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História Girl Meets Evil - Amnésia.


Escrita por: Ghost_Fanfics

Notas do Autor


Heeey,

O PRÓXIMO CAPÍTULO SAI NESSA SEGUNDA-FEIRA, DIA 21/05!

Preciso confessar que nos últimos tempos estive aérea. Acho que me sobrecarreguei com uma insegurança boba. Me perdi um pouco no que estava fazendo e precisei de um tempo pra me recuperar. Escutei umas músicas, li livros que gosto. Conectei-me comigo mesma, pra me recompor. Me perdoem se eu frustrei as expectativas de alguém no caminho... E estou bem, agora. Obrigada a todas as meninas que me aconselharam e conversaram comigo. Não estou acostumada a essa demonstração de afeto e me emocionei.

COMEBACK DO BTS E A GENTE TÁ COMO? INSPIRADA CLARAMENTE <3

Música do capítulo: Fake Love - BTS

Capítulo 40 - Amnésia.


Fanfic / Fanfiction Girl Meets Evil - Amnésia.


轉 - Tear
 

Jeon Jungkook's P.O.V.

Abro os olhos e respiro fundo. Estremeço, apavorado. Meu corpo inteiro dói. Sacudo a cabeça, tusso e engulo em seco. Minha garganta estala e eu passo a língua pelos lábios rachados. Exploro os vincos úmidos do lençol, que se estendem pelas laterais do meu corpo febril e cobrem meu rosto empapado em suor frio, salgado. Esfrego as pontas na pele escorregadia e quente das bochechas.

Sento-me e olho ao meu redor.

Meu despertador toca, desligo-o. Arrasto-me para fora da cama e me dirijo ao banheiro. Tiro a roupa e entro no box. Já debaixo do chuveiro, fecho os olhos e reflito sobre meus pesadelos embaixo da água morna. Ergo a cabeça. As gotas quentes colidem contra minha pele e a massageiam. Não é a primeira vez em que tenho pesadelos tão reais. Sei que nenhum desses sonhos é fantasia. Cada cena, sensação, ruído... Tudo parece ser um grande presságio que me assombra como se fantasmas tentassem se comunicar comigo.

E eles clamam, vociferam.

Apontam-me um perigo iminente, mas não consigo distingui-lo entre as sombras metafóricas.

Tudo o que sei é que, se há um perigo e seu alvo final é ela.

Não são apenas sonhos, são avisos.

Por isso, anoto-os no bloco de notas do celular. Sou seu protetor, ou sinto-me assim, inflamado pelo sentimento que nutro por ela. E é isso que eu faço depois de sair do chuveiro. Enxugo-me, me visto e me sento à escrivaninha. Saco o celular e abro uma página vazia no bloco de notas, para preencher antes de ir ao quarto da Monstrinha para acordá-la. Digito todas as lembranças que afligem minha mente.

 

화양연화 - As Notas (adaptado)
Por Jeon Jungkook

 

Suponho-me flutuar, no entanto é sobre o chão sólido que descanso. Entorpecido, não sinto nada por um tempo. Simplesmente não consigo abrir as pálpebras, meu corpo é tão pesado... Não consigo ao menos engolir ou respirar. Nada. Ao meu entorno tudo gradualmente escurece e eu perco a consciência. Então, de repente, meus músculos espasmam e eu estremeço. Desconheço a força que causou meu despertar, mas tudo volta.

Tudo.

Sinto sede e dor. Algo cintila além da minha visão embaçada por grãos de areia. Suspeito ser uma luz, mas não é. É brilhante, grande, reverbera além da escuridão ao seu redor. Flutua no ar sem nunca se mover. Admiro por um tempo. Lentamente, a aura leitosa torna-se mais consistente, até desvelar sua nitidez e se mostrar em seu esplendor.

É a lua.

Então o mundo vira de cabeça para baixo, ou sou apenas eu que me viro pelo avesso. Neste mundo, a lua também se pendura ao avesso, ou é um espelho. Apenas um reflexo. Tento tossir para respirar, sinto-me preso, não consigo me mexer. Então surgem os arrepios. Assusto-me, tento falar, mas minha voz não sai. Antes de perder a consciência outra vez, névoas de fantasmas vaporosos segredam-me ao pé do ouvido.

