O acampamento de verão ficava a quase duas horas do colégio Yongsan — ou, de acordo com a sua playlist do Spotify, trinta e quatro músicas e meia. Kyungsoo se lembrava de ter cochilado em algum ponto entre Love Yourself e Mystery of Love e acordado com a lateral da cabeça amassada contra o vidro da janela. Alguém o cutucou para despertá-lo, e então ele cambaleou até o lado de fora, descendo os degraus com as pernas ainda bambas.
Os ônibus haviam estacionado próximo ao lago, sobre o início do trecho que levava até a floresta. À distância, Kyungsoo pôde ver a clareira cercada de chalés de madeira e a cabana equipada no centro, onde eles costumavam se reunir para preparar as refeições ao ar livre ou improvisar uma fogueira durante a noite. Ele inspirou devagar, sentindo o aroma familiar do camping. Os chalés tinham um cheiro gostoso de eucalipto — o mesmo perfume do desinfetante que sua mãe usava para limpar o vaso sanitário do banheiro de casa. Kyungsoo achou que esse fosse um bom sinal.
Enquanto formavam novas filas, aguardando a chamada e a divisão das habitações ser feita por um dos monitores, Kyungsoo reparou em uma coisa.
Jongin e Yifan estavam andando lado a lado, suas malas iguais jogadas sobre um dos ombros. O garoto definitivamente não era bom em matemática, mas sabia que havia uma probabilidade de 50% de ter colocado o bendito papelzinho na mochila errada. O que Kris faria se visse o bilhete? Ele não assinou seu nome na folha, então era impossível adivinhar que era dele, certo?
— Do Kyungsoo — um dos professores chamou, e ele desviou o olhar dos dois garotos, desconcertado. — Chalé número 4.
Se de fato existisse uma divindade regendo o universo, Kyungsoo deveria se sentir aliviado pela sabedoria suprema ter decidido separar ele e Kim Jongin em quartos diferentes. O rapaz não saberia como agir normalmente no alojamento se soubesse que estava respirando o mesmo ar que o quarterback. Ele ainda não entendia o porquê, mas tinha certeza de que não aguentaria ver o atleta ignorando sua presença ou dando-lhe as costas outra vez.
Seguiram caminhos opostos, sendo acompanhados por monitores até seus respectivos quartos. O chalé de número 4 era uma cópia perfeita dos outros nove, como se tivesse sido feito por um “Ctrl C, Ctrl V” no atalho do teclado do seu notebook. O lugar era espaçoso, com três beliches nas laterais e muito espaço de sobra para colocar colchões no chão.
Como só tinha um banheiro por alojamento, Kyungsoo já estava se preparando mentalmente para fazer xixi em algum matinho do lado de fora em caso de emergência.
— Deixem o Yugyeom ficar no beliche — disse um garoto do clube de música.
— Mas eu quero ficar no beliche — lamentou outro.
— Ele tem um probleminha de gases e solta pum à beça durante a noite, então seria bom se ele ficasse perto das janelas.
— Ok, você me convenceu. Ele fica no beliche.
Kyungsoo sempre preferiu ficar nos colchões no chão. Para falar a verdade, o garoto morria de medo de beliches. Ele não gostava de dormir na cama de baixo, porque tinha medo que a cama de cima cedesse e caísse na sua cabeça — principalmente com Wonho, um dos brutamontes do time de futebol, sorteado para ficar no quarto deles. Também não confiava em passar uma noite inteira nas alturas, mesmo não tendo o costume de se mexer muito durante o sono. E se ele despencasse dali?
— Posso ficar no colchão — murmurou Kyungsoo, puxando sua mala até um canto livre do cômodo.
O chalé estava um pouco abafado e cheirando a madeira, mas os garotos abriram todas as janelas e deixaram um pouco de ar fresco entrar, jogando conversa fora enquanto desfaziam suas malas e disputavam por um espacinho dentro do armário. O baixinho se sentou de pernas cruzadas sobre um dos colchões no chão e abriu o zíper da mala, procurando por um pijama.
Antes que pudesse pegar uma camiseta confortável e uma cueca samba canção, seu celular vibrou em seu bolso, anunciando uma nova mensagem na barra de notificações. Ele olhou para o aparelho, se sentindo grato por ter com o que se distrair enquanto o restante dos garotos trocava de roupa.
Quarterback idiota:
Eu encontrei isso nas minhas coisas
[Quarterback idiota enviou uma foto]
Ai. Meu. Deus.
Ele não esperava receber uma mensagem de Kim Jongin tão cedo. Parte dele rezava para que o atleta só encontrasse o danado do bilhete quando voltasse para casa. A sua internet não funcionava bem ali. Assim, ele esperou a imagem carregar, vendo uma foto amarelada da ampulheta que ele desenhara na folha de caderno. Isso o fez suspirar, aliviado. Talvez ele tivesse colocado o bilhete na mala certa, afinal.
Kyungsoo desejou estar com Minseok para pedir-lhe um conselho sobre o que responder. O amigo era a pessoa mais experiente que conhecia quando se tratava de trocar mensagens com garotos. Ele observou a tela por segundos que pareceram milênios, se sentindo nervoso e envergonhado por demorar tanto.
Para o seu azar, Jongin digitou mais uma frase, fazendo-o se sentir ainda mais ridículo.
Quarterback idiota:
O que você quer, Kyungsoo?
Kyungsoo:
Voltar no tempo...
Pedir desculpas
Quarterback idiota:
Se a gente voltasse no tempo
Se a gente voltasse para aquele mesmo dia
Você teria dito algo diferente?
Kyungsoo:
Eu deveria ter dito a verdade
Quarterback idiota:
E qual é a verdade?
