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História Gringa Grudenta - Loira odonto do caralho


Escrita por: BriasRibeiro

Notas do Autor


Aviso: nos diálogos do time da Aglaia, não haverá itálico para indicar os diálogos em inglês, já que inglês é a língua primária de todos os envolvidos.

Por favor, me indiquem erros de digitação, ortografia, etc que vocês virem na história. Quem tiver dúvidas com os termos de futebol, podem me perguntar nos comentários, eu vou responder. Sempre deem uma olhada nas notas finais também, eu sempre vou deixar um vocabuláriozinho lá pra ser o mais leigo-friendly possível.

Capítulo 3 - Loira odonto do caralho


Uma semana se passa e o dia do jogo de estreia de Crista finalmente chega. Durante aquela semana, Storm e Carmen haviam feito o que podiam para inteirar Crista da situação do time em cada campeonato que estavam participando e a estimularam a criar o maior número possível de oportunidades para o ataque a cada coletivo, Storm sempre frisando o quanto demonstrar eficiência à rígida treinadora é a parte mais importante para conseguir uma chance.

Só o que Crista pode dizer é que humilhar aquela volante reserva é ainda mais fácil do que humilhar Brigitta. Chegara até a marcar um golaço da entrada da área durante um dos treinos, momento no qual até mesmo a treinadora Moon se rendera e aplaudira lentamente da beira do gramado.

“Aglaia”. Um nome estranho e que nunca ouvira em filme gringo algum, mas ao qual passara a semana inteira escutando, de Carmen, de Storm, daqueles jornalistas na entrevista, da treinadora Moon. Quase criaram expectativa suficiente para Crista recear um encontro com ela. Quase, mas no final das contas a brasileira continua bem confiante em suas habilidades. Logo depois de se trocarem no vestiário e ouvirem Moon dar um discurso que, pelo seu tom de voz não parecia nem um pouco motivacional para Crista, as jogadoras partem para o túnel que dá entrada ao campo. A brasileira se sente feliz por enfim estar oficialmente vestindo essa camisa vermelha e vinho com shorts e meias brancas. Ela se posiciona bem atrás da garota com um número 13 nas costas, uma da mesma altura que ela porém bem mais robusta, pele branca e cabelos negros e lisos, o nome “Kyveli” em caixa alta na camisa. A reconhece como a garota que sempre fica na ponta direita nos treinos e que estava acompanhando Carmen e Storm no dia da sua entrevista de apresentação. Não havia conversado muito com ela (ou com qualquer pessoa, na verdade), mas reconhece seu talento e a letalidade da sua perna esquerda. 

As garotas das Royal Foxes chegam e se posicionam numa fila ao lado das Red Phoenix. Crista franze o cenho vendo os seus uniformes: ela já havia visto fotos na Wikipédia, mas vendo pessoalmente aquele laranja e amarelo é ainda mais esquisito. “Parece uma versão camelô do uniforme da Holanda”, ela pensa. A garota que para bem ao seu lado é uma baixinha de pernas grossas e mechas tão vermelhas que parecem plástico, que fica sussurrando algo com a garota da frente, uma loira branquela de rabo de cavalo. Um número 5 com o nome “Aglaia” às costas faz o alarme interno de Crista soar. Ela olha para trás na fila, procurando por Storm. A ponta-esquerda é a última da fila. Crista acena, chamando a atenção dela. Storm gesticula com a cabeça como quem diz “fala”.

– Cêis tão real querendo que eu fique preocupada com essa loira odonto aí?! E por que elas tão com o uniforme da Holanda?! – ela pergunta, incrédula. Storm parece surpresa a princípio. Responde com um olhar duro de seriedade que envia uma onda de calafrios pelo corpo de Crista. Esse olhar a faz pensar na treinadora Moon.

Os dois times começam a entrar em campo e Crista imediatamente se surpreende com o quão lotadas as arquibancadas estão. Ela nunca tinha visto nada assim quando disputava o Campeonato Brasileiro, pelos ainda no seu curto período no sub-20. Ambos os times são originários da capital, Calisto, então embora o jogo teoricamente seja em casa para a Red Phoenix, o estádio parece perfeitamente dividido ao meio, com uma massa em vermelho e vinho de um lado e o laranja e amarelo do outro. É uma noite fresca, poderosos holofotes iluminam o estádio e cantorias que ela só havia visto pela tevê, em jogos masculinos, retumbam em seus tímpanos.