 

"A vida pode ser mais dolorosa do que morrer... Mas, você quer viver?"

 

Não fecho os olhos e, mesmo assim, a realidade se apaga, até sobrar as trevas, o mais profundo breu.

 

Contemplo a porta do quarto e largo o celular sobre um caderno. Respiro por entre os dentes, revivendo o horror do pesadelo. Esfrego o rosto na tentativa de afastar as memórias, a sonolência e o medo. Bocejo, dilato as narinas e cubro minha cabeça com o capuz. Tiro um embrulho com balas de menta e uma barra de Snickers da gaveta da escrivaninha, enfio no bolso do agasalho e vou até a porta.

Giro a maçaneta e cruzo o corredor para invadir o quarto dela.

Não posso me enganar. Consigo farejar o perigo cada vez mais próximo e sei que, ou nos protegeremos de verdade, ou não haverá mais "nós" para proteger. Também sei que o pior pode estar por vir e, depois de tudo o que aconteceu ontem, tenho plena certeza de que meu Alfa jamais sobreviveria sem ela. Por isso, tomo uma decisão e, quanto mais cedo falar com ela, melhor.

— Aish, Monstrinha... Preciso dizer que te amo, antes que seja tarde demais.

***

__________ P.O.V.

Qual é a sensação de não existir?

Nunca conseguiria compreender sua real dimensão, mas sinto-me próxima da não-existência todas as noites, quando durmo. Porque não sonho. Um breu artificial enevoa minha mente e a esvazia. É como se eu estivesse imersa em uma piscina e só ouvisse borbulhas, ecos e a pressão da água sobre mim. Algo tenta me alcançar, mas há uma barreira entre mim e os monstros.

Não há incêndios ou espelhos para torturar, espinhos para machucar, fantasmas ou assassinos para assombrar.

Não tenho olhos, boca ou ouvidos.

Sou surda, muda, cega.

Deveria ser um bálsamo para todo o terror que me acompanhou nas primeiras semanas neste casarão. Contudo, sinto que perco algo no meio do caminho. Uma resposta, uma mensagem, talvez uma saudade. Algo que poderia me salvar do futuro nefasto que se aproxima e ameaça engolir minha sombra, antes de me anular para sempre. Talvez o amuleto que Jungkook me deu e que deveria ser proteção contra maus sonhos seja apenas uma cilada silenciosa. Assim, suspendo-me no vazio e flutuo na escuridão.

Um timbre grave invoca meu nome, submerge na cortina nebulosa que me protege dos pesadelos. Seus tons puxam-me pela gola da camisola, cada vez mais para fora. A voz torna-se clara em um pedido próximo, acompanhado por carícias que afagam minha superfície. "Acorde". Diz tão longe, mas tão perto. Lentamente, emerjo. Expulso as sombras que me recobrem e puxo o fôlego em um haurir intenso pelos lábios. Encho os pulmões de ar, com um ruído que lacera minha garganta.

Meus olhos se abrem para vislumbrar a silhueta robusta e familiar, camuflada no escuro. Jungkook está parado aos pés da minha cama e se encurva sobre mim com um sorriso dolorosamente bonito. Seu peso faz o colchão ceder perto de mim. Ele afasta um pedaço do edredom e algumas mechas do meu cabelo para afundar o nariz em meu pescoço, aspirando com um ruído longo e viciado. Os lábios frios resvalam em minha pele quente, em um beijo que aflora um arrepio em minha nuca.

— Bom dia, Monstrinha. — A voz macia tem estalos sonolentos e ressoa perto do meu ouvido. Fito-o por cima do ombro e sua figura próxima ganha nitidez. O agasalho preto e folgado disfarça os contornos musculosos de seu corpo e o capuz cobre-lhe a cabeça. Os cabelos escuros caem em diagonal sobre a testa e quase ocultam os olhos pequenos, inchados de sono, abertos como fendas misteriosas. Ele confere a hora em seu relógio de pulso quase coberto pela manga do moletom e sorri. — É. Acho que já dá pra dizer bom dia.

