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História God Killer - Capítulo Vinte e sete - Deus ex machina


Escrita por: esquecidinha e taemeetevil

Notas do Autor


VOLTEI!
> LEIAM COM CALMA, PRESTEM ATENÇÃO PQ TEM DUAS PARTES NO CAPITULO!
amo vcs

Capítulo 28 - Capítulo Vinte e sete - Deus ex machina


Fanfic / Fanfiction God Killer - Capítulo Vinte e sete - Deus ex machina

O COMEÇO

 

JEON JUNGKOOK

[HUMANO]

 

— Houve uma morte no rio. Acho que jogaram a pessoa de lá de cima — alguém disse, enquanto via a notícia no jornal. Fazia um bom tempo desde que ouvi falar de suicidas e menos ainda de assassinatos. Olhei para o hyung, que se moveu preocupado, ele se sentia mal sempre que ouvia notícias assim, a polícia tinha um papel mais amistoso nos últimos anos, quase não haviam crimes desde que o inferno pareceu mais real para as pessoas, então o trabalho da polícia era mais de regulamentação da ordem do que alguma ação efetiva.

— Quer ir até lá? — perguntei — Eu posso ver Hoseok sozinho — hyung me abraçou pelos ombros antes de negar.

— Mamãe me mataria se te deixasse sozinho hoje, tenho que presenciar esse momento histórico. Vai ser um artista renomado bem rápido, você vai ver — ele sempre tentava me animar, já eu não tinha tanta fé assim, havia mais uns 20 artistas comigo esperando que o deus sol dissesse que éramos bons o bastante para sua equipe. E se eu não fosse tão bom assim? — Ei! Não seja tão pessimista.

— Às vezes parece que lê meus pensamentos.

— Você que é muito expressivo quando está em pânico, pirralho — bagunçou meu cabelo e o afastei dando uns tapas — Vai ficar tudo bem.

As pessoas foram sendo chamadas por ordem de chegada, havia dez pessoas na minha frente, mas até estava aliviado por isso, não queria ter de encarar um deus logo de primeira.

— Jeon Jungkook! — uma garota saiu da sala principal, ela era pequena, pele escura, olhos grandes, obviamente ocidental e humana, mas podia passar por uma deusa facilmente. Lhe fiz uma reverência que retribuiu, com um sorriso largo — Eu sou Jung Sun.

— A esposa de Apolo — eu estava surpreso, todos sabiam sobre a esposa de Hoseok e suas muitas vidas, onde ela constantemente girava num ciclo de vida e morte, mas eu não tinha visto até então sua imagem atual, as últimas fotos que vi da garota eram de sua encarnação anterior, quando nasceu no Oriente médio — É uma honra.

— Não precisa tanto — riu — Pode entrar, seus quadros já estão lá dentro esperando por você — abriu a porta para mim, não havia uma sala, entretanto, apenas um longo corredor e outra porta mais adiante — Poseidon está lá também, ele quer um artista novo para um projeto pessoal, talvez você dê sorte.

“Poseidon…”

— Claro, é… obrigado — a nova informação não me ajudou a ficar mais calmo, obviamente. Era estranho ver pessoas que imaginei a vida toda, que estavam sempre em outdoors e programas de tv, bem na minha frente. E havia o adendo de que eram deuses.

Abri a outra porta adiante, vendo os dois deuses parados diante de uma tela que pintei. Era o mais abstrato que já tentei, geralmente haviam comemorações especiais em Busan no dia dos namorados, todos sabiam sobre a tristeza de Eros, que amava o deus da morte e não podia passar muito tempo em sua companhia. Para honrar um amor que sofria tanto, os artistas da cidade faziam peças de arte, como um presente. Eu tinha feito uma naquele ano, Eros e Hades separados pelo tempo e unidos pelas linhas vermelhas do destino.

— Você é Jeon Jungkook? — Poseidon foi o primeiro a falar e olhá-lo me deixou literalmente sem fôlego. Mesmo Hoseok era bonito, mas Poseidon era completamente diferente.

— Sou eu — falei, quando parecia estar encarando em silêncio a tempo demais.

— Eu não tinha gostado muito do seu trabalho, Jeon — Hoseok disse, e foi o balde de água fria que eu precisava para acordar — É bem simples. Pelas telas que mandou para avaliação existem uma centena de artistas como você, é muito competente, não me leve a mal, mas não o suficiente para entrar na minha equipe. Mas… essa aqui — apontou para o quadro de Eros e Hades — Essa tem personalidade. Por isso vou te dar uma chance.

Assenti uma porção de vezes antes que continuasse.

— Poseidon quer começar uma coleção de arte.

— E eu gostei muito de sua obra — Poseidon ressaltou, e sorri, um tanto feliz demais — Você pode voltar em uma semana para decidirmos um conceito artístico.

— Então… então eu estou contratado?

— Se Taehyung gostar da tela que fizer para ele, sim.

— Eu agradeço muito, senhor. Não vai se arrepender — mesmo falando com Hoseok, eu não conseguia desviar o foco de Poseidon e conseguia ser um pouco pior, já que ele me encarava tão intensamente quanto.

— Jeon? — Hoseok disse provavelmente pela segunda ou terceira vez, já que ria baixo — Você pode ir — fiz uma porção de reverências antes de sair da sala, com as mãos tremendo e pulando como um idiota, tentando dissipar toda a energia acumulada até ouvir o som da porta se abrir novamente.

— Você parece bem feliz — a voz de Poseidon era firme, era estranho tê-lo tão perto porque eu sempre o achei atraente desde que me assumi gay, alguns anos antes, e ele não tinha mudado em nada desde quando eu o via na TV. Na verdade, parecia ainda mais bonito pessoalmente — Seu quadro de Yoongi e Jimin chama muita atenção, as linhas do destino principalmente, nós ainda não sabemos se eles são almas gêmeas, realmente.

— Achei que deuses soubessem de tudo.

— Somos mais limitados do que parece. Mas acho que no fundo nós sabemos, desde o primeiro momento. Encontrar sua alma gêmea deve ser como um evento cósmico, mas tão discreto que se pode desperdiçar a chance e perdê-la para sempre — ele riu em seguida, parecendo envergonhado — Isso soou bem piegas.

— Não. Você está certo. Talvez… talvez a grande chance com sua alma gêmea vá embora e o evento cósmico se perca, só por não ter tido coragem de agir.

— Exatamente — sorriu, e começamos a seguir pelo corredor em direção a saída — Quer tomar um chá comigo? Eu não bebo café.

Ok, eu não esperava por essa.

— É claro.

 

+++

 

— Então, qual sua especialidade artística, Jeon Jungkook?

Poseidon sentou-se na poltrona da sala, com sua expressão altiva e inabalável. As peças de arte que ele queria, descobri semanas depois, eram imagens dele mesmo. Um diabo narcisista, sem dúvidas. Mas se eu tivesse uma beleza como a dele, provavelmente faria o mesmo. Naquela manhã, trabalharia nos primeiros esboços, eu tinha algumas ideias, especialmente relacionando sua imagem a figura de Netuno, que como planeta eu nunca gostei tanto. Mas a combinação dos astros com o mar, talvez produzisse algo interessante.

— Você ainda não respondeu — falou mais perto e senti um arrepio passar pelo corpo. Nós já estávamos nos encontrando com alguma frequência, quase um mês, mas ainda não tinha avançado em nada, realmente. Constantemente tinha de me lembrar que aquilo era trabalho, minha chance de ser um artista de verdade, não para transar com o deus dos mares. Mas a possibilidade era tentadora, tinha de admitir — Já conversamos sobre quase tudo, menos sobre o que você é melhor, como artista.

— Hum… Nus artísticos.

— Nus artísticos? — riu baixo, e sustentei o olhar, tentando manter a posição de desafio.

— Exatamente. Corpos masculinos são minha especialidade.

— Oh, é claro. Então eu deveria me despir agora? Não vai nem me pagar um jantar antes? — ri baixo.

— Se você faz questão… — deu um passo para mais perto e fiz o mesmo — Precisa de alguma desculpa para me beijar agora ou prefere esperar que eu te pague um jantar? — riu.

— Você é tão fácil de compreender, garoto — chegou mais perto, e sorri um pouco mais antes que sentisse seus lábios contra os meus, finalmente.

 

+++

 

Taehyung estava há mais de seis meses me enrolando a respeito de sexo. Não que eu fosse tão… enfim. Mas era frustrante todas as vezes em que ele dizia o quão frágil eu era e que deuses não se relacionam com humanos naquele nível. Não sem uma benção de Pothos, seja lá quem fosse aquele deus e era por isso que iríamos passar uns dias em um hotel, chamado Arcádia.

— Namjoon acha que seria bom esperar que tenhamos certeza antes de te transformar em um deus — Taehyung comentou, quando Jeongy se tornou mais insistente em saber porque eu não tinha me tornado um deus ainda — E o aniversário da Sun está perto, talvez seja bom que os dois sejam elevados a deuses no mesmo dia.

— Claro que o tio Kook e você são almas gêmeas, tio Tae — Jeongy no momento estava nas costas de Jongin, já que ele tinha perdido uma aposta e agora seria obrigado a carregar a garota por todo canto — Namjoon que está ficando esquisito ultimamente.

— Eu não queria concordar, mas ela tem razão — Jongin disse, já fazia um tempo desde que notei o quanto ele não gostava de Namjoon, no começo acreditei que viera de Min Yoongi, já que Hades e Zeus nunca se deram muito bem, mas claramente era uma questão do garoto isoladamente, e não influenciado por outros — Namjoon tem tomado atitudes estranhas e falando demais sobre poder.

— E ainda tem as não nascidas — Jeongy completou, eu já conhecia a garota a tempo bastante para notar que ela era muito boa em causar problemas, mas desta vez ela tinha razão no que dizia, apesar de não conhecer Namjoon tanto assim, já tinha notado a preocupação de Taehyung a respeito do irmão.

— Desculpem o atraso, pessoal. Já podemos ir — Jongdae abriu as portas da casa de Taehyung, sorri maravilhado quando o tridente se transformou num grande A, e vi o hall do hotel, tão belo e rico quanto uma peça de arte.

— Sejam bem-vindos ao Arcádia — um rapaz disse, vindo até mim para cumprimentar — Eu sou Oh Sehun, encarnação de Pan. Quem é você, hum?

— Eu sou Jungkook — acenei para o rapaz, era tão bonito, Taehyung me segurou pelos ombros quando tentei avançar demais em direção ao deus.