O garoto começou a digitar uma resposta quando um dos rapazes do time de futebol esbarrou nele ao se sentar no colchão ao lado, fazendo o celular na mão de Kyungsoo ser lançado para longe. O aparelho foi parar debaixo de um dos beliches. O baixinho arregalou os olhos, desesperado, vendo que a única solução seria enfiar a mão entre as pernas de Jackson e Wonho sentados na cama para pegá-lo, e ele simplesmente não podia fazer aquilo. Os dois pareciam ter mais massa muscular do que massa cerebral. Com certeza apelariam para a violência sem pensar duas vezes caso ele ousasse chegar tão perto de suas partes baixas.
Céus, como ele podia ser tão azarado?
A única saída era esperar que eles saíssem dali, então Kyungsoo esperou. Quando ambos se levantaram para escovar os dentes antes de dormir, ele se agachou e esticou o braço para pegar o celular, percebendo que ele acabara enviando alguma coisa sem querer durante o incidente. A mensagem enviada por acidente era algo como “zdlskjfhssss”, o que provavelmente soava como uma risada esquisita ou um surto psicótico. Kyungsoo não saberia dizer qual das duas opções era pior.
Quarterback idiota:
Essa é uma resposta muito madura
Ele respirou fundo.
Puta merda. Por que aquilo precisava ser tão difícil?
Após o toque de recolher, seus colegas de quarto já haviam desligado as luzes e deitado para dormir. Kyungsoo fez o mesmo, recostando a cabeça em seu travesseiro e segurando o celular com as duas mãos para digitar uma nova mensagem. Uma que fizesse sentido, dessa vez.
Kyungsoo:
Você queria conversar sobre o beijo
Vamos falar sobre isso agora
Quarterback idiota:
Não é uma boa hora, garoto da trompa
Preciso acordar cedo pra treinar
Vamos discutir isso amanhã, depois do jogo
Seu coração pareceu desacelerar dentro do peito. Ele não percebeu quanto estava ansioso para tocar no assunto do beijo até finalmente colocar seus pensamentos em palavras. Ver Jongin descartar essa conversa com tanta facilidade o deixou, de repente, muito desanimado. Fora assim que ele se sentira lá no campo, quando Kyungsoo vomitara todas aquelas idiotices em cima dele?
Kyungsoo:
Tudo bem
Amanhã, depois do jogo
Era uma promessa.
Kyungsoo se cobriu com os lençóis, escondendo seu celular debaixo do travesseiro. Da posição em que estava ele podia ver as luzes dos postes do lado de fora refletindo nas janelas. Também podia ouvir o ressonar baixinho de respirações, os rangidos incômodos dos seus colegas se revirando nos beliches e o zumbido alto de uma cigarra vindo de longe, mas que parecia estar praticamente dentro do chalé.
Tentou afastar os pensamentos sobre Kim Jongin e seu pedido de desculpas no dia seguinte, mas não conseguiu. Toda vez que fechava os olhos, ele via o quarterback sentado naquele assento do ônibus perto da janela, com o sol beijando sua pele e a jaqueta caindo perfeitamente em seus ombros. A mesma visão. De novo, de novo e de novo.
Talvez Minseok tivesse razão.
Jongin era o tipo de cara em quem Kyungsoo pensava antes de dormir.
✮ ✮ ✮
Não havia nada no mundo que Kyungsoo odiasse mais do que aqueles uniformes da banda do colégio. Eram quentes, com uma quantidade de botões exagerada e um chapéu ridículo completamente desnecessário. As ombreiras faziam com que ele parecesse ainda mais desajeitado do que já era. Apesar de tudo, ele até que gostava das correntes penduradas no traje customizado. Era bom brincar com elas quando se sentia nervoso.
Aquela seria a primeira apresentação oficial do clube de música durante a temporada de jogos. Era como uma cerimônia de abertura, e isso significava que eles precisavam ser perfeitos. Isso o deixava aflito e ansioso. Mas havia algo capaz de deixá-lo mais do que ansioso: o quarterback bonito que discutia alguns últimos detalhes com o professor a alguns metros dali. Jongin se apresentaria pela primeira vez naquele dia.
O atleta olhou em sua direção, como se sentisse que estava sendo observado. Os dois acabaram trocando olhares por apenas alguns segundos. Segundos que passaram rápido demais, na opinião de Kyungsoo. E então seguiram até seus postos.
Eles se posicionaram na beirada do estádio, em frente à arquibancada destinada aos torcedores do colégio Yongsan. O coração de Kyungsoo parecia querer saltar do peito e sair andando à solta por aí. Ele sempre se sentia nervoso antes das apresentações da banda. Era inevitável. O rapaz se remexeu inquieto, esfregando as pernas uma na outra enquanto esperava pelo sinal.
Em filas muito bem alinhadas e simétricas, eles começaram a marchar. Os tamborins ganharam presença e se tornaram mais altos, realizando uma breve introdução à música ao mesmo tempo em que os músicos caminhavam pelo campo, enfileirados perfeitamente. Kyungsoo se sentiu muito feliz por ter as linhas das jardas para guiá-los.
Ele segurou a trompa com força em suas mãos, nervoso.
— Senhoras e senhores — anunciou uma voz ecoando pelos alto-falantes. — Por favor, deem as boas-vindas à banda marcial do colégio Yongsan!
A luz dos holofotes quase o cegou e os aplausos ecoaram em seus ouvidos. Estava prestes a começar. Jongin estava em uma fileira ao lado da sua, posicionado à frente com o triângulo. Na verdade, o atleta sequer se destacaria no conjunto total da peça, mas o professor parecia querer exibi-lo como se aquilo pudesse envergonhá-lo. Como se quisesse provar que ele estava pagando pelas suas travessuras.
Mas Jongin estava sorridente e radiante, como sempre.
Nada no mundo poderia envergonhá-lo.
A melodia era inspirada em alguma música da trilha sonora de Rocky II, como esperado do Sr. Kwon. Redemption, ele se lembrou.