— Hmmm... — Reclamo. Ouço o resfolegar de sua risada, sinto outro beijo em minha nuca. Reprimo a vontade de sorrir e sinto mais um beijo, agora em meu pescoço, mais demorado e profundo, contra minha pulsação, que acelera. Ele parece sentir e pressiona os dedos em meu braço, por cima da coberta. Seus carinhos suaves fazem meu corpo pesar mais sobre a cama. Afogo o rosto no travesseiro. — O que tá fazendo aqui tão cedo? — Minha voz quase não sai da garganta, com uma sensação empoeirada e destreinada nas cordas vocais.

— Nós combinamos ontem, lembra?

— Não... — Resmungo baixinho, manhosa. — Vá embora.

— Uh-hum. — Ele meneia a cabeça e pressiona meu braço, ameaça retirar as cobertas de mim. Empurro-o para fora da cama com o quadril e o desequilibro. Ele ri e faz um movimento ágil, gira o corpo gracioso e retorna. — Preguiçosa. — Acusa-me em tom de brincadeira e volta a me tocar.

— Me deixa, Jungkookie... — Falo arrastada, contra o travesseiro. Sua mão forte segura meu ombro e me chacoalha suavemente.

— De jeito nenhum. Levanta, a gente tem muito o que fazer. — O perfume de notas amadeiradas entra por minhas narinas, fresco como seu cheiro é, após o banho. Sua voz mansa se aproxima mais uma vez do meu ouvido e os lábios roçam no meu lóbulo. — Se não levantar por bem, vou te tirar daqui a força e te levar pro chuveiro. Eu já estava mesmo querendo te ver pelada... Aish... Estou imaginando, toda molhada. Hmm... — Ele balança a cabeça ligeiramente, com um sorrisinho malicioso. Dou-lhe uma cotovelada e ele ri.

— Abusado. — Murmurejo e sinto algo esquentar em meu interior, até aquecer as bochechas. — Me deixa dormir... Não vou sair daqui.

— Ei, parou a brincadeira, Monstrinha. É sério, temos muita coisa pra fazer hoje.

— A única ocupação que você tem na vida é me encher o saco. — Resmungo e tento cobrir a cabeça com o edredom, mas Jungkook me impede. — Aish.

— Monstrinha, é a última vez que eu vou chamar. Levanta, agora. — Há certa autoridade em seu comando, mas não me sinto obrigada a obedecê-lo. — Ah, vai teimar? O.K. Vou jogar água nessa sua cara preguiçosa. — O murmúrio de Jungkook é provocativo, e seus passos se afastam do meu leito.

— Aish! — Zango-me e jogo os lençóis para longe de mim.

O sopro friorento da madrugada me congela em um choque térmico momentâneo e eu franzo o cenho, com uma careta. Ergo-me lânguida e vagarosamente. Uma sensação nauseante surge em minhas entranhas e minha pele expele suor frio, que evapora pelos poros e me causa calafrios com os quais não sei lidar. Estremeço e varro os olhos pelo cômodo envolto em penumbra. Esfrego as bochechas e me espreguiço. Estico os braços e bocejo. Respiro fundo para afastar a ânsia, ainda absorta no estado de sonolência.

Fito o rastro de luz amarelada que escapa da porta aberta do banheiro e invade as sombras do quarto. Ouço o som da torneira aberta e me aproximo a passos incertos. Uma sombra alta afasta a luz e eu ergo o olhar para a figura sedutora e obscura de Jungkook, que aparece com um copo na mão.

Cheio de água.

— Aigoo. Que bom que levantou. Ia ser uma pena molhar seu travesseiro. — Ele entoa com sarcasmo e meus olhos se estreitam.

— Você ia jogar água em mim, seu delinquente? — Pergunto em tom de desaforo, mesmo que o sabor acre se manifeste em minha boca, com um mal-estar maior.

— Só se você não me obedecesse. — Jungkook retruca com um sorriso de malícia, ele não parece notar que eu passo mal.

— Idiota. — Xingo entredentes e ele ri.

— Você sempre acorda com esse humor satânico? — Sua expressão é engraçada, mistura desdém e ironia. Ele, claramente, quer me fazer rir. — Parece que está possuída. Ainda tem aquela cruz que usou pra me exorcizar uma vez? Vai que eu preciso, né?

— Sai da minha frente. — Esmurro seu peito e o empurro para que saia do meu caminho. A sensação de enjoo em meu estômago faz-se mais forte e eu respiro fundo, na tentativa de amenizá-la.

