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História Growing Up - Four


Escrita por: tetae97

Notas do Autor


Estou postando esse capítulo com um sorriso no rosto porque nossos bebês ganharam o Top Social Artist do BBMAs ontem. Eu não poderia estar mais orgulhosa do Bangtan e do meu fandom. Somos incríveis juntos. Aliás, se quiserem gritar comigo por BTS meu twitter é @/cinnamjon
Enfim, decidi que terão mais três capítulos, contando com esse. Espero que não se importem. Eu me empolguei um pouco e seria extremamente cansativo ler o último capítulo com mais de 50 mil palavras, certo?
Boa leitura!

Capítulo 4 - Four


Taehyung encarou as dezenas de caixas na sala, as paredes sem os quadros, a cozinha sem a bagunça de louças e o seu quarto mais limpo do que nunca. Desde que se entendia por gente aquele apartamento tinha sido seu refúgio, assim como seu castigo: alguns dias eram insuportáveis trancafiado ali sozinho. Porém, as memórias boas estavam fortes demais para não sentir-se triste em partir, em deixar Busan.

Os aniversários que passou ali, apenas com a presença de seus pais e da pequena família Jeon. As noites insones de conversa e brincadeiras com Jeongguk naquela sala, deitados no colchão com um amontoado de almofadas. Os dias de visita da sua avó materna e os raros encontros da família de seu pai no pequeno apartamento - eram inesquecíveis, nostálgicos demais.

– Eu não quero ir embora – choramingou para o Kim mais velho, o qual encontrava-se ocupado embalando os caixotes maiores.

– Você se acostuma – e saiu da sala, não sem antes bater nas costas do filho com um sorriso sofrido de barba mal-feita.

Suspirou. O dia seguinte seria seu aniversário e não teria nem o prazer de se divertir com seus amigos. Provavelmente chegariam tão cansados em Daegu que a comemoração nem seria lembrada.

[11:45] Guk: tae

[11:45] Guk: terraço. agora.

Normalmente ele teria subido correndo os quatro lances de escada, apenas calçando suas meias brancas, para atender ao pedido do garoto. Mas a mensagem de Jeongguk fez algo em seu interior apertar. Não queria se despedir, já que odiava despedidas e o mais novo bem sabia disso, sempre dizendo “até mais” ao invés de “adeus” ou um mero “tchau”. Taehyung estava adiando demais aquilo, deixando Jeongguk e os outros somente com uma mensagem de “estou me mudando para Busan” acompanhada de uma carinha triste.

Abriu a porta de madeira velha com pintura desgastada, daquela vez sem nenhum petisco ou refrigerante. Pulou de susto, vendo não só Jeongguk, como Hoseok, Yoongi e Jimin sentados no centro do terraço. Vários salgadinhos, refrigerantes e sucos, além de alguns frangos embalados, estavam depositados em cima de um pano xadrez.

– Que demora, Kim –Jimin disse em tom reprovatório, porém sorrindo.

– Taehyung! – Hoseok gritou, vindo ao seu encontro.

Jeongguk correu, sendo seguido pelos outros. Logo todos formavam uma estranha roda de abraço em torno de Taehyung, que nunca imaginou conseguir reunir todos assim, em comunhão. Claro, o motivo não poderia ser pior.

– Fizemos um almoço de despedida – Hoseok comentou, exclamando um ta-dã. – Vamos sentir sua falta, criança.

– Obrigado – sua voz quebrou, tornando seus lábios em uma curvilínea. Encarou Jeongguk, que continha os olhos marejados observando-o se sufocar naquela simples palavra de agradecimento.

– Não chore – voltou a atenção ao Jung, que ao contrário de suas próprias palavras, derramava-se em lágrimas. – Eu disse para não chorar!

Taehyung riu, sem conseguir impedir que a água agridoce invadisse suas bochechas. Hoseok o envolveu nos braços novamente, gritando “criança idiota” e fazendo os demais rirem. O Kim estava exorbitantemente atordoado, anestesiado por tudo.

– Viemos para comer ou para chorar? – O timbre de Yoongi se fez presente, puxando Taehyung para o pano e obrigando-o a sentar ao seu lado.

– Eu vim para ver você chorar, hyung, mas parece que pedras não tem sentimentos – Jimin cruzou os joelhos, abrindo uma caixinha de frango frito.

– Você está proibido de comer do meu frango, Park.

– Parem de brigar – Hoseok situou-se ao lado de Taehyung, ambos enxugando os rostos na manga dos moletons.

Uma estranha paz barulhenta formou-se entre os presentes, divergindo entre as formas de falar e agir. O convidado especial do almoço passou a reparar na personalidade de cada um, como se desejasse gravar cada pedacinho que passasse por sua retina.

Enquanto Hoseok e Jimin discutiam fervorosamente qual sabor de batatinha era melhor, o de churrasco ou frutos do mar, Yoongi e Jeongguk simplesmente mastigavam a comida, observando. O mais novo, sentado à sua diagonal, participava de tudo à sua maneira distante e tímida. Vez ou outra Jimin o perguntava alguma coisa, lhe oferecia suco ou apenas bagunçava seus fios. Taehyung percebeu como o Park tentava incluir o Jeon aos assuntos, de modo paciente e descontraído. Viu-se satisfeito pela amizade dos dois, uma vez que não queria Jeongguk sozinho depois que se mudasse – ainda que sofresse com uma pontinha de ciúmes e medo de ser esquecido.

– Yoongi-hyung fez a prova de inverno pra admissão na faculdade de artes em Seul – Hoseok comentou, mordendo um pedaço de frango frito com molho. Depois sorriu para o garoto em questão, com os lábios sujos de vermelho. – Soube que ele foi muito bem na prova.

– Hyung é mesmo muito inteligente – Taehyung observou a face envergonhada de Yoongi.

– E o que você quer cursar? – Jeongguk perguntou com interesse, corrigindo a postura de modo a parecer mais alto.

– Música – ao contrário de todos, o Min encarava suas próprias botas, brincando com o cadarço.

– Ele quer ser produtor – Jung Hoseok disse com um quê de orgulho.

– Suas músicas são boas, hyung – Jimin deu um tapinha em suas costas. Ele já tinha ouvido as composições fora do papel? Taehyung sentiu-se menos importante.

– Mas não depende só disso.

– Ah, para - Hoseok revirou os olhos. – Em qual matéria você não é bom?

– É verdade, hyung. Essa faculdade já é sua.

O comentário positivo de Park Jimin levantou objeções de Yoongi, o qual claramente tentava não manter as expectativas muito altas. Uma nova discussão foi formada acerca da faculdade e Yoongi, com comentários do tipo “quando você ficar famoso quero aparecer ao seu lado nas revistas” e o rapaz de pele alva com olhos pequenos acabou por entrar na brincadeira resmungando “ninguém vai sugar a minha fama, seus aproveitadores”. O Kim, apesar de rir e divertir-se com eles, notou a tensão que pairava sobre o Min. Música parecia ser um assunto sério, como se sua vida dependesse da carta de admissão. Taehyung sentia-se exatamente daquele jeito com o teatro, mas não se considerava tão talentoso quanto Yoongi.

Depois de estarem com os estômagos cheios, eles deitaram para contemplar o céu à mando de Yoongi. Estava cinzento e com poucas nuvens, caracterizando o clima frio e seco de dezembro. Hoseok comentou sobre a atmosfera estar triste pelo afastamento de Taehyung, sendo repreendido pelo Min “a natureza não sabe dessas coisas”, tendo como uma resposta “você não sabe ser poético, hyung” e fazendo ressoar risadas. De repente o silêncio fez-se presente, deixando os pensamentos de Taehyung correrem livres, lembrando-se do quão errada era a afirmativa do Jung. Como sempre, de uma forma ou de outra, Park Jimin nunca permitia que sua mente vagasse por muito tempo.

– Só não vale dormir, Yoongi-hyung.

– Fica quieto, Jimin.

– Vão discutir a relação em outro lugar.

Taehyung riu, apesar de se sentir incomodado com a frase de insinuação do Jung. Levantou-se, indo em direção ao parapeito do muro, observando o horizonte como se fosse pela primeira vez. A cor cinzenta da atmosfera mesclava-se as ruas e prédios, formalizando uma cena em preto e branco, assim como seu estado de espírito. Ao fundo, os garotos continuavam trocando farpas, fazendo sobressair alta a risada de Jimin. Mesmo perdido em meio a paisagem urbana, o Kim notou Jeongguk esgueirar-se ao seu lado, sem dizer nada por alguns instantes.

– Você pode vir aqui sempre – Jeongguk encarava Taehyung e não as ruas.

– Eu sei – Taehyung encarava as ruas e não Jeongguk.

– Vou sentir sua falta – baixo, tão baixo que o Kim pensou ter escutado errado.

– Eu também.

– Só abra quando estiver fora de Busan – o garoto tirou do bolso da calça de moletom uma caixinha pequena, enrolada em um papel dourado bonito com uma fita azul. Claramente o próprio Jeongguk havia embrulhado o presente, cuidadoso como era.

– Não precisava – sorriu acanhado, a vontade de chorar se dilatando novamente.

– Feliz aniversário, hyung.

