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História Gorjeta - Duração


Escrita por: AvaniAlves

Notas do Autor


CHEGUEI EM PLENA SEGUNDA FEIRA.

Eu sei muito bem que iria vir em todo domingo mas então começou meu drama com o sisu e toda a minha capacidade de ficar calma evaporou. Entretanto, o inferno acabou hoje e para comemorar trouxe um capítulo, não qualquer capítulo, o PENÚLTIMO capítulo. E por motivos de comemoração irei dedicar ele para pessoas importantes que me aguentaram durante essas semanas e que eu agradeço demais: Laissa meu amor e a maior fã de Gorjeta a @kyoongni e, claro, para todos que estão lendo, VOCÊS ME MOVEM. E por último, para a Vitória, que é uma beta maravilhosa e me deixou muito emotiva comentando sobre esse capítulo, ele é muito especial para mim e tenho certeza que irão se surpreender.
Amo todos vocês.
Boa leitura.

Capítulo 3 - Duração


 

 

'' É a quantidade de tempo que se passa com outro indivíduo''

(Manual de Persuasão do FBI)





 

Minhas pernas gritavam por movimento. Depois de anos em uma rotina cansativa, meu organismo tinha se acostumado com ela, e mesmo que eu quisesse ficar um pouco mais de tempo na cama eu não conseguiria. Ainda assim, tive uma noite tranquila e confortável guiada por um sono profundo, mais especificamente como se tivesse sido atingido com um porrete na cabeça. Sabe quando o seu dia anterior é uma grande bagunça e quando você acorda e repassa tudo na sua mente lhe vem a sensação de: que porra foi aquela?  Pois eu acordei assim. Uma coisa era conviver com Chanyeol por alguns minutos de atendimento profissional outra ー completamente diferente ー era ter ele morando comigo por uma semana inteira. E quem poderia imaginar que ele não era só uma pessoa mal humorada. Eu não.

Na noite anterior, ainda tive a sorte de não ser confrontado sobre o apelido que eu tinha dado para ele. Todos estavam encantados demais em falar com Chanyeol e as poucas palavras que eu troquei com ele foi por insistência dos meus pais para que eu pudesse lhe indicar onde cada coisa ficava. Chanyeol tinha que se sentir em casa, pelas palavras de minha mãe. Todavia, eu só queria mesmo que ele fosse embora e tudo voltasse ao normal. Ele era mesmo divertido e interessante, sem toda aquela carranca que eu estava acostumado. Mas ele parecia um cisco no olho (A metáfora explica a sensação de invasão de espaço pessoal que eu estava sentindo). Olhei para Kyungsoo dormindo na cama de solteiro ao lado da minha. Um feixe de luz transpassava a fresta da janela mal fechada e iluminava um pouco o nosso quarto me dando uma visão privilegiada de sua cara amassada no travesseiro e dos lábios entreabertos escorrendo saliva, babando o travesseiro. Tinha tantas oportunidades adequadas para conversar comigo sobre o fato de Chanyeol ser o Belzebu sem fazer alarde, mas ele preferiu falar perto do próprio.

Chutei as cobertas desejando que fosse meu melhor amigo no lugar do tecido e decidi que um banho era o melhor a ser feito. A água estava fria como o Ártico. Entretanto, o dinheiro da luz subia muito com a instalação de chuveiros elétricos e eu já arcava com o aumento da conta com a iluminação na entrada que dava para a nossa casa então teríamos que aguentar até o final do ano.

Saí do meu quarto já mentalizando o que eu poderia fazer para o café da manhã. Comecei passando o café, que era um refresco comparado ao que era preparado no Coffee Dream, preparei algumas torradas caseiras e colocava os ovos mexidos em uma burca de vidro quando Park Chanyeol entrou na cozinha.

ー Bom dia. ー Cumprimentou-me já pegando a garrafa térmica e depositando o conteúdo na xícara.

Como eu havia dito, familiarizado.

ー Bom dia, Chanyeol. ー Observei seu braço enfaixado. ー Está se sentindo melhor?

ー Não doi muito, se é isso que está querendo saber. ー Disse enquanto eu colocava duas torradas em seu prato. ー Obrigado. Falei com meu supervisor ontem, eles pediram para eu ficar afastado da missão.

Sentei-me na cadeira a sua frente observando como ele  abria e fechava a mão, chateado.

ー Eu já tive ferimentos mais graves e nem por isso fui afastado. ー Revelou me fitando com suas orbes negras. ー Mas se ele me deu essa ordem quem sou eu para questionar.

ー Pensando pelo lado bom, você vai poder descansar. ー Tentei confortá-lo. ー Sem falar que se você dissesse que iria embora meu pai iria ficar decepcionado, ele já estava falando ontem sobre você ajudar a resgatar o controle da televisão da minha mãe.

Chanyeol sorriu mostrando todos os dentes pela primeira vez, soltando uma leve gargalhada e todo o seu rosto se iluminou. Daquela maneira ele parecia mais jovem com os traços do seu rosto suavizados, menos brutalmente sério, entretanto os olhos continuavam atentos e espertos demais para o meu próprio bem. Captando todos os detalhes que eu mostrava e os que eu guardava.

ー Sua família é incrível. ー Declarou ー Não imaginava que eles fossem me receber tão bem.ー Sua voz ficou mais divertida quando completou. ー Talvez seja por isso que você está com tanto ciúmes.

Me empertiguei.

ー Não sei do que você está falando.

Chanyeol emitiu um ruído entre uma tosse e uma risada.

ー Ontem você me olhava como se fosse me matar no meio da sala de estar. ー Inclinou a cabeça como se relembrando. ー Você rondava pela sala, Baekhyun, parecia ansioso em me estrangular.

ー Você deve estar exagerando. ー Objetei inexpressivo.

ー Pelo contrário. Eu não sou alguém dado aos exageros.

Ele tomou um longo gole de café e me observou por cima da borda da xícara. Era Chanyeol quem tinha sorvido um gole da bebida quente, o que não explicava o motivo por eu ter me sentido tão aquecido.

ー Você é um pé no saco. ー Resmunguei alto declinando contra o encosto da cadeira.

ー Isso tem algo a ver com o motivo de me chamar de todos os sinônimos possíveis para Diabo, eu suspeito.

Não adiantava correr nem me fingir de idiota. Eu era um adulto e deveria agir como um, pelo menos uma vez. Ergui o queixo com o máximo que meu orgulho permitia para passar uma imagem de confiança, coisa que eu não tinha.

ー Isso mesmo.

Chanyeol largou a xícara em cima da mesa e inclinou o rosto para mais perto de mim, com um súbito interesse.

ー E eu posso saber o porquê?

Ele arqueou uma sobrancelha e eu senti vontade de levantar minha mão e percorrer o percurso dela com dedo, bem devagar.

Puxei um pouco de ar.

ー Porque você era tão rabugento na cafeteria e aqui é todo sorrisos? ー Rebati empurrando a cadeira para trás, estabelecendo uma distância mais segura.