— Pothos vai adorar conhecê-lo. Terá uma festa hoje à noite. Namjoon e Seokjin já chegaram, Jimin está à espera de Min Yoongi. Onde está Hoseok e Sun?

— Devem chegar só amanhã, faz um tempo que não tiramos férias, é complicado pra Hoseok deixar o hospital.

— Entendo. Tem tido muita interferência espiritual ultimamente — havia uma nota de preocupação na voz de Sehun, algo que parecia uma constante em todos os deuses, mas eu teria de aguardar um pouco mais antes de começar a fazer perguntas. Sehun nos indicou os quartos, Jongin e Jeongy foram atrás de Shownu para praticar na arena que havia no hotel, enquanto eu e Taehyung seguimos para a praia.

Aparentemente no Arcádia havia de tudo.

 

(...)

 

— Então, qual exatamente é o problema? — perguntei, enquanto a água me cobria até os ombros, Tipsy dava voltas em torno de mim e Taehyung, querendo que o seguíssemos, mas eu não conseguia mergulhar tão fundo quanto ele queria e o tanto que Taehyung podia. Apesar da benção de Poseidon ter ajudado com o fôlego, eu conseguia ficar quase dez minutos embaixo d'água.

— Zeus nunca passou pela loucura. Todos nós passamos por ela, é bem comum, poder demais acaba fazendo o cérebro sobrecarregar. Não é a melhor das experiências, Jongin e Jeongy passaram por ela ainda bem novos, foi terrível para eles. Mas quanto antes isso acontece, melhor.

— Então… ele ficar louco logo agora…

— Seria bem ruim — passou os braços em volta de meu pescoço, me puxando para mais perto, o mar estava calmo, nos movendo delicadamente de um lado para o outro — A espada dele é a única arma no mundo conhecido que pode ferir um deus, não seria bom para ninguém se ele ficasse louco.

— Não existe nenhuma outra?

— Não. Por isso estão todos preocupado — Tipsy deu mais algumas voltas em torno de nós — Tipsy está preocupado — o tubarão cutucou meu braço e corri os dedos por sua pele fria — Não nascidas são muito suscetíveis a atuação de espíritos, e Tipsy disse que viu um, que se parecia comigo. Ele acha que elas estão ajudando.

— Você também acha isso? — perguntei, Taehyung fez a água me empurrar ainda mais para perto e ri quando fui “amarrado” a ele pelo próprio oceano.

— Sim, eu não confio em nenhuma delas, mesmo Latona, a mãe de Hoseok e Jongin. — pressionei um beijo contra a pele de seu ombro, com gosto de sal — Mas não há muito o que fazer a não ser que Namjoon se torne uma ameaça, coisa que ele ainda não é. Não posso me revoltar contra meu próprio irmão.

— Mas o que acontece? O que fazer se ele for uma ameaça? — perguntei, sentindo o aperto de seus braços a minha volta se intensificar.

— Acho que preciso falar com um amigo — comentou, parecendo perdido em seus pensamentos — Talvez ele possa me dizer sobre o futuro.

 

(...)

 

Eu definitivamente não estava em condições de mover um único músculo. Estava deitado no chão de um quarto que não sabia de quem era até me lembrar que ainda estava na “casa de Pothos”. Eu lembrava de sua bênção, da sensação de ter Poseidon completamente, da festa, de ver mais corpos nus em um dia do que na minha vida inteira, não tinha mais nem mesmo um fiapo de voz, e agora ter seu corpo adormecido sobre o meu, depois de… há quanto tempo estávamos ali?

Cutuquei Taehyung que levantou com um resmungo e me ajudou a fazer o mesmo, puxando o lençol, que tinha mais fluidos que tecido em si e quase exclamei em surpresa quando uma nova roupa de cama surgiu no lugar.

— Vamos dormir. O dia todo, hum?

— Está cansado, Poseidon? — ri, me arrastando para cima da cama e deitei, com ele ao meu lado — O peixinho está cansado?

— Por que você me chama tanto de Poseidon? Gosto do meu nome humano.

— Eu também gosto de Taehyung, mas Poseidon soa sexy. E ainda é parte de você — virei o rosto para ele, que chegou o próprio mais perto, pressionando um beijo em meus lábios — Amo todas as partes de você.

— Poseidon tem uma história… odiosa. Deuses foram mais maus do que bons, nós encarnamos na tentativa de mudar. Nem mesmo nosso poder é mais como antes — ele calou um momento e quase pensei que tinha pegado no sono — Às vezes eu temo que nosso tempo no universo esteja acabando.

— Por que está falando isso?

— Não é nada — afastou os fios de cabelo ainda grudados em minha testa e eu tinha quase certeza que não era com suor — Nós vamos ficar bem.

 

+++

 

Era o aniversário de 19 anos de Sun. O meu de 25 anos tinha passado há algumas semanas, mas nada tinha mudado, Zeus tinha se fechado em sua arrogância, ignorando os irmãos, tentando afastar Yoongi e Jimin, tratando Seokjin da pior forma possível e agindo como se Taehyung fosse uma ameaça. O último recurso de todos foi buscar a ajuda do único que talvez pudesse enxergar “além”. Eu tinha conhecido Hansol há quase um ano, ele vivia no “lado espiritual” da casa azul da ilha, casa essa que era o lugar mais legal que já estive em toda minha vida. Ela conseguia ser mais legal que o Arcádia inteiro, além de ter temperamento próprio.

— Não há nada que possamos fazer sobre Zeus — Hansol disse, puxando um lugar junto a mesa — O traçado do destino está seguindo normalmente, seja lá o que esteja acontecendo com Namjoon, provavelmente o universo não tem nada contra isso.

— Isso não é exatamente um bom sinal — Taehyung sentou-se ao meu lado, enquanto eu estava muito ocupado com uma grande taça de sorvete. Eu definitivamente adorava aquela casa — Você sabe que não temos defesa se Namjoon se voltar contra nós, não existe formas de pará-lo.

— Ele já ameaçou algum de vocês?

— Não, mas me preocupa, especialmente por haver espíritos soltos. Eu vi Orin, ele ainda usa a minha imagem.

— Sim, eu adorava seu cabelo vermelho, inclusive. O que é um pontinho vermelho no meio do mar? — mesmo não sendo uma piada completa, eu ri alto, com a boca ainda cheia de sorvete — Eu adoro esse garoto, quando vai pedi-lo em casamento?

— Eu gostaria de saber também — falei em seguida, somente para ver Taehyung constrangido — Ele está vermelho, que nem o pontinho no meio do mar — levei um tapa no braço e ri mais alto, para depois me concentrar no sorvete novamente — Casa, você tem de menta com chocolate? — olhei para a taça novamente e lá estava. Aquela era a melhor casa do mundo — Eu posso passar as férias aqui?

— É claro — Hansol disse, para depois focar em Taehyung — Na minha sala de armas não tem quase nada útil. No máximo minhas flechas e mais um monte de velharia, eu não tenho nada que possa ser útil contra Zeus caso precise. Seu tridente?

— Ele canaliza a energia para controlar o mar, não ia ser útil contra uma arma como a espada de Zeus.

— Acredita que ele vá realmente atacar vocês? — Hansol insistiu na questão com uma nota de preocupação maior em sua voz.

— Ele negou a Jungkook e Sun a possibilidade de se tornarem deuses. Você alertou que Jeon nasceu sem karma, então não deve reencarnar. E é a primeira vida dele, o que torna as coisas piores. E Sun… Se tem mesmo um espírito solto, provavelmente será com ela que ele terá de ser aprisionado.

— E o que acontece com ela? — perguntei.

— Ou Zeus mata o espírito e Sun no processo, usando a espada dele. Ou ela vai ser aprisionada no Tártaro, num sono eterno, até o fim dos tempos.

— Isso é horrível…

— Eu sei, mas não existe outra arma para cumprir com esse trabalho. Eu não sei julgar o que seria menos terrível para Sun e Hoseok, qualquer alternativa seria o pior de todos os sofrimentos —  Taehyung murmurou — Encontrar minha alma gêmea para no fim ter de vê-la morrer e nunca mais tê-la novamente.

— Está falando de Sun e Hoseok ou de você e Jungkook? — Hansol tendia a soar meio cínico às vezes, não propositalmente, parecia seu modo natural. Seu cinismo dessa vez não foi exatamente em deboche as palavras de Taehyung, havia um quê de compreensão em sua fala — Vocês ainda podem ter uma boa vida, assim como Hoseok e Sun também podem. A existência humana é curta, mas ainda é válida como qualquer outra. Nada deveria viver para sempre.

— Não é fácil pensar assim quando se tem a eternidade e a pessoa que amo não tem — Taehyung respondeu, continuei mexendo no sorvete, sem querer encará-lo ou a Hansol, a morte já era uma constante real na vida de qualquer ser humano, mesmo que esqueçamos disso. Pensar na morte nunca era uma experiência agradável, mas desde que comecei a namorar Taehyung, parecia que o assunto sempre estava em pauta. Já iria fazer dois anos. E provavelmente seguiria assim pela vida inteira.

— Jeon? — Hansol me chamou — A casa está com muitas paredes vazias, pode fazer um desenho para mim?

— Claro — disse, me levantando e levando o sorvete comigo, a casa lançou um de seus pontos de luz azul, para que eu a seguisse para fora dali. Sai da sala de refeições, mas não me afastei da porta.

— Eu não quero vê-lo morrer, Hansol…

— Zeus ainda pode ser convencido, ele simpatiza com o garoto, não desista agora, ok?

— Não irei.

 

+++

 

O clima não estava bom, as nuvens escuras sempre rondavam a cidade, mesmo agora no Arcádia, que era um local em território espiritual, Jimin e Yoongi estavam preocupados, eles tinham perdido o alinhamento de Plutão e Vênus, mas agora havia um novo ajuste do universo que permitiria a cerimônia deles acontecer. Mas Zeus não parecia nada feliz com a possibilidade, mesmo que tivesse permitido a cerimônia de acontecer.

Nos últimos meses todos agiam como se esperassem uma guerra a qualquer instante, Jongin e Jeongy passavam horas do dia me treinando como eu fosse ser enviado a um campo de batalha. Não que fosse ruim, Jeongy me fez ficar muito bom com adagas, o que era estranho, já que não conseguia ser tão habilidoso com uma espada, que era uma arma muito mais simples. E tinha ficado realmente ótimo em arco e flecha, provavelmente era minha arma favorita.

— Você consegue atirar mais que duas ao mesmo tempo? — Taehyung perguntou, quando entrou na sala de treinamentos da arena, eu estava ocupado terminando de entalhar a terceira flecha. Quase resmunguei irritado por ele ter aparecido meia hora antes do combinado, devia ter feito Jeongy enrolá-lo um pouco mais.