— Amanhã você vai acordar com despertador. Não sou obrigado a ser saco de pancada de patricinha. — Eu sei que toda essa conversa dele é uma encenação barata e não estou com paciência e saúde para retrucar.

— Vai se foder, Jeon Jungkook.

— Olha, me foder eu não quero, mas te fod...

— Não termine. — Giro o corpo e ergo o indicador no ar, antes que ele termine a frase. A náusea relutante fica ainda mais cáustica e eu suspiro. — Se você tem amor ao seu... — Aponto para o meio de suas pernas. — Não termine. — Sinalizo o aviso com um floreio enérgico. — Você sabe que quando eu quero brincar, brinco. E não estou pra brincadeira agora.

— Tá. Parei. — Ele ergue as mãos em sinal de rendição, como se essa ação pudesse escusá-lo.

À primeira vista parece inocente, mas vejo o brilho em seu olhar lascivo, quase encoberto pelos fios escuros de seus cabelos. Um sorriso espalha-se pelos lábios bem desenhados e há uma insistente aura de insolência em seu comportamento. Ele é tão bonito quanto ácido. Decido ignorá-lo e atravesso a porta do banheiro. O ruído dos meus passos ágeis no piso de mármore ecoa por todo o cômodo.

Sinto uma espécie de ressaca, como se no dia anterior eu tivesse sido atingida por uma bola de demolição. Os músculos formigam, a cabeça lateja e o estômago fervilha em um mal-estar. Cambaleio pelo cômodo frio e alcanço o balcão da pia. Abro o registro da torneira e faço uma concha com as mãos. Encho-as com água corrente e jogo um pouco no rosto, para afastar a náusea, o sono e o cansaço.

Estremeço com a corrente de calafrios que rasga minhas costas, desde o cóccix até a nuca.

Estou prestes a vomitar.

— Ei, cadê aquela Monstrinha que me agarrou loucamente, ontem? — A voz melódica ressoa atrás de mim.

Miro o reflexo no espelho e o encontro em meu encalço.

— Quê?

— Ei... — Jungkook não continua o assunto. Seu rosto se contrai em vincos que enrugam os traços bonitos. — __________, você está com uma cara... — Ele emenda, sério, e se aproxima mais rapidamente. Pelo uso do meu nome, sei que não brinca. Ele mostra aquele vislumbre do Jungkook que se preocupa comigo. — Está passando mal?

— Eu... — Seguro as bordas frias de mármore do balcão e focalizo o espelho. Uma vertigem embaça e duplica as imagens à minha frente. Baixo um pouco a cabeça e solto o ar pela boca. Ouço o tilintar do copo ao meu lado e as mãos quentes e protetoras de Jungkook me seguram pelos ombros. Seus dedos pressionam minha pele e me apoiam. Respiro com força, tonta. — Aish... Não é nada...

— Você está branca feito papel... Vem comigo, eu te levo pro quarto.

— Quero vomitar. — Desvencilho-me de seus toques e corro até o vaso sanitário. Ajoelho-me. Abro a tampa depressa e respiro fundo. Nada sai pela garganta, ainda que meu estômago esteja muito agitado. Gotículas de suor se formam em minhas têmporas e minhas mãos perdem a força, frias e úmidas. Tomo outro fôlego e tento expelir algo, mas não há nada. Faço uma careta, sentindo o sabor acre amargar mais em minha língua. Tremo e apoio-me na louça do vaso, tentando vomitar mais uma vez.

Mal sinto quando suas mãos me envolvem e tentam me trazer algum conforto. Jungkook prende meus cabelos para trás, acaricia minhas costas. Faz-se presença consistente e próxima. Ele me apoia para que eu não desfaleça. 

— Calma... Respira. Estou te segurando.

— Não precisa... Ficar aqui... Pode... Ir... Está tudo b...

— Eu nunca vou te deixar sozinha. — As palavras são irredutíveis, sinceras. Parecem não se limitar ao momento em que passo mal. É como se Jungkook me prometesse que nunca em nossas vidas me deixaria só. — Não se preocupe. Estou te segurando. — Assinto lentamente e faço uma careta. Meu estômago se remexe mais e eu tento regurgitar, mas não consigo. — Aish... Vai passar... Vai passar.

Ele parece estar mais angustiado do que eu mesma.

— Argh...