ー Porque eu estava mesmo estressado pra caramba. ー Confessou ー E eu fico tão insuportável como você falou. A outra explicação é porque eu me divertia em te deixar sem graça. A melhor parte do meu dia era ir naquela cafeteria, foi por isso que eu exigi que só você pudesse me atender.

ー Você é um babaca. ー Falei perdendo a voz ー E está me deixando sem graça de novo.

ー Eu confesso que na maioria das vezes eu nem estava com fome. ー Completou ignorando completamente o que eu havia dito.

Se antes minha voz estava “se perdendo”, depois do que ele tinha externado eu estava mudo. Agradeci a mesa estar separando nós dois. Eu fazia questão de chamá-lo de Diabo daquele momento em diante. Porque ele apenas comprovava a minha teoria de que as pessoas estavam erradas em achar que o ser mais maligno de todos seria vermelho, com um par de chifres e que usaria um tridente. Me senti, de repente, um homem desengonçado.

Pigarreei.

ー E, é exatamente por isso que eu gostaria de me desculpar.

ー Porquê? ー Questionei genuinamente perdido e esquecendo propositalmente o que sua declaração anterior implicava.

ー No dia que eu não te entreguei gorjeta me arrependi na mesma hora, na verdade, eu tinha me esquecido. ー Inspirou ー Minha cabeça estava em outro lugar e eu percebi no dia seguinte o quanto aquilo significava para você. Sinto muito se … ー Chanyeol tentou escolher a palavra certa. Eu começava a me impressionar com a dualidade do homem em minha frente. ー Desagradei você, Baekhyun.

Me lembrei o quanto eu tinha me sentido incapaz naquele dia. O sentimento de vazio e de decepção unidos em uma crescente devastadora demais para que eu não me permitisse render a eles. Boa parte do meu desafeto por Chanyeol, querendo ou não, tinha sido motivado por aquele acontecimento. Por mais que soasse uma bobagem era algo que significava muito para mim, e compreender que o homem em minha frente respeitava o meu jeito de pensar acrescentava novos ângulos e protuberância na escultura da personalidade do agente, antes que ela se tornasse algo acabado.

ー Bom dia! ー Meu pai entrou na cozinha com uma bermuda samba canção coçando a barriga e ao ver o silêncio no ambiente questionou. ー O que foi? Interrompi alguma coisa?

ー Claro que não, pai. Sente aqui.

ー Com licença. ー Chanyeol levantou da mesa.

ー Deixe em cima da pia, eu lavo sua louça. ー Me pronunciei abandonando a cadeira de imediato.

ー Deixa comigo. ー Teimou, pegando a esponja.

Tomei o objeto de sua mão sem esconder minha preocupação com os lábios comprimidos e a testa franzida.

ー Você vai descansar.

Encarei ele firme e seus ombros cederam ao perceber que eu não iria mudar de ideia.

ー Você quem manda. ー Debochou abri a boca prestes a retrucar quando ele deu um leve peteleco no meu nariz.

E a fala morreu em minha boca ao passo que a gargalhada do meu pai rompeu por toda a cozinha.

ー Essa é uma cena rara! ー Bradou, erguendo  a colher como se fosse uma espada. Mesmo assim, parecia um verdadeiro bárbaro. ー Finalmente alguém consegue fazer meu filho ficar sem palavras.

ー Fico lisonjeado. ー Chanyeol brincou com uma mesura me fazendo  rir, nem um pouco chateado. Algo entre nós dois tinha deixado nossa relação mais leve. Era possível que fosse minha decisão mais recente, que ele tinha obviamente captado ao piscar o olho direito discretamente.

ー Que diabo de barulheira é essa? ー Kyungsoo surgiu porta a dentro com sua carranca matinal.

ー Você devia ter visto. ー Meu pai estava eufórico diante da minha humilhação. ー Baekhyun de boca aberta sem saber o que falar! Parecia um baiacu.

Limites! ー Gritei por cima, encarando Chanyeol. ー Olha só o que você fez, conserte isso.

Na verdade, eu estava muito satisfeito do jeito que estava. Chanyeol deu de ombros encostando seu braço no meu ao se aproximar, quase me retesei com o arrepio intenso que percorreu meu corpo com o mínimo encostar de peles. Droga.

ー Eu não posso fazer isso enquanto não consertar algo para mim. ー Sussurrou tão baixinho que mal pude escutar. Suspeitava que era esse o seu objetivo. E segui como se, de fato, não houvesse escutado, embora minhas pernas estivessem ficando trêmulas ao andar.


 

****


 

Graças a Deus! ー As palavras foram proferidas com o mais puro alívio por Kim Minseok. ー Pode ficar tranquilo, aproveite sua semana de férias, vai ficar tudo sob controle. Nem precisa ligar nem nada.

ー Se eu não soubesse que é meu amigo iria jurar que quer se desfazer de mim. ー Analisei.

Ele tossiu do outro lado e senti um baque abafado pela ligação. Estranho.

ー Claro que não. ー Rebateu ー Estou apenas satisfeito por ter tirado parte das suas  férias, você estava precisando. Estava muito estressado com a coisa das gorjetas e tudo mais. Aproveite esse tempo para relaxar e curtir a família.

Confirmei com a cabeça mesmo que ele não pudesse ver.

ー Vou seguir seu conselho.

ー Qualquer coisa estou aqui. ー Reforçou com um timbre amigável. Ouvi ruídos de outra voz no fundo. ー Tchau, Baekhyun!

A ligação foi encerrada… E alguma coisa me parecia muito fora do lugar. Estranho.  Aquela voz… Parecia familiar… Minseok havia falado de um jeito meio… Histérico. Sempre acontecia quando ele tentava esconder algo de mim. Ele mentia tão mal só não tanto quanto… Céus. Como eu não tinha percebido antes? Fazia total sentido. Soltei gargalhada de pura admiração.

Kim Minseok e Zhang Yixing.

O casal do ano.

Mal tinha entrado de férias e já esperava, ansiosamente, minha volta ao trabalho.

 

****


 

No dia seguinte, observei durante as refeições como Kyungsoo engatinhava em uma amizade com Chanyeol, algo entre os gostos deles eram parecidos e, assim, a conversa fluía com uma naturalidade absurda. As repostas eram ácidas, mesmo que sempre bem humoradas. Era bom ver meu melhor amigo se dando bem com outras pessoas. Na verdade, era bom ver a minha família inteira com uma nova companhia, que não fosse eu. Porque trazia novidade  ー conversas novas e até mesmo, hábitos novos ー , fazia anos que não via aquele estágio de animação em todos, incluindo em mim.  Minha convivência com Chanyeol, bem, o que era a nossa convivência para falar a verdade? Trocas de olhares, palavras entaladas na minha garganta e desejo reprimido.