– Ah, Jeonggukie – abraçou o referido, apertando forte suas costelas e inalando o perfume suave do shampoo de seus fios negros sedosos. Tentou concentrar nas mãos do garoto postas com leveza em suas costas para não se sucumbir ao choro, fungando várias vezes.

– É pra você não se esquecer de mim – sentiu a vibração de seu peito enquanto falava.

– Eu nunca me esqueceria de você – separaram-se.

– Eu também nunca vou esquecer de você, Tae.

Naquele momento Taehyung percebeu que não era o único com medo de ser abandonado, trocado. Uma onda de alívio irrompeu em seu ser. Amizades não são substituídas facilmente, principalmente quando ambas as partes não querem que isso aconteça. Sorriu quadrado para Jeongguk, antes de ouvir um grito e uma risada, deparando-se com um Hoseok com um saco de batatinhas na cabeça, Jimin caído rindo como um demente e Yoongi com a mão na face. E Taehyung desejou que todos os seus dias fossem assim.

Ninguém aceitou a ajuda do Kim para arrumar a confusão de sacolas, talheres e restos de comida do local. Despejaram tudo na lixeira mais próxima, no apartamento dos Jeon, e despediram de um Jeongguk cabisbaixo dizendo “até mais, Tae”, como se fosse a última vez que diria aquilo.

– Não suma de Busan – Hoseok o advertiu, lutando para não chorar.

– Vou tentar – acenou, vendo-o pedalar rua afora.

– Vai tentar mesmo? – Jimin sorriu, embora seu semblante fosse melancólico. – Acho que vou precisar de ajuda em Literatura Clássica.

– Você fala como se tivesse alguma dificuldade, Park.

– Nunca se sabe, Kim – e abriu os braços, pedindo um abraço, que foi atendido.

– Por favor, cuide do Guk.

– Ele já sabe se virar – Jimin arqueou as sobrancelhas frente a careta de Taehyung. – Pode deixar, eu cuido.

Yoongi desceu do saguão correndo, com a mochila nas costas – onde tinha trazido toda a comida.

– A ideia foi do Jeongguk, mas o delivery fui eu – bufou, ajeitando o objeto vazio nos ombros. – Sempre largo ela por aí.

– E esse é o nosso hyung responsável.

– Cala a boca, Park – e virou-se para um Kim sorridente. – Acho que é isso.

– É – encarou as botas de inverno, feias porém confortáveis.

– Te vejo de novo?

– Acho que sim.

O Min deu de ombros, sua mania irritante antagônica ao momento. Acabou por puxá-lo em um enlace de braços, terno e aconchegante.

– Me desculpe.

– Tá tudo bem, hyung.

– É sério, Tae – Yoongi sacudiu seus ombros.

– Eu desculpo – sorriu minimamente, intimidado pela presença de Jimin que os corroía com os olhos, provavelmente pensando o que significava aquele sentimentalismo todo.

– Obrigado.

– Não precisa agradecer – respirou fundo, coçando a nunca de forma nervosa. – Eu nunca te culpei realmente.

– É claro que não – riu descontraído, de forma que aparecesse suas gengivas. – Amigos?

– Amigos.

Taehyung observou Jimin e Yoongi caminharem juntos até não ser possível enxergar suas silhuetas, retornando ao calor do prédio. A medida em que subia cada degrau e lembrava-se de cada amigo que deixaria para trás, ele sentiu-se estranhamente completo ao retornar ao seu apartamento encaixotado, pois apesar do temor de ser esquecido, Taehyung tinha certeza que aproveitara cada segundo de sua passagem por Busan.


 

– Taehyung, você vai nos atrasar – a senhora Kim deblaterava encostada na porta com uma mão na cintura, impaciente.

O Kim mais novo apareceu na sala pulando com um pé, enquanto tentava amarrar o cadarço do outro. O movimento de cabeça incrédulo de sua mãe o fez rir, enrolando ainda mais para terminar a amarração. Checou o bolso da calça de moletom. Tudo certo.

– Pronto.

– O táxi já deve estar chegando – ela trancou a porta, descendo as escadas atrás do filho de olhos infelizes. – Não faça essa cara.

– Desculpe – Taehyung respirou longamente frente a feição lastimosa da mulher. – Eu vou me acostumar.

– Taehyung – a Kim mais velha parou, pegando nas mãos de Taehyung. – Sinceramente, eu não queria me mudar. Estava pronta para aceitar algum emprego menos remunerado aqui, mas seu tio ofereceu uma proposta para o seu pai.

– Papai vai trabalhar com ele?

– Sim – sorriu fraco. – Vai trabalhar na escola onde Jingoo-ssi é professor.

– É onde eu vou estudar?

O aceno positivo fez o estômago do garoto revirar. Não queria que o seu tio lhe desse aula, conquanto, era muito provável que aconteceria. Sabia, pelo próprio Namjoon, do quão exigente ele era – ainda mais com pessoas da família. Ambos os irmãos sempre possuíram aptidão para matemática, formando seu pai em analista financeiro e o tio em professor de álgebra. Obviamente Taehyung era a ovelha negra da família, com Namjoon cursando uma faculdade na mesma área e ele, diferente como era, pretendia ser ator e odiava fazer contas.

– Você vai se dar bem – e passou a mão em suas costas, obrigando-o a descer os degraus.

Já em frente ao apartamento, três malas grandes estavam paradas ao redor do Kim de meia idade, que portava uma bolsa grande transpassada no corpo. Os três levavam apenas roupas e objetos pessoais, uma vez que os móveis e demais decorações haviam sido vendidas a uma loja de seminovos e usados. A carreta grande carregou todas as caixas que continham os momentos preciosos de Taehyung para servirem de memórias a outras pessoas.

Seus pais debatiam sobre a demora do taxista, verificando o horário do trem e cogitando a ideia de irem andando até o ponto de ônibus mais próximo. Não muito tempo depois, avistaram o carro branco contornando a esquina, ao mesmo tempo em que um berro em “Taehyung” impediu o mesmo de entrar dentro do táxi.

Ao se virar, só conseguiu sentir o corpo chocando-se contra o seu e, se não tivesse com pés firmes no chão, com certeza teriam escorregado na camada fina de neve que cobria a calçada.

– Não nos despedimos direito – Jeongguk falou, apertando o abraço. Parecia uma criança que não queria que a mãe fosse trabalhar.

– Você que entrou em casa sem nem me olhar direito – ele riu, mas queria chorar. Não veria Jeongguk todos os dias. Hábitos geram vício e Taehyung era viciado em Jeongguk.

– Jeongguk, é bom te ver, mas precisamos ir agora – o homem, já dentro do carro, disse apreensivo. Sua esposa acenou para Jeon.

– Tudo bem – as pupilas do garoto encontraram as do Kim. Seus olhos brilhavam. – Boa viagem. Até mais, agora de verdade.

– Até em breve, Jeonggukie.


 

Encarou a caixinha pequena pousada no meio de suas coxas juntas, já com o laço dourado amassado. Respirou fundo, checando seus pais nas cadeiras atrás da sua. Ambos cochilavam, seu pai ainda com os óculos no nariz. Taehyung riu, voltando sua atenção ao presente.

Abriu.

Arquejou quando pegou em seus dedos o Ipod quadrado, provavelmente tinha custado muito dinheiro do garoto. Os fones estavam enrolados precisamente, postos sobre uma pequena folha de papel com os dizeres:

“Boa viagem, hyung!

Ouça toda a playlist.

com carinho,

J. J.”

– Aish, Jeongguk – praguejou para si próprio, apesar de trajar um sorriso grande.

O Kim colocou os fones brancos nos ouvidos, apertando o pequeno botão para ligar o aparelho. Logo que a música começou a tocar, ele não conseguiu reconhecê-la. Quis bater no amigo por colocar uma música melancólica, igualando ao seu estado de espírito e fazendo-o tentar prestar atenção na letra para entendê-la – mesmo com seu precário inglês.

We're lost in the playground,

Late night nostalgia,

open the sky for me, now.

Friends round the fire,

Outside in December

Open the sky for me now.

Logo após a música melancólica que lhe deu ânsia de choro, Taehyung gargalhou um pouco alto demais com as outras duas da sequência: All I want is you e You make my dreams. Reconheceu as músicas do antigo CD do pai de Jeongguk, o qual eles gostavam de escutar e dançar quando crianças. Enquanto balançava os braços em um dança estranha, Taehyung recordou de seus dias no apartamento dos Jeon, pulando no sofá e rodando de mãos dadas com Jeongguk.

O resto da playlist variou muito, passando de Linkin Park a Justin Bieber, terminando com Friends do Ed Sheeran. Não resistiu, cantando baixinho algumas partes que sabia “so I could take the back road but your eyes will lead me straight back home”. Ao final suas bochechas encontravam-se doloridas de tanto manter o sorriso largo.

Deixando as canções repetirem, ele recostou a cabeça no banco, fechando os olhos e se imaginando dublando todas as músicas com o amigo.