— Consigo atirar com quatro — me lançou um olhar surpreso — Foi só uma vez, mas eu consegui — ressaltei, fazendo-o rir.

— Você seria um grande guerreiro em outra época. Um valoroso guerreiro de Esparta. Um general que lideraria as tropas nas guerras médicas.

— Sun esteve nas guerras médicas, não é?

— Sim, a única encarnação que ela foi um homem. Hobi só a viu um segundo antes de uma lança persa atravessá-la ao meio. O destino costuma ser perverso. Ao menos naquela época suas almas ainda não estavam ligadas, teria sido um sofrimento terrível.

— Ainda acho ter tido muitas vidas uma experiência incrível. É como ser eterno e abraçar a morte ao mesmo tempo.

— Você soa muito poético ultimamente — sorri, quando terminei com as flechas.

— Pode me ajudar a treinar? Encosta na parede atrás de você.

— Vai atirar flechas em mim? Achei que você me amasse!

— Nem vai doer nada, você é um deus! — ri, posicionando as três flechas.

— Meu coração vai doer muito — gesticulou dramaticamente — Sabia que o coração de um peix…

— Agora não, Animal Planet. Fica paradinho aí — apontei as flechas em sua direção, respirando fundo uma porção de vezes antes de soltá-las e as três enfileirarem perfeitamente ao lado do rosto dele. Taehyung riu, puxando uma delas, até ler o que eu tinha marcado na base de madeira. Em seguida puxou as outras.

— Quer… Casar… Comigo? — soltei mais uma flecha em sua direção, dessa vez com duas alianças presas na haste.

— Eu treinei dois meses para isso, eu espero que isso conte para você me dizer que sim.

— Isso é sério? — segurou as flechas, caminhando em minha direção.

— Claro, foram 2 meses atirando flechas e dando errado, o Jongin nem aguentava mais ser cobai- — calei quando ele já estava a centímetros de distância — Quer casar comigo, Poseidon. Netuno. Kim Taehyung… seja lá quantos nomes você tenha — ri baixo, sustentando o olhar — Parece que o mundo vai acabar, tudo está desmoronando, mas se acabar, eu quero estar com você de todas as formas humanamente possíveis. Você é meu destino.

— Eu devia ter dito isso.

— Você demorou muito, peixinho.

 

+++

 

Estive na ilha apenas uma vez durante meu relacionamento com Taehyung, o máximo que fazíamos antes era visitar Hansol, as vezes em grupos de vários deuses, a casa conseguia fazer aquários gigantescos para que Tipsy nadasse à vontade enquanto Holly e Ji o acompanhavam, em suas “conversas”. Eles ainda faziam isso, mas havia um sentimento diferente dessa vez. Era difícil acreditar que tantos tinham morrido. Que Sun e Hoseok tinham feito um último sacrifício por nós, mas no fim, havia tão poucos deuses restantes e dos principais apenas quatro tinham sobrevivido.

No dia que fomos embora de Seul eu finalmente vi o quarto na casa de Taehyung que sempre teve as portas trancadas. Eu imaginava um milhão de segredos e coisas perigosas, mas era só muita coisa velha. Fotos do período da guerra, a primeira deles como família, com Taehyung segurando Jeongy ainda bebê e Jongin agarrado à perna de Jimin com Ji mordendo a barra da calça de Namjoon. Todos usavam aqueles sobretudos pesados e gravatas-borboleta.

Taehyung guardou quase tudo, as roupinhas de Jeongy eram todas chamuscadas, já que ela explodia tudo quando criança. Havia fotos dela e Jongin lado a lado, de cada ano de vida dos dois, até a fase adulta. Dava para notar a diferença deles quando as características divinas começaram a despontar. Haviam fotos da família de Taehyung, papéis onde ele constantemente escrevia os nomes deles temendo esquecê-los.

Ele tinha registrado tudo.

Havia fotos de Jimin, Chanyeol e Baekhyun no Arcádia, antes da inauguração. Da construção dos templos, ele tinha diplomas dos cinco cursos que tinha feito na universidade de Seul, um deles de fotografia, o que achei bem adequado. Suas fotos eram realmente boas.

— Não dá para levar tudo, pegue o que achar necessário — Taehyung disse, entrando no cômodo e carregando uma caixa das coisas que pegou do quarto de Jeongy, ele ainda não tinha dito nada sobre, além do dia em que a perdemos, mas seu sofrimento era como um manto pesado que arrastava para todos os cantos. O fato de não poder chorar - por literalmente causar um terremoto quando chorava - tornava um tanto pior, fazendo-o sofrer em silêncio por sua criança.

— Peguei todas as fotos. Podemos colocar nas paredes — ele assentiu, tinha se passado 2 meses desde o último ataque, os espíritos estavam destruídos, não havia mais ameaça, mas Taehyung ainda se preocupava com a possibilidade de algo ainda pior nos atingir, então nos esconder na ilha ao menos nos manteria seguros. Não. Me manteria a salvo. Eu era o motivo dele estar se escondendo — Por que não continuar aqui? Vamos ficar bem, podemos… viver com Baekhyun e Sehun no Arcádia, ou alugar um lugar menor perto de Yoongi. Eles são sua família, devia ficar com eles.

— Não é seguro, mesmo não tendo espíritos tão poderosos soltos por aí, existem outros. Que ainda poderiam te machucar. E na casa da ilha você estaria a salvo tanto deles quanto de mim, meu poder não te afetaria tanto e você viverá mais anos.

— Para de pensar no que é melhor para mim. Nós estamos juntos, eu me importo no que é melhor para nós. No que é melhor para você.

Ele não disse nada, apenas olhou para a caixa que carregava, com tudo que recolheu do quarto de Jeongy.

— Eu perdi meus irmãos. Perdi minha criança. Perdi meus amigos. Nem mesmo o mar me dá algum conforto. Eu prometo entender se você quiser ficar, mas eu não posso mais viver aqui — usou as mangas da camisa para enxugar os olhos antes que provocasse um desastre, caminhei até ele, deixando que me abraçasse. Era muito raro vê-lo frágil, a parte divina continha suas emoções muito bem, mas havia momentos, como esse, que ele não conseguia só ser o deus Poseidon, e Kim Taehyung tomava as rédeas — Nós vamos ficar bem e começar de novo. Lá. Eu não posso ficar aqui, Jeon.

— Eu sei, tá tudo bem — o abracei com mais força — Se estivermos juntos, não importa onde vamos viver — garanti.

 

(...)

 

Não fomos para ilha imediatamente, ainda era doloroso para Yoongi ter perdido Jimin, ele quase não saia de casa e mesmo eu não conseguia chegar muito perto pois sua aura de morte era tão pesada que deixava humanos mais fracos. O dia do aniversário de Jimin fora tão doloroso para ele que Seul inteira ficou doente ao mesmo tempo. Jongin passava os dias ao seu lado, junto com Holly e Ji. Então nós íamos vê-lo também, tentando salvá-lo do próprio sofrimento.

— Eu queria poder voltar no tempo — Yoongi disse um dia, parecendo menos pior do que nos anteriores. Holly estava deitado em seu colo, Ji com a cabeça apoiada no braço da poltrona. Ele tinha passado a manhã inerte, apenas aquele momento bebericou o café que Jongin tinha comprado numa cafeteria ali perto — Ter fugido com ele quando tive a chance…. Não. Eu iria mais longe, iria dar um tapa no Yoongi de 50 anos atrás e fazer ele notar que quando dizia odiar Jimin era porque não queria admitir que ele era minha alma gêmea. Eu sempre soube. Estava lá o tempo todo e… eu fui orgulhoso demais.

Eu tinha descoberto no dia do ataque de Namjoon que quando chorava, Yoongi sentia dor. Seu corpo queimava como se estivesse dentro do poço mais fundo do inferno. Era como uma punição pela própria morte se permitir sofrer. Só não acontecia se ele enxugasse as lágrimas antes que escorressem demais, porém desde que Jimin morreu ele deixava-as escorrer propositalmente, como um autoflagelo. Daquela vez não chegou a machucá-lo, Ji lambeu as lágrimas de seu rosto, fazendo-o rir um pouco.

— Eu seria melhor para ele. Teria aproveitado a droga das seis horas melhor… — limpou o rosto das lambidas, afagando o pelo de Ji — Mas eu não posso mudar nada e vou passar a eternidade sozinho. Talvez fosse o meu destino que toda essa merda acontecesse.

— Ainda tem a gente, hyung — Jongin disse. Assim como Jeongy foi, às vezes Jongin parecia muito mais novo, como uma criança. Yoongi chamá-lo assim até fazia bastante sentido — Jimin-hyung nunca iria querer ver você assim.

Yoongi concordou, apenas para não o fazer sentir mal.

— Criança, pode fazer algo para mim? — Jongin concordou, de imediato — Pode me fazer uma estrela?

 

(...)

 

Foi no mesmo dia que pegamos o último barco para Jeju. Nós fomos todos juntos, mesmo os outros deuses quiseram comparecer. Sehun trouxe Baekhyun e Seulgi, os únicos restantes do Arcádia, Jinyoung também deixou o Hades junto Min Yoongi e Holly, Ji, Jongin, Taehyung e eu fomos no barco juntos, até o pico onde a casa azul ficava. Ninguém disse coisa alguma, era apenas o silêncio da noite como se fosse aquele silêncio estranho do próprio universo.

Yoongi tinha reunido todas as pétalas que Jimin deixou para trás, suas últimas lágrimas, e entregou a Jongin. Era a partir delas que o garoto faria a estrela.

— Ela vai brilhar sobre Busan, como pediu, hyung — o rapaz usava as mãos para conter a energia da estrela, o brilho era forte, numa luz branca intensa, que iluminou todos ali presentes.

— Obrigado… — Recuamos alguns passos quando a luz veio muito forte e a estrela voou alto, num ponto vazio do céu. Nenhum deles sabia se deuses tinham um lugar para ir depois do fim, mesmo Yoongi não tinha essa informação, mas eu gostava de pensar que eles ainda estava lá, olhando por nós ou vivendo uma nova vida, plena e feliz, como eram os campos elísios.

Ninguém disse nada por um tempo até a voz de Jongin soar muito baixo.