Eu tinha passado o primeiro dia inteiro me esquivando de qualquer tipo de aproximação que ele tentava. Eu queria retribuir, e como queria. Entretanto, sempre tinha aquela vozinha na minha cabeça me dizendo que era errado. Que eu estava me distraindo dos meus objetivos. Envolvimento só vai te atrasar. Você tem um débito. Trabalhe mais. O incômodo pairava sobre mim em alguns momentos, insistente como um alarme, e eu tinha que engolir a saliva, como se pudesse engolir o desconforto com igual facilidade. Eu tinha plena consciência que eles sabiam, mais que eu, qual era o incômodo, ao passo que Chanyeol me encarava em intervalos de tempo, investigando meu comportamento para descobrir. A culpa não era dele, nem era algo relacionado a ele. Eu sabia disso. Ele não. Depois das minhas atitudes, Chanyeol tinha apenas trocado três ou quatro frases mornas e cotidianas comigo, nada típicas dele. Nada do olhar intenso, nada dos sorrisos discretos e insinuantes e nem das frases dúbias. Passou um pedaço do descanso pós almoço  assistindo o programa favorito da minha mãe conosco, depois saiu do cômodo e disse que iria resolver algumas coisas e que sentia muitíssimo. Nem ao menos olhou para mim. Simples assim. Não era isso que eu deveria fazer? Meus pais não se demoraram assistindo na sala, queriam deitar um pouquinho (cochilar). Então eu fiquei sozinho na sala, olhando para a televisão sem saber, ao certo, o que se passava.

ー Vou ao supermercado. ー Kyungsoo me intimou após ir e voltar do quarto.

ー Tô sem grana.

ー Chanyeol que deu. ー Explicou ajustando a gola da blusa xadrez. Percebi que seu cabelo estava mais curto que antes, ele, provavelmente, deveria ter sido aparado antes do banho. Eu gostava do seu cabelo um pouco mais comprido, embora meu amigo ficasse estonteante com as madeixas curtas. ー Ele me disse que era algo sobre um acordo que vocês fizeram.

ー E falar em Chanyeol… Cadê ele? Não o vi desde o almoço. ー Questionei curioso, uma curiosidade meio dolorosa.

ー Parece que está conversando com o chefe dele.

Lembrei-me de quando o agente havia dito que tinha sido afastado. Bem, talvez aquilo estivesse começando a mudar.

ー Já coloquei minha moto lá fora. ー Avisou ー Mas antes eu quero saber porque está com essa cara aí.

Balancei a cabeça, mesmo tendo consciência de que ele não iria desistir.

ー Não me vem com essa de que está tudo bem, ou você me fala agora ou eu vou dar um soco nesse seu rostinho bonito. ー Resmungou se jogando no sofá, ao meu lado.

Abaixei meu rosto para as minhas mãos depositadas sobre minhas pernas. Se tinha um momento certo para se falar sobre aquilo a hora era aquela. Eu precisava passar por cima daquele tipo de pensamento. Tentei organizar todo o pandemônio depreciativo que tinha na minha cabeça e Kyungsoo me deu todo o tempo para que no final eu apenas sentisse meu rosto molhado. Não lembrava em que momento eu tinha começado a chorar, só sabia que lágrimas jorravam pelos os meus olhos como se transbordassem toda a imensidão oceânica que eu levava dentro do meu coração. Uma imensidão que eu não conseguia resumir em palavras mesmo que fosse só para desabafar. E então, eu passei a chorar mais ainda, olhando para as minhas mãos, na esperança de que elas pudessem mostrar alguma solução, com suas linhas, marcas e calos. Me dando conta de como eu me sentia emocionalmente exausto, ao passo que Kyungsoo me segurava pelo ombro, mostrando que estava ali, porque era meu melhor amigo e porque me amava. Ele estava cansado de me ver me pôr limites. Kyungsoo esperou que o choro passasse, e que os soluços se desmanchassem em suspiros profundos e resignados.

ー Nosso namoro foi tão traumatizante para você reagir assim sempre que gosta de alguém? ー Ele brincou ao levar a mão a minha cabeça; mexendo nos meus cabelos. Eu dei um sorriso fraco. ー Eu sei que você tem esse compromisso de querer cuidar de todo mundo, Baekhyun, e todos nós agradecemos. Mas você tem que lembrar que não pode viver em nossa função.

ー Kyung… eu acho que não mereço.

Puta que pariu. ー Ele exclamou. ー Baek, olha pra mim. ー Ele segurou meu rosto com as duas mãos, uma de cada lado me forçando a olhar a sinceridade veemente em seus olhos. ー Eu não conheço um ser humano nessa merda de mundo que mereça ser feliz mais que você. Agora você vai me prometer que vai tentar. Eu vi o jeito que vocês dois se olham, aliás, parece ser sincero. Se não der, tudo bem. Mas e se der? Vai ignorar tudo e jogar sua falsa raiva em cima dele pra se proteger? Me prometa.

Eu deveria pensar em mim, pelo menos uma vez, e foi isso que motivou que a sentença saísse pelos meus lábios com firmeza.

ー Eu prometo.

E foi com essa motivação que, após um jantar tranquilo, eu me esgueirei pelo corredor aproveitando que minha família estava ocupada assistindo televisão e me dirigi em passadas suaves como penas (pelo menos eu me esforcei, pois de acordo com o meu pai eu era tão sutil quanto o prato de uma bateria caindo no chão) ao quarto de hóspedes na ponta final do corredor. Tirando o almoço, Chanyeol mal tinha saído daquele quarto e aquilo estava me dando agonia. Dei duas batidinhas leves na porta, mordendo meu lábio para conter meu inesperado nervosismo. Será que dava tempo de abortar a missão? Uma imagem mental de Kyungsoo me falando “Me prometa.” apareceu como resposta. Então eu me obriguei a esperar a porta abrir.

ー Baekhyun! ー Chanyeol murmurou admirado, como se fosse impossível que nos víssemos mesmo estando sob o mesmo teto. Seu cabelo que geralmente estava sempre bem penteado se mostrava uma bagunça e ao coçar os olhos, desconfiei que talvez tivesse atrapalhado o seu sono. ー Entra.

ー Não precisa. ー Mesmo assim, aceitei o pedido. O quarto de hóspedes era tecnicamente meu. Todavia cada maldito canto cheirava ao perfume almiscarado de Chanyeol, a constatação me acertou em golpe olfativo me deixando, por um momento, meio desorientado. Estendi o pacote em minhas mãos para ele, que me fitava com a cabeça inclinada e os braços cruzados, aparentemente, interessado, ー O Kyungsoo comprou umas roupas pra você e esqueceu de entregar.

Um lampejo de lembrança cruzou seu olhar.

ー Eu havia pedido isso a ele… Hum, obrigado por vir deixar. ー Proferiu pegando a sacola e colocando-a em cima da cama.

O silêncio se instaurou com naturalidade e eu hesitei antes de inferir.

ー Como está o seu braço hoje?

Chanyeol conferiu o próprio braço, com uma bandagem.

