História Guardião por destino - Homem de dois mundos

Lucas se permitiu piscar várias vezes, tentando se convencer de que a pessoa que estava à sua frente era real. Ele o tinha visto morrer, ele tinha certeza que seu amor de cinco anos já descansava no cemitério local de Tubarão abaixo de sete palmos de terra.

Mas nenhum desses fatos o impediu de disparar em sua direção e envolvê-lo em um abraço apertado ― É você, é você mesmo!

O rapaz sorriu e o abraçou de volta, recuando apenas após um longo momento para fitar o rosto estupefato de Lucas ― Gostaria de dizer que em carne e osso, mas receio que isso não é mais possível.

Lucas franziu, se permitindo afastar um pouco enquanto direcionava um olhar confuso para o rapaz que um dia fora sua promessa de futuro ― O que quer dizer com isso? Você não é real?

― De certa forma, sou... mas não como você, ― Ele suspirou ― eu apenas estou tentando te ajudar. Você está em grave perigo.

― Então aquele sonho... realmente foi um aviso seu? ― Lucas questionou, recebendo um aceno de confirmação como respostal. Suspirou ― Não adiantou. Fomos pegos de qualquer forma... Mas está tudo bem por enquanto, Olioti está fazendo o que querem por agora mas eu tenho certeza que-...

― Esse é o problema, Lucas, ― Seu namorado o interrompeu exasperadamente ― Não tem absolutamente nada bem. Godric está enganando aquele rapaz. Assim que partirem daqui, ele vai dar a ordem para que você seja executado e vai anunciar a sua morte durante a batalha para que o caçador se descontrole por completo e aniquile todo mundo; humanos e vampiros!

Lucas arregalou os olhos ― O que?! Como você sabe disso?!

― Tem alguém que zela por você do lado de cá, ― o rapaz acariciou o rosto de Lucas, o que o fez fechar os olhos e inclinar a cabeça contra o toque ― alguém muito poderoso, que me permitiu te alcançar para te avisar e dar à vocês dois a chance de escaparem dessa vivos.

Lucas sentiu uma pontada de culpa quando sentiu a dor nas palavras dele. Ele abriu os olhos cautelosamente, encontrando a até então expressão serena de seu ex-namorado ― Perdão... Eu...

Ele sorriu ― Não estou bravo, Lucas. Claro que me entristece não ser mais a pessoa que vai te acompanhar pelo resto da sua vida, que nunca vamos poder concretizar os planos que tivemos, mas eu estou morto... não é como se você tivesse me trocado, ou me traído, ― ele abraçou Lucas novamente, ― você está apenas seguindo com a sua vida.

Lucas o envolveu com seus braços e descansou o queixo no topo de sua cabeça ― Apenas sinto que estou traindo a sua memória, que talvez as coisas estejam se movendo rápido demais...

― Não, ― Ele balançou a cabeça, se afastando mais uma vez para olhar Lucas nos olhos ― Tudo está acontecendo no momento certo. Na verdade, está acontecendo até atrasadamente, de certa forma...

Lucas levantou uma sobrancelha ― Como assim?

― Não sei se estou no direito de explicar isso, ou se é o momento... vocês tem uma batalha dura vindo, e pra que consigam vencê-la, precisam estar focados.

― Mas-...

― Vocês precisam sair daqui, Lucas ― Ele foi cortado novamente, sua expressão serena sendo substituída por uma de seriedade ― Vocês precisam sair daqui o quanto antes. Se acontecer algo com você, todo mundo estará perdido.

Foi a vez de Lucas de parecer exasperado ― O que quer dizer com isso?

― A bruxa de Brighton teve uma visão. Uma visão que o caçador escondeu de você pra não te preocupar, uma visão que deixava claro que se ele estiver sem você, ele vai destruir tudo... e Godric irá triunfar.

Lucas engoliu em seco ― Merda...

― E Godric sabe disso, ― Ele voltou a explicar ― Quando ele conseguiu entrar na cabeça do caçador mais cedo, ele teve acesso às suas memórias por alguns segundos. Nesse tempo, ele tomou conhecimento da profecia, e sabe que se ele não se livrar de um de vocês dois, seus planos serão arruinados.