— Jeongy. Chanyeol. Jackson… — Não entendi o que ele fazia até lágrimas escorrerem pelo seu rosto, surgindo novas estrelas, essas bem menores, mas ainda brilhantes, que se juntaram a estrela de Jimin — Shownu. Seokjin. Jongdae. Minseok. Minhyuk. JiSoo. Luhan. Momo. Hoseok. Sun. Mark. Kyungsoo. Namjoon… — ele continuou citando cada um dos deuses, e mesmo quando os nomes acabaram ele continuou a chorar, enquanto tentava enxugá-las com as mangas do moletom.

— Tudo bem, criança — Yoongi o abraçou, assim como Baekhyun e Sehun, ajudando-o a conter suas lágrimas-estrelas — Nós vamos ficar bem. Eu tenho certeza que eles estão num lugar melhor agora.

— V-Verdade?

— Verdade — mentiu, mas era o tipo de mentira que valia a pena contar.

Me abaixei, ajoelhado na grama e afaguei o pelo de Ji, que chorava pelo sofrimento de seu dono. Dei uma boa olhada nos rostos ali presentes.

Foi a última vez que os vi a maioria deles, Yoongi e Jongin ainda estariam constantes, mas apenas eles. Aquela noite foi quando abraçamos os restantes pela última vez, antes de dizer adeus.

 

+++

 

— Então, quando eu vou morrer?

Yerim era a mais quieta entre os nórdicos, eu lembrava de quando pude conhecê-los melhor e ria comigo mesmo ao ver a garota baixinha dando ordem a Yifan, Tao e Yixing. Era mais estranho ainda que ela fosse a figura materna de dois deles, e o respeito que todos tinham por ela, como se fosse uma deusa muito mais velha, era fascinante o controle que tinha sobre a magia.

Me colocaram deitado, Hansol me deu um quarto grande, com a cama tão macia que a vontade era dormir o dia todo. Ele não podia ajudar e Kairós muito menos, mas puderam importar ajuda, convocando os nórdicos.

— Eu melhorei a poção de Baekhyun e isso vai te manter jovem e saudável por pelo menos mais dois anos. Existe uma limitação na magia já que esse é o tempo devido até…

— Até minha morte. Eu sei — ela já tinha me alertado disso numa visita anterior — Mas pelo menos terei uma vida decente até lá — a garota injetou a poção por uma seringa, a sensação do líquido passando pelo meu braço era estranha, mas não demorou aos efeitos surgirem, minha pele voltou ao seu estado de 60 anos atrás rapidamente — Você é incrível.

— Eu não mereço todos os créditos, a poção de Baekhyun fez muita diferença no trabalho — seu sorriso se desfez quando ouvimos o barulho forte de uma explosão — Yixing! Não exploda a casa do Destino! — ri, tentando me levantar, mas ela impediu, me empurrando de volta — Fique aí mais um pouco, pelo menos por uns minutos — sorriu para mim antes de fechar a expressão quando saiu do quarto, já pronta para brigar com sua “criança” — Você já tem 173 anos, não tem desculpa!

— Mas não fui eu! Foi o Tao, eu juro — ri um pouco mais da resposta infantil de um deus de 173 anos, mas calei quando vi Taehyung, parado na porta, olhando preocupado para mim.

— Eu tô bem. Não me olha desse jeito.

— Que jeito? — caminhou até a cama, sentando-se próximo — Quando você disse que não podia me ver… eu fiquei com tanto medo. Não estou pronto para ver você morrer. Nunca vou estar.

— Tem de estar. Tae, eu não tenho muito tempo, você precisa aceitar que eu sou só um humano. Humanos morrem.

— Nos campos elísios você nem se lembrará de mim — deitou ao meu lado e a casa, esperta como era, fechou a porta por nós — Mas eu poderia te ver.

— Não vá me ver nos elísios. Seria muito pior olhar para mim e eu nem mesmo te reconhecer. Tente se aproximar dos deuses que sobraram, ao menos. Os nórdicos são bem legais — sorri, ainda era possível ouvir os pedidos de desculpa de Yixing enquanto Hansol ralhava pelo cômodo explodido sem querer — Sua vida não acabou porque a minha vai acabar.

Eu queria que as coisas pudessem ser diferentes apesar de tudo. Se ao menos ele ainda tivesse Jeongy. Ou não tivesse perdido os irmãos. Yoongi ainda estaria por perto se Jimin estivesse vivo. Taehyung estaria a salvo se não tivesse perdido tudo. Não sei exatamente quando peguei no sono, porém adormeci, sentindo o abraço de Poseidon, e ainda pensei sobre um passado que não podia mudar, até apagar totalmente.

 

(...)

 

Hansol achou por bem que vivêssemos com ele depois da minha última complicação de saúde. Yoongi e Jongin faziam mais visitas assim como Baekhyun e Sehun já que a magia de Moros tinha o efeito parecido com a que Jongdae tinha com suas portas. Taehyung não parecia feliz no começo com a mudança, mas eu gostava tanto da casa que ele acabou cedendo.

Eu passava os dias na biblioteca de Hansol, lendo destinos, histórias de humanos importantes e de pessoas aleatórias. Era como se eu espiasse suas vidas, mas não com detalhes. Os livros não narravam o suficiente, os detalhes estavam apenas nos livros das memórias, esses eram propriedade de Kairós, mas mesmo estes não eram totalmente confiáveis, quando deuses interferiam, mesmo lembranças escritas podiam ser danificadas.

Ela agora permanecia muito mais tempo ali, já tínhamos passado por conversas antes, meu medo de que Taehyung ficasse sozinho sempre voltava à tona, e a deusa garantiu que tentaria o melhor para manter os deuses que restaram a salvo, mas não via nada em suas atitudes para comprovar isso.

— Deuses também têm destinos traçados? — perguntei a Kairós certo dia. Ela tinha enfim saído da forma do garotinho de voz estranha para seu rosto original.

— Claro. São quase sempre impossíveis de mudar. Todas as vezes que deuses tentaram brincar com o destino acabou em caos — Kairós quando estava sob seu lado de reguladora do tempo, fazia algo estranho com os olhos. Era difícil de explicar, mas dava para ver literalmente o tempo “correr” pelos olhos dela. Eu sempre evitava olhar quando ela fazia isso porque podia passar horas na mesma posição sem notar.

— Era o destino dos deuses terem morrido? — ela virou o rosto em minha direção, olhando diretamente para mim.

— Não há poder que dure para sempre. Os titãs tiveram seu fim, sobrou quase nada deles no universo, os deuses também teriam de ter.

Fechei o livro, encarando-a completamente um tanto atordoado, mas finalmente compreendendo algo que no fundo eu sempre soube. Fazia sentido, é claro, talvez por isso tenha fugido da verdade por tanto tempo.

— Todos os deuses deveriam ter morrido naquela época, não é? Era para ter sido um massacre completo — ela assentiu, abaixando os olhos para o livro em seu col — Alguém sobraria?

— Eu e Hansol. Não existem espíritos para o tempo e o destino, nós seríamos um mal necessário para eles, assim como Atlas é para nós.

— Então o que mudou? — questionei, a porta da biblioteca se abriu com um estrondo quando Hansol entrou, era óbvio que ele sabia o assunto, dava para ler em sua expressão — O que mudou? — falei mais alto, exigindo a resposta de Hansol também.

— Você. Você mudou — eu não conseguia entender — Você usou a máquina de Seulgi para derrubar o “traidor”, isso permitiu que Yoongi pegasse a espada o destruísse e depois Hoseok… Hoseok usou a espada de Zeus para matar o espírito preso no corpo de Sun. E se matar no processo. O destino mudou e permitiu que mais dos nossos sobrevivesse e os espíritos nunca chegassem ao poder. Somente por você ter usado aquele robô feio contra Namjoon. Você mudou seu destino e o nosso naquele dia.

— Mas…, mas não é justo. Então se eu tivesse feito algo antes todos estariam vivos?

— Claro que não, Jeon — Kairós rebateu — Aquilo foi um ponto fora da curva, você é só um humano, se tivesse feito algo antes no mínimo anteciparia a própria morte. Talvez… talvez o universo goste de você e te deu uma única chance de agir e salvar Taehyung. Foi por ele que se arriscou, não foi?

Assenti, porque foi, realmente.

Não esperava que nenhum de nós iria sobreviver quando Namjoon entrou naquele cômodo onde tínhamos nos isolado, nem mesmo sabíamos que Sun e Hoseok ainda estavam vivos, num extremo mais distante do templo. Enquanto Taehyung, Jongin e Yoongi lutavam com o espírito, eu corri, ouvindo os gritos de Sun quando foi possuída pelo espírito. Preso dentro dela, não havia como fazer mal a ninguém.

Foi quando encontrei a máquina de Seulgi, e a própria, caída no chão, ainda perdendo sangue, porém viva. O autômato era uma réplica da hidra, mas só funcionava se alguém o controlasse. Foi quando eu assumi o comando da máquina estranha, lançando chamas azuis contra Namjoon, e usando uma das cabeças da hidra para atingi-lo. Não o machuquei, mas a espada escapou de sua mão, dando a chance de Yoongi pegá-la. Mesmo depois de anos, nenhum deles conseguia entender porque a espada de Namjoon aceitou o comando de outro, apesar de termos a teoria de que o Namjoon real já ter sido morto e aquele diante de nós era apenas um espírito duplicado perfeitamente do original. Nunca saberíamos.

Eu não lembrava do que houve depois, a máquina de alguma forma sugou minha força, talvez por eu não ser um deus, mas quando acordei, eles estavam a salvo. A espada de Zeus estava na sala de armas de Hansol agora, e permaneceria lá, intocada.

Meu motivo para agir foi Taehyung, apesar de ser um pouco por mim mesmo também. Eu não queria ser uma criança assustada, choramingando por cada morte sem reação melhor do que lamentar, eu quis agir e o fiz.

— Então, se eu não tivesse feito nada, eles teriam morrido. Todos eles — assentiram ao mesmo tempo — Mas… não havia outra forma? Nenhuma outra possibilidade de dar uma chance aos outros? — negaram — Não existe mais nada! Quer dizer… sobraram 4 deuses primordiais, vocês e… o universo vai ficar assim?

— Eventualmente mesmo nós vamos morrer — Hansol chegou mais perto, afastando os livros para que sentasse ao meu lado. Havia um olhar conformado ali, de quem tinha aceitado a própria derrota. Mesmo Kairós tinha o olhar assim — Se tivéssemos sobrevivido mais dos nossos o universo ficaria bem, ou se os espíritos tivessem tomado o poder, mas com o número atual… mesmo os deuses estrangeiros estão enfraquecendo. O movimento mais óbvio é nós extinguir de uma vez e criar algo novo. É como o ciclo da vida. O velho tem de ir para o novo vir. Uma pessoa morre e outra nasce. Sempre foi assim, é como o universo funciona.