ー Está cicatrizando bem rápido, em três dias vai estar praticamente normal.

ー Ah, que bom.

Chanyeol se sentou na beira da cama, aparentando estar rendido.

ー Baekhyun me diz, de verdade, o motivo de vir aqui.

Senti meu coração acelerar, como se estivesse me lembrando que eu o tinha e ele estava doido pra falar mais alto que a minha cabeça.

ー Sobre isso... ー Deu uma risada um tanto estridente. Coragem. ー É que você está, quero dizer, deu a entender… ー Respirei fundo. ー Mas que bosta. ー Praguejei ー  Você está interessado em mim, Chanyeol? Porque eu estou interessado em você e, sei lá, achei que talvez nós pudéssemos trocar umas ideias…

ー Essas suas ideias envolvem beijos? ー Cruzou os braços como se estabelecesse um acordo.

Senti uma satisfação marota no peito que quase me fez abrir um sorriso, tentei segurá-lo pressionando os lábios, mesmo assim os cantos da minha boca subiram.

ー Um ou dois, quem sabe.

ー Nem pensar, é pouco. ー Rebateu, como se a ideia fosse um absurdo.

Ele continuava sentado. Achei aquela distância toda desnecessária, por isso comecei a me aproximar com cuidado, mesmo que, é claro, Chanyeol percebesse minha ação.

ー Quem sabe dez então? ー Sugeri brincalhão ー Acho dez uma ótima quantidade.

Seus joelhos tocavam a minha perna, a distância reduzida a quase nada. Chanyeol apenas me observava, com a cabeça voltada para cima e o tronco inclinado para trás, para facilitar a visão, em um gesto contemplativo mesmo que o sorriso que despontasse em sua boca fosse malicioso.

ー Talvez eu possa decidir se eu puder te beijar agora.

ー Porque não está fazendo isso?

ー Sou um cavalheiro, Baekhyun. ー Chanyeol se levantou tão rápido que quase tropecei ao dar dois passos para trás, pela nossa confinidade. O seu braço bom me segurou com firmeza pela cintura, evitando que eu caísse de bunda no chão com igual velocidade.  

Quando meus sentidos se normalizaram, encarei minhas mãos espalmadas sobre o peito de Chanyeol, que mesmo debaixo do tecido sentiam seus músculos, denunciando sua boa forma. Não. Era muito além. O calor do seu corpo envolveu o meu em um aconchego inusitado. Nossos corpos estavam colados, entretanto, me senti acolhido. E, lentamente, levantei o olhar das minhas mãos para o seu rosto. Meu Deus. Um arfar escapou por entre meus lábios. Chanyeol era injustamente bonito, e de perto era ainda mais. Eu podia ver cada manchinha em seu rosto e cada mínima ruguinha que adornava o canto dos seus olhos. Lembrei-me do meu desejo durante a manhã, de percorrer sua sobrancelha com meu dedo, e assim o fiz, gostando da sensação de tocar seu rosto. Não procurei seu olhar, temia perder a minha súbita coragem. Em admirar cada pedacinho de Chanyeol. Em apenas aproveitar o momento. Desci meu dedo pelo seu nariz encontrando uma pintinha ali. E do nariz, desci para a sua boca, tocando o traço de seus lábios carnudos com a ponta dos dedos. Conhecendo aquele por quem meu estômago parecia revirar com uma euforia descontrolada. Depois inclinei meu rosto e o toquei com os meus lábios, conhecendo um pouco mais, de olhos fechados. Chanyeol evitou que eu me afastasse, segurando meu rosto com a mão do braço atingido. Senti seu incômodo pelo retesar do seu corpo, mas manteve sua mão ali. Então, movi minha boca contra a sua, me deliciando com a maciez do seus lábios e com seu aperto firme ao redor da minha cintura. Chanyeol, acariciou meu lábio inferior com língua e assim que concedi que o beijo se aprofundasse tudo em mim virou uma bagunça de sensações. Meu coração batia em estrondos vorazes dentro do meu peito. Levei minha mão aos seus fios macios, deixando as mechas passarem por entre os meus dedos, enquanto a outra se apoiava no seu ombro, eu tinha que ficar na ponta dos pés por causa da diferença de tamanho. Nossas línguas se entrelaçaram em uma dança envolvente, sem que nenhum de nós ditasse o comando. Eu estava adorando cada minuto daquilo. Nunca tinha sido beijado com tanta vontade e com tanto carinho. O beijo acabou em um estalo e em um sorriso satisfeito da minha parte. Chanyeol me olhava de um jeito diferente, ele aparentava estar fascinado. Em seguida gargalhou, virando a cabeça para trás. O som era contagiante.

ー Dez beijos ainda é pouco, agora eu tenho certeza. ー Decidiu, por fim. ー O que me diz?

ー Você é um abusado, Park Chanyeol, dez beijos está de bom tamanho. ー Disse baixinho me soltando dos seus braços com uma risada zombeteira. Afastei-me em passadas rápidas, e acrescentei ao abrir a porta. ー Se quiser mais vai ter que roubar.

Fechei a porta do quarto e me esquivei pelo corredor de volta ao meu quarto. Deitei-me na cama e olhei para o teto, observando a mancha de ketchup no teto, em uma pequena discussão que eu havia tido com Kyungsoo em anos anteriores. Minha boca ainda formigava pelos beijo. Aquele era um péssimo momento para me tornar consciente que Chanyeol estava a limitados metros longe de mim. Péssimo.

Dormi com com a sensação de ter tirado parte das correntes que eu tinha colocado em meu entorno.


 

   ****


 

Achei conveniente dar de cara com Kyungsoo me encarando assim que abri meus olhos. Sem sombra de dúvidas era assustador ver uma pessoa velando seu sono com a expressão que ele fazia; sorriso de uma ponta a outra do rosto. De manhã. Bem cedo.

ー Bom dia!

ー Bom dia. ー Resmunguei esfregando meu rosto com a palma da mão. Aos poucos fui percebendo algo estranho. ー Aconteceu alguma coisa pra você acordar antes de mim?

ー Fiquei sem sono e resolvi ir preparar o café. ー Disse animado.

Animado.

Era uma afirmação perigosa. Animação não costumava ser uma característica relacionada ao meu melhor amigo em qualquer descrição da sua personalidade.

ー Agora me conta, Baekhyun. ー Comandou com um sorriso jocoso.

ー É o quê? Contar o quê? ー Nem para acordar eu tinha liberdade.

ー Ora, sobre o motivo que tá fazendo o Chanyeol cantarolar pelos cantos. Me deu bom dia sorrindo e tudo. ー Segredou com a maior cara de fofoqueiro, que ele era. ー Que é que tu fez, Baekhyun?

ー Ah, isso.

Tentei não ficar mexido com a hipótese de Chanyeol ter gostado tanto quanto eu do nosso beijo, tentei passar a noite refletindo para ter calma. Estamos nos conhecendo, pensava. Mas a leve menção do ocorrido foi o suficiente para as imagens do dia anterior começaram a flutuar pela minha mente, em recordação.