 

Os primeiros raios matinais incomodaram o rosto cansado de Taehyung, o qual bufou ao sentar-se no novo colchão. Os indícios da noite mal dormida apareceram em forma de dor nas costas e mau-humor. Nem o fato de ser o dia de seu aniversário o animou, encarando a mala aberta no meio do cômodo – ainda precisava pendurar e dobrar toda aquela bagunça em seu novo guarda-roupa.

O seu quarto em si era pequeno, assim como o resto da casa.  Apesar disso, Taehyung ficara feliz em saber que o antigo quarto de seu pai seria a sua nova morada. O quarto maior, o do filho mais velho do casal Kim, ficou com os pais de Taehyung e localizava-se bem ao lado. Seus avós ficaram com o de sempre, no final do corredor.

Abrir a janela e deparar-se com a rua parada e fria de Daegu acarretou um estranhamento no garoto, acostumado com a vista alta e movimentada de Busan. Morar em um local distante do centro e tão perto do chão opunha-se ao seu modo de vida. Talvez não fosse tão fácil assim acostumar com a mudança e ainda era apenas o primeiro dia.

Desbloqueou o celular, reconhecendo outro acontecimento estranho.

[00:01] Guk: FELIZ ANIVERSÁRIO HYUNG

[00:01] Guk: agora que você ta oficialmente quase adulto pode me comprar uma cerveja

[00:02] Guk: é brincadeira haha

[00:02] Guk: espero que tenha gostado do presente

[00:03] Guk: queria te dar um abraço de parabéns, mas você ta tão longe :(

Taehyung portava um sorriso triste enquanto digitava palavras de agradecimento ao mais novo, alegando também desejar por um abraço. Então abriu o outro chat, completamente fora dos padrões comuns de mensagens de seu celular.

Jimin criou o grupo Busan Bois

[22:43] Guk: hyung, o certo é boYs

[22:44] Yoongi: eu sou de Daegu

[22:44] Hobi-hyung: ISDNCIJNSA JIMIN SEU ANALFABETO

[22:45] Park Jimin: ingratos

Jimin mudou o nome para Busan BoYs e Daegu BoY chato

[22:47] Hobi-hyung: MELHOR NOME EVER

[22:47] Yoongi: nem por mensagens vc para de gritar

[22:47] Hobi-hyung: FICA QUIETO DAEGU BOY CHATO

O Kim riu alto, lendo as milhões de mensagens de discussão dos garotos. Suspirou. Gostaria de passar as férias de janeiro em Busan, aproveitando do novo grupo de amizades divergentes que surgira em torno deles. Voltou sua atenção às mensagens mais recentes, mantendo um sorriso bobo nos lábios.

[01:12] Hobi-hyung: TAETAE

[01:12] Hobi-hyung: FELIZ ANIVERSÁRIO!!!!!!!

[01:13] Hobi-hyung: imagem

[01:14] Park Jimin: KKKKKKKKKK

[01:14] Park Jimin: em pensar que eu te achava bonito, Taehyung

[01:14] Park Jimin: feliz aniversário, Kim :)

[03:54] Yoongi: parabéns, Tae

[03:55] Yoongi: espero que esse aniversário seja mais legal que o último

 

Tudo bem, Taehyung, tudo bem. O interior do garoto gritava, tentando manter sua pose impassível exteriormente. Primeiramente: Hoseok tinha fotos constrangedoras suas. Segundamente: Park Jimin o acha bonito. Terceiramente: Min Yoongi fez uma piada sobre o beijo deles.

Ao sair do quarto com as bochechas queimando, sentiu o cheiro peculiar do dia trinta de dezembro. Sopa de algas marinhas.

– Bom dia, Tae – sua avó trajava um robe branco e pantufas fofinhas, conjunto que deixavam-na ainda mais fofa. A idosa o chamou com a mão, sorrindo de forma que acentuava suas ruguinhas no canto dos olhos.

– Bom dia, vovó – correu até ela, arrastando as meias no chão e enfiando embaixo dos braços já abertos da Kim mais velha. Sentiu o beijo estalar no topo de sua cabeça.

– Feliz aniversário, meu netinho. Fiz uma sopa de comemoração, está em cima da mesa.

– Obrigado – dizendo isso separou-se do abraço, endireitando a postura e automaticamente tornando-se o dobro do tamanho da matriarca.

A primeira manhã em Daegu foi tranquila, com gosto de infância e com a companhia da avó atenciosa e do avô dorminhoco. Sua mãe havia saído para uma entrevista de emprego, ao passo que seu pai iniciava o novo. Diferente da antiga cidade, ali ele pelo menos não ficaria o dia todo sozinho. Um ponto positivo de Daegu.

Aproveitou a condição de casa com varanda para sentar-se ao ar livre, na cadeira de balanço desocupada da avó com seu novo iPod. Enrolou-se em uma coberta fofinha, observando o asfalto esbranquiçado e pensando na futura escola. Não queria mostrar-se insatisfeito de tão imediato, mas já previa suas aulas com o tio rigoroso.

– Aish – apertou a tecla para aumentar o volume, tentando concentrar nos gritos de Given Up. – Não preciso de matemática em teatro mesmo.

Era muito cedo para uma crise existencial, então ele simplesmente cedeu-se as músicas de Jeongguk e cochilou.


 

Após uma semana dentro de casa, Taehyung cansou-se. Queria ver os amigos fora da tela do celular, sair, conversar, rir e se divertir nas férias. No fundo, ele temia que seus últimos dias de calmaria se resumissem em ouvir a mesma playlist todas as manhãs, assistir televisão a tarde e dormir cedo a noite. Entretanto, naquele domingo a presença do primo animou seus ânimos.

– Taetae – ele riu quando quase foi esmagado em um abraço. – Sentiu muita falta de mim?

– Você nem sabe o quanto!

– Desculpe – soou cansado, caindo e se espreguiçando-se no sofá. – Estava arrumando algumas coisas para a faculdade.

Taehyung calou-se, observando os dedos do pé de braços cruzados. Namjoon o cutucou, mas ele não esboçou sequer uma reação – graça concedida pelas técnicas do teatro para concentração.

– Taehyung –o mais velho deitou a cabeça em suas pernas, conseguindo visualizar o rosto do primo. – O que foi?

– Você disse que eu tinha a você aqui – os olhos lacrimejados contrastavam-se a expressão vazia. – Mas você vai para Seul e eu vou ficar aqui sozinho.

Namjoon desviou o olhar, sem conseguir se sustentar sob as lágrimas de Taehyung, o qual rapidamente passou o braço com moletom grosso no rosto.

– Tae, você vai fazer amizades rápido na escola – ergueu-se do colo do referido, observando-o sério. – Não aja como uma criança.

– Obrigado, hyung – virou-se para encará-lo, seu tom sarcástico.

– Além do mais – ele empurrou Taehyung, sorrindo – hoje você vai conhecer um amigo meu.

– Vou? – Manteve-se impassível, claramente ressentido.

– Sim – pegou o celular, mostrando a foto de um rapaz bonito de lábios grossos e olhos redondinhos. – Kim Seokjin, mas você pode o chamar de Jin.


 

Eram quase seis e nenhum adulto fazia-se presente na residência, deixando os primos Kim a vontade para receber Seokjin.

– Tem certeza que ele não é nosso parente?  – Taehyung perguntou pela segunda vez, tirando o saco de pipocas do microondas e reclamando da quentura do papel.

– Tae, o sobrenome Kim é um dos mais populares na Coréia – Namjoon misturava o suco de uva, balançando a cabeça ao som de Wale.

– Mesmo assim, todos eles surgiram de uma só família – despejou as pipocas numa bandeja laranja de plástico laranja grande, colocando o outro saco para estourar.

– Sim, mas isso foi há tanto tempo que nós nem temos mais o mesmo sangue – depois de terminar o suco, ele pegou os copos de vidro e bateu a porta do armário um pouco forte demais.

– Mas e se…

– Taehyung, cale a boca. Por favor.

– Pra que tanta irritação, hyung? – fez uma careta, sem conseguir ver o rosto do primo.

Sem obter uma resposta, a campainha foi tocada no mesmo instante que o microondas. O mais velho correu para atender a porta, enquanto Taehyung queimava as pontas dos dedos com o maldito saco de pipocas sabor manteiga. Reclamando em resmungos das queimaduras leves, o garoto encaminhou-se a sala com as duas bandejas e quase derrubou tudo no chão, vendo Namjoon beijar o tal de Jin.

Agora estava explícito o motivo de sua irritação sobre a origem do nome Kim.

– Ah, esse é Taehyung que te falei – com as mãos nas costas do mais alto, Namjoon apontou para um Taehyung estático em frente ao sofá.

– Kim Taehyung! – Jin transformou seus grossos lábios em um sorriso gracioso.

– Oi – disse em um momento de confusão, com a mão de Jin esticada para um cumprimento enquanto as suas estavam ocupadas.

Rapidamente depositou os objetos na mesinha de centro, limpou as mãos na calça de moletom e apertou as palmas macias do convidado, exibindo seu melhor sorriso quadrático.

– Jin trouxe jogos  – Namjoon comentou com suas covinhas expostas, segurando uma sacola grande em uma mão.

– Todos os jogos do Mario até o momento.

– Sério? – Os olhos do garoto brilharam e Jin confirmou com um ar de importante.