As duas equipes se posicionam em linhas, uma de cada lado da equipe de arbitragem e, em seguida, o hino de Alter é tocado. A música é marcada por instrumentos de sopro e percussão fortes, com vocais femininos em coral e um piano que abusa de notas mais graves de fundo e entra em momentos estratégicos do hino, roubando a cena para si. Ou talvez seja um órgão? Crista não sabe dizer. Após o hino ser finalizado, as Royal Foxes passam cumprimentando as atletas da Red Phoenix. A capitã, que lidera a fila do time adversário, consegue ser ainda mais giganta do que Carmen, observa Crista: ela é que não vai entrar numa disputa física com essa monstra tão cedo.

Quando Aglaia aperta a mão de Crista, os olhos das duas se prendem sobre a outra por um segundo a mais. Crista sorri de lado maliciosamente, como quem diz “eu vou te fazer chorar”, enquanto Aglaia permanece numa postura focada, neutra, inabalável. Várias provocações verbais passam pela mente de Crista, mas nenhuma é proferida. Logo ela está apertando a mão daquela baixinha de pernas grossas que vinha logo atrás de Aglaia. Quando ela se afasta, Crista vê seu nome nas costas.

– “Luminosa” – ela ri baixinho, consigo mesma.

Na verdade, a camisa dizia “Lumia”.

O jogo começa com a bola sob a posse da Red Phoenix. Carmen dá a saída tocando pra Storm, que toca pra Crista e essa devolve pra Storm. No segundo seguinte, aquela loira odonto já está em cima dela.

– Ih, qual é? – ela se pergunta, estreitando os olhos e tentando escapar da marcação dela – eu nem tô mais com a bola, sai do pé porra!

Mas a volante não sai. Não importa para onde Crista tente correr, ela a segue de perto – perto até demais. Parece um chiclete insistente grudado na sola da sua chuteira. Crista passa os primeiros 15 minutos do jogo tentando gingar pra cima dela, fingir corridas para um lado e ir pro outro, usando toda a velocidade que possui, mas a marcadora simplesmente não desgruda.

Na cabeça de Aglaia, naquele momento só existe Crista no mundo. Essa é sua função e seu estilo de jogo. A professora Rebecca escolhe uma atleta do time rival para ela marcar e é o que ela faz: marca como se sua vida dependesse disso. De certa forma depende, já que é sua habilidade nessa função específica que garante seu salário no final do mês.

A irritação da brasileira com a situação é visível e crescente. Desde a saída da bola, não recebera passe nenhuma vez devido a essa loira odonto irritante. Finalmente, Crista começa a colocar a cabeça no lugar e analisar suas opções. Ela não pode ficar refém dessa situação pelo resto dos 75 minutos de jogo ainda restantes. Então, ela para de correr. Decide apenas andar pelo campo tranquilamente, fazendo o que pode para conservar sua energia – a qual, é claro, a treinadora Moon nunca deixou de criticar por ser limitada e acabar rápido. Precisa encontrar a oportunidade perfeita. Ela para de pensar na gringa grudenta que continua a caminhar ao seu lado, perto demais para que Crista acredite que ela tenha alguma noção de espaço pessoal.

A oportunidade aparece quando o relógio está perto de marcar meia hora de jogo: Brigitta se joga para uma dividida contra a meio-campista adversária e a bola espirra na direção de Crista e Aglaia. As duas reagem praticamente ao mesmo tempo, mas a brasileira tem uma arrancada melhor e chega na bola uma fração de momento antes. Ela sabe que precisa reagir rápido pois a volante adversária chegará rasgando, então sem pensar ela dá um toquinho pra cima e faz Aglaia passar reto por ela, dando um lindo chapéu.