ー A gente se beijou. ー Disse simplista.

ー Deve ter sido um puta beijo né? Pela cara dele pensei que você tinha feito um boq…

Desnecessário. ー Cortei sua frase com o comichão da vergonha me corroendo. ー Vou tomar meu banho.

Tentei levantar da cama mas ele me puxou de novo para que eu sentasse na cama.  

ー Até parece que nunca viu um pau na vida! ー Kyungsoo continuou. ー Espera aí, seu vagabundo, foi bom?

ー Muito. ー Admiti com um sorriso que eu suspeitava ser o ápice do estágio de bobeira. ー Mas eu queria agradecer pela nossa conversa, se não fosse por você eu ainda estaria daquele jeito.

ー Tá. ー Devolveu, com toda a sua capacidade grandiosa de se expressar, capaz de fazer inveja à qualquer aprendiz de escritor. Em seguida, revirou os olhos cintilantes e franziu o nariz.

ー Acho melhor ir banhar mesmo, tá tão fedido que derrubou os pelos do meu nariz.

Cretino.


 

****


 

Quando entrei na cozinha todos estavam me esperando para que o café fosse servido. Aquele era um hábito  comum nas outras refeições, mas não no café da manhã, por causa dos nossos relógios biológicos serem diferentes no que dizia respeito ao horário de acordar. Aliás, Kyungsoo deveria ser estudado, tenho certeza que os cientistas evolucionistas se surpreenderiam com a capacidade de um ser humano ter um sono semelhante a capacidade de hibernação. A cabeceira da mesa continuava sendo usada por Chanyeol, já que meu pai fazia tanta questão e, assim, nossos lugares eram sempre os mesmos. Meu olhar se conectou com o dele ao me sentar, Chanyeol sorriu sem jeito, mesmo com a costumeira autoconfiança e eu ergui uma sobrancelha devolvendo o sorriso. Não era bem aquele tipo de reação que eu esperava de Chanyeol, naquele momento… Ou melhor, em qualquer momento. Sendo assim, acrescentei mais alguma coisa sobre ele mentalmente: adorável. O Tinhoso podia ser adorável? Devia fazer parte do combo maquiavélico, é claro.

Minha barriga roncou, clamando atenção para o café da manhã, que tinha sido preparado com esmero: um bolo doce de limão quentinho tinha sido desenformado, uma jarra de suco de uva estava em cima da mesa assim como a jarra do café e a do leite, alguns pães e biscoitos amanteigados tinham sido colocados, para completar. O aroma conjunto estava demasiado convidativo.

ー O negócio aqui tá caprichado hein. ー Meu pai falou colocando três biscoitos na boca de uma vez. ー Não sei vocês mas estou me sentindo cortejado.

ー Essa palavra ainda é usada, querido? ー Minha mãe brincou, com os olhos ternos.

Fei lá. ー Respondeu com a boca parcialmente cheia.

ー Obrigado pelo elogio. ー Disse Kyungsoo passando a manteiga no pão.

ー Nos dias em que me diz obrigado é sempre os que eu mais tenho vontade de te esganar.

Kyungsoo, inesperadamente, ficou calado, sorvendo de um bom gole do suco de uva.

ー O que vocês estão cochichando? ー Desdobrou, interrompendo a conversa discreta que Chanyeol tinha estabelecido com a minha mãe.

ー O Chan quer aprender tricô comigo.

Meu pai lançou um olhar revoltado para Chanyeol, enquanto Kyungsoo quase cuspiu o suco sobre o pano da mesa. Devo ressaltar que eu não fiquei tão surpreso. Eu tinha observado como ele olhava com um certo interesse para o trabalho da minha mãe, no primeiro instante, achei que tivesse sido curiosidade, agora eu sabia que era desejo de aprender. Eu mesmo sabia uns pontinhos.

ー Mas rapaz, achei que tinha arrumado um aliado nessa casa. ー Meu pai resmungou.

ー Pai, seu único aliado aqui é o Kyungsoo.

ー Pois eu dispenso.

ー Velho ignorante. ー Ele berrou. ー Pois agora é que eu não me meto mais, pra largar de ser mal agradecido.

E enfiou um pedaço de pão na boca, mau humorado. Meu pai nem ao menos lhe olhou. Todavia, tinha conhecimento o suficiente para saber que meu pai tinha achado graça da pequena explosão. Chanyeol esperou nosso silêncio para se pronunciar.

ー Tricô parece legal. ー Explicou simplista, com um sorriso tímido.

Meu pai retrucou algo incapaz de ser entendível aos ouvidos humanos.

ー Algum problema? ー Indagou um tanto intimidador.

Ninguém disse nada.

ー Acho que vai ser um bom passatempo para você, Chanyeol. ー Admiti. Além disso, minha mãe teria uma companhia pra conversar sobre seus talentos no tricô. Chanyeol assentiu com os olhos radiantes. Ele estava mesmo animado.

ー Vai ser ótimo, Chan. ー Minha mãe deu tapinhas em suas costas. ー Tenho certeza que até o fim da semana irá estar tricotando cachecóis.

ー Eu também tenho uma notícia a dar. ー Comentei. ー Tirei alguns dias de férias, então estarei livre para ajudar Kyungsoo nos trabalhos domésticos e na orientação dos remédios de vocês, pai e mãe.

ー Finalmente. ー Kyungsoo suspirou. ー Irei trabalhar hoje tranquilo.

ー Nós podemos ficar sozinhos. ー Minha mãe relembrou.

ー É verdade. ー Confessei. ー Mas não acho seguro.

Me arrepiava inteiro só em lembrar da vez em que meu pai sentiu um forte aperto no peito e eu só consegui chegar horas depois, quando ele já estava se sentindo melhor. Kyungsoo estava trabalhando na cidade vizinha e não conseguiria sair do trabalho mesmo se quisesse. Minha mãe havia ficado tão nervosa que nem mesmo a televisão ligou naquele dia. Aquele gosto amargo ficou em minha boca. Persistente. Me dei um beliscão fraco no braço para abandonar aqueles pensamentos ruins. Ruins não; desesperadores.

ー Seu chefe não achou suspeito? ー Chanyeol questionou preocupado.

Não controlei uma risadinha maliciosa.

ー Ele estava ocupado demais sendo o suspeito. ー Sabendo que eles não tinham entendido, apenas dei de ombros. ー Minseok está feliz, disse que eu estava precisando espairecer.

ー Mal sabe ele que você vai mesmo é limpar essa casa inteira ainda hoje. ー Kyungsoo debochou. ー Mais alguém tem algo a acrescentar? Não? Que bom. Agora todo mundo quieto porque eu quero comer.