— Não existe nenhuma forma de… — eu sentia como se fosse chorar a qualquer instante.

— Você tinha medo que Taehyung se matasse depois da sua morte, não é? — assenti, deixando que as lágrimas escorriam sem impedimentos — Ele não precisa. Acho que ele já sabe também, assim como nós. Uma hora iria acontecer de qualquer forma.

— Não é justo — murmurei, chorando o que mais podia. Não devia acabar assim. Perderam a família, amigos, irmãos, existindo sem nenhum sentido até o universo os destruir. Sem nenhuma razão além de um ciclo de poder que precisava seguir adiante.

— Nós vivemos por éons, Jeon. Milhões de anos. E agora o tempo acabou. Mesmo a terra vai ter seu fim. O universo é o único poder realmente eterno. Ninguém pode superá-lo — Kairós disse, eu sua voz mais calma, tentando me fazer relaxar. Mas não havia como. Eles iriam desaparecer para sempre depois de perder tudo, ver todos os que amavam morrer da pior forma possível. Eu não podia pedir mais tempo, mas podia desejar que tivesse sido diferente. Que não tivessem de partir carregando dores e arrependimentos.

— Tem de haver um modo… — murmurei, então lembrei de uma velha história que ouvi muitos anos atrás, ainda criança. Olhei para os dois, porém preferi guardar o silêncio, ao menos por enquanto. Senti meu coração acelerar pensando na insanidade que seria fazer algo do tipo, mas poderia ser a única chance que todos nós tínhamos.

 

+++

 

Taehyung dormia como de costume, com um braço a minha volta, suspirando baixinho, às vezes resmungando algumas palavras como um velho. Nos últimos dias eu tinha passado muitas horas o observando dormir, conforme meu tempo se esgotava e o dele próprio, parecia que mesmo que passássemos o dia todo juntos, não era o suficiente. Nós tínhamos vivido uma vida inteira, e eu tinha aceitado morrer, mas agora que sabia que ele também iria, querendo ou não, de repente a morte se tornou minha pior inimiga.

Mas aquela noite eu tinha algo para fazer, que podia mudar as coisas. Ao menos dar uma chance de esperança.

Afastei seu braço, colocando um travesseiro no lugar. Em algum momento ele notaria, mas teria uma vantagem até esse momento.

— Casa… como eu chego na biblioteca? — pedi, ela quase nunca me negava nada, mesmo que Hansol odiasse bisbilhoteiros - ele tinha uma paranoia sem sentido sobre suas coisas - convencê-lo de me deixar ler os livros da biblioteca foi uma grande dificuldade.

O primeiro ponto de luz azul surgiu no fim do corredor, indicando para onde deveria seguir, o caminho era bem simples, eu gostava quando a casa “movia suas peças” para aproximar os cômodos, mas isso produziria barulho demais. Empurrei a porta da biblioteca, olhando o ambiente praticamente escuro se não fosse o brilho dourado dos livros nas infinitas prateleiras. Passei pela biblioteca para o cômodo seguinte, ignorando aquele vão assustador que havia no meio do cômodo e empurrei a porta da sala de armas.

— Eu sabia que viria — gritei no susto, vendo Kairós sentada no meio da sala vazia. As armas eram guardadas nas salas menores, quase todas com travas para impedir que alguém mexesse. Apenas em uma não havia — Na porta do meio.

— O que?

— O que você procura, está na porta do meio — disse, e demorei um momento, temendo o que iria encontrar, até respirar fundo e seguir adiante. A única que não havia travas. Puxei a porta, que se moveu pesada e arrastando no chão com um barulho alto, e encontrar exatamente o que esperava.

Um arco de ouro. 3 flechas.

Muito parecidas com as flechas de Eros, mas estas emitiam um brilho vermelho bizarro, eu me sentia estranho somente em vê-las, como se sugasse a energia da minha alma, recuei vários passos para longe. Havia uma lenda antiga sobre as flechas do destino, que podiam fazer o tempo retornar. Eu não sabia até que ponto era real, mas se havia uma chance, talvez valesse arriscar.

— Não vai funcionar — ouvi a voz de Hansol atrás de mim, a porta se fechou com um estrondo que estremeceu o chão, virei para encará-lo — Não pode voltar ao momento que eles morreram. O retorno no tempo só funciona ao extremo, não num momento específico.

— O que quer dizer? Como é o extremo?

— Reiniciar o universo. Retornar ao caos. Destruir tudo, volta à origem, para antes dos titãs existirem. Quando o universo era apenas uma fagulha de energia em expansão — Hansol explicou, Kairós chegou mais perto de nós, seus olhos pareciam mais agitados que o normal, mexer com o tempo a envolvia diretamente.

— O que aconteceria então?

— Aconteceria exatamente tudo igual. Com algumas poucas mudanças talvez, mas no fim acabaria da mesma maneira. Com a extinção dos deuses. Provavelmente seria até pior, talvez não houvesse uma segunda brecha para que você salvasse algum deles. Talvez você sequer nasça novamente.

— Ele nasceria se ele disparasse as flechas — Kairós pontuou — O universo guiaria o caminho da própria existência a partir de Jungkook.

— Que colocaria energia de um universo morto dentro dele, que ocasionalmente o mataria em dor e agonia — Hansol respondeu, entre dentes. Não precisava muito para saber que ele estava irritado sobre o assunto — Ele precisaria ser no mínimo um semideus para aguentar tanto poder e não adiantaria muito porque ainda aconteceria exatamente a mesma coisa.

Ficamos os três, encarando uns aos outros, tentando argumentar de alguma forma, apesar do argumento de Hansol ser muito bom.

— E se houvesse algo? A espada de Zeus é a única arma que pode matar um deus e se houvesse outra — sugeri, sentindo-me um tanto desesperado para dar uma alternativa — Com outra arma, haveria um modo de defesa para um deus.

— E quem seria o portador? Nenhuma arma com um poder como esse pode existir sem um portador específico. E mesmo assim seria um risco enorme e sem garantia de sucesso, precisaria de um poder gigante para criar uma arma que causasse um dano real.

— Não precisa de um poder gigante, mas um forte o suficiente — Kairós rebateu o comentário dele — Espíritos mortos nas primeiras eras deixavam relíquias para trás. Relíquias bem poderosas.

— Quase nunca são armas, somente um com o dever de matar iria s- — Vi a postura de Hansol mudar quando começou a aceitar a ideia — Mas um espírito conseguiria guardar uma informação pequena, certo? De que sua “morte” deve ser substituída por uma causa mais nobre. Originando uma arma capaz de punir deuses e espíritos piores que ele.

— Está pensando no mesmo que eu… — Kairós disse, sorrindo mais largo.

— Assassina dos deuses?

— Exatamente.

— Alguém pode me explicar? — eu já estava completamente perdido no assunto que eu mesmo comecei. Hansol olhou de mim para Kairós e depois para mim de novo. Quase podia ouvir seu cérebro maquinando o que deveria fazer, montando um plano muito melhor que o meu, com certeza.

— Eu não estou dizendo que concordo com essa ideia ridícula. Mas podemos pensar mais sobre isso.

 

(...)

 

— Eu posso me posicionar contra essa idiotice? — Hansol ainda tinha a expressão carrancuda enquanto tentávamos traçar uma linha coerente para que tudo desse certo. Uma arma que podia punir deuses poderia ser feita, graças a um antigo espírito que “mudou de lado”. A função dela era matar deuses, tanto que seu nome era “Assassina de Deuses”, mas ela recusou o seu chamado natural, e vivia no Hades sem causar problemas.

— Tudo sobre isso está fadado a dar errado. Por que mesmo que você volte e por um milagre sobreviva, lembrando tudo que vai acontecer, no momento que disser aos deuses que eles vão morrer, vai ganhar um tipo de… peso profético. O destino já é difícil de mudar, mas uma profecia… é quase impossível.

— Eu só preciso voltar e não contar nada a eles. Ou contar o mínimo possível.

— E como você vai lembrar de não contar?! O que estamos falando agora vai se perder em algum pedaço da sua memória, contando que vá se lembrar realmente. Não dá para saber que parte do universo você vai reter. Além de que seus próprios sonhos podem te confundir. É energia pura, não dá para saber o quanto pode te afetar.

— E ainda tem o porém de Assassina dos deuses não poder se tornar uma arma sem ser destinada a um portador poderoso — Kairós acrescentou.

— Não poderia ser de um de vocês?

— Não somos deuses de armas, Jungkook — Hansol levantou, seu escritório era o lugar mais agoniante que eu já estive, eu conseguia ouvir o uivo do vento pelas janelas, e as estrelas próximas demais. Trazia um sentimento ruim em meu peito, mesmo que eu fosse velho demais para ter medo do escuro. Afora isso não tinha muito mais do que uma mesa cheia de papéis rabiscados enquanto tentávamos organizar ideias — A sala de armas é para guardar relíquias, eu não luto. Kairós muito menos, não se pode empurrar o dever para qualquer deus aleatório, o máximo que poderíamos fazer é guardá-la, até… — parou. Permanecendo em silêncio por muito tempo — Jeon.

— Sim.

— O quanto está disposto a sacrificar para salvar os deuses? — seu olhar tinha mudado somente em dizer aquela frase e entendi que estava levando a questão do sacrifício ao nível mais extremo que este representava — Morreria por eles?

— Hansol… — Kairós começou, mas bastou um olhar dele para que silenciasse.

— Nós vamos apostar todas as fichas em você, Jungkook, mas você tem de estar disposto a fazer o necessário. E se vamos apostar as fichas nesse plano estúpido, tem que assumir todos os riscos que ele representa.

— Está me pedindo para morrer? — sustentei o olhar.

— Sim, é exatamente isso que estou pedindo. Ou no mínimo arriscar sua vida, no processo.

Parou um momento, como para me dar a chance de compreender tudo.

— Se vamos destruir esse universo para que ele comece novamente, nós precisamos fazer de um modo que nos dê mais chance de sucesso. Você vai disparar as três flechas e reiniciar o universo. Assassina dos deuses vai cumprir seu dever antigo e atacar um deus, Namjoon é o alvo mais óbvio, quando morrer ela vai virar uma arma. Uma com uma função nobre, de julgar espíritos ruins e deuses perversos, movida pelo ódio que devia ser seu chamado natural e pela necessidade de punição — Hansol gesticulava enquanto falava, como se sua narrativa fosse uma aventura épica. A própria ilíada — Com a única lembrança que ela carregará dessa existência em que nós estamos, ela vai esperar pelo seu portador, mas ainda poderá ser útil mesmo sem ele.  O portador será você, Jeon.