– OOOOOOLÉÉÉÉÉÉÉÉ! – a torcida da Red Phoenix explode, arrancando um sorrisinho metido de Crista que logo dispara com tudo o que pode para o ataque. Ela sabe que Aglaia vai alcançá-la a qualquer momento e analisa rápido as suas opções: Kyveli parte pela direita marcada pela tal da Luminosa, Storm escapa pela esquerda com uma lateral claramente mais lenta do que ela e Carmen disputa por espaço com a zagueira giganta adversária, enquanto a outra zagueira se mantém em linha, sem ninguém para marcar, mas vagamente no caminho de Storm. Crista não tem dúvidas e dá um chutão com efeito na direção da ponta esquerda e no segundo seguinte, leva uma trombada violenta da sua marcadora, que derruba ambas. Crista se levanta rápido sem se importar com o ocorrido e continua correndo para o ataque, enquanto observa Storm dominar a bola numa velocidade alucinante e partir numa linha reta na direção do gol. A outra zagueira das Royal Foxes, bem menor do que a que marca Carmen, tenta dar combate à ponta mas leva uma finta rápida, se desequilibra e fica pra trás. Agora é Storm e Carmen contra a goleira e a zagueira gigante, que abandona a marcação da centroavante e vai pra cima de Storm, tentando manter-se na linha do passe entre as duas atacantes, mas a velocíssima ponta responde dando mais uma arrancada na direção da linha de fundo e deixa a zagueirona comendo poeira. Quando está quase em cima da linha de fundo, ela cruza pra trás, pra uma Carmen completamente livre cabecear com força no contrapé da goleira. Ela ainda tenta corrigir a trajetória do seu salto, sem sucesso. É gol da Red Phoenix. Com um sorriso genuinamente alegre, Crista se junta à comemoração das duas companheiras, pulando nas costas de Carmen. Logo, o resto do time chega para comemorar junto. A imagem de Carmen abraçando Storm e gritando “gol”, com Crista pendurada em suas costas é exibida no telão, seguido por um replay da jogada. Debaixo da tela, o nome “Carmen di Lion” aparece escrito em caixa alta, com um "9" à esquerda indicando o número da sua camisa e à direita, um faixa em azul que diz “goals: 10” sendo mudado para “goals: 11”.

Para melhorar a situação, a juíza vem dar uma bronca em Aglaia pela trombada antes da partida recomeçar. Crista torce internamente para que ela leve um cartão amarelo, o que não acontece. Mesmo assim, ela vê a loira bufando em frustração antes de tornar à sua posição, sem dizer um "a" à juíza.

As Royal Foxes tornam a dar a partida e, seguindo aquela mesma temática de antes, Aglaia não se demora a vir grudar em Crista como um chicletinho irritante. A brasileira revira os olhos constantemente, doida para uma nova oportunidade para humilhá-la aparecer. Aglaia, por outro lado, parece completamente inabalada. “Eu sei que é fingimento”, ela pensa, observando as feições concentradas da loira odonto e se lembrando daquela bufada frustrada de há pouco.

O final do primeiro tempo chega sem mais nenhum grande momento. Storm vem toda sorridente cumprimentar Crista pelo seu lance enquanto elas caminham de volta para o vestiário.

– Mandou bem. Belo drible – elogia.

– Ah, sacomé né mana. Até parece que eu ia ficar deixando essa loira odonto do caralho me apurrinhando.

– E agora que você sabe como é ser marcada pela Aglaia, o que tem a dizer? – ela pergunta em tom de brincadeira.

– Sé doido cachoeira, a mina parece as minha ex, num larga do meu pé – Carmen alcança as duas quando elas estão entrando no túnel para os vestiários e dá tapinhas nas costas de Crista.

Jogou muito! Ágil como uma gata!

– Quê?

– Ela disse que você jogou bem e elogiou sua agilidade. Disse que você é "ágil como uma gata” – traduz Storm.

Você também, Storm. Mandou bem!

Valeu, mana. E belo gol.

– Pô mano, tá certo memo. Sou gata pra caralho memo, por isso o nome – ela ri da própria piada – curti.

[...]

Enquanto isso, no vestiário das Royal Foxes

Rebecca mais uma vez se encontra numa acalorada discussão com sua lateral-esquerda e filha, Lumia, do lado de fora do vestiário. Enquanto a treinadora bronqueia a atleta por suas investidas perigosas ao ataque quando deveria estar se concentrando em suas funções defensivas, a atleta continua apontando o fato de que não foi pelo seu lado que o gol adversário saiu e que suas habilidades são úteis no ataque.

O resto da equipe já está acostumada a essas brigas que nunca dão em nada, então apenas ignoram. Aglaia se senta no banco mais longe da porta, cabisbaixa. Foi uma falha sua que resultou no gol das rivais, o que faz com que nesse momento a Red Phoenix esteja tomando a liderança das Royal Foxes. E aquela trombada idiota, então? Ela sabia que não deveria ter se desesperado tanto. Ainda teve sorte da juíza ter lhe dado uma colher de chá, talvez pelo seu bom histórico disciplinar, mas ela sabe que da próxima não escapa de um cartão. Terá que jogar o segundo tempo com a atenção redobrada se quiser manter sua temporada sem cartões perfeita.

A gritaria do lado de fora do vestiário termina e a lateral adentra o local batendo o pé e indo se sentar ao lado de Aglaia, sua melhor amiga desde criança. Lumia respira fundo, tentando se acalmar.