 

****


 

Poderia de dizer que a proposta que eu tinha decidido (sigilosamente ー confesse Baekhyun ー ... Ou nem tanto) de dar uns beijinhos escondidos no Chanyeol tinha sido cumprida. Mas não foi bem assim. Primeiramente, eu estava muito atarefado, passei o dia ocupado em fazer o almoço e limpar a casa, que já acumulava poeira e teias das insistentes aranhas. Kyungsoo tinha saído após engolir ー jamais ousaria dizer que ele tinha mastigado o alimento ー o almoço e bater em retirada para o trabalho, satisfeito em não ter que deixar meus pais sozinhos e, provavelmente, em ter se livrado de ser atormentado pelo meu pai. Sendo assim, o horário dos remédios dos meus pais ficaram sob minha responsabilidade. E, depois, meu pai decidiu sequestrar Chanyeol com a desculpa de que “iria mostrar a nossa linda propriedade para ele”. Uma tarde inteira.

Mas tudo bem, pois ao concluir as minhas obrigações fiquei deitadinho no sofá aproveitando o cafuné maravilhoso da minha mãe, com a cabeça em suas pernas e o resto do corpo em uma posição quase desconfortável e, sem dúvida, contorcionista; o tronco por cima do braço do móvel. Nem preciso dizer que a preguiça de me mover era maior.

ー Você lembra, filho, de quando trocava “melhorar” por “merolhar”?

ー Lembro.  

ー Você não conseguia falar a palavra correta de jeito nenhum.

ー Em minha defesa, a minha dicção era horrível.

ー Você sempre foi meio  atrapalhado, Baek. ー Lembrou com o olhar nostálgico, sem me olhar diretamente. Parecia ver as cenas da nossa vida bem diante de seus olhos, quase como um filme. ー Sinto um pouco de saudades… daquele tempo mas não podemos viver no passado certo?

ー Pouca coisa mudou mãe. ー Tentei confortá-la. ー Papai continua um cavalo, você continua a meiguice em pessoa e o Kyungsoo continua… hum… hã… o Kyungsoo?

Sua risada límpida preencheu toda a sala.

ー Seu pai é realmente um cavalo. ー Confirmou ー Mas é um homem maravilhoso.

ー Jamais disse algo contra. ー Dei uma risada fraca que, de repente, já destoava da seriedade que cobriu minhas palavras. ー Lembro quando algumas pessoas fizeram comentários maldosos pelo fato de eu ser gay. Papai comprou briga com a cidade toda. Bradou ‘pra todo mundo falar isso na cara dele e aguentar a porrada que ele ia dar. “Vou fazer vocês engolir todas essas ofensas de bosta”, “ Vão dar o rabo pro Diabo!”, ele dizia. ー Sorri colérico. ー Tenho a impressão de que ele perdeu amizades por isso.

ー Perdeu falsos amigos que não fazem a menor falta. ー Disse em tom frio. ー Você é nosso filho, nosso filho maravilhoso. Não temos nada para reclamar de você. ー Ressaltou olhando profundamente dentro dos meus olhos. Meus demônios interiores ficaram calados em minha mente diante de sua firmeza. ー Eu te amo muito.

ー Também amo você. ー Devolvi lhe abraçando com força. Ah, como eu amava minha mãe. Por cada coisa que ela tinha feito por mim e pela nossa família, por ter sido a mulher mais forte que eu conheci. Ah, e por conseguir aguentar três homens (quatro, posteriormente) dentro de casa sem nos expulsar porta a fora.

Minha mãe era quase uma santidade. Ainda dava tempo de ser canonizada.


 

****

 

O sol começava a despedir-se pintando o céu com azul, rosa e laranja na ocasião em que meu pai abriu a porta de casa, com um sorriso que poderia ser um concorrente factível do próprio sol. A barra de sua calça estava manchada de lama seca me fazendo ter certeza que daria um puta trabalho para lavar. Desculpe os ricos, mas ainda não tínhamos máquina de lavar, então, o que me restava era o bom e velho trabalho braçal. Contudo, meu pai estava higienizado o suficiente em comparação a figura que entrou em meu campo de visão. Chanyeol estava imundo. Sua calça jeans ganhava uma tonalidade alaranjada até os joelhos, suja de barro, a blusa azul estava com respingos de lama e com manchas de suor onde se encontrava o pescoço. Além disso, seu peito subia e descia, rapidamente, e as bochechas estavam coradas, como se tivesse corrido por um bom tempo até chegar a soleira da porta. O seu cabelo, para completar, estava desgrenhado.

Minha mãe estava com os olhos saltados e eu muito surpreso, por mais que achasse que não pudesse ficar surpreso durante os últimos dias.

ー Pai o que o senhor fez com o Chanyeol? ー Questionei cruzando os braços.

ー Eu? ー Fez-se de inocente.

ー Acho que seu pai fez aposta com ele. ー Minha mãe sussurrou cutucando o meu braço.

Kyungsoo passou pela entrada da sala cantarolando, e, ao se dar conta do que acontecia parou abruptamente.

ー Que coisa de principiante. ー Resmungou.

ー Deveria ter me avisado Kyungsoo. ー Chanyeol fungou, falsamente ressentido. Em seguida me olhou como se dissesse “você também”.

ー Mas o bom é te ver quebrando a cara. ー Retrucou. ー Sem contar que toda pessoa deve passar por essa experiência.

Chanyeol deu de ombros como se tivesse mesmo se divertido.

ー Agora, acho que você precisa de um banho. ー Comentei para ele. ー Parece que rolou pelo chão da nossa horta.

ー Seu pai me jogou lá.

ー Pai! ー Ralhei saltando do sofá

ー Querido!

Ele nem mesmo se incomodou em parecer envergonhado mas minha mãe estava com um olhar assassino.

Coitadas das plantas, ela devia pensar em primeiro lugar.

Kyungsoo apenas ria.

ー Deu vontade.

ー Ele podia ter machucado o braço. ー Disse massageando as têmporas. ー Chanyeol veio para nossa casa se recuperar e o senhor quer matar o nosso hóspede.

ー O braço dele está praticamente sarado. ー Kyungsoo falou.

ー Baek, está tudo bem.ー Chanyeol disse se aproximando de mim, tentando me acalmar. ー Eu estou bem, fez parte da aposta.

ー Não quero nem saber o que apostaram. ー Confessei.

ー Vem comigo. ー Ele me guiou pela sala, para que andasse com ele até seu quarto. Isso soou um tanto indecoroso. Ninguém prestou realmente atenção em nossa saída, pois minha mãe e Kyungsoo estavam ocupados demais reclamando da atitude do meu pai. Olhei para baixo e vi sua mão suja pegando em meu braço; dei um tapa nela.

ー Acabei de banhar. ー Expliquei e ele sorriu de lado, zombando de mim. Zombaria mesmo foi uma batida esquisita que meu coração resolveu dar em reação.

Continuamos em silêncio.

Não aguentei.

ー Ah, honestamente, Chanyeol! ー Exclamei empacando no corredor, revoltado. ー Eu te dou um tempinho de liberdade e você volta nesse estado. Quer me matar do coração? Eu te trouxe aqui pra ficar bom! E se tivesse se machucado de verdade?