O aquecimento era feito pelos percussionistas, tocando seus tambores em um ritmo crescente. Aos poucos, à medida que a execução se tornava mais rápida, os instrumentos de sopro eram incorporados à apresentação. Trombones, trompetes, trompas, oboés e flautas começavam a se sobressair, fazendo a percussão dos tambores se transformar em uma música de fundo.
Algumas pessoas nas arquibancadas pareciam animadas, outras apenas entediadas. Kyungsoo tinha a impressão de que elas só aplaudiam e gritavam por educação. O que pareceu chamar a atenção deles, talvez mais do que as habilidades musicais dos alunos, era o quarterback com sua jaqueta do time de futebol performando ao lado deles, parecendo ainda meio atrapalhado em sua missão de tocar o triângulo. Ele era o grande destaque.
No fim da apresentação, o atleta acenou para a torcida e correu de volta para a saída, em direção aos vestiários. Ele precisava se preparar para o jogo. O pessoal da banda subiu para a arquibancada, a tempo de ver as líderes de torcida entrarem em campo, os cabelos presos em um rabo-de-cavalo balançando conforme elas andavam.
Elas tinham preparado um remix de uma música da Ariana Grande, God Is A Woman. Com os pompons dourados em mãos, as meninas se juntaram e se organizaram rapidamente para a apresentação, tomando suas posições. Todas pareciam maravilhosas com as saias azul-marinho de pregas com duas faixas na parte de baixo — uma branca e uma vermelha — combinando com o cropped das mesmas cores, deixando à mostra seu umbigo.
A música começou mais lenta, a batida crescendo progressivamente até alcançar seu ponto alto. Assim que elas abandonaram os pompons e os movimentos suaves para introduzir seus passos firmes, fortes e perigosos, a torcida começou a delirar. Eles aplaudiram e assobiaram quando as garotas começaram a fazer suas elevações, saltos, giros e acrobacias. Joohyun e Seulgi vieram para a frente, realizando uma pirueta perfeita. Seus corpos giraram no ar, e Kyungsoo inconscientemente prendeu a respiração, só relaxando quando viu os tênis das garotas tocando o chão com uma firmeza e exatidão extraordinárias.
O garoto olhou ao redor, procurando pela mascote do time, Gray Wolf, que já deveria estar ali, ajudando a animar as pessoas na arquibancada. O lobo cinzento do colégio Yongsan não estava em lugar algum. Mas, no fundo, ele sabia que o aluno de identidade misteriosa jamais concordaria em ir numa viagem desse tipo, principalmente com toda a escola fazendo apostas no Drop That para descobrir quem estava por baixo daquela fantasia. Seja lá quem fosse, seu anonimato estava correndo perigo.
A apresentação havia terminado, e agora as meninas estavam sustentando sua posição final, erguendo os braços ou equilibrando outras garotas em seus ombros, recebendo os gritos eufóricos e os aplausos da torcida.
Demorou algum tempo até que o colégio Taejon realizasse a sua apresentação. Kyungsoo estava a ponto de roer as unhas — se é que ele ainda tinha unhas para contar história — quando os jogadores entraram em campo. Desde quando ele se interessava tanto por futebol? Em todos seus anos no colégio, ele não se lembrava de estar tão ansioso para assistir a um jogo antes.
Pela primeira vez na vida, ele aplaudiu com vontade, comemorando a entrada do time. Os rapazes exibiam seus ombros incrivelmente largos por causa do shoulder pad e as bochechas marcadas por um traço de tinta preta. Kim Jongin parecia ainda mais incrível em seu uniforme, com o número 88 orgulhosamente estampado nas costas e os músculos do seu braço se flexionando quando ele erguia o braço para acenar.
Observando os movimentos de Jongin naquela tarde, ele finalmente entendeu por que o quarterback era tão habilidoso em campo. Jongin se movimentava de forma tão leve, tão graciosa. Era quase como se estivesse dançando.
Desde quando ele reparava tanto assim em Jongin?
Desde que ele o tinha beijado em seu quarto, talvez? Ou ainda antes, quando eles ficaram presos na cabine do vestiário?
Kyungsoo não saberia dizer. Na verdade, isso era algo em que ele não deveria pensar. Ele não deveria pensar em Jongin.
O garoto suspirou, mais ansioso do que nunca. Ele tentou se concentrar no campo, nas jogadas e no placar luminoso do outro lado do estádio.
E, então, ele deixou que os gritos da torcida levassem seus pensamentos para longe.
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Sehun amava estádios lotados.
Quando era pequeno, seus pais costumavam reunir a família com um balde gigantesco de pipoca para assistir aos jogos da NFL pela televisão, como se fosse um filme. Ele tinha oito anos quando finalmente pôde visitar um estádio pela primeira vez. Aquele foi o melhor presente de aniversário que ele já recebeu. Se fechasse os olhos, ele ainda podia se lembrar da sensação das arquibancadas vibrando sob seus pés, do clamor da torcida e de como a bola pareceu atravessar a trave em forma de Y em câmera lenta nos minutos finais.
Naquela tarde, ele sentia como se estivesse com oito anos outra vez, comemorando um aniversário adiantado. O estádio estava fervilhando quando eles entraram em campo, sendo recebidos por uma comoção geral de assobios, gritos e palmas. Jongin liderava o grupo, erguendo os braços e acenando para a torcida.
— Ótimo ritmo hoje mais cedo, quarterback — Yifan brincou, dando-lhe tapinhas nas costas, e então os dois se afastaram.
Sehun ficou para trás, ainda extasiado pelo som alto zunindo em seus ouvidos. Ele se sentia invencível toda vez que estava sob as luzes dos holofotes. Conforme foi crescendo, o rapaz descobriu que jogar uma partida de verdade, disputando contra um colégio rival, era ainda mais incrível do que treinar arremessos com o pai no quintal de casa ou participar dos treinos na escola. Era algo que ele podia se imaginar fazendo pelo resto da vida — ou, pelo menos, enquanto a idade ainda permitisse.