Logo estavam se espremendo no sofá pequeno, digerindo pipoca com suco ao mesmo tempo em que apertavam frenéticos os botões da manete. Os gritos podiam ser ouvidos da esquina, mas eles pouco se importavam – seus egos estavam sendo apostados na vitória.

Taehyung ria como se nunca tivesse rido antes, deleitando-se do momento feliz que finalmente estava passando. Não conseguiu acompanhar o ritmo insano de Jin, terminando em segundo lugar e rindo feito um bobo com a dança estranha do mais velho.

– Taetae, Jin vai ser o seu guia pela cidade – Namjoon comentou, acariciando os cabelos do mencionado, o qual repousava a cabeça em seu ombro.

– Mesmo? – O seu tom de animação era perceptível, apesar de estar completamente imerso na corrida de carros, sentado no chão e clicando com força nos botões.

– Quando o frio passar vamos fazer muitas coisas.

– Há! – Taehyung gritou, vencendo a partida e voltando-se ao casal. – Jin-hyung, você não vai pra faculdade?

– Longa história – Namjoon revirou os olhos.

– Ainda não – ele socou o outro. – Quero ter experiências primeiro.

– Qual tipo de experiência? – Taehyung perguntou com inocência.

– De trabalho, claro – ele sorriu, contrastando com a expressão de negação de Namjoon. – Eu ajudo meu pai no restaurante, sabe. Mas ainda não me sinto pronto para a faculdade de gastronomia.

– Ele é ótimo na cozinha.

– Não é verdade.

– Seokjin, você está adiando seu futuro.

– Você sabe que não é bem assim...

O Kim mais novo observava boquiaberto a discussão dos dois, sem entender nada e com zero interesse naquilo tudo. Voltou ao jogo, tentando ignorar as vozes que se tornavam cada vez mais estridentes atrás de si. Ao mais tardar, Jin e Namjoon encarregaram-se de lavar as louças, deixando Taehyung entreter-se com Mario por mais um tempo, antes que o dono de sua diversão fosse embora.

– Foi bom te conhecer, Tae – Jin bateu algumas vezes em suas costas.

– Foi legal te conhecer também – sorriu, vendo-o descer as escadas e entrar no táxi.

– Vamos repetir isso mais vezes – disse dentro do veículo, acenando. – Sem o chato do seu primo.

Taehyung riu, acompanhando o carro branco virar a esquina e desaparecer. Adentrou à sala pulando de frio, dando de cara com um Namjoon de feição irritada clicando no controle da TV sem realmente prestar atenção nos canais.

– Seu namorado é legal – jogou-se no sofá, assustando o primo.

– Seokjin não é meu namorado – desligou a televisão, respirando aliviado por ter cessado os ruídos.

– Então quando vai pedir ele em namoro?

– Nunca – Namjoon deslizou pelo sofá, apoiando a cabeça no encosto de costas.

– Por que? – Taehyung soava decepcionado. – Você não gosta dele?

– Gosto, Tae.

– Então por que?

– Eu também gosto da minha liberdade – sorriu fraco frente a feição não convencida do primo.

– Não entendi.

– Deixa pra lá, Tae – Namjoon bagunçou ainda mais seus fios. Taehyung não sabia, mas o rapaz começava a criar o sentimento de um verdadeiro irmão mais velho por ele.

– Eu pensei que as pessoas beijavam quem elas gostam – Taehyung lembrou-se de Yoongi e do quanto haviam se beijado com ardor, mesmo sem existir nada consistente entre ambos. – Você pode acabar magoando Jin-hyung.

– Nós já conversamos sobre isso, Tae.

– E ele não liga? – Namjoon respondeu com um aceno negativo. – Seres humanos são complicados.

Namjoon gargalhou com a frase de frustração do garoto.

– Tae, você já beijou alguém?

– Sim.

– E você gostava dela?

– Não exatamente – soltou o ar dos pulmões de forma pesada. – Acho que eu e Yoongi-hyung estávamos confusos.

– Yoongi? – Namjoon se endireitou, arregalando os olhos. – Min Yoongi?

– Sim. Min Mau-Humorado Yoongi – Taehyung semicerrou os olhos. – Vocês se conhecem?

– Éramos amigos.

– Eram?

– As coisas ficaram complicadas.

– Você preferiu sua liberdade, né?

O silêncio do Kim bastou para Taehyung entender. Acompanhou o mais velho, sem saber exatamente o que dizer ou se sequer deveria dizer alguma coisa. Então apenas encarou estático a televisão desligada, começando a ficar sonolento com a penumbra do local.

– O que você quis dizer com “estávamos confusos”? – Namjoon perguntou de repente, anunciando aquela sua careta de quem estava refletindo há tempos.

Taehyung mordeu o lábio inferior. Nunca tinha admitido aquilo em voz alta. Seu coração acelerou.

– Taehyung? Me responda.

– Ah, sabe como é… – Riu envergonhado.

– Não sei – encarou-o sério, aparentando ser tão mais velho e maduro do que a diferença de três anos. – Do que você tem medo?

– Eu não sei, Nam – apoiou os cotovelos nos joelhos, tapando o rosto. – Podemos assistir a previsão do tempo?

– Não – Taehyung viu, entre os dedos, Namjoon sentar em cima do controle. – Tae, você tem medo de não ser aceito?

– Tenho – uma rotação de estômago.

– Por você ser gay?

– Isso – duas rotações.

– Vocês estavam confusos sobre isso? – O tom de voz do garoto não passava de simples dúvida, sem julgamentos ou ironia.

– Não – suspirou fundo, sentindo sua barriga doer. O quão patético ele parecia daquele jeito? – Acho que Yoongi-hyung está apaixonado pelo melhor amigo.

– E você?

– Estou apaixonado pelo meu.

 

Os dias frios em Daegu sucederam-se preguiçosos, com pouco divertimento fora de casa e muitos filmes antigos de comédia com seus avós. Em sua maioria eram até engraçados, mas Taehyung nunca riria tanto quanto a sua avó e o seu contentamento talvez fosse esse: observar as linhas em seu rosto em meio a um sorriso. Durante tais horas o Kim jovem lembrava-se instintivamente do funeral da matriarca Jeon, condenando-se por ser tão masoquista consigo mesmo. É certo que a morte, sendo única certeza desde o nosso nascimento, é inevitável, mas ele não precisava machucar seu cérebro com imagens ruins em meio a bons momentos.

Bons momentos estes que rumavam a um fim: Namjoon finalmente mudara-se para Seul e sua presença limitaria-se a alguns finais de semana por ano na casa dos pais, além do temível segundo ano escolar prestes a bater na porta de casa de um Kim medroso.

– Então, filho, quando vai comprar seu material? – Em uma manhã de domingo, seu pai dirigiu-lhe a palavra por cima do jornal que lia com rugas entre as sobrancelhas.

– Ainda dá pra usar o do ano passado – respondeu de boca cheia.

– Escola novo requer um material novo – e piscou, fazendo Taehyung engasgar-se com a torrada.

– É sério? – Um aceno positivo. Dois segundos para processar a informação. Um abraço que amassou as folhas cinzentas, gerando queixas.

Ainda naquela mesma semana ele e Jin foram à papelaria mais famosa da cidade, a qual localizava no coração de Daegu e possuía uma fachada chamativa. Seokjin observava tudo atrás de seus óculos escuros, sem exibir um pingo de animação, contrastando com um Taehyung boquiaberto e desorientado.

– Jin, olhe!  – Apontou para a sessão de canetas, lapiseiras e lápis. Uma tonelada das mais variadas cores, marcas e formas que enlouqueceram Taehyung e seu desejo de testar cada uma no pequeno bloco de folhas brancas disponível.

– Ai meu Deus – o mais velho abaixou os óculos, encarando a coleção do Mario Bros em forma de lapiseiras e borrachas. – Acho que vou voltar pra escola.

Ao final, o estudante do ensino médio comprou cadernos simples, deixando a parte exagerada para os utensílios de escrita – até mesmo Park Jimin com suas milhares de canetas coloridas ficaria com inveja de seus lápis e borrachas. Seokjin riu, alegando que seus cadernos eram sérios por fora, mas por dentro se transformariam numa verdadeira parada gay. Por sua vez, Taehyung dissera-lhe que um homem de quase dezenove anos não gastaria tal quantidade considerável de dinheiro em lapiseiras do Mario Bros. A moça do caixa revirou os olhos.

De volta em casa após pegar um metrô e andar alguns quarteirões, Taehyung e sua avó testaram todas as canetas coloridas e fizeram desenhos engraçados. Provavelmente ele não usaria aquilo tudo durante o ano, então decidiu que apenas se divertiria com o arco-íris que sempre quis ter em seu estojo. Por um segundo ficou animado sobre a volta às aulas. Só por um segundo mesmo.

– Boa aula, filho – sua mãe sorriu, juntando os milhões de papéis do seu quase garantido novo emprego. Seu pai já tinha pegado o ônibus das seis, o turno na administração da escola começava mais cedo que o horário normal das aulas e provavelmente pai e filho nem se veriam nos intervalos da escola.