– Ei, tá tudo bem? – pergunta a volante.

– EU SÓ NÃO ENTENDO PORQUE ELA NÃO ME OUVE! – ela estoura de novo – sim, é claro que eu tenho responsabilidades defensivas, mas eu cumpro elas! Mas quando estamos no ataque, QUAL É O PROBLEMA DE EU SUBIR PRA AJUDAR?! Não é como se eu fosse fazer diferença ficando parada e observando! E daí que é a Red Phoenix?! Por que temos que tratar elas diferente? Só porque é a nossa maior rival e tá na nossa cola no campeonato?!

– Aham, entendo.

– E ela age como se o gol delas tivesse sido culpa minha!!! COMO SE FOSSE EU QUEM ESTIVESSE MARCANDO A STORM!

– Ei! – a lateral que havia deixado Storm livre durante o lançamento de Crista reclama.

– Ah! Desculpa Redd, não foi o que eu quis dizer! Não foi culpa sua também, a Storm é difícil de marcar – Lumia se apressa a justificar. Redd revira os olhos e volta a conversar com outra atleta. Lumia percebe o olhar cabisbaixo de Aglaia – ei, o que foi?

– Bom, se é pra culparmos alguém por esse gol, a culpada obviamente sou eu. Como que eu pude cometer uma falha tão... tão... grotesca?! – Aglaia agita os braços, indignada consigo mesma – nós vimos os vídeos dela, eu SABIA que tinha que esperar alguma coisa toda cheia de floreios! E depois ainda, aquela trombada absolutamente ridícula? Onde eu estava com a cabeça?!

– Ah, para com isso, não foi culpa sua – replica Lumia revirando os olhos. Ouvindo a conversa, Daisy Forest, a capitã grandalhona do time, vem se sentar entre as duas. Ela aponta o dedo na cara de Aglaia.

– Ei, vê se para de pensar nisso – ela manda – você é a melhor marcadora desse time. Se você não conseguiu pará-la, nenhuma de nós teria conseguido.

– Todos nós cometemos erros – outra das garotas o time emenda.

– Aquele gol não foi culpa sua – adiciona River, a companheira de Daisy na zaga – qual é, essa deve ter sido sua primeira falha da temporada inteira e nem foi algo tão grave assim! Eu caí feito um patinho no drible da Storm sendo que eu que deveria estar dando cobertura pra vocês – ela indica Redd e Aglaia com gestos – então se quer culpar alguém, que seja eu!

– Sem essa, River. Foi uma falha coletiva – intervém Daisy – todas nós erramos. Eu deixei a Carmen livre, nenhuma de nós conseguiu parar a Storm, o resto do meio-campo não reagiu rápido o suficiente pra ajudar na defesa... você é a menor culpada entre todas nós.

Um pouco mais animada, Aglaia oferece um sorrisinho tímido às suas colegas de equipe.

– Ai, obrigada gente. Vocês são umas fofas.

A treinadora Rebecca volta para o vestiário em seguida e começa a explicar a estratégia para o segundo tempo.

– Aglaia? Continue na cola da meia nova delas, mas apoie um pouco mais o ataque. Precisamos buscar o empate de qualquer jeito.

– Sim, senhora.

Quando os dois times voltam são as Royal Foxes que dão a partida. Crista se lembra de como Moon passara a semana inteira dizendo que ela também teria que voltar pra marcar quando o time estivesse sem a posse, mas ainda não sabe como exatamente a treinadora espera que ela faça isso. Não é como se a loira odonto fosse se afastar demais dela de qualquer forma, então Crista considera que essa é a sua marcação e a treinadora que lide com isso.

Isso, até o momento em que Aglaia pela primeira vez no jogo a ignora completamente e dispara de perto do círculo do meio-campo, onde as duas se posicionavam até então, na direção da área, vindo pelo meio. Surpresa, Crista persegue a gringa por impulso, algo que ela normalmente não faria. Aglaia recebe a bola da ponta-esquerda, puxa pro pé direito e se prepara pra chutar quando Crista dá um carrinho no momento certo pra travar o chute, exceto que no processo ela leva Aglaia junto e imediatamente se ouve o apito. A juíza vem correndo na direção de Crista já exibindo um cartão amarelo e uma expressão de poucos amigos.

– Tá de sacanagem, dotôra?! – ela reclama – qual é, eu mal toquei nela! Frescurage isso aí!

