coração é que essa é a voz dele.

Não é minha imaginação.

Jungkook está vivo e está falando comigo.

Jungkook?

...Caralho, você tá viva! Eu tô chegando! Me espera, tá? Eu... Estou... Estou...

Não ouço o resto, porque outro estrépito corta meus pensamentos.

Ergo a cabeça de vez, alarmada, e as correntes retinem na pedra. Lisa, por sua vez, salta, se coloca entre mim e quem quer que esteja do outro lado da entrada da minha cela. Ela faz um gesto com a mão, para que eu deite, e é o que faço. Fecho os olhos e escuto os ruídos. A porta vibra, os ferrolhos estalam nas engrenagens e as dobradiças rangem doentes, como se estivessem sem lubrificação há muito tempo. Ela se abre e eu tento parecer desacordada, mas, junto da perturbação que a visita incômoda traz, sinto. E meu coração se apressa.

É ele.

Respiro o ar fétido, mofado e odioso da cripta, mas farejo o perfume. É inevitável, meus olhos marejam em saudade e fascínio. Porque o senhor desse cheiro é o único que me desprenderia das águas tranquilas do medo e me impulsionaria ao delírio mais lúcido de coragem. O único que me transbordaria e faria minha alma desabrochar como um jardim de sakuras na primavera, ou explodir em uma supernova de cores e estrelas tão brilhantes que ofuscariam até mesmo o sol. Eu ofereci meu coração e ele me condenou a ter o seu.

E eu sei que o amarei até se a eternidade morrer.

E nada restar, além de ecos e vazio.

Ao seu lado, sou feita de estrelas e infinito.

Em um universo de constelações e astros que contam nossa história.

— ...__________? — Ouço o murmúrio e uma lágrima teimosa escorre pela têmpora. É alívio. — Amor? — Abro os olhos. Vejo a rajada de luz que contagia a morbidez da cripta no umbral da porta da cela. Há duas sombras cobertas por capas negras. Ele se revela. Baixa o capuz, joga a máscara branca em qualquer canto da câmara e corre até mim. — Amor?! Eles te machucaram?! — Jungkook se precipita sobre mim e segura meu rosto com as duas mãos, transtornado, as íris escarlates esquadrinhando cada detalhe meu. — Você está bem?

Entre os dedos que roçam em minhas bochechas, reparo no meu anel de rubi em seu mindinho.

O acompanhante de Jungkook fecha a porta e nos sela na cripta.

— Estou. Estou bem. — Afirmo com um aceno que Jungkook repete. — Me beija, Jungkookie. — Peço baixinho e seu cenho se franze. Essa é uma das raras vezes em que vejo os olhos vermelhos como rubis marejarem. Ele assente, mais convicto, e se inclina sobre mim, pressionando a boca na minha, roubando o suspiro dos meus lábios com uma urgência cheia de temor e saudade. Nossos fôlegos se dividem e ele parte cedo demais, juntando a testa na minha. — Eu te amo... — Sinto seu sorriso resfolegar em minha boca.

— Também te amo. — Ele une nossos lábios de novo. — Te amo... — E beija o canto da minha boca. — Te amo, Monstrinha... — Ele sussurra e espalha beijos por todo o meu rosto, por cada centímetro de pele disponível, depois me olha. — ...Mas precisou de um sequestro e uma quase morte pra você tomar a iniciativa de me dizer isso, né, sua pedra? — Ele reclama com um sussurro e eu sorrio.

Minhas bochechas esquentam.

— ...Mas, eu falo... — Desvio o olhar — às vezes. — Ele sorri, acariciando minha mandíbula, perto dos lóbulos das orelhas.

— Quase morri de preocupação, só não pirei porque Jin Hyung tirou minha paciência. — Jungkook diz com os olhos presos nos meus, como se repetisse para si mesmo que eu estou viva, que estou bem, que eles não arrancaram nem um pedaço de mim. — Você sabe que eu vou acabar com a raça de todos os filhos da puta que te prenderam aqui, né? Me deixa pegar pelo menos metade? Você cuida do resto.

— Acho que muita gente quer acabar com eles... — Sorrio, sem humor, e ele faz uma careta, afastando os cabelos que teimam em se grudar na minha pele. — E você, está bem? Você se machucou? E o Yoongi Oppa? E os meninos? Appa também está bem? Me fala...

Sinto que tenho tanto para falar, mas todas as palavras fogem.

— Yoongi, Jin e Taehyung estão lá fora. A gente prendeu os guardas que estavam aqui e eles ficaram no lugar, e os outros estão vindo pra cá, porque o bicho tá pegando lá fora. Nossos pais começaram a atacar as bases e tá a maior quebradeira. Você tem que ver... Enfim, a gente tá meio sem tempo. O que vamos fazer agora? Qual é o próximo passo do seu plano? — Jungkook me pede a ordem.

— Bom, acho que temos uma complicação, porque eu... Eu não sabia que...

Meu pau amado, o plot twist — exclama Lisa, e eu franzo o cenho. — V-v-você?! 

Desvencilho-me das mãos do meu namorado para ver a agitação da minha amiga. Deparo-me com o acompanhante de Jungkook baixando o capuz da capa, depois de jogar sua máscara sobre o chão. O rosto conhecido varre toda a câmara até encontrar meus olhos atônito. Então, ela passa as mãos pelos cabelos e suspira, cansada, me mostrando o colar em seu pescoço, uma joia de caçador.

— Tzuyu?! — Chamo, quase afônica.

— ...Oi, __________. — Diz.

— ...Mas... — Começo, e ela me interrompe.

— Antes que me pergunte, é, sou uma caçadora... E o próximo passo do seu plano sou eu.

***


Notas Finais


E AGORA? O QUE VOCÊS ACHAM QUE VAI ACONTECER?

~~Ghokiss


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