O time do colégio Taejon entrou saltitando, com os rostos inteiramente pintados de vermelho e os indicadores um de cada lado do capacete, gesticulando como se fossem realmente diabos. El Diablo, a mascote deles, cruzou o campo fazendo piruetas. Todos estavam rugindo, furiosos como se estivessem possuídos pela besta, e Sehun de repente se sentiu acuado. Os caras eram conhecidos pela sua agressividade e possuíam jogadores com o dobro do tamanho deles. Não seria uma partida fácil.
— Acho bom que eles joguem tão bem quanto fazem caretas — Baekhyun comentou, caminhando ao lado dele. Ele ofereceu a Sehun um sorriso travesso antes de colocar o capacete. — A gente precisa de um pouco de diversão.
O wide-receiver fez o mesmo, encarando-o por trás das grades frontais do equipamento de proteção.
— Isso é o que vamos ver, tampinha.
Pareceu uma eternidade até que tudo aquilo terminasse — a apresentação dos times, as recomendações do narrador na cabine de rádio, a discussão de estratégias entre as equipes e seu treinador e, finalmente, o sorteio de quem começaria atacando ou defendendo, decidido em um cara ou coroa. No entanto, assim que o juiz soprou o apito, o tempo pareceu transcorrer muito rápido.
Os diabinhos de Taejon, como Sehun não tão carinhosamente resolveu chamar, começaram em vantagem. Eles eram brutamontes altos, pesados e truculentos como um touro, sempre derrubando seus colegas de equipe com uma facilidade impressionante. Assim que recebeu o passe, o rapaz foi bloqueado quase de imediato pelo cornerback do time inimigo.
Depois de três jogadas ofensivas, seu time só havia conseguido percorrer oito das dez jardas mínimas. Eles tinham apenas uma última chance para percorrer mais duas jardas, ou a bola acabaria nas mãos da equipe adversária. E, então, a probabilidade de eles marcarem pontos e dispararem na frente seria muito grande. O colégio Yongsan não podia deixar isso acontecer.
Eles se juntaram para um huddle — também chamado de conferência — antes do quarto down, para discutir e formular estratégias.
— Eles são fortes, mas são lentos. E não muito ágeis — Jongin explicou, dando instruções aos jogadores do time ofensivo que formavam um círculo apertado, abraçando os ombros uns dos outros. — Precisamos de velocidade. Vamos mudar a formação. Podemos fazer a Formação I, usando o fullback para abrir espaços para a corrida. Vai ser mais fácil para atingirmos o primeiro nível da defesa com mais rapidez.
Durante a quarta corrida, porém, algo incrível aconteceu. Oh Sehun se viu marcado, com pelo menos três garotos enormes correndo em sua direção, bloqueando seus movimentos. Com um passe extraordinário, ele fez a bola girar no ar quase como se estivesse em câmera lenta, caindo perfeitamente nas mãos do quarterback. Assim que um linebacker da equipe defensiva inimiga se lançou para impedir Jongin de correr, ele acabou caindo sobre o gramado, e o garoto saltou por cima dele sem a menor dificuldade, avançando com uma rapidez impressionante. Sehun acompanhou cada um dos movimentos do colega com os olhos, os níveis de adrenalina no seu corpo parecendo crescer de um jeito absurdo assim que ele ouviu a torcida vibrar e rugir.
Touchdown!
O amigo havia ultrapassado a end zone e agora estava esparramado no chão, ainda agarrado à bola como se ele nunca mais fosse soltá-la. Os membros da equipe começaram a se jogar sobre ele, comemorando em grande estilo.
Nas rodadas seguintes, o colégio Yongsan estava invencível. Suas estratégias de defesa estavam impecáveis, e os diabinhos de Taejon quase não conseguiam abrir espaço para avançar as jardas. Eles pareciam finalmente ter descoberto a chave para ganhar aquele jogo. Podiam não ser tão altos, fortes ou robustos. Mas Jongin tinha as melhores táticas, e nem todos os jogos se ganham apenas com músculos.
Eles ganhariam aquela partida usando o cérebro e a velocidade. Sehun apostaria sua bola de couro camuflado nisso sem pensar duas vezes.
Ao final, com o colégio Yongsan tendo disparado na frente, eles venceram com muitos pontos de vantagem. O time se reuniu na beirada do campo para comemorar com pulos e um grito de guerra ensaiado. A torcida começou a vaiar os pobres diabos fortões, mas Jongin fez seu trabalho como capitão e começou a bater palmas, e logo todos estavam aplaudindo o colégio Taejon pelo trabalho duro. Fora um bom jogo.
Sehun se sentou em um dos bancos na lateral do estádio, jogando água sobre o rosto sem se importar com as bochechas manchadas de tinta. Ele sentiu o chão vibrar sob seus pés quando as pessoas nas arquibancadas começaram a entoar We Are The Champions em uníssono e as líderes de torcida passaram a dançar com seus pompons. A música ecoou pelo campo, e ele sentiu o corpo inteiro se arrepiar.
Apesar do cansaço, ele se permitiu sorrir, sentindo a satisfação de ter cumprido seu papel. Era como visitar o estádio pela primeira vez. Ele fechou os olhos por alguns segundos, quase como se quisesse meditar, tendo a sensação de que aqueles gritos de euforia não abandonariam a sua memória por algum tempo.
Quando os abriu outra vez, ele viu as cores aos poucos ganharem seu campo de visão. Os gritos ficavam cada vez mais altos. Ele também viu luzes. Muitas luzes.
E, naquele momento, Sehun teve certeza de que havia nascido para ser um campeão.
✮ ✮ ✮
Kyungsoo nunca precisou esperar tanto para tomar um banho em toda a sua vida.