Aquela zagueira gigantesca vem correndo de lá da defesa, uma expressão dura e séria no rosto. Crista estremece só de ver o tamanho da perna dela: “essa porra é mais grossa que meu braço”. O local da falta deve estar a pouco mais de 30 metros do gol. Pelo canto dos olhos, a brasileira identifica a treinadora gesticulando algo extremamente irritada, em sua direção. Ela vira de costas e finge que não viu. Carmen, Brigitta e mais duas vão se posicionar na barreira, enquanto Crista, Kyveli e Storm ficam perto da linha do meio-campo, prontas para um contra-ataque – e é óbvio, Aglaia segue Crista de perto. Crista lê o nome nas costas da camisa da zagueira giganta enquanto ela arruma a bola e conversa algo com uma de suas companheiras: “Daisy Forest”. Ela tem a pele tão escura quanto a de Storm, cabelos bem negros e trançados presos num volumoso coque no topo da cabeça e a braçadeira de capitã num dos braços, que é quase tão grosso quanto as pernas. Crista se pergunta se ela e Carmen, trabalhando juntas, não poderiam carregar um caminhão nas costas ou algo assim.

Daisy Forest dá vários passos para trás, bem mais do que Crista daria para cobrar uma falta. Mesmo à distância ela consegue ver o olhar de receio das garotas na barreira, exceto Carmen. À distância, a brasileira vê a boca da atacante se movendo, provavelmente fazendo algum discurso motivacional às duas garotas a quem segura pelos ombros. Quando a juíza apita, Daisy Forest corre para a bola e mete um chute tão forte que Crista fecha os olhos e vira o rosto para evitar ver alguém quebrando o pescoço. Um barulho de bola batendo na trave faz ela abrir os olhos de novo, surpresa por aquela mísera barra de ferro ter resistido, aparentemente intacta, enquanto a bola voa na direção do alambrado. Tiro de meta.

“É impressão minha ou essa gringa grudenta do caralho tá ficando ainda mais perto do que antes?”, Crista se pergunta, irritadiça. Aglaia, que mantém uma mão sobre seu ombro boa parte do tempo, passa para a sua frente sem soltá-la e mantém seu corpo colado ao dela.

– Ih, qual foi? Vai rebolar essa raba no meu pauzão imaginário agora, ô sua puta? – Aglaia não lhe dá atenção alguma.

Lumia rouba a bola de Kyveli na ponta e parte pro contra-ataque. Aglaia reage mais rápido que Crista, arrancando para frente, se mantendo paralela à companheira nanica. Crista, pega de surpresa, tenta acompanhar a volante, mesmo tendo reagido devagar demais. Lumia tabela com Aglaia, escapando da lateral da Red Phoenix e avança para a linha de fundo, numa velocidade tão alucinante quanto Storm. Cruza no último momento, com força, para a segunda trave. A bola viaja a área inteira, passa por toda a zaga e chega numa jogadora que vinha pelas costas na outra ponta. Ela chuta de primeira com o peito do pé, sem chances pra goleira, empatando o jogo.

Lumia, Aglaia, a jogadora que marcou o gol e mais umas três outras vão comemorar na bandeirinha do escanteio, fazendo uma dancinha ridícula que Crista acha que é a Macarena, mas não sabe dizer com certeza de tão ruim e fora de sincronia que é.

Viu só? Seu estilo de jogo é ótimo! Continue jogando do jeito que sabe – Aglaia diz no ouvido de uma Lumia toda sorridente e orgulhosa pela jogada, quando elas caminham de volta para o seu lado do campo.

O resto do jogo se passa sem grandes lances, especialmente para Crista: Aglaia está mais empenhada do que nunca em fazê-la passar em branco, enquanto a brasileira não consegue evitar a irritação e o nervosismo de tomarem conta da sua mente, impedindo que pense claramente para criar uma oportunidade como havia feito no primeiro tempo. Ela tem que se segurar pra não dar uma canelada gratuita na loira. Não quer ser expulsa logo na sua estreia.

Brigitta é substituída por outra meia-armadora faltando 15 minutos pro jogo acabar. Storm joga cada vez mais agressivamente e pelo meio e o time das Royal Foxes recua gradativamente para uma retranca, conforme a Red Phoenix se torna mais ofensiva. Crista de vez em quando cruza o olhar com aquela lateral metida a ligeirinho, preocupada com a possibilidade de um novo contra-ataque.