— O que jantou ontem? — Dou de ombros, porque não me recordo. — Aish... Você não comeu? — Respiro descompassada e minha cabeça pende para frente. — Precisa beber água, então. Vou pegar o copo, aguenta aí. — Suas mãos me abandonam e meus braços tremem sem o menor controle. Aperto a louça do vaso e espremo os olhos até que lágrimas se formem nas extremidades. — Tome. — Oferece-me o copo cheio e o coloca entre meus lábios. Bebo o conteúdo devagar, quase jogando para fora da boca diversas vezes. Ele verte metade da água para que eu engula e afasta o copo, colocando-o no chão. — Agora vai.

Sei que o momento é de desespero, mas rio com seu comentário.

— Eu...

Uma onda mais forte de náusea corrompe meu raciocínio e eu me viro para o vaso. Arrepios percorrem minha pele. Pontos de luz ofuscam minha visão até me cegar. Suas mãos me apoiam, segurando meu cabelo, alisando minhas costas ao mesmo tempo em que regurgito toda a água que acabei de ingerir. A sensação é terrível e me traz algumas de minhas piores recordações.

Aos poucos minha visão recobra a lucidez e a náusea se atenua. Respiro com força e tusso, ainda sob a rigidez de Jungkook. Faço menção de me erguer e ele me puxa por baixo dos ombros, me ajuda. Agradeço com um grunhido e me solto. Adianto-me até a pia e limpo as lágrimas que caíram durante o processo, lavo o rosto e gargarejo o antisséptico bucal até que o gosto ácido e repulsivo acabe.

— Melhor? — Ele pergunta preocupado e eu aquiesço. Abro o registro da torneira e cuspo na cuba branca, juntando mais água para lavar o rosto uma última vez. — Você pulou o jantar? — Agora há certa repreensão no comentário e eu ergo os olhos para o espelho. Tento lembrar-me da noite anterior, mas nada me ocorre. Jungkook, por sua vez, mantém os braços cruzados e a expressão monótona. — __________, você estava vazia a ponto de não ter o que vomitar.

Mais uma vez, forcejo minha memória, mas não há nada lá.

— Acho que... É... Não sei se eu não jantei mesmo. Quer dizer, não me lembro.

Ele dá um passo para mais perto.

— Como assim, não se lembra? — Há uma aura de desconfiança em Jungkook.

Há um borrão onde deveriam ter lembranças do dia anterior. Forço-me a lembrar de qualquer detalhe mais sólido no qual possa me apegar, mas sinto apenas... Calor. Poucos resquícios de vozes dissonantes, sons que não consigo identificar, sensações intensas, as quais não sei precisar. Raras imagens pairam como lances flutuantes e incongruentes na minha cabeça confusa e enevoada.

Tonteio mais uma vez.

— Eu... Não me lembro de nada.

— Quê?

— Não consigo lembrar de nada que acontecem ontem. Ai. — Pressiono as têmporas. — Nossa, que ressaca. Aish... Eu bebi? Exagerei no Soju de novo? — Pontadas leves da dor de cabeça martelam em minha testa e eu encolho os ombros. — Nunca mais vou beber na vida. Ninguém me viu bêbada, né? Já basta o vexame da última vez. Aish. — Apoio o corpo no balcão da pia e cubro o rosto com as mãos. A vertigem se abranda, mas ainda sinto o enjoo de ressaca. — O que... eu... fiz? — Pergunto, receosa.

Jungkook me examina, assustado.

— Deixa eu ver se entendi... Você não se lembra de nada do que fez ontem? Nada, tipo, nada?

— Eu... Não. — Ergo as sobrancelhas. — Estou ficando assustada. O que eu fiz? Por que está com essa cara? Não me diga que você filmou tudo o que quer que eu tenha feito e colocou no YouTube, por favor.

— Quê?! Não! Tá louca?! — As bochechas dele ruborizam e ele meneia a cabeça em uma negativa veemente. Vê-lo constrangido é tão estranho, que não sei como interpretar ou reagir. — Aish, __________-ah. Não se lembra mesmo? Nós fomos à escola e aí... Nós voltamos pra casa no meu carro, não lembra? Aí a gente... — Ele hesita por um momento e faz uma careta. — A gente saiu da garagem e... O Yoongi! Aigoo, disso com certeza vai lembrar! Seu Oppa veio aqui pra conversa com você. Lembra?