— Ele vai nascer como humano, Hansol. Não conseguiria empunhar a arma, Assassina dos deuses é um espírito poderoso demais. Mesmo o mais forte dos semideuses ainda teria dificuldade de empunhar.

— É por isso que Jeon não nascerá um semideus. Ele se tornará um — era óbvio pelo meu olhar e de Kairós que não estávamos acompanhando seu raciocínio — É simples — pegou uma das folhas e um lápis, riscando um retângulo — Jeon, imagine que essa barra seja uma criatura comum. Um semideus tem essa quantidade de poder — pintou a barrinha apenas um pouco, para indicar um nível muito baixo — Um deus, é a barra pintada completamente. Mas se dermos poder a você, um pouco menos da metade, talvez — pintou um pouco abaixo do meio — Seria poder bastante para você ser menos que um deus menor, porém mais que um semideus. E um semideus poderoso pode empunhar Assassina dos deuses.

— Seria um risco gigante. A ligação com a espada de uma forma o tornaria vulnerável a influência espiritual. Imagine o que um espírito faria tendo alguém com tanto poder, mas ainda humano?

— É por isso que vamos escondê-lo. A arma só o escolherá quando estiver pronto, então até lá, não há riscos para ele. Enquanto isso usamos travas para reter seu poder completamente. É claro que em algum momento irão notar que Jungkook é diferente, mas não vão identificar no que ele é diferente, o que não vai atrair atenção indesejada de espíritos e se ele continuar vivendo com a família humana, nenhum espírito perceberá enquanto cresce. Jeon ficará a salvo, pelo menos até estar pronto para enfrentar a ameaça.

— Então… — tentei resumir o plano até ali — Eu vou atirar as flechas. Nascer mais uma vez com energia de um universo morto dentro da mente e sofrer em agonia.

— As travas podem conter isso também — acrescentou.

— Certo. O universo vai começar do zero. Eu vou nascer, guardando esse universo em que estamos agora, como energia morta. Então terei o poder dado por vocês…

Assentiram, me incentivando a continuar

— Para que eu me torne algo como um semideus. Só que muito mais forte — assentiram mais uma vez — E em algum momento, a Assassina de Deuses vai me escolher como portador. E tudo isso com a mente travada para que os espíritos não saibam o que eu sou e não me usarem contra os deuses. E eu também não posso falar que os deuses estão condenados pois isso daria as lembranças peso profético. Então tudo que eu lembrar sobre deuses e sobre o massacre, terei de guardar para mim — nos entreolhamos quando terminei a narrativa — Tem razão, é uma ideia suicida. Se qualquer coisa der errado eu vou virar uma arma para o inimigo.

— Aceito sugestões melhores. Até porque sua ideia incrível aparentemente era reiniciar o universo sem um plano — Hansol disse, sentando-se de novo, suspirando alto.

— Você não pode lutar sem poder, Jeon. Nós vamos nos sacrificar por isso, perder parte do nosso poder para te ajudar vai limitar nossa existência. Sacrifícios são necessários de todos os lados — Kairós continuou, qualquer coisa que pensei para contra argumentar morreu quando três xícaras de chá surgiram na mesa — A casa sempre sabe o que fazer.

— Talvez ela deva fazer o plano — Hansol resmungou e ri quando ele caiu no chão em seguida, a casa tinha puxado a cadeira debaixo dele — Para que esse rancor? — resmungou puxando a cadeira de volta, sentando novamente.

— Quando eu estiver com Assassina dos deuses como arma… vou poder matar qualquer espírito?

— Com um receptáculo sim. Eles são usados desde o fim da era de ouro, Zeus pessoalmente destruía todos eles.

— Então Sun…

— E outro deus serão os receptáculos. É possível tornar a estrutura divina de um deus muito mais fraca com doses absurdas de veneno.

— É, eu sei — afinal eu tinha visto acontecer. Beberiquei do chá, tentando pôr os pensamentos em ordem, o líquido quente me fazia sentir melhor, mas não o suficiente — Eu precisarei ser treinado. Saber como usar armas, eu costumava ser bom com arco e flecha e adagas, Jeongy me ensinou o bastante, mas ainda precisarei de treino.

— É provável que Assassina dos deuses venha como uma espada. Ou um tridente — estranhei a última, Hansol explicou — Na Era de ouro tridentes eram bem comuns, depois virou uma arma somente de Poseidon.

 

— E como sugere treiná-lo sem que espíritos saibam sobre ele? — Kairós perguntou e dessa vez Hansol parecia não ter uma resposta.

Uma luz azul brilhou no centro da mesa, piscando algumas vezes.

— Taehyung está acordado — Hansol explicou. Rapidamente me levantei, ele com certeza estava me procurando — Amanhã continuamos essa conversa.

 

(...)

 

— Você está distante… — Taehyung murmurou, sentando ao meu lado, enquanto olhávamos o oceano. Lembrava de quando chegamos a ilha, quando eu descobri que a casa azul simplesmente mudava de lugar e numa manhã eu acordei e não havia o penhasco, apenas a praia, o cais que nos permitia ficar mais próximo de Tipsy e o mar chegando perto demais. Foi nessa época que Taehyung insistiu para que eu vivesse com ele no oceano, que minha vida lá seria muito melhor já que na ocasião eu nem mesmo podia andar. Parecia que tinha sido há tantos anos… — O que tanto discute com Hansol e Kairós?

— Assuntos…. Não seja muito curioso, Poseidon. Eu gosto de ter meus segredos, mas você saberá. Logo.

— É uma surpresa para mim? — chegou mais perto, eu sentia falta do olhar que tinha agora, às segundas intenções implícitas em suas atitudes. Pressionei um beijo em seu rosto, nos lábios, até começar a rir quando me fez deitar na areia, algo que eu odiava, mas naquele momento não importava. O luto nunca nos deixou totalmente, eram felizes na medida do possível, mas até a ideia de felicidade soava injusta diante de tudo o que houve — Meu aniversário está bem próximo.

— Já? — ele riu.

— Esqueceu o que a casa faz? O tempo lá dentro passa muito mais devagar.

— Mas ela tinha diminuído isso, para que não passassem tantos meses… — olhei minhas mãos como se algo fosse acontecer, talvez voltar a enrugar ou me sentir mal como antes, mas nada aconteceu. A poção de Yerim deu certo, afinal.

— Acho que deveríamos chamar os outros. Eu sinto falta de Baekhyun e de Sehun. Não temos notícias de Yoongi e Jongin há muito tempo também — assenti.

— Sinto falta da Ji e do Holly. Não conte para o Tipsy — riu, se movendo para que ficasse em cima de mim.

— Eu queria ter mais tempo com você — disse, e eu sabia que não falava somente da minha morte, mas de seu próprio fim também — Eu quero partir com você. Yifan disse que é possível, se eu pedir ao universo. Disse que nórdicos pediram para “ter seu fim”, eles não dão a mínima para eternidade. Não é como suicídio, é o tempo findar, assim como será para você. Eu posso não ir para os campos elísios contigo, mas deixaremos esse mundo juntos — deitou na areia ao meu lado, mas não consegui desviar os olhos do céu — Sei que soa péssimo, mas o tempo dos deuses já se foi. E se o universo pode me dar esse último momento, não tem porque ignorá-lo.

Arrastei meus dedos pela areia até alcançar sua mão, entrelaçando nossos dedos.

— Queria que fosse diferente? — questionei — Se pudesse mudar algo, faria diferente?

— Eu não gosto mais de pensar sobre isso. O universo geralmente não dá segundas chances, e nada vai mudar. Tivemos uma boa vida, não é? — dessa vez virei para encará-lo, e assenti, sujando ainda mais o cabelo e um pouco do meu rosto com areia.

— Eu te amo. Baiacu — ele riu alto, já fazia uns bons anos desde que o chamei assim pela última vez — Peixe-palhaço. Cabeça de sardinha. — sorri comigo mesmo ouvindo a risada dele — Soa mais idiota agora que passei dos 90. Você já está perto dos 200, hum? Um baiacu enrugado.

O vento do fim da tarde soprou forte jogando mais terra em nós e rimos um pouco mais, enquanto eu tentava limpar os olhos.

— Tudo bem?

— Tudo bem — disse, ainda piscando os olhos com força.

— Vamos para casa.

 

(...)

 

— Eu vou propor uma ideia mais idiota para o nosso plano — disse logo que entrei no escritório de Hansol que já me esperava com sua usual expressão de má vontade. Ele nem a fazia de propósito, era quase como o modus operandi natural dele. Afinal, agora sem espíritos e sem deuses, sua existência não valia de mais nada para o universo e ele desapareceria em energia do cosmos. Mas a casa ficaria. De alguma forma ela era mais antiga que os próprios titãs.

— Vamos desistir de tudo que propus?

— Não. Quero adicionar uma função a mais. Em mim.

— Que adorável, você — riu em deboche. — Aqui não é fábrica de peças para deuses novos. Na verdade, nem deuses, você será um… semideus over power? — ele parou um momento realmente refletindo sobre em que categoria eu entraria no panteão olimpiano. Kairós entrou em seguida, parecendo que não dormia há dias enquanto se arrastava e sentava sem ânimo na sua cadeira usual — K, do que podemos chamar o Jungkook?

— Sua preocupação é realmente essa? — ele assentiu, parecendo animado em me nomear — Por que mesmo eu me casei com você?

— Na verdade nem eu sei…

— Vocês são casados? — eu tinha de admitir estar realmente surpreso com a informação — Quer dizer… casados? De verdade?

— Você ainda não falou a função a mais que quer e que direi não imediatamente — Hansol deu um sorriso largo e debochado.

— Um receptáculo.

— O que? — os dois falaram ao mesmo tempo.

— Jungkook, acho que você não entendeu o ponto. Você será muito poderoso, realmente muito poderoso, terá parte do meu poder e o do Kairós e eu não faço ideia do risco gigantesco que você representará. Existe um bom motivo para deuses não terem mais filhos entre deuses. Era como criar uma ogiva nuclear, Ares deu mais dor de cabeça a Zeus do que todos seus semideuses juntos. Você será como o filho do tempo e do destino, pode ser uma combinação perigosa.

— Jeon se um espirito ficar preso dentro de você, é um risco gigantesco — Kairós continuou, tentando deixar o tom da conversa mais ameno — Assumir o corpo de Sun não representou muito, ela era humana. Mas dentro de você, ele teria acesso ao seu poder também.