– Nossa mano, me larga, na boa – reclama Crista, empurrando Aglaia de leve, cansada da mão dela constantemente no seu ombro. Aglaia a encara como quem está confusa e Crista responde com uma careta. Aglaia dá uma risadinha e, no momento seguinte, o que Crista temia acontece: Lumia rouba a bola de Kyveli mais uma vez e acelera pro contra-ataque. “Essa mina tem um foguete no cu, não é possível”, reclama Crista em pensamento, disparando para o ponto futuro de Lumia para dar combate. A lateral do seu próprio time recua rapidamente de costas, como se tentando se reposicionar. Lumia tenta fintar pra dentro, mas não engana a defensora da Red Phoenix, que dá um carrinho certeiro e a bola sobra pra Crista. Surpresa por finalmente conseguir tocar na bola depois de tanto tempo, um cruel plano de vingança se desenha em sua mente na fração de segundo antes de Aglaia alcançá-la. Crista usa a velocidade da garota contra ela e finta pra dentro, escapando da volante, que reage mais rápido do que Crista previa e a agarra pelo ombro. Crista se desvencilha, dá um toque de calcanhar na bola mudando sua trajetória subitamente e escapa pelas costas de Aglaia, que embora driblada mais uma vez, continua firme na sua marcação, a seguindo de perto. Crista consegue sentir a mão da loira pronta pra agarrá-la pelo ombro de novo, então ela finge escapar para um lado, dá um drible de corpo entortando a coluna toda, vê o braço de Aglaia passar rente aos seus ombros, puxa a bola para trás e escapa pelo outro.

Outra jogadora vem dar combate e Aglaia, com essa mania de se recuperar dos dribles excepcionalmente rápido já está na sua cola de novo. Sem paciência para essa intrometida se metendo no seu 1 contra 1, Crista facilmente escapa do bote dela com um elástico e protege a bola de Aglaia, que já vinha dar o bote pelo outro lado. Ela aproveita o momentum das duas e gira pelo outro lado de Aglaia, mantendo-a às suas costas.

A cada drible na sequência a torcida da Red Phoenix grita “olé” com mais força, mas ao contrário da primeira vez, agora Crista não dá a mínima. Está driblando meramente pela força do ódio. Ela vê Kyveli escapando pela direita, com o braço erguido pedindo pela bola, Lumia ainda longe demais para marcá-la. “Ainda não”, ela pensa e dá mais um drible de corpo para a esquerda antes de partir pra direita, tentando se livrar daquelas garras firmes em seu ombro. Crista acelera na direção do gol, com Aglaia a seguindo de perto e, subitamente, usa o pé direito para puxar a bola para o meio, entre as pernas de Aglaia.

– FECHA AS PERNA, SUA PUTA! – ela berra vitoriosa, extravasando a raiva e a torcida tanto grita que parece acompanhá-la, gritando “olé” ainda mais alto. Aquela defensora gigante, a tal da Daisy "Frost" vem dar combate, mas Crista tem tanta raiva que não se deixa intimidar, freia subitamente e gira sobra a bola, escapando suavemente num giro de 180 graus que deixa a zagueira para trás, disparando para a meia-lua guardada por aquela outra zagueira e sentindo a presença macabra de ao menos duas defensoras em seu encalço. Ela já consegue ver o tamanho da bronca que vai levar da treinadora Moon no vestiário, mas... “tô pouco me fodendo”, ela pensa. Se dependesse dela ficaria ali segurando a bola até o final do jogo.

Pelo canto dos olhos, Crista vê Aglaia dando um carrinho na sua direção, vindo pelo flanco direito. Se ela não tivesse visto, não tem dúvida de que seria um carrinho certeiro. Em vez de tentar escapar, ela estrategicamente coloca o pé no meio da trajetória de Aglaia para bola.

“Puta que pariu”, Crista pensa, no momento do impacto. Dói bem mais do que ela esperava. A meia vai ao chão com a mão no tornozelo, contendo um grito de dor na garganta enquanto lágrimas escapam entre suas pálpebras. Aglaia se levanta com as duas mãos tampando a boca. Nunca havia errado um carrinho assim. O apito soa e a juíza corre para a volante com o cartão amarelo à mostra. Crista se sente ridícula por continuar jogada no chão, tão patética quanto aquele atacante da seleção masculina fazendo drama. Ela aperta o tornozelo com as duas mãos, tentando desesperadamente aliviar a dor. “Puta véia que me pariu, eu nunca mais cavo uma falta”, promete em pensamento.

Ei, você está bem? – Aglaia pergunta pra garota. Logo várias outras atletas de ambos os times se juntam ao redor. Crista observa a comoção pelos olhos entreabertos e se sente ainda mais ridícula. Não quer que olhem pra ela como um dos ómi frescurentos do esporte masculino, mas caralho, como dói.