Após o jantar, os garotos formaram uma fila imensa no dormitório, segurando suas peças de roupa e carregando uma toalha sobre o ombro. Do outro lado, sobre os colchões, os rapazes sortudos que já estavam de banho tomado faziam uma roda, animados com sua partida de Uno — mesmo que, de vez em quando, amizades quase fossem arruinadas graças a uma carta 4.
O chalé estava repleto de risadas, gritos entusiasmados e o burburinho de conversas paralelas.
Kyungsoo gostava disso. Gostava de como os músicos e os atletas pareciam se dar bem juntos. Aquele era o único evento no ano capaz de uni-los no mesmo lugar e obrigá-los a agir como amigos. Todos sabiam que seria diferente quando voltassem para o colégio. Talvez os populares ignorassem o pessoal da banda ou mantivessem uma amizade secreta limitada a mensagens no celular. Mas ali, naquele momento, todos eram iguais. Apenas garotos aproveitando um acampamento de verão. E isso era quase mágico.
O baixinho havia separado uma camiseta limpa e uma bermuda, e agora esperava em pé na fila como todo mundo, atento às conversas ao seu redor. Em questão de minutos, ele ouviu atletas falando sobre filmes de super-heróis e jogos de videogame, músicos discutindo sobre o campeonato de basquete americano e até comentários de ambas as partes sobre suas experiências na festa de calouros.
Ele se sentia em um universo paralelo.
De alguma forma, o assunto acabou se concentrando na nova coluna do jornal da escola e no portal de fofocas do colégio na internet, o Drop That. Aparentemente havia um bolão de apostas gerando um enorme alvoroço entre os alunos. Alguma coisa sobre a mascote misteriosa do time.
— Gray Wolf deve ser algum nerd desconhecido — disse um dos atletas. — Essa é a única explicação. É óbvio que nenhum garoto popular se prestaria a um papel desses. Seria meio humilhante, né?
— Não descarto a possibilidade de ser alguém do time — comentou Yugyeom, remexendo em sua toalha de modo distraído. — Principalmente se for alguém da reserva. E se existe um jogador que quer muito estar em campo, mas nunca consegue ser escalado? Talvez essa seja a única forma de realizar esse sonho.
— Uau — outro elogiou. — Yugyeom pode até ter um probleminha de gases, mas ele é na verdade bem esperto.
Eles riram.
— Não tenho certeza. Ainda acho que se fantasiar de mascote é algo que algum nerd faria.
Minhyuk, o rapaz que tocava oboé na banda, inconscientemente olhou para trás, na direção de Kyungsoo. E mais olhos se viraram para ele, desconfiados. O baixinho ajeitou os óculos no rosto, percebendo que ele era a principal referência quando se tratava de garotos nerds. Mas, por sorte, a suspeita não durou muito. Minhyuk deu tapinhas no peito de Yugyeom, apaziguador.
— Não pode ser ele — murmurou o garoto, como se Kyungsoo não estivesse escutando tudo. Como se ele simplesmente não estivesse ali, na mira de todos aqueles olhares esquisitos. — Ele é o nosso principal trompista e está sempre na linha de frente. É impossível que esteja em dois lugares ao mesmo tempo.
— Então em quem vocês vão apostar?
— Vou esperar uns dias para ver como andam as apostas. E vocês?
Ele deixou de prestar atenção assim que viu a fila andar.
Quase uma hora mais tarde, Kyungsoo finalmente havia completado sua missão. Estava de banho recém-tomado e cheirando a shampoo de camomila. Enquanto todos se enfiavam em seus pijamas e rastejavam para debaixo dos lençóis, o baixinho era o único vestido com uma bermuda e uma camiseta por baixo do edredom. Ele esperava que ninguém percebesse que ele estava prestes a sair escondido. Afinal, sair dos alojamentos após o toque de recolher era terminantemente proibido.
Ele aguardou até que todos estivessem dormindo, esperando receber uma mensagem de Jongin confirmando a fuga deles. No entanto, uma hora mais tarde, não havia nem sinal do atleta. Ele parecia ter se esquecido completamente de que haviam combinado de se encontrar para conversar e acertar as coisas. Ou, pelo menos, era isso que Kyungsoo queria. Acertar as coisas.
Ele não sabia se Jongin estaria disposto a voltar no tempo por ele.
Quando ele já estava desistindo, prestes a colocar o celular debaixo do travesseiro, o aparelho vibrou em suas mãos, anunciando uma nova mensagem.
Quarterback idiota:
Ei, você está acordado?
Eu vim te buscar
Kyungsoo:
Sim
Onde você tá?
Quarterback idiota:
Aqui do lado de fora
Olha pela janela
Com uma habilidade de dar inveja a qualquer espião de filme hollywoodiano, Kyungsoo afastou as cobertas devagar e se levantou silenciosamente, fazendo o possível para não pisar com muita força no chão. O piso era de madeira, daqueles que rangiam por qualquer bobagem, então ele precisava de paciência e muita discrição. Ele deixou os óculos sobre a cômoda e se aproximou da janela. Quando olhou através dos vidros, seu coração começou a bater mais rápido do que o normal.
O quarterback estava em frente ao seu chalé, apoiado contra uma árvore. As luzes refletiam em seus cabelos bagunçados, fazendo com que ele adquirisse um tom quase dourado. Ele estava radiante. Mesmo que estivesse de noite, Jongin parecia um sol. Ele acenou e sorriu, e Kyungsoo achou que fosse ter um ataque cardíaco. Como alguém podia ficar tão bonito até mesmo de bermuda e camiseta?
Ele se esquivou até a porta cuidadosamente e respirou aliviado quando conseguiu fechá-la sem provocar um rangido ensurdecedor.
Jongin se afastou da árvore assim que ele se aproximou.