— Eu... — Balanço a cabeça em negativa e perco o fôlego, angustiada. É como se alguém tivesse deletado a segunda-feira da minha cabeça, como se eu estivesse realmente possuída, como Jungkook mencionou mais cedo. — Não consigo lembrar.

— Não...? — A voz de Jungkook não passa de um murmúrio magoado.

Não entendo o porquê. O que eu fiz de mal com ele?

— Não. — Ele torce os lábios, morde-os juntos dentro da boca e forma sulcos em suas bochechas. Vejo-o engolir em seco, como se sentisse uma dor física, e seus olhos esquadrinham o banheiro, brilhantes. Jungkook concorda com um aceno e enfia as mãos no bolso canguru do agasalho. — Eu... Fiz algo errado?

Ele sorve o ar por entre os lábios, com um semblante quase melancólico.

— Não. — Até mesmo seu sorriso, agora, é triste. — Me fala... Me fala uma coisa só. — Espero que ele continue a falar. — Aish, nosso acordo... Aquele dos beijos. Ainda está de pé, né? — Minhas bochechas esquentam quando ele toca nesse assunto e eu perco o prumo.

— Por que está perguntando isso? Claro que está... De pé. — Murmuro incerta. O que o faz pensar que não estaria? Acho que fui muito agressiva assim que acordei e o xinguei demais. Deve ser isso. Ele parece tão desconsolado, agora. Eu prefiro o Jungkook provocativo, que tenta me tirar do sério. Pigarreio e tento não parecer enjoada ou com dor de cabeça. — O que temos que fazer? Hoje é corrida? Ou luta?

— Uh? — Ele ergue o olhar para mim, mas parece perdido. — Ah... É... Não. Você acabou de passar mal, melhor só ler o diário deitada, mesmo...

— Eu? — Aponto para mim mesma e ele assente. — E você? Não vai ler comigo?

— Vou. Eu só... Vou te esperar lá fora. — Ele encolhe os ombros e franze a testa. — Vou esperar...

— O que você tem? — Indago baixinho. Jungkook sorri com os cantos dos lábios e meneia a cabeça.

— Estou chateado porque você passou mal e agora não tenho como insistir pra tomar banho com você. — Ele tenta a piada e ensaia um sorriso mais astucioso. Soa falso. Quase peço que ele me fale a verdade, mas Jungkook desaparece do banheiro e me deixa sozinha.

Confusa e um pouco perdida.

— O que eu fiz ontem? — Pergunto para as paredes frias de mármore.

***

Por mais que me esforce, não consigo recordar nem se fui à escola ontem. Reflito sob as últimas gotas de água que caem do chuveiro e se chocam contra meu corpo, rolando até inundar o chão inteiro do box. Pela reação magoada de Jungkook, sei que deixo algo importante passar e me culpo. Fecho o registro e passo as mãos pelos cabelos molhados, espremendo o excesso de água com suavidade, porque minha cabeça ainda dói. Abro a portinhola de vidro e retiro a toalha do gancho. Enrosco-me no tecido para me secar e ponho os pés no tapete.

Enxugo o rosto e suspiro.

Seja lá o que eu fiz, o fato de não lembrar o machucou. Por isso, preciso descobrir o que é.

Saio dos limites do box e todo o vapor da água quente cria nuvens ao redor do cômodo. Antecipo-me ao frio e me enxugo com a toalha, visto um roupão branco e felpudo que me cobre até os joelhos e amarro bem na cintura. Depois de remoer todo esse assunto, até a náusea que senti quando levantei desaparece. Preocupo-me com minha amnésia. Será que estou enlouquecendo?

Uma frase dele ecoa em minha mente como um aviso. "Ei, cadê aquela Monstrinha que me agarrou loucamente, ontem?" Pestanejo e minhas entranhas se reviram com uma nova inquietação. Calço as sandálias e caminho para fora do banheiro com medo do que fiz. Será que eu... Transei com ele? Meu Deus. Será que eu não me lembro da minha primeira vez? Sei que temos o acordo, mas vivemos burlando suas regras e essa era... Apenas uma regra. Meu Deus. E agora?