― Mas... por que nós?! ― Lucas questionou, tudo parecendo demais para que ele digerisse ― Tá certo que ele é um caçador que tem um demônio dentro dele, mas ele não pediu pra ser assim! E eu sou só um psicólogo que mal sabe segurar uma arma direito, não sou exatamente a melhor escolha pra salvar o mundo!

O rapaz sorriu novamente ― Ela tinha razão, você não faz ideia do seu potencial.

― Não faço ideia de que potencial? ― Lucas questionou.

― Como eu disse, não importa agora. Você vai saber quando for o momento certo, ― Lucas foi abraçado mais uma vez, o apertando mais forte do que das outras vezes ― por favor... tome cuidado. Eu não quero que você venha pra esse lugar tão cedo.

― Mas e você? ― Lucas o afastou e manteu suas mãos em seus ombros, lhe encarando com olhos preocupados ― O que vai acontecer com você? O que era aquela coisa de antes?

― Não precisa se preocupar comigo, estou seguro, e quando você estiver seguro novamente... eu vou poder descansar em paz.

Lucas sentiu culpa lhe invadir novamente ― Você não pôde descansar ainda por minha causa...?

― O que você esperava, Lucas? O cara que eu mais amei na minha vida está em risco de morte constante enquanto foge de vampiros e de um lunático sedento por vingança, que alma em sã consciência conseguiria “descansar” ― ele fez questão de fazer aspas com os dedos ― com essa situação rolando?

Lucas riu baixinho, ele sentia falta desse tom sarcástico ― É... você tem razão. Eu também não conseguiria se estivesse no seu lugar.

― E graças à Deus, você não está, ― ele pareceu preocupado ― Por favor... se mantenha assim, ok? ― Lucas assentiu ― Ótimo. Agora, você precisa ir. Você vai ter auxílio e vocês precisam bolar um plano para escaparem daqui, assim que o fizerem, voltem o mais rápido possível para Brighton. Celestine é necessária no momento.

― Certo... ― Lucas sussurrou, fitando o rapaz com olhos tristes. Ele não teve chance de ser despedir da última vez, e agora que ele tinha, estava odiando cada minuto. ― Olha, eu...

Ele o silenciou colocando o indicador à frente de seus lábios ― Eu te amo, e sempre vou te amar, não importa onde eu esteja. Seja feliz, e eu espero que esse rapaz cuide de você como você merece, ou eu vou voltar para assombrar o rabo dele.

Lucas sorriu contra o indicador que repousava contra os seus lábios, beijando-o e deixando uma lágrima rolar ― Pode deixar, eu vou avisá-lo.

― Ótimo, ― Ele sorriu de volta, ficando nas pontas dos pés e selando os lábios de Lucas uma última vez, o que fez com que outra lágrima escorresse pela bochecha do psicólogo ― Adeus, Lucas.

Seu amor se afastou; sua mão que tinha se entrelaçado com a de Lucas pendendo no ar enquanto ele recuava cada vez mais. O ruivo deixou a mão tombar quando ele já estava distante, e antes que ele fosse arrancado daquela realidade, a única coisa que conseguiu dizer foi ― Eu também sempre vou te amar.

O sorriso que ele recebeu foi caloroso, e além das lágrimas que rolavam em seu rosto, Lucas também avistou a mesma mulher de antes em pé atrás dele com a mão em seu ombro. Ela sorriu de forma acalentadora e acenou, o que fez com que uma sensação calorosa inflasse seu coração à medida que o cenário branco ao seu redor se escureceu por completo.

•

Lucas

Me sentei de uma vez na cama, meu peito se movendo rapidamente devido à minha respiração errática. Tentei assimilar o que tinha acabado de acontecer. Teria sido um sonho? Não, pareceu muito real, o toque dele foi muito real. Não pode ter sido só um sonho.

Mas se for verdade, então isso signifca que T3ddy está caminhando para uma armadilha. Merda!

O sorriso calmo daquela moça loira invadiu minha mente novamente, acalmando meus nervos por um momento. Quem era ela? E por que eu sinto que a conheço de algum lugar? Balancei a cabeça. Não era o momento de questionar essas coisas, temos que sair daqui antes que seja tarde demais.