— Vamos por ali — ele sugeriu, apontando na direção da floresta. — Se encontrarem a gente aqui, com certeza teremos problemas.
Caminharam juntos na direção oposta à clareira, concentrados no ruído de pedras sob seus pés para não provocar nenhum barulho suspeito, pisando sobre a terra e a grama cuidadosamente até que estivessem afastados o bastante dos alojamentos. A penumbra o engolia cada vez mais à medida que andavam entre as árvores, agora mais rápido. Não havia tanta luz na floresta, e a área era muito extensa. Kyungsoo lembrava-se de já ter se perdido ali uma vez.
Mas não Jongin. Ele parecia saber exatamente onde estava indo.
A mente de Kyungsoo estava o atormentando aos poucos. Ele havia ensaiado seu pedido de desculpas pelo menos um milhão de vezes em frente ao espelho do quarto, mas não sabia se seria suficiente. O que ele deveria dizer? Que sentia muito? Parecia uma boa forma de começar.
Que não deveria ter dito o que disse? Com certeza.
Que havia gostado do beijo? Era fácil formular as ideias em seus pensamentos, mas dizer esse tipo de coisa em voz alta seria uma missão impossível. Talvez ele apenas devesse ter dito tudo por mensagem, sem precisar lidar com toda aquela bagunça de borboletas no estômago e nervosismo pessoalmente. Ele ainda tinha chance de dar meia volta, correr para o chalé e mandar um pedido de desculpas pelo KakaoTalk. Parecia uma boa ideia.
Eles continuaram caminhando. A certa altura, Kyungsoo achou ter ouvido um ruído vindo de trás. Como uma pegada sobre um galho partido ou o farfalhar de folhas no chão, mas ele não viu nada ao olhar na direção do barulho. Talvez tivesse sido só impressão sua. O garoto à sua frente começou a andar mais devagar, e ele desviou seus pensamentos para longe.
— Você está sem seus óculos — observou Jongin, caminhando de costas por alguns segundos, só para poder olhar para ele.
— Achei que fosse mais seguro se precisássemos fugir.
— Você fala como se fôssemos criminosos — ele disse, erguendo o cantinho da boca em um sorriso. — Tipo Bonnie e Clyde.
O modo como ele disse aquilo fez alguma coisa dançar em seu estômago. Mesmo que ele parecesse indiferente em relação a Kyungsoo nos últimos dias, agora ele estava estranhamente amigável. Talvez fosse a alegria de ganhar uma partida de futebol mais cedo.
Ele seguiu Jongin até uma trilha que levava a um deck de madeira sobre o lago. Era uma descida suave e repleta de cascalhos. O baixinho chutou-os de seu caminho, agora mais aliviado por não precisar ser tão cauteloso com cada passo. Estavam bem longe da clareira. Ninguém poderia ouvi-los ali.
O atleta tirou os tênis antes de subir as escadas. Kyungsoo fez o mesmo, deixando seu par de sapatos em um cantinho escondido, com as meias enroladas em formato de bola dentro deles. Os dois se aproximaram da borda, observando toda a extensão do lago. As montanhas quase apagadas no fundo da paisagem, as águas esverdeadas iluminadas pela lua e até a vegetação perto da margem.
Eles se sentaram na beirada do deck, as pernas balançando levemente para fora. Seus pés quase tocavam a água gelada.
Kyungsoo sabia que aquele era o momento em que deveria dizer alguma coisa. Pedir desculpas, admitir que era um idiota ou implorar para que eles voltassem no tempo. Mas, em vez disso, ele acabou dizendo uma coisa completamente diferente. Algo que veio à sua mente e que ele sentia que precisava colocar para fora.
— Você estava incrível.
O quarterback olhou para ele, piscando devagar.
— O quê?
— Lá no campo, Jongin. Você estava incrível. — Ele limpou a garganta, envergonhado, de repente se dando conta do que havia dito. — Quero dizer, você se move de um jeito tão suave, mesmo quando está jogando. Acho que isso deve ter algo a ver com o balé.
O atleta ficou algum tempo observando o horizonte, como se quisesse avaliar se deveria discutir sobre aquilo com Kyungsoo ou não. Quando olhou de volta para o baixinho, havia um sorriso muito sutil em seus lábios.
— Eu gosto de entrar em campo e também gosto de estar no palco — ele admitiu, desviando o olhar para o lago. — Gosto de ser o Jongin que joga e o Jongin que dança.
— Você pode ser as duas coisas.
— Eu não posso — ele sussurrou. — As pessoas jamais entenderiam.
— Isso tem a ver com os seus amigos? — Kyungsoo perguntou, tentando decifrar os segredos de Jongin pelo modo como seus olhos brilhavam. — Isso tem a ver com o Yifan? — Ele suspirou, esperando não estar ultrapassando os limites. Porque, no fim das contas, eles não tinham toda essa intimidade. — Eu garanto que não tem nada a ver com você. Se eles não te aceitarem, então eles são uns babacas estúpidos. Você não precisa mudar quem você é, Jongin. Você só precisa mudar de amigos.
Aquilo o fez rir.
— Uau. Essa é a primeira vez que vejo você usar as palavras babacas e estúpidos na mesma frase.
— Vou encarar como um elogio.
— Bom, é um elogio — ele confessou, inclinando o corpo em sua direção e sorrindo, provocador. Era incrível como ele conseguia virar o jogo em questão de segundos. — Acho um pouco sexy quando você xinga desse jeitinho politicamente correto.
Kyungsoo soltou uma risada soprada e desviou o olhar.
— Cala essa boca.
O sorriso de Jongin gradativamente morreu, mas ele não parecia triste. Apenas pensativo. Seus olhos estavam fixos nas águas oscilantes e escuras, e Kyungsoo achou que fosse melhor deixá-lo à vontade em seus pensamentos. Era confortável ficar ao seu lado, ombro a ombro, a manga da sua camiseta encostando suavemente no braço dele.