— Nós já tínhamos esse risco antes, de todo modo — rebati — São dois espíritos e um receptáculo. Com dois receptáculos, a ameaça pode ser destruída por completo e Assassina dos deuses ainda poderá ser usada mesmo que eu não a empunhe. Os espíritos serão destruídos. Zeus e seu mal serão mortos. E todos, ou pelo menos a grande maioria, vai viver.

Os dois me olharam, como se eu fosse uma causa perdida.

— Seu pedido idiota será ignorado — Hansol disse, mas Kairós gesticulou para que ele se calasse — K. Por Gaia, nós estamos tentando desviar a atenção dele de espíritos, torná-lo um receptáculo é como colocar um holofote na cabeça dele. E também, precisa de um sacrifício para criar um, quem vai morrer por ele?

— Espera! — falou mais alto, o olhar perdido enquanto tentava organizar os pensamentos — Tem um jeito de encobrir o Jeon, pelo menos por tempo o bastante para treiná-lo e ainda permitir que ele tenha uma vida humana sem grandes riscos.

Hansol pareceu compreender, enquanto eu continuava perdido.

— Um trauma — disse, ela assentiu

— Uma dor que ele carregue a vida toda e que junto com as travas, vai mantê-lo a salvo. Travamos mesmo as memórias de seu treinamento, para não haver nenhum risco, pelo menos até a hora certa. Os espíritos podem vê-lo, mas só sentirão a energia do trauma emanando dele. Ainda não é cem por cento seguro, mas é o melhor que consigo pensar.

— Você sabe que existe um risco gigante de sequer lembrarmos dessa merda, não é? — a voz de Hansol soou mais exausta quando rebateu. Não parecia frustrado ou irritado, era algo no meio disso que eu não fazia ideia de como nomear. Mas estranhamente eu me sentia da mesma forma.

— Vamos lembrar. E podemos deixar pistas para ajudar. Na casa! E na sala de armas. E Jungkook com certeza vai lembrar disso, provavelmente a parte do universo que vai reter são os últimos cem mil anos.

“Que?”

— Cem mil anos? — Fui ignorado mais uma vez por ambos.

— A ideia é suicida e…

— Idiota — Hansol complementou — Mas é tudo que temos. Talvez nossas novas versões até pensem em coisa melhor, não é?

O comentário final, fingindo despreocupação, não passou disso. Fingimento.

Estamos traçando planos e ideias que talvez não lembraríamos, jogando uma trama perigosa com o universo que bem poderia acabar conosco de uma vez. Talvez a existência da Assassina de deuses como uma arma, seja o suficiente para que tudo mude. Talvez eu só precise nascer, para que ela alcance sua plenitude, e eu morra em seguida. Mas se for para morrer, eu queria isso levando um dos desgraçados que arruinaram nossas vidas comigo. Era o justo. Pensei em Jeongy. Em Jimin, Chanyeol, Hoseok, Seokjin…

— Vai funcionar. Eu vou voltar e salvar os deuses, posso não conseguir proteger todos, mas o bastante para o universo não precisar que nenhuma outra força mística assuma o lugar de vocês.  Eu vou proteger a minha família.

 

(...)

 

Conforme os dias iam passando, toda a ideia de destruir um universo passou por estranhos níveis. Primeiro de medo. Excitação. Pânico absoluto. Um “ok, posso lidar com isso” para “E se eu estar fazendo isso fazer o Einstein nunca nascer?” até eu me dar conta que eu seria o fio condutor desse novo universo e pelo menos tudo seria mais ou menos igual. Minha vida muito provavelmente seria uma merda, já que eu carregaria traumas, memórias e poderes travados, mas era o sacrifício que eu faria pelas pessoas que amo.

Kairós e Hansol acharam que provavelmente minha mãe ou meu pai teriam de se sacrificar por mim, porque um receptáculo pedia um preço de sangue que tinha uma força muito maior quando feito por amor. Eu não gostava de pensar que meus pais teriam de fazer isso por mim, ou talvez meu hyung - eu gostava ainda menos dessa possibilidade - mas era o que Kairós insistia por ser um sacrifício necessário. No fim, todos sofreriam, de uma forma ou de outra eu morreria. Mas iria protegendo as pessoas que amava.

— A família versus o amor da sua vida — Hansol disse, logo atrás de mim, quando entrou na sala de armas. Ele havia colocado um pedestal vazio ali, para colocar assassina dos deuses quando ela se tornasse um tridente, ou mesmo uma espada. Eu tinha feito Taehyung treinar comigo o uso dos dois - com a desculpa fajuta de estar entediado - mas deu certo, e seu aniversário, depois de ver os garotos, além de Baekhyun e Yoongi sorrindo pela primeira vez em muito tempo, o tinha deixado mais leve. Eu era particularmente bom com o tridente, o que o surpreendeu.

— Eu espero que ele consiga lembrar de algo dessa vida. Que lembre o quanto eu o amo — soprei o pó de ouro do meu “trabalho artístico”, mostrando a ele as duas placas indicativas que eu tinha feito para a sala de armas. Nós estamos tentando deixar o máximo de informação possível - depois de Assassina dos deuses concordar com aquele plano ruim - com a esperança de que a casa mantivesse tudo praticamente intacto. Mostrei a primeira placa.

— God Killer?

— Assassina de deuses é um nome muito comprido. E God Killer faz parecer que é uma arma ameaçadora e importante.

— A arma será sua, você decide. E a outra? — Mostrei-lhe — Jeon Jungkook. Humano. Semideus criado.

— Podemos colocar essa onde as flechas ficavam, como um lembrete de que você deve procurar por mim e me tornar um semideus overpower — ele riu, mas fez uma careta por não ter conseguido nome melhor.

— Tá com medo?

— Eu provavelmente vou ter uma morte dolorosa enquanto condeno alguém da minha família a morrer por mim. Não está sendo exatamente uma experiência feliz.

— Todos nós teremos de pagar um preço, Jungkook. Ceder poder não é exatamente fácil, pode nos tornar vulneráveis demais, é como fazer um fio de prata. Sabe o que é? — assenti. — É parecido, só que em vez de sugar energia, nós entregamos. E o universo tem de aceitar também, deve ser feito com todo cuidado possível.

— Por que tem de ser tudo tão complicado?

— Tudo sobre o universo é assim, ele nunca pega o caminho mais fácil — entreguei as duas placas a ele — Tem certeza disso? Você teve uma vida, uma boa vida, não precisa jogar fora para salvar ninguém, não é sua obrigação. Todos os deuses sabem sobre as flechas, é uma lenda antiga, mas nenhum pensou em usar.

— Eu sei, mas… Ninguém foi realmente feliz durante esses anos. As pessoas voltaram a morrer de doenças que Hoseok curava. Os crimes voltaram. As pessoas são infelizes, assim como os deuses que sobraram. Mesmo para humanos, viver é uma droga porque ainda que sem aqueles espíritos, o poder de vocês está morrendo e estaremos… sozinhos. Eu sai poucas vezes da ilha, mas nem valia a pena ver nada do lado de lá. Tudo é cinza, vazio e sem vida.

— Eu espero que dê certo — disse por fim.

— Eu também.

 

(...)

 

Poseidon só soube o que faríamos no momento antes do fim.

Eu podia ver seu choque quando viu Jongin e Yoongi, ao lado de Kairós e Hansol, enquanto eu estava parado mais adiante no penhasco, com as três flechas em uma mão e o arco na outra. Rapidamente compreendeu meu afastamento e os segredos que guardei. Jongin e Yoongi foram avisados alguns dias antes, Jongin relutou, não achava certo simplesmente destruir o universo para que começasse de novo, mas aquela era a única chance, para todos eles. Yoongi sequer hesitou. Aceitaria qualquer coisa que desse a mínima possibilidade de trazer Jimin de volta.

— Não podem estar fazendo isso. É insanidade! — Poseidon disse, tentando se aproximar de mim, mas Yoongi se colocou no caminho.

— Nós podemos salvar os outros, Taehyung. Pode ser uma chance de fazer diferente.

— Está dizendo isso porque perdeu Jimin!

— Nós perdemos todo mundo! — gritou mais alto do que Taehyung o fez — Nós somos os restos, essa pode ser a chance de salvar os outros e a nós mesmos, irmão. Você encontrará Jeon de novo, você ainda vai amá-lo da mesma forma, mas poderá ter a chance de proteger o restante da nossa família.

— Nosso destino não pode ser mudado.

— Ele pode mudar por nós.

Ninguém disse nada por um longo momento. Taehyung empurrou Yoongi para o lado, não havia agressividade no gesto, ele parecia se dar conta que era voto perdido ali. Caminhei alguns passos para mais perto e fez o mesmo, o abracei, ainda com o arco e as três flechas em minhas mãos.

— Você tem um plano? — perguntou, me apertando com mais força.

— Sim.

— Ele é bom?

— Nem um pouco — riu baixo, mas eu sentia o medo quase emanar de seu corpo — Eu vou te encontrar de novo. Vou te amar até mais. Prometo.

— Você é meu destino, Jeon Jungkook. Lembre-se que eu amo você, não importa o que aconteça. Faça o necessário e volte para mim — nos soltamos do abraço, ele se afastou, se juntando aos outros quatro. Olhei bem para eles, então baixei os olhos para as flechas, as posicionando no arco. Respirei fundo antes de lhes dar as costas e posicionar o arco para o horizonte.

— Solte… — disse a mim mesmo. Olhei para o mar uma última vez. Eu amei o mar a vida toda, sempre achei que isso de alguma forma me ligou a Taehyung. A água aquela manhã parecia mais azul do que o normal, como um último belo vislumbre antes do fim.

Então eu soltei.

As três flechas voaram em linha reta até não haver mais nada, apenas o rastro avermelhado deixando por elas. Um segundo depois o som veio, como uma bomba que após explodir deixa um zumbido estranho no ar. Olhei para trás Jongin e Hansol não estavam mais lá, mas ainda podia ver o rastro de poeira de diamante. Taehyung chorava, mas dessa vez não havia terremoto, só suas lágrimas. Então ele se foi. Kairós sumiu logo em seguida, restando apenas Yoongi.

— A esperança e a morte sempre são as últimas a partir. Mas a esperança já estava morta — suas mãos começaram a dissolver — Espero que você consiga. Adeus, Jeon.

Então eu estava sozinho.

O vento tornou-se mais forte, olhei para o céu e agora tinha um tom de vermelho vivo. O mar não existia mais, nem a vida que nele habitava. Era só terra seca e rachada.