Me virei e coloquei as pernas para fora da cama, me levantando ao mesmo tempo que a porta do quarto foi aberta de forma súbita e Alexi estava de volta. Me virei alarmadamente, pegando o candelabro que se situava em cima do criado mudo ao lado da cama e me colocando em posição defensiva. Depois do que acabei de descobrir, eu não confio em mais nenhum vampiro nesse lugar.

No entanto, a expressão no rosto da vampira não era feroz, tampouco fria como sempre. Ela parecia... desesperada?

Ela pausou quando me avistou, uma sobrancelha levantando perante minha reação defensiva ― Sou só eu, doutor.

― E como exatamente isso deveria me acalmar? ― Questionei rispidamente ― O que quer aqui? Achei que queria arrancar minha cabeça também.

Ela levantou as mãos em forma de rendição ― Perdão por aquilo, eu não estava com a cabeça no lugar.

― É, e quase que eu fiquei se a minha no lugar por causa disso, ― resmunguei, me endireitando mas me recusando à largar o candelabro ― O que quer?

― Eu... Olha, é complicado de explicar, e eu me desculpo por antecedência, mas Godric, ele-...

― Vai ordernar que me matem assim que T3ddy pisar fora daqui, estou ciente ― rebati, o que fez com que Alexi arregalasse os olhos.

― Como sabe disso?

― Acredite se quiser, tive um sonho bem realista ― levantei o candelabro novamente em sua direção ― então, o que vai ser?

― Eu não vou te matar...

Arqueei uma sobrancelha ― Achei que era o braço direito daquele filho da puta.

― Por mera conveniência, você sabe bem à quem eu servia ― Alexi começou a se aproximar, o que fez Lucas recuar ― Por favor, não tenha medo, eu juro que não vou lhe fazer mal.

Trinquei os dentes, intensificando o aperto no cabo do candelabro ― Me dê um motivo pra que eu confie no que diz.

― Eu fiz uma promessa milênios atrás para minha senhora, ― ela começou relutantemente ― Eu achei que tinha falhado com ela, mas acaba que ainda tenho uma chance de me redimir.

Franzi ― O que quer dizer?

Alexi retirou uma fotografia do bolso da jaqueta, essa aparentando ter séculos e existência devido ao estado deteriorado e a colorão em preto e branco de uma bela mulher com cabelos claros e um sorriso acalentador.

O mesmo sorriso que vi antes de acordar.

― Essa foi minha senhora, Lady Francine ― Alexi informou, o que me fez arregalar os olhos imediatamente. Minha expressão assombrada provavelmente a confundiu, já que ela arqueou uma sobrancelha e se aproximou ― Algo errado?

Finalmente coloquei o candelabro de volta no criado mudo e me permiti me aproximar da vampira, pegando a foto de sua mão e a analisando minuciosamente. Aqueles olhos, o formato de seu rosto, as longas madeixas onduladas e claras, o sorriso radiante... não há duvidas. Francine era a mulher do meu sonho com o meu namorado.

Voltei minha atenção para Alexi ― Eu tive um sonho, bem, não realmente um sonho porque foi real, mas ela estava lá ― eu informei, devolvendo a foto para a vampira ― junto do meu namorado que faleceu.

― O que?! ― Ela exclamou, sua expressão se tornando alarmada ― O que ela queria? Ela disse alguma coisa?

― Não, a única coisa que fez foi me salvar de algum tipo de monstro, me levando pra encontrar o rapaz que eu namorava, ― eu disse, me lembrando mais uma vez do sorriso que Francine me direcionou antes que eu acordasse ― ela se despediu silenciosamente, nem ao menos ouvi sua voz...

Alexi pareceu ponderar o que eu havia dito, até perguntar ― O que o seu amante falecido disse?

― Ele me avisou dos esquemas de Godric. Que ele planeja usar a minha morte pra deixar o T3ddy descontrolado durante a batalha ― torci o nariz, esse homem não tinha escrúpulo algum ― e também me contou sobre a visão de uma bruxa que conhecemos em Brighton, que diz que se nos separarmos, o mundo vai ser destruído pelas mãos do meu urso, o que apenas fez mais sentido perante o plano estúpido do teu lorde.