Em algum lugar perto dali, uma cigarra começou a cantar. Também havia o som baixinho de gansos grasnando à distância, agora que estava silencioso o suficiente para que ele pudesse ouvir.
— Tem a ver com o Kris — Jongin soltou, de repente.
— O quê?
Ele passou a mão na própria nuca, como se aquilo pudesse aliviar a tensão em seus ombros.
— A história do vídeo. Foi ele que postou.
Kyungsoo já suspeitava, desde o dia em que ele dera um soco em Yifan.
O rapaz com certeza sabia que as sapatilhas eram de Jongin, mas por algum motivo havia decidido encrencar com ele. Por quê?
— E por que você está tentando proteger o seu amigo?
— Queria que fosse tão altruísta quanto parece, mas eu não estou protegendo meu amigo. Não estou protegendo ninguém. — Jongin suspirou. — A única pessoa que eu estou tentando proteger sou eu mesmo.
— Ele… — Kyungsoo se sentiu inseguro com a pergunta. — Ele chantageou você?
— Agora que penso nisso, realmente soa como uma chantagem. Ele prometeu que manteria o meu segredo seguro se eu fizesse isso por ele — o quarterback sussurrou. — Ele é uma das poucas pessoas que sabem sobre isso.
Eles ficaram em silêncio de novo. A cigarra, os gansos e o som gostoso da água se movendo contra a margem alcançando seus ouvidos outra vez. O baixinho percebeu que agora era o momento perfeito para terem aquela conversa.
Era a hora de pedir desculpas.
— Ei, escuta. Sobre aquele dia… — ele começou, ainda um pouco inseguro. — Eu não queria ter dito aquilo.
Jongin olhou para ele, curioso. Seus olhos pareciam observá-lo com muita atenção.
— Não? E o que você queria ter dito?
Ah, droga.
Todas as palavras que ele conhecia pareciam ter sido apagadas do seu dicionário mental. Ele não sabia o que responder. Não sabia se existia uma resposta certa para aquela pergunta, e imaginou o que diabos Jongin esperava dele. Talvez nada. O atleta apenas começou a rir quando Kyungsoo o olhou com certo desespero, o pânico crescendo dentro dele. Como se não bastasse, ele lhe deu uma piscadela, abrindo um sorriso sugestivo.
— Por que você está ficando tão nervoso, garoto da trompa?
Puta merda. Kyungsoo estava cada vez mais convencido de que ele fazia aquilo de propósito.
— Eu… não queria ter dito que o beijo não deveria ter acontecido.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Então você acha que deveria ter acontecido?
— Jongin — ele resmungou. — Eu estou tentando pedir desculpas.
De súbito, o moreno segurou firme em seus braços, girando seu corpo para ficar frente a frente com ele. Não era um aperto suave, e sim forte. Ele se perguntava o que diabos ele estava pensando em fazer. Pelo jeito, Jongin não planejava soltá-lo tão cedo.
— Eu aceito as suas desculpas, Kyungsoo. Mas você foi bem idiota comigo naquele dia, sabe. Eu fiquei bem chateado — ele disse com um falso tom magoado, um sorriso travesso iluminando seu rosto. — Não acha que eu tenho o direito de castigar você um pouquinho?
Kyungsoo empalideceu. Ele finalmente havia compreendido o que o atleta estava prestes a fazer.
— O quê…? — ele soltou, apavorado. — Jongin, não! Nem pense em fazer iss–
Mas era tarde. O rapaz continuou segurando firme em seus braços e o empurrou para o outro lado, numa tentativa muito bem sucedida de derrubá-lo no lago. O que ele não esperava, porém, era que Kyungsoo fosse se agarrar a ele, na esperança de tentar se safar. Aquilo não tinha chance alguma de dar certo para nenhuma das partes. Assim, os dois garotos acabaram se desequilibrando e caindo juntos, despencando sobre a água escura.
A primeira coisa que Kyungsoo fez quando subiu à superfície foi passar as mãos nos olhos fechados e depois na franja, tentando afastá-la da testa. Ele sentia sua camiseta grudando no abdômen e a bermuda inflando graças à água. Jongin emergiu logo em seguida, rindo da própria desgraça. O baixinho observou enquanto ele jogava o cabelo molhado para trás, a blusa encharcada marcando os músculos em seu braço.
O lago não era tão fundo naquela área. Eles conseguiam ficar de pé tranquilamente, sem se preocupar em nadar. A água alcançava o peito de Kyungsoo.
— Não acredito que você fez isso! — ele reclamou.
— Você estava merecendo — o quarterback rebateu.
— Meu Deus, você é tão…
Ele não terminou a frase, então Jongin resolveu dar-lhe um empurrãozinho. Não literalmente.
— Eu sou tão o quê?
O atleta deu um passo em sua direção, observando-o em silêncio.
— Você é tão… Maldoso, vingativo, arrogante, vaidoso e...
O moreno continuou sorrindo, movendo o corpo mais para a frente, até que a pouca distância fizesse o garoto perder as palavras. E talvez também o fôlego. Kyungsoo não ficou muito tempo debaixo d’água e já havia se recuperado do susto, então reconhecia que aquela sensação não era culpa da queda. Aquilo era tudo culpa de Jongin e de suas provocações. Ele sabia exatamente o que fazer para tirá-lo do sério.
Como se soubesse o efeito que tinha sobre as pessoas.
Como se soubesse o efeito que tinha sobre ele.
Mesmo que suspeitasse de suas intenções, o rapaz não conseguia deixar de se sentir nervoso com a aproximação lenta e tentadora. Ele não conseguia impedir o seu coração de bater mais rápido ou obrigar seus olhos a desviarem do corpo dele — do cabelo jogado para trás, da boca molhada e da camiseta levemente transparente que, por sorte, não deixava muito para a imaginação.