Taehyung, no entanto, não respondeu a mulher, sentindo a garganta fechar enquanto esperava pelo ônibus das sete horas. Apesar do nervosismo, ele havia gostado do novo uniforme azul-marinho; era mais confortável que o antigo e o tecido esquentava mais –  o que não o impedia de tremer por pura ansiedade.

Quando avistou o veículo comprido e alaranjado, teve vontade de correr para baixo de seus cobertores e hibernar até o final dos seus dias escolares. Pior ficou quando adentrou e todos os passageiros, em sua maioria adolescentes com uniformes, o observaram com curiosidade.

Ótimo, Taehyung pensou, sou o estranho do bairro.

Sentou-se em uma das últimas poltronas disponíveis e desejou não tê-lo feito, pois ao seu redor continham vários garotos com uniforme iguais ao seus conversando animadamente. Taehyung nunca fora muito tímido, mas Daegu de alguma forma o intimidava.

– Você conhece esse aí? – Um cochicho atrás de sua nuca.

– Não – outro cochicho. – Deve ser novato.

– Vou falar com ele – surgiu uma terceira voz.

O Kim suspirou, virando a cabeça para trás e assustando os garotos com roupas azul-marinhas.

– Oi - sorriu de forma animada. – Eu sou Kim Taehyung!

Os três, espantados, apenas o encararam silenciosos. Taehyung era mestre em apresentações impactantes.

– Hã… – o garoto ao lado da janela pronunciou, após um momento de confusão e acompanhou seu sorriso em uma linha fofa. – Park Bogum.

– Lee Donghyun.

– Ryu Minjun – os outros dois disseram quase em conjunto.

– Prazer – esticou um braço, segurando firme com a mão livre a poltrona para não cair. – Acho que somos da mesma escola.

– E você deve ser novato - Bogum disse, analisando-o.

– Eu sou.

– Veio de qual escola?

– Na verdade vim de Busan.

– Busan? – Exclamou, parecendo maravilhado. – Me disseram que tem praias bonitas lá.

– São bonitas – falou com ar de desânimo, lembrando-se dos grãos de areia safados.

– Queria morar lá – ele riu, ao mesmo tempo em que o ônibus parou em um estremecer. – Vamos, vou te mostrar a nova escola, Taehyung de Busan.

Comum.

Foi a definição que Taehyung encontrou para os corredores, salas e pessoas daquela escola. Bogum caminhava animado ao lado de Taehyung, os outros dois garotos seguindo-os a poucos passos de distância, completamente apáticos.

– Você precisa ver os laboratórios - gesticulou para o lado contrário ao que seguiam, quase pulando em seus calcanhares. – Tem cobras, aranhas e órgãos humanos conservados em potes!

– Parece legal – ele forçou a frase, enjoando ao pensar nos vidros enfileirados em uma prateleira como se fossem enfeites de algum psicopata. Parou em um sobressalto, encarando o cartaz grande pregado ao lado dos banheiros masculinos.

– Taehyung?

– Esse é o palco do teatro? – Seus olhos brilhavam com a foto de um palco grande e iluminado, com cortinas vermelhas arrastadas nos cantos extremos. Lia-se: vagas abertas para o Clube de Teatro.

– Não só do teatro. Algumas apresentações de sala são feitas lá também.

– É tão bonito – Bogum riu, arrastando o garoto boquiaberto para sua primeira aula.

– Você vai ter tempo para se inscrever – disse em resposta aos resmungos de protesto. – Você quer se atrasar para sua primeira aula de matemática financeira?

O papel de sua grade curricular, com os horários e números das salas, quase encostou em seu nariz – Park Bogum encarregou-se de levá-lo até os corredores certos. A escola era comum, porém maior do que suas antigas e Taehyung se perdia fácil, entretendo-se com o ambiente novo. Respirou fundo quando o garoto – seria Bogum um novo amigo? – sorriu-lhe e acenou, caminhando para a sua própria classe.

Adentrando à sala, observou rapidamente as inúmeras cadeiras quase completamente ocupadas. Poucos sussurros podiam ser ouvidos e, sentindo alguns olhares femininos sobre si, Taehyung apenas caminhou com sua expressão vazia até a penúltima carteira perto da janela de vidro grande. Olhou para trás instintivamente, desejando encontrar o sorriso de olhos pequenos de Park Jimin. Droga. Era o primeiro dia e ele sentia falta justo daquele baixinho. Soltou um riso anasalado baixo, imaginando como estariam todos em suas novas vidas.

Se Jimin estava dormindo, esperando o professor chegar para chamar-lhe a atenção ou se Jeongguk sentiria falta da sua companhia de volta à casa, com suas brincadeiras estranhas e conversas bobas. E ainda tinha Hoseok e Yoongi, os quais já não pertenciam mais ao mundo do ensino médio. Hoseok provavelmente estava se dedicando a algo que nada tinha de acadêmico, ao passo que Yoongi corroía as unhas de ansiedade por uma resposta da universidade.

Virou-se para o vidro fechado da janela, o céu de azul límpido parecia chamá-lo para um passeio. Seres humanos deveriam ser capazes de voar, assim seria muito mais fácil ir até Busan. Mas infelizmente a evolução não nos concedeu essa maravilha, restando para Taehyung uma aula chata de álgebra básica com seu tio. Porém, quando este entrou a sala e cumprimentou os alunos, nenhuma palavra a mais foi lhe dirigida e, até o resto da aula, o Kim era apenas um estudante qualquer. Alívio.

 

Após um almoço sozinho em um refeitório barulhento, Taehyung fez sua inscrição para o teatro e aquela foi a melhor parte do dia. Deixou seus dados escritos em um livro grande, provavelmente já com outros nomes preenchidos e, pouco antes de deixar a secretaria, a professora de teatro entrou apressada para recolher alguns folhetos, empilhando mais outros milhões em cima do balcão. De estatura mediana, a mulher que não deveria passar de seus trinta anos, usava roupas joviais e falava alto.

– Precisa de alguma ajuda, querido? – Ela uniu as mãos sobre o peito, olhando de forma doce para Taehyung, que a encarava paralisado; aquela sua mania de esquecer da vida ao redor.

– Hã… – Ele certamente parecia um demente, piscando inúmeras vezes para situar-se na vida real. – Teatro. Vim me inscrever.

– É mesmo? – Gritou, saltando até o Kim e analisando-o por completo, sorrindo animada. – Eu sou Lee Sunghee, professora e instrutora de teatro, muito prazer…

– Kim Taehyung.

– Kim Taehyung! - Guinchou, levando as mãos a suas bochechas, mas não apertou-as. – Você tem belas feições, Taehyung.

– Obrigado – quase engasgou ao proferir.

– Amanhã começam as práticas – virou-se para a recepcionista, recolhendo o livro de assinaturas e panfletos, agradecendo-a por ter tirado as cópias necessárias. – Não se atrase!

Taehyung acompanhou sua corrida estranha até o final do corredor, escutando o barulho de seus tênis contra o piso. Riu e, ao voltar para o ônibus que o deixaria em casa, a única coisa que conseguia manter em mente eram as técnicas que Sunghee usaria e se ela gostaria de sua atuação. Quase não notou Park Bogum nos primeiros assentos, assustando-se com o puxão que recebeu do garoto, tendo de aturá-lo rir e imitar sua cara de espanto.

Já no conforto de sua recém casa, Taehyung pôde finalmente ler os milhões de mensagens em seu celular, após um banho quente relaxante e uma conversa sobre a nova escola com sua avó.

 

[16:34] Hobi-hyung: YOONGI PASSOU EM SEUL

[16:35] Park Jimin: tempo de chamada recorde

[16:35] Park Jimin: esse é meu hyung

[16:37] Yoongi-hyung: Não é nada demais

[16:37] Hobi-hyung: desde quando você é humilde?

[16:38] Yoongi-hyung: sempre fui

[16:39] Guk: parabéns, hyung :))

[16:40] Park Jimin: vamos todos bajular Yoongi-hyung

[16:40] Park Jimin: aí ele leva a gente nas premiações

[16:41] Yoongi-hyung: Obrigado, JK, único normal aqui

 

Taehyung queria bater na cabeça dura de Yoongi, gritando “eu sabia que você iria conseguir”, mas apenas digitou mensagens de parabéns em caps lock e continuou a brincadeira de Jimin. Irritar o irritável Min parecia ser o passatempo preferido dos Busan boYs, porém sua mente divergia do assunto.

A notícia levou Taehyung até o último dia que conversou pessoalmente com Namjoon. Ele e Yoongi agora estudariam na mesma universidade, apesar de não ser no mesmo campus, estariam mais próximos do que estiveram em muito tempo. Sentiu-se temeroso por Jin, mesmo com o relacionamento estranho consentido entre ambos, ele receava que de alguma forma eles pudessem se magoar. Jin falava muito de Namjoon e Namjoon falava muito sobre o universo.

Ainda com suas suposições e adivinhações do futuro, Taehyung foi atraído a cozinha pelo cheiro de carne bovina sendo assada e como mágica, seus pensamentos permeavam em torno de seu estômago e, logo após, no mundo dos sonhos.