Sinto-me mal por mim, por não lembrar. Mas, o estranho é que me sinto pior por ele, por ver em seu rosto algo como desconsolo em saber que eu não me lembro. Será que devo perguntar o que fizemos? E se ele ficar ainda mais magoado? Não posso machucar alguém de quem gosto tanto... Não. Não posso magoar alguém que amo. Mas, também não sei como falar com ele, agora. Aish... Já sei. Vou tentar tratá-lo melhor... Tomara que ele não fique triste. Quando tiver uma brecha, eu pergunto se fizemos alguma coisa. 

Abro a porta e o vento bate em meus cabelos úmidos e nos tornozelos, subindo por minhas pernas. Encolho-me e ergo o olhar para a cama, vendo algo que me surpreende.

Parado à meia-luz do abajur, Jungkook descansa confortavelmente sobre minha cama. Recostado à cabeceira forrada com meus travesseiros, parece mais enigmático do que um dia já foi. Ele ainda veste a calça preta de treino da Puma e o agasalho. O capuz cobre sua cabeça, uma máscara cirúrgica preta encobre sua boca e nariz. Tudo o que consigo ver dele são os olhos, que me arrostam incógnitos. Em suas mãos está o celular, no qual ele mexia quando abri a porta.

Ao seu lado jaz uma farta bandeja de café da manhã, com tudo o que eu já mencionei gostar de comer.

O diário de Juran-ah repousa em seu colo.

— É pra mim? — Aponto para a bandeja, enquanto me aproximo dele.

Sento-me aos seus pés, na beirada da cama.

— É, e nem faça essa cara. Você vai comer tudo.

— Eu não disse que não comeria... Obrigada. — Tento um sorriso, que ele responde com um dar de ombros. Mordisco o lábio e me mexo para me recostar na cama. Puxo a bandeja para mais perto de mim e pego o depósito repleto de frutas vermelhas. Cato uma framboesa e a jogo na boca. — Por que está de máscara?

— Porque você vai comer e eu vou ler essa merda logo de uma vez. — Eu rio do que ele diz e passo a língua pelos lábios, sorvendo o sabor cítrico da fruta. — E você sabe que eu não me dou bem com essa coisa velha. Se eu vou ler, tem que ser de máscara. — Jungkook se explica à contragosto e abre o diário, deixando-o sob a guarda da luz. — Em qual página você parou? — Ele folheia o diário com cuidado, mal humorado. — Essa coisa está prestes a se desmanchar.

— Aish... Desde quando ficou tão interessado nesse diário? — Rio e pego um morango, mordendo-o pela metade. O sabor azedo da fruta se alastra por minha boca. Quando percebo que não tive resposta, fito Jungkook, que me observa com um brilho indefinível nos olhos. — Não está mais aqui quem falou. Eu queria saber que bicho te mordeu hoje, pra me trazer café da manhã e ler o diário comigo. — Solto a indireta com o intuito de arrancar algo dele.

— É só pra te dar uma esperança, pra não ficar achando que eu te desprezo enquanto você me ama loucamente. — Jungkook resmunga e volta a analisar o diário. Penso que algo o incomoda, mas sinto seu dedão do pé cutucar meu quadril e sorrio. — Aigoo, você adora ter a minha atenção. — Ele revira os olhos e passa os dedos pela aba da máscara. Eu rio e pego o copo com leite, bebendo um gole.

— Para de conversar bosta e começa logo a ler, Jungchato. Eu parei na página 68.

— Sessenta e oito... Achei. "Querido diário..." Aish, você lê tão melhor que eu.

— Só leia.

 

68/1
30 de Junho de 1907, Juggi - Coréia do Sul.

          Querido diário,

Ah... Os segredos que a família Wang esconde nunca vão se esgotar.

Quanto mais chafurdo no lamaçal que Appa esconde, desde que começou esse maldito noivado forçado com Youngjae, mais encontro mistérios sórdidos, confidências indecorosas, uma espécie de podridão que consumiria a reputação de qualquer família. São segredos que permanecem à sombra para nos proteger da sociedade, de nós mesmas e até de quem não conhecemos, mas também serve para satisfazer as ambições fétidas do nosso patriarca.

Ele quer poder.

É um déspota.

Enoja-me.