A verdade era que ele estava louco para beijar Jongin de novo.
— Sabe de uma coisa, Kyungsoo? — o atleta provocou. — Às vezes você precisa saber a hora certa de calar a boca.
Ele ainda estava sorrindo, como o malandro sedutor que era. E o maldito sorriso bonito só desapareceu quando Jongin finalmente se inclinou para beijá-lo.
Kyungsoo fechou os olhos, e tudo pareceu acontecer deliciosamente devagar. Primeiro as mãos em sua cintura, segurando-o de forma gentil, com força suficiente apenas para puxá-lo para perto. Depois o nariz, deixando uma carícia leve sobre o seu pouco antes de encostarem os lábios. Os movimentos na água provocavam sons relaxantes, principalmente quando o baixinho ergueu um dos braços, buscando pelo ombro de Jongin às cegas até que conseguisse deslizar os dedos mais para cima, segurando firme em sua nuca.
A boca de Jongin se movia de forma sensual sobre a sua. Sem pressa, apenas sentindo a maciez dos lábios cheios um contra o outro e o gosto dele na sua boca. As mãos que seguravam sua cintura estavam descendo ligeiramente para seu quadril, os dedos pressionando sua pele de leve.
Kyungsoo achou que fosse derreter em seus braços. Se o quarterback não o estivesse segurando, ele provavelmente já teria se desmanchado na água.
O garoto perdeu a estabilidade nas pernas quando Jongin puxou seu lábio inferior com os dentes e o sugou, devagarzinho, sendo obrigado a apoiar uma perna entre as dele para não perder o equilíbrio.
O atleta entendeu aquilo como um sinal para intensificar o beijo, e então as mãos dele desceram rapidamente até a parte de trás das coxas de Kyungsoo, puxando-o para o seu colo.
Ele se afastou, os olhos inebriados ainda perdidos nos seus.
— Segura no meu pescoço, Kyungsoo — ele ordenou, e o rapaz sentiu seu corpo inteiro arrepiar.
Quando Jongin o ergueu, ele entendeu perfeitamente o que precisava fazer. Kyungsoo abraçou seu pescoço, envolvendo sua cintura com as pernas. O movimento se tornou lento e muito mais leve debaixo d’água. Era quase como flutuar.
Ele nunca havia estado desse jeito com alguém. Tão íntimo, tão perto. As mãos de um garoto passeando pela sua coxa, os dedos acariciando sua pele, flertando por baixo do short molhado.
— Deus abençoe a pessoa que inventou as bermudas — ele murmurou, maravilhado, e depois o beijou de novo.
Kyungsoo não soube explicar o que estava acontecendo com o seu próprio corpo. Ele não tinha muita experiência com beijos, então ele imaginou que deveria se sentir inseguro e nervoso. Mas ele não se sentia assim com Jongin. Perto dele, o garoto se sentia estranhamente confortável.
Assim, ele não precisou lutar contra a sua consciência antes de decidir o que fazer com as próprias mãos. Era instintivo. Ele simplesmente sabia. Era apenas natural que seus dedos corressem sobre os ombros, braços e de volta até a nuca, sentindo todas as curvas do corpo dele perfeitamente. Em meio ao beijo, quando puxou o cabelo da nuca de Jongin com força e o ouviu resmungar contra seus lábios, Kyungsoo acabou deixando um sorriso escapar.
O moreno subiu as mãos para segurá-lo pela bunda, apertando-a e unindo os quadris ainda mais. Uma das mãos subiu pelas costas, depois desceu de novo, deslizando de volta até sua cintura. Jongin parecia ter uma paixão secreta e completamente platônica pela sua bunda. Mesmo que ele às vezes o puxasse pelo rosto, para dar total atenção ao beijo, sempre voltava para seu quadril mais cedo ou mais tarde.
Aquilo era tão bom. Ele achou que nunca fosse querer parar.
Kyungsoo perdeu as contas de quanto tempo ficou beijando Jongin dentro do lago — porque, afinal, ele estava ocupado demais para raciocinar. Eles se separaram depois de algum tempo, mesmo que tivessem mantido a mesma posição, agarradinhos como coalas. Agora, no entanto, o atleta estava com o rosto enterrado em seu pescoço, deixando beijos molhados na pele e provocando-lhe arrepios dos quais se lembraria pelo resto da noite.
A boca do baixinho estava ficando dormente. Ele só não saberia dizer se era por causa do frio ou porque tinha beijado demais. Com os peitos ainda colados, Kyungsoo podia ouvir a respiração dele enquanto deslizava os dedos pelo seu cabelo. Os fios castanhos eram incrivelmente macios, mesmo ainda úmidos.
Jongin fechou os olhos, o corpo meio mole com os carinhos de Kyungsoo.
— Gosto quando você toca no meu cabelo.
— Gosto de tocar no seu cabelo — ele respondeu.
— Você tá flertando comigo?
O garoto se afastou para olhar seu rosto. O baixinho riu e acabou mordendo o lábio inferior por acidente, e Jongin percebeu que amava a boca dele.
— Talvez.
O quarterback se inclinou, roubando outro beijo.
— Você vai fingir que nada disso aconteceu amanhã?
— Não. — Ele negou com a cabeça. — Não acho que posso fingir que esqueci disso tão cedo.
Kyungsoo sabia que estava se metendo em uma enrascada. Ele não podia se envolver com Kim Jongin. As regras que ele estabelecera com o melhor amigo diziam que ele não poderia se apaixonar por garotos heterossexuais. Mas ele já tinha pensado em uma maneira de burlar aquela regra, e se sentiu estranhamente feliz por isso.
Estava tudo bem ele ficar com Jongin desde que não se apaixonasse, certo?
Porque aquela era, sem dúvida, uma das melhores noites da sua vida.
E ele mal podia esperar para fazer tudo de novo.
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