Duas da tarde do dia seguinte, o Kim mal conseguia conter o sorriso, mordendo o lábio inferior para reduzi-lo, tentando não parecer um psicopata. O salão de teatro era grande e continha algumas cadeiras em seu fundo, minimizando o eco que as vozes formavam. Sunghee se apresentou, frisando que gostaria que a chamassem pelo nome, sem honoríficos que a deixassem velha. Todos riram, sentados em roda como fora pedido.

– Então, para nos conhecermos melhor, vamos fazer uma brincadeira – ao dizer, levantou-se, com os demais a acompanhando em seguida. – Prestem atenção, porque eu só digo uma vez. Vocês vão andar ao redor do salão enquanto uma música toca e, assim que ela parar, devem formar duplas, de mãos dadas. O que? Estão com vergonha? Irão perder isso, dizendo seu nome para a sua dupla. A cada rodada um ficará de fora.

– E o que os vencedores vão ganhar? – Uma voz feminina perguntou, direcionando olhares os quais ela sustentou com facilidade.

– Vão saber no final – e, dizendo isso, ligou a música.

Em um ritmo animado, os alunos caminhavam de um lado para o outro hesitantes. Taehyung observava o seu redor, decerto queria ganhar e impressionar a tutora. Onde tinha aprendido a ser tão competitivo? Ah, Jeon Jeongguk.

A música parou. Alguns gritinhos foram soltados. Sem perceber, Taehyung encontrava-se segurando as mãos de uma garota de cabelos descoloridos e uma franja reta.

– Taehyung – disse rapidamente, escutando mais alguns nomes ao redor do salão. O perdedor saiu rindo em direção às cadeiras.

– Lalisa – sorriu. Ela tinha um sorriso bonito. Traços diferentes. A música rompeu novamente, colocando todos a andar. – Mas pode me chamar de Lisa.

Uma rodada. Duas rodadas. Muitos nomes para lembrar. Muitos rostos diferentes para guardar. Diversas mãos e apertos variados. Taehyung não percebeu quando restavam apenas cinco pessoas, logo restando três e, adiante, ele e mais uma garota. O garoto de cabelos longos saiu parecendo frustrado, deixando Taehyung e a menina que não o encarava nos olhos, a qual segurava seus dedos com as palmas geladas.

– Sou Taehyung – pronunciou baixo, tentando ignorar a legião que os observava sentada.

– Kim Jennie – a garota passou a visualizar a professora que caminhava em direção ao centro do local.

– Parabéns – gritou, erguendo os braços. Os dois observavam confusos o seu entusiasmo, ainda no mesmo lugar. – Vocês são o primeiro casal da nossa peça!

Sunghee começou a bater palmas, sendo acompanhada pelo resto da turma. Taehyung só conseguia encarar o topo da cabeça de Jennie, pois a mesma parecia travada apertando suas mãos e observando os tênis.

– Terminamos por hoje – anunciou, abrindo a porta grande de madeira branca. – No final da semana contarei sobre a peça. Boa semana, aluninhos.

O segundo dia de aula findou-se com a boca de seu estômago contorcendo em algo que não soube distinguir por completo. Parecia felicidade misturada a medo. Talvez fosse sua primeira vez atuando como protagonista, mas não sabia o que teria que interpretar.

– Seja profissional, Taehyung - repetiu pela milésima vez em frente ao espelho. – É só uma garota.

Como o esperado, os dias conseguintes passaram vagarosos. Os pontos positivos da nova escola eram maiores que os negativos, como os bons professores e a comida da cantina. Porém, a saudade dos amigos tornava tudo um tanto enfadonho. Taehyung estava ansioso demais para revê-los, ainda que não soubesse quando isso aconteceria. O aniversário de Hoseok se aproximava, levando-o a imaginar como seria sua festa de dezoito anos – provavelmente fariam uma comemoração em conjunto para Min Yoongi, pois comentavam sobre uma despedida para o tal. Suas aulas começariam em março e, pelo o que falava no chat, já continha tudo pronto para partir.

E Taehyung não poderia ir. Não desejaria ao Jung um feliz aniversário com um abraço, nem riria da timidez de Jisoo frente a um namorado alterado e extremamente animado. Não despediria do Min, muito menos veria seu sorriso que mostrava as gengivas ou Jimin tirando sarro do mais velho. Taehyung perderia aquele momento, do mesmo jeito que faltaria a vários outros, como o aniversário de morte da matriarca Jeon em janeiro – restando a ele pedir a Jimin que acompanhasse Jeongguk e lhe desse apoio, recebendo um sermão de “você não precisa me pedir pra fazer uma coisa dessa, Kim”.

Seu estado de espírito amanhecera negro naquela sexta-feira. Cinco dias de escola. Mais de um mês fora de Busan. Ele não aguentava mais.

– Taehyung! – Uma mão retirou os fones de seus ouvidos, paralisando a música alta. – Você vai ficar surdo. Sabe que é fácil perder as frequências mais agudas do seu tímpano e que…

– Eu não ligo – colocou novamente, mudando a música da playlist de Jeongguk, o que não o ajudava a melhorar e sim sentir-se mais infeliz, com mais saudade.

– Hoje não, mas amanhã sim – ele retirou novamente, puxando o iPod das mãos de Taehyung. O dono do aparelho encarou-o com os olhos apáticos, os lábios curvados levemente para baixo. – O que foi? Hoje é sexta!

– Quantas sextas vou ter que passar aqui? – Tomou o iPod de volta, sem voltar a colocar os fones.

– Já está sentindo falta de casa? – Bogum arqueou as sobrancelhas.

– Nunca deixei de sentir.

– Mas você parecia animado com o teatro – ele soou desapontado.

– Eu estou – suspirou, olhando pela janela do ônibus.

– Então? – Empurrou-o pelos ombros. – Você vai ser o protagonista!

– É… – riu um pouco sem jeito, aquele sentimento estranho que não conseguia se livrar florescendo na boca de seu estômago.

– Até o ano passado eu também fiz teatro.

– Mesmo? – Supreso. Bogum parecia só ter olhos para biologia. – E por que parou?

– Me dedicar ao último ano da escola – sorriu confiante, estufando o peito. – Preciso fazer o melhor trabalho de conclusão da sala.

– Trabalho de conclusão?

– É opcional, sabe - explicou. – Quando eu for apresentar, você vai ver né?

– Claro que vou.

– Então combinado – esticou o punho fechado e Taehyung fez o mesmo, socando de leve os dedos do outro. – E eu vou ver o seu teatro. Jennie, hm? Ela é bonita.

– Sim – pigarreou, desviando o olhar de um Bogum entre risadas. Antes que pudesse insinuar alguma coisa, já estavam em frente a escola, significando que só se veriam ao final das aulas. Pela primeira vez, o Kim ficou satisfeito por não encontrar com Bogum pelos corredores.

Entrou a sala. Primeiro horário: álgebra básica. Depois de algumas aulas com o tal, Taehyung achou que não teria problemas naquela classe. Errado.

Sempre que adentrava ao local, alguns olhares e cochichos eram lhe direcionados e ele sempre passava em frente ao quadro negro com o olhar fixo na carteira do canto ao lado da janela. Nunca sequer fizera contato com os demais alunos. Talvez eles soubessem que era sobrinho do professor e achassem que de alguma forma, obteria privilégios. No dia anterior havia perguntado a Namjoon sobre ter problemas sobre ser filho do professor e a resposta veio imediata “ninguém além de Jin desconfiou que ele era meu pai”. Taehyung bufou. Não iria tolerar mais.

Virou todo o corpo na direção central da sala, deparando-se com duas garotas que o encaravam impudicamente. As duas pararam de falar de imediato. Lisa sorriu e acenou, ao passo que Jennie encarou o próprio caderno fechado.

Ótimo. Estava na mesma sala que suas companheiras de teatro e nunca sequer dissera um “oi”. Taehyung sentiu-se um idiota, provavelmente elas comentavam sobre o quão mal educado ele era.

– Oi – acenou, sorrindo com os lábios apertados.

– Finalmente – Lisa comentou e, Jennie assustou-se por algum motivo desconhecido. A garota tímida disse um “bom dia” rápido, levando uma mão à canela em seguida.

– Nunca tinha visto vocês aí.

– Você é bem lerdo, Taehyung – a garota comentou, unindo as sobrancelhas. – Como conseguiu ganhar a dinâmica do teatro?

– Eu também não sei – falou com divertimento, coçando a cabeça.

– Vamos ver como você se sai hoje – sorriu zombeteira.

– Vamos é fazer contas – e apontou para o tio, que adentrava a porta com uma pilha de folhas nas mãos. A garota de franja descolorida revirou os olhos antes de sentar-se corretamente a carteira, desabrochando uma risada de Taehyung.

Finalmente a aula teatro. Teria a grande resposta sobre suas dúvidas sobre a peça, os personagens, o roteiro. Ou não.

– Vocês vão ter que ler a história – ao dizer, alguns pestanejos foram ouvidos. – Nada de reclamar, é uma obra pequena e divertida.

– Por favor não me diga que é Shakespeare – Lisa, sentada ao seu lado na roda, lamentou alto demais. Relatável.

– Não dessa vez, mocinha – Sunghee sorriu satisfeita e Lisa proferiu um “ufa”. – Conhecem Oscar Wilde?