Como descobri? Simples. Em meio ao meu plano desesperado de fuga desse casamento arranjado com um homem sem escrúpulos, deparei-me com muito mais. Despetalei todas as mentiras da família e desfiz a rosa de aparência bonita que está em nosso brasão. O Brasão da família Wang. O primeiro dos segredo é que Appa entregou-me em uma bandeja de prata para Youngjae somente para conseguir apoio político no parlamento, mas esse eu já conhecia.

O segundo é que ele já fez de tudo por poder.

O terceiro é que até mesmo o segredo que todos compartilhamos é utilizado para corromper, cometer crimes e destruir tudo ao redor. As mulheres Wang são obrigadas a manter o dom da família em desuso para não levantar suspeitas sobre os homens Wang. Mas, a realidade é única. O sangue que corre em todas as veias da família é repleto de magia. Somos vindouros de uma linhagem próspera de feiticeiros. Até pouco tempo eu mantive minha cabeça baixa e obedeci a diretriz da abnegação, assim como todas as minhas irmãs mais velhas fizeram. Todavia, não sou a mesma de antes.

Eles estão enganados se pensam que ainda sou apenas uma Wang.

Aliás, eu já abdiquei desse sobrenome.

Desde que roubei o livro da biblioteca para cruzar a última fronteira da minha emancipação, tenho estudado com afinco. Só saio para encontrar-me às escondidas com Jaebum e para ser cortejada pela escória da humanidade que atende pelo nome de Choi Youngjae. 

Passo os dias trancada em meu quarto, lendo sobre feitiçaria, história, botânica e matemática. Não acesso mais as aulas de bordado, desenho, canto e piano. Nem aquela sobre como servir mesas de acordo com o gosto do marido. Aprendo sobre outras línguas, antigas e poderosas, e até consigo sentir a magia fluir em mim como o fluxo da água em um rio tranquilo.

E minha vida mudou completamente. Não me sinto a mesma de tantas páginas atrás, quando ingressei na escola de boas maneiras de Juggi. O motivo é simples, não sou mesmo a inocente Wang Juran depois de tantos meses fora da caverna na qual estive escondida.

Sei que sou uma bruxa.

Todas as Wang são.

Assim, encontro-me com quem realmente sou, inteira, completa. Eu. Oculta à penumbra das cortinas pesadas do meu quarto, descubro-me tão poderosa quanto qualquer homem dessa maldita família. Sinto-me capaz de desbravá-los, enfrentá-los, derrotá-los. E nem quero acabar com a raça deles, como merecem. Só quero que me deixem em paz, que parem de tentar me prender como se eu fosse um animal de estimação que deve obediência ao DONO.

Por isso não me casarei com aquele desgraçado do Youngjae. E já tenho o plano perfeito arquitetado para fugir com Jaebum.

E colocarei meu plano em prática amanhã.

 

Eu e Jungkook trocamos um olhar e eu aponto para a página.

— Ela disse que todos os Wang... S-são... Bruxos?

Ele assente e fecha o diário, levanta-se da cama e me puxa pelo braço.

— Se vista, vamos à livraria do Jin.

***


See no Evil, hear no Evil, speak no Evil
Não veja o mal, não ouça o mal, não fale o mal
Girl... Meet Evil
Garota... Encontre o mal

 


Notas Finais


TRAILER DA FANFIC: https://www.youtube.com/watch?v=alMhPs3sAvI
"See no Evil, Hear no Evil, Speak no Evil": Namjoon disse em recente entrevista à Billboard. Link: https://www.billboard.com/amp/articles/columns/pop/8456669/bts-talk-fake-love-choreography-bbmas-interview-video
"As Notas, por Jeon Jungkook": São as notas do Jungkook que eu adaptei pra cá <3, para ver as originais, Link: https://twitter.com/BigHitEnt/status/992056198139559936

Perceberam algumas referências ao MV de Fake Love? Todas as coisas já estavam na história, é só que esse conceito novo do BTS parece com a GME... Então... <3 Nem preciso dizer que estou amando esse comeback <3

E VAI LÁ DAR VIEW EM FAKE LOOOVE, FAKE LOOOOVE, FAKE LOOOOVE

Link da Música: https://www.youtube.com/watch?v=7C2z4GqqS5E
Meu Twitter: @Ghooost_fa

Ps.: Tem um user aí @AGhostMeAma_Sof <3 você é linda de me colocar no seu user

~~Ghokiss


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