– Ei, Crista – ela ouve a voz de Storm, que se agacha ao seu lado – ei, consegue ficar de pé?

Ela não responde. Sente que não vai conseguir se segurar se abrir a boca.

Chama os paramédicos – manda a juíza. Algumas jogadoras da Red Phoenix correm na direção da lateral do campo, sinalizando para sua equipe médica. Crista se concentra ao máximo pra controlar a respiração. Ouve Carmen gritando algo lá no meio das atletas, supõe que fazendo algum drama.

– Mano – ela consegue soltar, a voz sofrida.

– Oi, fala – Storm toca seu ombro amigavelmente.

– Só me dá um segundo.

Se ela tivesse tocado pra mim quando teve a chance, isso não teria acontecido – alfineta Kyveli, ganhando um tapa na cabeça de uma companheira.

Espiando com os olhos entreabertos, Crista vê entre as canelas das jogadoras os médicos do time vindo na sua direção. “Oporra, eu num vô sair não”, ela pensa, uma nova onda de adrenalina a invadindo. Com algum esforço, ela consegue se sentar e respira fundo, engolindo a dor.

– Ei, cê tá legal? – torna a perguntar Storm.

– Tô de boa – ela mente, a mão direita ainda apertando o local machucado. “Justo no meu pé bom, vadia do caralho”, pensa a brasileira, fuzilando Aglaia com o canto dos olhos. Crista esfrega o antebraço no rosto, limpando qualquer vestígio de lágrimas. Quando a equipe médica abre espaço entre as jogadoras, Crista logo começa a agitar os braços – não preciso de ajuda não, podem vazar! Ô Storm, manda eles vazarem!

Para demonstrar que não precisa de ajuda, Crista se põe de pé, tendo o cuidado de apoiar a maior parte do seu peso no outro pé.

– Eu tô bem, porra! – ela repete raivosa, agitando os braços pra mandar os médicos embora. Storm lança um olhar desconfiado sobre a meio-campista. Aglaia a encara com estranheza. Aos poucos, as atletas se dispersam e Crista caminha para se posicionar na entrada da área, tentando não dar tão na cara que está mancando e tentando não andar devagar demais. E é claro, a caceta daquela loira odonto vem seguindo ela igual um cachorrinho carente. Crista revira os olhos e grunhe, com vontade de xingá-la.

Storm e Kyveli se posicionam para cobrar a falta, que está numa posição perigosa. Carmen se posiciona no centro da área, marcada de perto por Daisy Forest, as duas claramente mais altas que todas as outras jogadoras. Aglaia cutuca o ombro de Crista, que dá um tapa na sua mão e a desvencilha, a encarando com raiva. Aglaia aponta para o tornozelo da oponente.

Você tá bem mesmo? Você tá mancando – ela aponta. Crista, que não faz a menor ideia do que ela disse, exibe um dedo do meio.

– Vai tomar no cu, gringa grudenta do caralho. Eu não falo gringuês não porra – a loira não parece nem um pouco abalada pelo gesto obsceno da adversária.

Desculpa – ela diz.

“Sorry” é uma palavra que Crista entende, mas ela não deixa o coração amolecer.

– Sorry é meu pau de óculos – ela retruca.

A juíza apita, autorizando a cobrança de falta. Kyveli é quem corre para a bola, mas ela passa reto e vai se posicionar do lado esquerdo da área, enquanto todo o ataque da Red Phoenix corre para a direita, arrastando quase toda a defesa das Royal Foxes consigo e, durante esse movimento, Storm parte para a bola e dá um passe forte e preciso na direção de Kyveli.

Kyveli, completamente desmarcada, sozinha, livrinha da silva e quase invadindo a pequena área, quando todas esperavam um chute direto, domina com um toque e chuta colocado com outro, sem chances para a goleira. 2 a 1.

Crista se lembra de ter visto uma jogada parecida sendo ensaiada no treino algumas vezes, mas não esperava vê-la tão cedo em jogo. Ela respira aliviada e começa a caminhar lentamente de volta ao seu campo, sem participar das comemorações com as companheiras na bandeirinha do escanteio. Sente a euforia delas de longe, mas a dor no tornozelo a impede de comemorar junto.