Poucos disseram sim, inclusive o Kim. Seu passatempo era pesquisar por autores de peças importantes e, pelo que sua memória o permitia lembrar, até já havia feito um trabalho sobre o escritor.

– Francamente – a frustração era perceptível. – Até terça quero que vocês leiam “A importância de ser prudente”. Quem não ler não vai ter direito a um papel na peça, exceto Taehyung e Jennie.

– Os pombinhos – Lalisa comentou baixo. Taehyung podia sentir suas bochechas quentes.

– Bom, vamos começar nosso treino vocal.

 

Quase duas horas da manhã e a insônia o castigava naquela noite de sábado. Deitado de barriga para cima, encarando o teto branco. Se não fosse a dor latejante na cabeça, Taehyung estaria ouvindo as poucas músicas do iPod. Sem aguentar mais um segundo, ele caminhou até a cozinha e pegou o remédio certo em cima da geladeira, sorvendo a goles apressados a água gelada. Pegou-se encarando o sofá, que parecia mais convidativo com a televisão próxima do que seu quarto vazio.

Pulou na poltrona, recobrindo-se com a manta fina que o cobria parcialmente e ligando a televisão. Felizmente passava anime àquela hora da manhã sem censura e aquilo o fez esquecer da dor de cabeça a medida em que o remédio cumpria seu papel.Tirou o celular do bolso, porque assistir a animes o fazia lembrar de Jeongguk e foi o que lhe disse por mensagens. Alguns minutos depois o aparelho vibrou em sua barriga.

[02:17] Guk: one piece!!!

[02:17] Guk: você acordado a essa hora?

Taehyung não teve uma trégua para responder, pois quando começou a digitar as teclas pequenas, o nome do garoto piscou na tela.

– Jeongguk! – Ele exclamou, tentando falar o mais baixo o possível. – Essa ligação vai ficar cara.

Oi hyung – a voz soou robótica, mas ainda assim era reconhecível. Taehyung sentiu sua barriga contorcer; finalmente podia ouvir a voz do garoto. Escutou uma risada também. – Relaxa.

– Você não acha que já está gastando demais comigo?

O que? – Alguns segundos para a adivinhação, depois um resmungo insatisfeito. – Ah, Tae, era só um iPod.

– Eu escuto sua playlist todos os dias.

Não colocou músicas novas?

– Ainda não – e ele ouviu um surpreso “por que?”. – Eu gosto da sua. Me lembra nossa infância.

Essa era parte da intenção.

– Parte?

Como foi a primeira semana de aula, hyung? - Jeongguk disse rápido e Taehyung não soube se era afobação pela curiosidade ou para mudar de assunto.

– Sinceramente? Não sei – soltou o ar de forma pesada. De fato haviam pontos positivos. Sua família mais perto, Jin e Bogum, o teatro grandioso, mas... – Ainda sinto falta de Busan.

Busan também sente sua falta – uma risadinha fraca.  –Todos os dias.

– Mesmo? – Mandou uma retórica. Claramente haviam personificado as cidades. – E como Busan tem passado o ensino médio?

Hyung… – Captou uma pontinha de desânimo. – É muita coisa, hyung!

A gargalhada reverberou alta na sala, Taehyung tendo que tampar seus próprios lábios. Não queria acordar ninguém em suas poucas horas de descanso. Jeongguk reclamou de seu divertimento.

– Desculpa, Guk – limpou o canto dos olhos. – Pelo o que te conheço, você deve estar desorientado sem saber o que faz primeiro.

Você sabe que sou ruim em fazer várias coisas ao mesmo tempo.

– Eu sei, eu sei. Mas você se acostuma.

Você acha? – A entonação abatida continuava presente. – Eu chego morto em casa.

– Acho sim, você é forte.

Mais protestos por parte do mais novo, que alegava não estar tendo tempo o suficiente para o basquete. Depois perguntou ao Kim como ele conseguia se dedicar ao teatro e a resposta foi simples: organizar os horários em uma folha e seguir à risca. Porém, um tanto desleixado como era, quase sempre trocava as ordens e estudava apenas o que gostava. Sabia que Jeongguk não faria isso. O garoto empenhava em tudo com um esforço sobrenatural, por isso era tão dotado de capacidades. Quando o horário ultrapassou as três, eles se despediram com tons próximos de infelicidade e Taehyung adormeceu na poltrona, o celular caído em seu peito coberto.

 

Domingo. Mais conhecido como dia da preguiça e de folga de Seokjin, o que era uma dádiva para Taehyung. Sentia-se grato por Namjoon tê-lo apresentado, assim não ficaria sozinho aos domingos, sendo obrigado a estudar em casa. Naquele em especial Taehyung conheceu o apartamento de Jin.

Era grande. Muito maior que sua antiga morada e cheio de decorações femininas. Jin o contou que seus pais eram separados e ele morava com a mãe, mas via o pai sempre no trabalho. Os três mantinham um relacionamento familiar estável, embora o início tenha sido difícil para uma criança que não entendia o que havia feito de errado para ver seus pais distantes.

A mãe de Seokjin o cumprimentou de forma doce, dizendo-lhe para ficar a vontade. Ela preparava alguma coisa no forno, pois o cheiro invadia todos os cômodos.

– É aqui que a mágica acontece – Jin abriu a porta de seu quarto. Uma cama, uma cômoda que portava uma televisão e o Nintendo em cima, além do guarda-roupa e a estante cheia de actions figure.

– Uau – arfou, caminhando diretamente aos bonecos. – Você é colecionador?

– Acho que estou começando – deu de ombros, virando-se para ligar o Nintendo.

– Deve ter custado muito dinheiro – ele passou os dedos por um Mario Bros grande montando o Yoshi.

– Namjoon me deu a maioria – sentou-se na cama de pernas cruzadas, esperando pelo garoto. – Algumas foram meu pai.

– Namjoon. Vocês têm conversado? – Acompanhou Jin, que batia no espaço do colchão ao seu lado para que sentasse.

– Pouco - iniciou o jogo de corrida. – Ele disse que está ocupado.

– É, ele diz isso pra mim também – Taehyung riu, mas pigarreou para disfarçar no momento em que percebeu que era o único achando a situação engraçada.

Alguns minutos silenciosos de concentração no jogo até que o dono da casa comemorasse a vitória.

– Eu nunca vou ganhar de você – bufou.

– Provavelmente é verdade – Jin riu com pouca intensidade.

– Está tudo bem, hyung?

– Sim – ele encarava a televisão, mudando as configurações do jogo. – Quer jogar outra coisa?

– Tanto faz. Não vou ganhar mesmo.

– Eu sou invencível – gabou-se, arqueando as sobrancelhas várias vezes.

A tarde passou rápido, com um Jin de aparência cansada e de poucas risadas. Taehyung queria fazê-lo rir, mas nem suas idiotices conseguiam arrancar aquela risada estranha de sua boca. Ele pareceu contente apenas com os biscoitos da mãe, os quais Taehyung deleitou-se do sabor agridoce. Depois, quando o céu começou a tornar-se escuro e a temperatura caiu alguns graus, Jin disse que esperaria pelo ônibus junto ao mais novo.

– Faltam quinze minutos – Jin dava pequenos pulinhos, tentando se esquentar.

– Hyung, pode voltar para casa – Taehyung disse pela milésima vez, sem sentir o frio incomodar-lhe daquela forma.

– Não. Tá tudo bem – fungou e coçou o nariz, este já bastante vermelho.

– Você tá parecendo um palhaço.

– Me respeite, Taehyung, sou mais velho – sua voz soou anasalada, trocando o “p” e o “m” por um “b” estranho. Ambos riram. – Não tem graça.

– Mas você riu!

– Só eu rio da minha própria desgraça! – E Taehyung gargalhou, o que fez Seokjin o bater.

– Hyung! – Protestou, encolhendo e rindo ao mesmo tempo. Assim que os tapas pararam, o mais velho encostou a cabeça no ombro de Taehyung, suspirando. – Jin-hyung?

– Hm?

– Tudo bem?

– É só cansaço, Tae – não parecia só isso, mas Taehyung não insistiu.

Eles ficaram assim por alguns minutos, SeokJin fungando e Taehyung estático. Quando o ônibus apareceu no final da rua, o mais velho endireitou-se e passou a mão no rosto. Seus olhos e nariz pareciam mais vermelhos do que antes, enquanto acenava em despedida.


 

Taehyung praticamente corria pelos enormes corredores da escola, ainda pouco habituado ao local. Havia se atrasado na fila do almoço e agora tinha de se apressar para não chegar depois da professora de teatro. Sua mente gritava “idiota, deveria ter comido mais depressa”. Não adiantou, a porta já encontrava-se fechada. Mesmo assim abriu-a em um rompante, pronto para utilizar de seus dotes artísticos para encenar alguma boa desculpa.

– Aí está o nosso Algernon! – Sunghee gritou, apontando para um Taehyung sem palavras. – Atrasado, senhor Kim.

– Me perdoe, eu…

– Nos poupe das suas desculpas – ela o puxou pelo braço e o posicionou ao lado de Jennie, a qual estava parada no centro do salão, segurando uma folha que logo foi passada a Taehyung. Era o roteiro da primeira cena. – Quem aqui se divertiu lendo nosso querido Oscar Wilde?