Entrei na casa novamente, ao contrário do usual ela me levou direto para biblioteca, que perdia seus livros pouco a pouco. Não era ali que eu queria ver de qualquer forma, segui para a sala de armas, o pedestal onde God Killer ficaria ainda estava ali, assim como a porta do meio, aberta.

— Jeon Jungkook — murmurei, lendo a indicação que eu mesmo tinha colocado. Coloquei o arco no suporte. Tirei a única coisa além disso que carregava, o dente de tubarão que Tipsy tinha me dado, muitos anos antes, e coloquei no suporte das flechas. Provavelmente aquilo desapareceria, mas se não, talvez ajudasse Hansol a lembrar de mim.

O som da destruição foi chegando cada vez mais perto, assim como o desespero crescia em meu peito.

— Eu tenho um pequeno dente… que o tubarão me deu… — gritei quando o chão tremeu abaixo de mim, com as paredes caindo, e o som do uivo do vento, como um chamado agourento — Quando o mar me levou… — as lágrimas começaram a escorrer sem controle e temia olhar para trás — Para a ilha do Sul…. Com uma casa azul. — sentia se aproximar, como se um silêncio ensurdecedor abafasse até o som da minha voz, apertei os olhos com força, tomado pelo medo. — Onde o destino está.

“Não me deixe esquecer…”

 

++++++++++++

O RECOMEÇO

[HYUN]

 

Eu não dormia há três dias direto porque meu irmão não parava de chorar.

Nos últimos meses tudo que meus pais fizeram foi sair em entrar em clínicas e hospitais, e passar por metade dos especialistas de todo o país atrás de uma resposta sobre o que fazia Jungkook chorar tanto. Não era um choro normal, era como se ele vivesse em agonia e conforme o tempo ia passando, parecia que tudo se tornava pior. Segundo os médicos ele era perfeito, não tinha nada de errado fisicamente, pelo menos.

Mas já fazia seis meses! Como ele podia estar sofrendo tanto sem nada ter acontecido?

Foi por essa razão que naquela manhã eu pedi ao chefe Choi que me liberasse, pelo menos por um mês. Sem meus pais em casa, já que teriam de voltar a trabalhar, eu poderia levá-lo ao deus sol, Hoseok. Se ele podia curar pessoas em Seul com sua magia, ou seja lá o poder que tenha, ele poderia curar Jungkook. Saí do distrito quase animado demais para quem iria ouvir choro de bebê por horas seguidas, mas eu estava com boas esperanças.

— Você é Jeon Junghyun? — ouvi uma voz feminina falar atrás de mim, antes mesmo que eu colocasse o pé para fora do prédio da polícia, me virei. A garota era tão bonita que por um momento me deixou desnorteado, mas não como algo natural, era o tipo de beleza que era tão incisiva que te dava medo de aproximar. Como se ela fosse boa demais para o resto do mundo. Uma deusa.

— Sim, sou eu — falei um tanto desconfiado.

— O garoto nasceu forte? — recuei um passo, olhando para a estranha mulher com ainda mais desconfiança — Ele sofre muito?

— Quem é você? — perguntei, e no segundo seguinte tudo parou.

Literalmente.

As pessoas não se moviam, congeladas na mesma posição.

— Mas que porr…. Quem é você?

— Leve-o para o mar. Ele gosta muito, vai acalmá-lo. Se der certo, leve-o para Jeju, vou esperar por você lá. Até logo, Junghyun.

No segundo seguinte não havia mais a garota estranha e tudo voltou ao normal.

— Ok… isso foi… — olhei em volta, mas ninguém parecia ter notado nada, só seguiam a rotina de sempre, poucas pessoas para relatar algum pequeno acontecimento - há 70 anos que crimes gravíssimos não aconteciam mais - chefe Yoo dormindo na bancada depois da ronda. Nada fora do comum.

— Junghyun — gritei alto demais com a voz feminina atrás de mim, mas suspirei aliviado ao ver Eun — O que foi?

— Desculpa… — coloquei a mão no peito, tentando respirar normalmente — Mas eu achei um rascunho de mestre dos magos maior e mais loiro. Ou era uma deusa bem bizarra. — ela começou a rir, me puxando pela mão.

— Do que você está falando? — questionou, mas acenei para que esquecesse — Vem, vai ser sua semana de folga, certo?

— Tirei um mês, na verdade. Quero ficar com o Jungkook — ela continuou a me puxar pelo caminho até o carro, tinha esquecido totalmente que viria me buscar, mas depois de não dormir nada e encontrar aquela garota esquisita, eu não estava nas minhas melhores condições — Acho que mamãe está dormindo menos que eu. Ela até o levou em umas curandeiras no interior, nada adiantou.

— Seu pai devia ao menos considerar levá-lo até Hoseok. Ele é o deus dos médicos, está acima de qualquer método da medicina — destravou o carro, Eun gostava muito de deuses, eu achava legal, mas nada muito exagerado, talvez porque papai sempre foi um cristão fervoroso, e odiava essas coisas místicas. Apesar de quando criança eu sempre quis ser como Jongin, fazer estrelas e ter um lobo gigante de estimação. Atei o cinto quando saiu da vaga, seguindo para a orla.

— A m… — Logo que pensei em dizer sobre o que a mulher esquisita disse, calei. Eu não podia falar. De alguma forma eu sentia que se falasse, atrairia algo ruim — É, enfim…. Posso dormir na sua casa hoje? Eu só quero descansar para ver o Kook amanhã, mais um dia sem dormir com o choro dele vai me deixar maluco.

— Ele não para nem um momento?

— Sim, para beber água — ela riu alto, sem desviar os olhos da pista — E no banho. E quando dorme, às vezes nem para comer ele para. Se eu pudesse deixava ele na banheira o resto do dia todo, ele é louco por água, deve ter sido um peixe em outra vida — encostei a cabeça no vidro, já sentindo o peso das noites mal dormidas sobre meus ombros.

“Leve-o para o mar. Ele gosta muito, vai acalmá-lo. ”

Talvez fosse uma boa ideia, não custava tentar, pelo menos.

 

(...)

 

Nossos pais já tinham saído para trabalhar quando cheguei, apenas a vovó estava lá, mas aproveitou a brecha da minha chegada para dormir, já que não tinha descansado nada. A casa estava num silêncio incomum. Eun tinha me feito uma centena de recomendações de como eu tinha de tomar cuidado com o mar, e que o sol depois das dez faria mal para a pele dele e para tomar cuidado com o carrinho quando atravessasse a rua. Logicamente ela me achava um incapaz e queria me deixar preparado caso tivéssemos filhos.

— Não pode ser tão difícil… — olhei para meu irmãozinho ainda dormindo, para o carrinho vazio e a possibilidade real de que eu não soubesse prendê-lo naquela coisa. Eu tinha de prender, certo? — A praia é aqui perto né? Dá para ir sem esse troço — chutei o carrinho, que bateu contra a poltrona no meio do quarto — Ok…

Passei dez minutos tentando achar um jeito de pegá-lo sem fazê-lo acordar, o que infelizmente não deu certo, Jungkook começou a choramingar logo que encostou em meu ombro.

— Ei… calma, calma — não adiantou muito, já que ele chorou mais alto — Calma, nós vamos ver o mar e… — ele calou — Meu Deus… vamos ver o mar? — foi meio idiotice minha esperar algum tipo de resposta, mas ele parecia muito feliz mordendo o próprio punho e babando minha camisa — Eu acho, realmente, que devo me preocupar. Será que você é um gênio? — disse para mim mesmo, enquanto levava o pirralho para a orla e me despedi da vovó mesmo ela estando completamente apagada para ouvir.

O dia não estava quente, o tempo estava um pouco nublado, mas nada que estragasse o dia. Jungkook não emitiu quase barulho nenhum, apenas uns murmúrios que bebês faziam. Até o momento aquele era seu recorde sem derramar uma lágrima, as vezes eu caminhava até a água mais tinha medo de molhá-lo, então deixava apenas que visse aquela imensidão azul. Ao menos foi o suficiente. Só de vê-lo tão calmo por mais de 3 horas seguidas, já era uma vitória.

— Deu certo, hein pirralho? — o alarme do meu celular vibrou pela terceira vez, Eun tinha me feito o “favor” de colocar isso para lembrar a hora de voltar para casa porque o sol das onze fazia mal para pele. É nessas pequenas chatices que você descobre o quanto ama alguém — Você vai para a marinha, com certeza. Um servo do deus do mar, hein? Papai nem ligaria, eles ganham bem para caramba, eu até pensei em me alistar, mas eu não consegui evoluir da fase de tampar o nariz para nadar — era estranho estar tão falante com ele como se pudesse entender tudo - apesar daquele momento sobre o mar ter sido bem estranho - porém era reconfortante, de certa forma, me aproximar do pirralho.

Eu nem esperava mais ter um irmão, entrei na corporação com 18 anos - o mais novo da turma - apesar de que mesmo agora eu ainda era, só acompanhava os oficiais de verdade nas rondas, tinha passado na universidade da junta militar, namorava uma garota legal, estava pronto para sair de casa quando Jungkook nasceu, e mesmo chorando muito e não me deixando dormir, eu o amava mais que tudo.

— Eu disse que o mar ajudaria — quase gritei mais uma vez quando a mesma mulher esquisita apareceu de novo, apertei Jungkook, tomando distância dela, mais uma vez, todas as pessoas em volta travaram em suas ações — Eu não quero machucá-lo, eu vim ajudar.

— Com o que?

— Posso curar a dor dele, mas você precisa levá-lo a Jeju. Sou uma deusa, não posso ficar aqui muito tempo, pode atrair atenção indesejada para ele, tem de ser feito logo ou Jungkook vai morrer — recuei mais um passo para longe — Por favor, Hyun.

Calei um momento, para em seguida olhar para Jungkook, dormindo com a cabeça apoiada em meu peito.

— Eu vou pensar — ela sorriu, e assentiu como se agradecesse — Quem é você?

— Eu sou Kairós. Espero te ver em breve, Hyun — disse, antes de simplesmente desaparecer.

 


Notas Finais


PARECE VIAGEM DO C****** MAS NAO É, CALMA!!!!
AS COISAS VÃO COMEÇAR A FAZER SENTIDO DE VERDADE NO PROXIMO, QUANDO O PLANO LOUCO PRECISAR MSM FUNCIONAR. TERÁ POV DO HANSOL E HYUN!
a parte do plano é bem pesada, eu tive de reler varias vezes para deixar o mais claro possível, mas caso não tenha ficado, no próximo, mostrando como eles conseguiram por isso em pratica, vai tudo dar certo.
COMENTEM! POR FAVOR!
amo voces


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