Depois da partida recomeçar, a equipe inteira das Royal Foxes se joga desesperadamente ao ataque, mas não há tempo suficiente restante para fazerem qualquer coisa. A partida é finalizada dois minutos depois. Já um tanto mais acostumada com a dor, Crista consegue andar quase normalmente até os vestiários, a mente muito mais leve pela vitória. A primeira coisa que faz ao adentrá-lo é ir se sentar no banco, o que a enche de alívio. Tira a camisa e a chuteira, solta o cabelo do rabo-de-cavalo, enfia a mão na sua mochila procurando pela toalha e sabão doida pra se livrar do suor e então, tira as meias.

– Ô buceta – ela deixa escapar.

Seu pé direito está todo inchado do lado onde havia sido atingido, além de um tom roxo bem intenso destacado na sua pele castanha que contorna o ossinho da lateral do tornozelo.

Oh, fuck – ela ouve a voz de Carmen logo ao seu lado. Mais uma palavra que ela entende – eu disse que era melhor ter aceitado o tratamento médico, não disse?


Notas Finais


VOCABULÁRIO:

bola espirrada - quando a bola "espirra" significa que uma bola foi desviada para alguma direção, sem controle, normalmente após uma dividida.
chegar rasgando - chegar com tudo pra roubar a bola.
chapéu - drible onde se joga a bola por cima da adversária e a recupera do outro lado.
linha de fundo - a linha que demarca o final do campo.
finta - drible.
cruzar - jogar uma bola na área vinda da lateral, normalmente pelo alto. Cruzamentos rasteiros também existem, mas eles vão ser especificados qdo acontecerem. Qdo eu disser somente "cruzamento/cruzar" sem especificar, se trata de um cruzamento alto.
ponta (ponta-esquerda e ponta-direita) - posição de atacante que joga pelas laterais do campo.
zagueria - posição de defensora central.
lateral (lateral-esquerda e lateral-direita) - posição defensora que atua pelas laterais.
meia-armadora - posição do meio-campo ofensivo que atua pelo meio, tem a função de apoiar o ataque.
segunda trave - a trave mais distante da pessoa que cruza a bola, no momento do cruzamento. A primeira trave seria a mais próxima.
sobrar - quando a bola "sobra" pra alguém, seria no sentido de uma bola espirrada, que é mandada sem controle em alguma direção e acaba caindo nos pés de alguma jogadora.
marcar/marcação - diz-se de uma atleta que assume uma função defensiva de "marcar" a outra, ou seja, permanecer perto para dar combate caso ela receba a bola ou impedir que ela receba a bola. Jogadoras sendo marcadas vão receber menos a bola devido ao risco de perderem rapidamente ou da bola ser interceptada.
elástico - um tipo de drible onde se puxa a bola para um lado e depois se muda de direção rapidamente, usando o mesmo pé e movimento para "cancelar" o movimento e puxar para o outro. Procurem vídeo no youtube para entender melhor.
drible de corpo - drible sem tocar a bola onde se finge correr para um lado e se corre para o outro. Ênfase em "sem tocar a bola".
cavar falta - sofrer falta de propósito, ou se jogar no chão para fingir sofrer falta.

NOTAS:
Olá, posso pedir ajuda com algo?

Eu tô com problemas financeiros e passei recentemente por uma cirurgia que o plano se recusou a cobrir mesmo com todos os laudos médicos possíveis. Essa cirurgia acabou com meu bolso e agora eu vou ter que passar por mais uma, ainda relacionada a essa primeira, que eu não sei se o plano vai cobrir, e não tenho mais dinheiro algum pra pagar as taxas do hospital. Eu escrevo praticamente desde que me conheço por gente, apesar de só ter começado a publicar ano passado, então queria pedir para, quem lê meus livros aqui, quem lê essas minhas histórias que eu publico de graça, me apoia se puder. Qualquer apoio financeiro, por pix, pelo Padrim ou comprando meus livros na Amazon, eu agradeço muito. Eu tenho dois livros na Amazon atualmente, "Enseada Negra" e "Eu Matei a Minha Mãe". Ambos são bem baratinhos, com um estilo bem mais sério e angustiante do que "Gringa Grudenta", como vocês vão perceber pela sinopse e pelas resenhas, mas que valem muito a pena. Se quiserem evidência disso, basta lerem as resenhas publicadas sobre na própria Amazon, Skoob, ou algumas que eu salvei no meu perfil no instagram (@briasribeiro).

Meus livros na Amazon > https://www.amazon.com.br/kindle-dbs/entity/author/B08NHR3CZS?ref_=dbs_p_ebk_r00_abau_000000

Pix > [email protected]

Meu Padrim > https://www.padrim.com.br/briasribeiro


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