A grande maioria ergueu as mãos, assim como Jennie e Taehyung. Sunghee pareceu satisfeita, entregando o roteiro para aqueles que haviam de fato lido.

– Bom, temos onze personagens na trama – ela disse, encarando a todos com veemência. –Isso significa que vão ter que batalhar para conseguir o papel. Os que não leram vão ajudar na modificação do cenário, junto daqueles que não conseguirem um personagem.

Atrás de Sunghee, os dois já selecionados liam o papel. Jennie encarou Taehyung, parecendo suspirar com alívio – ela não se encaixava na primeira cena. Ao contrário dela, o Kim possuía inúmeras falas, mas não se importou. “A importância de ser prudente” era uma comédia de época, a qual continha uma crítica leve a sociedade. Cada personagem tinha um quê de comicidade, tornando a leitura fácil e divertida. Se Taehyung era Algernon, provavelmente Jennie seria Cecília.

– E como vamos ser selecionados? – Uma voz masculina perguntou.

– Depois de nos aquecer, cada um de vocês terá de recitar uma frase ou diálogo. Não importa se é de um filme de super-herói ou sobre um livro do Arcadismo. O importante é ser feito com naturalidade.

Naquele momento, Taehyung quase dobrou os joelhos no chão e agradeceu aos céus por já ter um papel garantido. Ele era péssimo em recordar-se com exatidão das palavras por muito tempo. Parecia que as falas apenas permaneciam em sua cabeça até o dia da apresentação, depois disso, sumiam como se para dar espaço a novos diálogos decorados. Após a dinâmica da aula, foi divertido assistir ao pessoal encenando. Taehyung impressionou-se com a capacidade que alguns possuíam em pronunciar com facilidade as frases e outros soaram engraçados em suas pausas cheias de “hã… herm…”. Não os julgava, afinal, ele mesmo não conseguiria bolar algo bom em pouco tempo. Na vez de Lisa, Jennie bateu palmas com maior intensidade, enquanto Taehyung fitava a garota boquiaberto após uma encenação dramática perto da perfeição.

Ao final, Sunghee parabenizou a todos, frisando que cada um eventualmente durante o ano teriam outras oportunidades de participar. Os escolhidos, incluindo uma Lisa sorridente, posicionaram-se ao lado de Taehyung e Jennie, recebendo as cenas do roteiro com o seu personagem em negrito.

– Na próxima aula veremos alguns exercícios de memorização – o Kim agradeceu-lhe mentalmente. – Boa semana a todos.

E Taehyung saiu satisfeito da aula, quase pulando de felicidade. Queria chegar em casa logo e contar para Jeongguk que havia conseguido um papel principal, dentro de uma classe com ótimos futuros atores. Porém, antes que pudesse adentrar ao ônibus lotado, um grito o fez estratificar-se na calçada.

– Taehyung! – Olhou para trás e viu uma cabeleira loira esvoaçante, puxando uma morena assustada. Lisa parou ofegante, apoiando em um de seus ombros. – Vamos combinar de praticar juntos.

– Hã… claro – sua resposta hesitante não impactou na expressão de satisfação da garota. – Amanhã combinamos, pode ser? Meu ônibus ele...Foi embora.

– Oh – ela apontou para o veículo em questão que acabava de contornar a esquina. – Você mora longe?

– Mais ou menos – pousou a mão na face, frustrado. Pelo menos a primavera chegava para amenizar o frio cortante.

– Posso te dar uma carona, se quiser – apontou para o carro prateado no estacionamento do corpo docente.

– Seus pais trabalham aqui?

– Minha mãe é a diretora – disse naturalmente, como se não fosse nada demais.

– Taehyung? – O homem de roupas formais aproximou-se, carregando uma pasta transpassada no peito.

– Jingoo-ssi – cumprimentou, fazendo uma pequena reverência.

– Fora da escola sou apenas o seu tio – e deu tapinhas em suas costas. – Por que não foi pra casa ainda?

– Perdi o ônibus – respondeu no tom mais baixo e audível o possível. As duas garotas observavam a cena em silêncio.

– O que estava fazendo que não conseguiu chegar a tempo? – A entonação dura fez Taehyung abaixar a cabeça.

– Foi culpa minha – Lisa se pronunciou, portando uma postura séria. – Eu prendi ele pra perguntar sobre um trabalho de Literatura Clássica e o ônibus foi sem que ele visse.

– Compreendo – Jingoo suspirou. – Vamos, eu te levo para a casa.

E, sem dizer mais nenhuma palavra, iniciou a trajetória até o carro. Taehyung sorriu forçado para Lisa, como quem agradecesse e acenou em despedida. Sentou-se no banco do carona, tendo cuidado para não bater com demasiada força a porta do veículo caro, colocando o cinto e abraçando a mochila pesada.

– Está gostando da escola? - Perguntou ao girar a ignição.

– Sim – a palavra veio de prontidão.

– Espero que aqui você não se dedique só ao teatro – seus olhos estavam postos no trânsito, dando uma brecha para Taehyung engolir em seco.

– Não, não.

– Estude direito, ouviu? – Lançou-lhe um olhar duro, tornando a densidade do clima ainda mais pesada. Os dias de escola de Namjoon deviam ser um pesadelo.

– Eu vou – balançou a cabeça em negativo. – Eu estou.

– Acho bom – parou o carro e Taehyung desejou que o tempo do semáforo passasse voando. – Você precisa ajudar os seus pais no futuro.

– Eu sei.

– Ótimo.

O Kim mais novo fechou os olhos por alguns segundos, respirando fundo. Dinheiro. Sempre o dinheiro. Odiava a forma como seu tio valorizava dinheiro e status. Mas antes de se estressar, Taehyung repetiu mentalmente as palavras de sua mãe “se você se dedicar muito, vai ganhar muito” e prendeu-se àquilo. Faria algo que gostava e o executaria muito bem. O resto da viagem passou vagarosa e silenciosa.


 

Taetae?

– Jeongguk! – Gritou ao mesmo tempo em que andava em círculos pelo quarto. – Você não vai acreditar. Adivinha!

Você vai voltar pra Busan? – A animação de sua voz quebrou-se com um “não”. – Então não sei.

Eu vou interpretar um protagonista.

Parabéns, hyung! Espera aí – ouviu-se alguns barulhos estranhos, depois o som de Jeongguk batendo palmas. – O melhor ator de Daegu, Kim Taehyung!

Taehyung riu e sentiu o peito esquentar. Depois Jeongguk começou a fazer suposições sobre sua carreira brilhante de ator, deixando-o constrangido – agora sentia na pele o que Yoongi passava. Fez inúmeras perguntas sobre a peça: como era a história, o personagem, o cenário, os diálogos. O mais velho deitou-se na cama para explicar tudo, com os mais possíveis detalhes que se recordava.

Você vai ter que beijar a Cecília?

– Espero que não – ele estremeceu só em cogitar a ideia. Provavelmente Sunhee mudaria diversas coisas, a fim de encurtar a peça. Eles não eram profissionais e algumas coisas não soavam certas para uma apresentação escolar.

E se tiver? – Era difícil distinguir o que se transpassava em Jeongguk pela sua voz robótica.

– Aí eu vou ter que beijar - o celular ficou mudo, levando ao Kim verificar se a chamada ainda acontecia. – Jeongguk? Alô?

A Cecília vai ser a primeira pessoa? – Ele insistia em chamar Jennie pelo nome da personagem, apesar de saber seu verdadeiro nome.

– Primeira pessoa a que? – Seu coração pulsava rápido.

A te beijar.

Foram necessários segundos de reflexão para Taehyung medir o peso entre a verdade e a mentira. Ele optou pelo o que julgou mais certo no momento. Jeongguk era a pessoa que mais confiava, afinal. Porém, desejou que o interrogatório findasse ali.

– Não.

Não? – Ele repetiu, soltando uma risada cínica. – Por que não me contou?

– Não pareceu assim tão importante – uma mentira necessária.

É claro que é importante – ouviu o garoto bufar. – Amigos dividem os fatos marcantes.

– Não foi um fato marcante – Estava afobado demais. – E a gente nem estava conversando direito…

Hm –  resmungou.

– E não seja egoísta. Você nem me fala sobre essas coisas.

Eu não saio por aí beijando pessoas.

–  Nem eu, engraçadinho! – Jeongguk cedeu, rindo do nervosismo do outro. – Isso é uma calúnia! Até parece que beijei mais de cem pessoas.

Espero que não – sem tempo para contraposição, Jeongguk alegou que precisava encerrar a chamada e assim eles despediram-se com a mesma infelicidade de sempre.

– Mas eu beijaria cem vezes a mesma pessoa – Taehyung suspirou, encarando o telefone desligado. Seus créditos haviam acabado assim como sua vontade de ensaiar as falas da peça.

 


Notas Finais


Gostaram? Espero que sim.
Agora que tenho tudo escrito, vou postar toda segunda.
Taetae e Guk longe um do outro, dá até uma dorzinha pensar. Mas eles vão se ver logo (spoiler).
Obrigada por ler!


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