Ele franziu o cenho, ficando mais sério ao perceber que não era apenas um drama meu. Tentou estender a mão.

ー Eu disse banhei agora caralho. ー Falei alto.

ー Toma outro então. ー Grunhiu, perdendo a paciência e pegando meu braço com tenacidade para me puxar contra si.

Eu quis gritar no meio do abraço e me desenrolar de seus braços. Dos seus braços fortes e do seu corpo quente. O aperto, entretanto, era frouxo ao redor das minhas costas em um aviso mudo de que se eu era livre para me desfazer dele se quisesse. Foi exatamente isso que me fez suspirar, encostando minha testa contra o seu peito. O oposto. Ele cheirava a terra, perfume masculino gasto e suor. Chanyeol fez um carinho com a ponta dos dedos em minhas costas, acalentando meu humor e me distraindo com seu toque, leve, que me enviava arrepios gostosos que se espalhavam das minhas costas para todo o resto do corpo. Ele repousou seu queixo em minha cabeça. E quando ele falou, senti o reverberar de sua voz.

ー Essa foi nossa primeira briga? ー O ressentimento a arranhava.

ー Acredito que sim.

Afastei meu rosto do seu peito para olhar seu rosto tenso.

ー Desculpe, não quis preocupar você.

Sorri triste tocando seu braço.

ー Eu nem deveria estar assim, você não me deve satisfações. Não somos nada...

Não tive coragem de completar. Não somos nada um do outro. A frase inacabada pairou sobre nós dois como um mau agouro. Lembrando que o que quer que fosse aquilo, era algo com uma data de validade. Não deveria aparentar estar desanimado com a perspetiva de Chanyeol ir embora, afinal, era o que tínhamos combinado desde o início. Eu nem sabia no que ele estava metido. Sabia tão pouco sobre ele.

ー Quero conversar com você. Depois do banho.

ー Eu vou banhar também. De novo. ー Brinquei mesmo sem o menor ânimo para fazer piada.

ー Espero você no meu quarto? ー Chanyeol parecia hesitante. Parecia ter medo que eu não aceitasse.

ー Certo.

Ele sorriu cauteloso.

ー Certo.

Então, deu dois longos passos até mim e selou meus lábios com ardor, segurando meu rosto com as duas mãos, sugando meu lábio inferior com sede após lambê-lo em um afago libidinoso. Arfei contra sua boca com o gesto repentino. Ah, Chanyeol… Tudo com ele era repentino. Sem que eu tivesse esperando, ele dava um jeito de me surpreender.  Nossas línguas se esbarraram por fora das nossas bocas, desesperadas em se encontrarem novamente, porque tínhamos provado um do outro e nunca parecia ser o suficiente, era viciante demais. O beijo era molhado. Intenso. Dolorosamente carregado. Quase… Meu Deus, quase uma promessa. Meus olhos continuaram fechados quando seus lábios desencostaram dos meus e resvalaram em minha bochecha esquerda, fazendo cócegas em meu rosto. Por fim, como se eu não estivesse abalado o suficiente, depositou um leve selar ali.

ー Quis fazer isso o dia todo, mas não consegui. ー Sussurrou próximo ao meu ouvido. Estremeci por completo. ー Foi o meu primeiro beijo roubado. De muitos.

Vai ter que ficar pra isso acontecer. Não teria coragem de dizer nem naquele momento nem nunca.

Ele se afastou e eu esperei que ele fechasse a porta. Quando o fez, me encostei na parede pensando o quão ferrado eu estava. Fodido. Pensei. Estou muito fodido.



****


 

Tomei meu banho sem enfrentar as minhas conclusões, apenas de modo automático, e vesti minhas roupas em igual estado de letargia. Kyungsoo sairia naquela madrugada para trabalhar no setor de urgência do hospital, e eu pude aproveitar da sua pressa para que ele não percebesse que havia algo errado comigo. Constatei, aliviado, que ele mal tinha olhado duas vezes para mim antes de se despedir e me dizer para dormir bem. Ele estava quase atrasado.

Após a breve despedida, senti um frio na barriga. Estava na hora de cumprir com o combinado. Andei na ponta dos pés até o quarto de hóspedes, mesmo que eu não devesse me importar com isso, pois meus pais costumavam ficar vidrados no jornal local.

Dei uma batidinha na porta e ela abriu-se com rapidez.

ー Pensei que não viesse mais. ー Chanyeol comentou impaciente.

Uma risadinha involuntária escapou de mim.

ー Estava esperando Kyungsoo sair.

ー Kyungsoo saiu? ー Indagou com um sorriso malicioso.

ー O que queria conversar? ー Retorqui sem saber como reagir diante da sugestão parcialmente explícita.

Com a minha pergunta, foi sua vez de ficar sem saber como reagir. Chanyeol coçou a nuca, envergonhado.

ー Não tinha pensado em algo específico, na verdade.

ー Ah, entendi. ー Sorri. Era um momento para que eu pudesse saber um pouco mais sobre ele. Qualquer coisa seria um bônus. Andei até a cama de solteiro do quarto de hóspedes e me acomodei no colchão macio, apoiando minhas costas contra a parede. ー Então senta aqui. ー Dei um tapinha ilustrativo, indicando que ele se sentasse ao meu lado.

E assim, ele o fez, com passadas seguras. Sentou no lugar em que eu tinha indicado, todavia, preferiu virar o corpo de frente para o meu para que pudéssemos conversar mais confortavelmente sem precisarmos virar a cabeça. Eu tinha noção o suficiente de sentir o colchão afundar com o seu peso, ou então, da nossa proximidade casual.

ー Pode me perguntar o que quiser.

ー Essa é uma coisa meio perigosa de falar. ー Disse com bom humor. ー Primeiro, quero saber se você sabe ler as pessoas.

Ele se manteve impassível.

ー Análise comportamental?

ー Isso!

ー Posso dizer que sim. ー Confessou crispando os lábios. ー Isso é algo útil em um interrogatório e na vida também.

ー Pode me analisar?

ー Agora?!

ー É.

Chanyeol me observou da mesma maneira analítica de quando me viu pela primeira vez. Minucioso.

ー Você está com a cabeça inclinada, que é um forte sinal amistoso. Isso faz você ser visto como atraente e digno de confiança. Bem, eu posso confirmar essa análise com tranquilidade. Além disso, está com os olhos brilhando mais que o normal. Pupila dilatada. ー A atmosfera do quarto mudou subitamente. ー Expressa interesse.

ー Não é mais um segredo aqui é? ー Indaguei dando de ombros.

ー Não.

ー Só isso?

ー Se eu contar tudo você vai começar a usar isso contra pessoas inocentes, já basta o básico de manipulação que você sabe. Causa estrago o suficiente.

ー Mas isso aí eu já sabia. ー Disse indignado.

Chanyeol gargalhou.

ー Eu me lembro de quando vi você pela primeira vez, parecia um anjo descido na Terra para acalentar os corações sofridos com um café e um bolinho. ー Revelou sorrindo. ー Depois te vi seduzir cada cliente com gestos clássicos da análise comportamental. Eu sabia que não era por acaso. Você tinha estudado e treinado até a perfeição, seu serzinho ardiloso.

ー Só que você apareceu e fodeu com tudo.ー Completei.ー Obrigado.

ー Você é muito bom nisso, Baekhyun. Se eu não lidasse com isso há muitos anos e fosse novato no meu trabalho, iria cair no seu charme.

ー E não caiu?

Meu coração disparou no peito.

ー Cai sim. Você venceu. ー Sentenciou, como se só tivesse se dado conta daquilo agora. ー Outra pergunta?

Refleti por um momento.

ー Me fale mais sobre você.

ー Bem… ー Pensou franzindo a testa. ー Eu moro sozinho na cidade que seu melhor amigo trabalha, por coincidência. Sei tocar violão e guitarra porque entrei para uma banda quando tinha meus dezesseis anos. Não tenho muitos amigos, mas os que eu tenho são os melhores que eu poderia ter. Meu melhor amigo se chama Oh Sehun, um insuportável. ー Deu uma pausa ー Entrei para a polícia federal quando tinha vinte e quatro anos. A única coisa que eu detesto é tomate. E minha cor preferida é amarelo.

Fui bombardeado de fatos sobre Chanyeol e saboreei cada um deles com satisfação. E, em seguida, novas perguntas surgiram ao passo que lacunas iam se completando. Só então eu percebi.

ー E família?

Ele enrijeceu ao meu lado. Eu tinha entrado em um assunto delicado.

ー Não precisa me falar. ー Tentei voltar atrás quando vi seu rosto se transformar com um semblante dolorido, mas ele negou em um aceno.

ー Sou órfão. ー Soltou de uma vez com palavras simples, porque rebuscar uma frase com sentido também simples era uma tortura. Eu entendia. ー Fui deixado no orfanato quando tinha um ano, sem nenhum registro e apenas com esse nome. Não fui adotado e cresci lá dentro. ー Trincou o maxilar com os olhos úmidos. Me incomodava vê-lo assim. ー Me tornei independente cedo e tratei de estudar o máximo que eu pude com a ajuda das pessoas que trabalhavam lá. Eles se tornaram minha primeira família, cuidaram de mim. Nunca fui atrás dos meus verdadeiros pais. ー A última frase não apresentava qualquer traço de mágoa. ー Mas sinto vontade de pelo menos olhar para eles.

ー Sinto muito. ー Sussurrei ー Sei que ajuda pouco mas eu quero que saiba que eu entendo.

ー Como? ー Questionou, eu quase podia escutar a velocidade de seus pensamentos em busca de uma solução. E demorou segundos para encontrar. Chanyeol arregalou os olhos e me encarou mortificado, sem acreditar. ー Você é adotado.

Não incomodava mais. Tanto tempo escutando aquela frase me deixou imune ao que quer que ela pudesse ter significado antes. Ou melhor… até certo ponto.

ー Caramba, isso explica muita coisa.

ー Tipo o quê?

Ele gesticulou com as mãos no ar.

ー Esse seu senso de dever com seus pais, como se tivesse que recompensar eles a todo custo, fazendo serviços desgastantes demais.

ー É uma droga. ー Confessei. ー Mas ainda não consegui me livrar do hábito. Fui adotado com oito anos porque minha mãe era infértil. Ela disse que foi amor à primeira vista. Passou semanas me visitando no orfanato só para conversar comigo, depois veio o papai, com todo aquele bom humor. ー Minha voz embargou e senti um aperto do peito. ー Passei uma semana fazendo tudo ao meu alcance, até a exaustão… eu tinha medo... ー Respirei fundo quando uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Chanyeol ergueu a mão e a limpou delicadamente com o polegar, atento ao que eu dizia. ー Eu tinha medo que eles quisessem me devolver se eu não fosse um bom garoto. É idiota pensar isso mais de dez anos… mas eu ainda tenho isso comigo.

ー Me acha uma distração, por isso me ignorou uma tarde inteira. ー Afirmou, entretanto antes que eu dissesse qualquer coisa ele me olhou com doçura e disse: ー Está tudo bem, não estou lhe criticando.

ー Quero que saiba que eu não penso mais assim. ー Uma verdade que só percebi completamente o teor depois de ter falado.

Chanyeol sorriu.

ー Isso é o suficiente para mim.

Cobri um bocejo com a minha mão.

ー Não sente vontade de ir atrás de seus pais biológicos?

Neguei sorrindo.

ー Eu já tenho tudo aqui. Mas se eles quiserem me conhecer estarei de braços abertos.

ー Está com sono?

ー Um pouco.

Mentiroso. ー Chanyeol zombou. ー Mas um bom mentiroso.

ー Chan. ー Arrisquei o apelido. ー Posso dormir aqui com você? É que eu não gosto de dormir sozinho.

ー Que bom. ー Retrucou com um uma risada quase infantil. ー Também não gosto de dormir sozinho.

ー A cama é meio pequena. ー Observei tentando fazê-lo mudar de ideia.

ー Nós damos um jeito, Baek.

Soltei um outro bocejo.

ー Já que você insiste…

Chanyeol esperou que eu me deitasse e me cobrisse com o lençol para desligar o interruptor. Eu estava com tanto sono com toda a carga emocional da nossa conversa, porém eu tinha adorado ter feito aquilo com outra pessoa, inesperadamente, com uma situação tão semelhante com a minha. Ele se deitou ao meu lado e se cobriu com o mesmo lençol que eu, estabelecendo um espaço, mínimo, mas ainda assim um espaço. Suspirei. Depois de tudo, ele me vinha com essa. Tateei às cegas o seu braço e passei ele por cima de mim. Escutei sua risada abafada diante da minha atitude.

ー Se disser qualquer coisa eu te mato sufocado com esse travesseiro.

ー Boa noite, Baekhyun. ー Disse aconchegando meu corpo ao seu. Estávamos deitados de conchinha e eu sentia a sua respiração no meu pescoço. O peso do seu braço sobre o meu corpo era confortável. Tudo parecia estar no lugar certo.

ー Boa noite, Chanyeol.

No meio da noite, percebi que nossas pernas estavam entremeadas e minha cabeça estava encostada contra o seu peito, em uma nova posição, enquanto ele me envolvia com o braço bom contra o seu corpo. Daquela maneira, eu conseguia escutar as batidas suaves do seu coração enquanto ele ressonava tranquilo. Um contraste irônico com o meu, que batia completamente desgovernado.

 


Notas Finais


Estou muito curiosa para saber a opinião de vocês em relação a esse capítulo. Digam nos comentários, por favor.

SAC de reclamações no twitter: @AvaniAlves_32


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