Alexi mordeu o lábio inferior ― Minha senhora deu um jeito de lhe avisar...

― O que?

Ela tirou um envelope do mesmo bolso que tinha retirado a foto ― Você sabe alemão?

― Não, apesar do nome.

― Não faz mal, essa carta ― ela apontou, ― ela era de minha senhora ao seu amante, o caçador do qual a traiu.

Arregalei os olhos ― Ela estava traindo Godric? Eu achei que tinha dito que ela o amava?

― Como eu disse, meu lorde pode ser um tanto difícil de lidar, e minha senhora acabou... se deixando levar ― Alexi suspirou ― Ela teve um filho com tal caçador, um filho que todos achávamos ter morrido no dia da traição, tendo em vista que ele desapareceu por completo... mas...

― Mas...?

Ela me direcionou um olhar incerto enquanto continuava a mordiscar o lábio, parecendo relutante em me contar o que quer que fosse o problema. Eu estava prestes à lembrá-la que não tínhamos tempo pra perder, quando ela finalmente se pronunciou ― O nome do garotinho era Lukas Von Feuerschütz.

Senti um arrepio me correr a espinha. Eu não estava gostando do caminho que isso estava tomando, por que um nome tão parecido com o meu? ― E...? ― a incentivei a continuar, e ela precisou respirar fundo antes que pudesse.

― E ele sobreviveu aquela noite, dando origem à uma longa linhagem ― ela continuou, finalmente tendo coragem de levantar o olhar para mim ― linhagem, da qual você pertence.

O ar pareceu se esvair completamente dos meus pulmões ― O que?!

― Lukas conseguiu escapar da morte de alguma forma naquela noite, e graças a isso, hoje você está aqui ― Alexi tentou explicar, não percebendo que Lucas estava completamente sem chão ― Você é descente da minha senhora, logo, tem sangue vampiro e bruxo correndo em suas veias.

Cambaleei, me deixando cair na poltrona mais próxima e me lembrando das palavras que ele havia dito.

“Tem alguém que zela por você do lado de cá, alguém muito poderoso, que me permitiu te alcançar para te avisar e dar à vocês dois a chance de escaparem dessa vivos.”

Por isso Francine me salvou do monstro, por isso ela permitiu que ele se comunicasse comigo, e por isso Alexi me achava tão similar à sua falecida senhora por quem tinha tanta admiração.

Eu sou um dos descendentes de Francine.

― Doutor? Está tudo bem? ― Alexi perguntou relutantemente, recebendo um olhar meu de “É serio que você tá me perguntando isso?” o que a fez parecer encabulada ― Perdão, eu sei que é uma pergunta estúpida...

― Como? Eu nunca tive nenhum tipo de poder, seja de vampiro ou poder!

― A linhagem pode ter perdido suas propriedades mágicas no decorrer dos anos depois de tanto se misturar com sangue humano, foram milênios afinal de contas-... ― ela parou de falar subitamente, o que me fez franzir ― Espera, você disse que viu um monstro?

― Sim, parecia uma pessoa, mas estava terrivelmente deformado e em decomposição... o lugar era horrível também, tipo um filme de terror de apocalipse zumbi.

Alexi pareceu maravilhada ― Seus poderes não se perderam no decorrer dos anos, eles estiveram adormecidos!

Pisquei diversas vezes. E eu achando que a minha vida não podia ficar mais louca ― De onde exatamente você tirou essa conclusão?

― O ser que você viu se chama ghoul, é um tipo de monstro que se origina de almas de pessoas ruins que perambulam entre os dois mundos, e apenas bruxos conseguem perambular pelas fissuras entre a realidade e o mundo dos mortos devido à sua afinidade com os espíritos ― ela explicou ― Ghouls tendem a atormentar as almas que acabam por cair nesse lado sombrio do além vida, e é por isso que a maioria busca refúgio no lado oposto, embora poucos consigam.

Pensei nele mais uma vez. Ele tinha dito que estava seguro, foi isso que quis dizer? Que enquanto ele estivesse daquele lado com Francine, ele estaria bem? Tudo parecia fazer sentido agora.

― Você não teria conseguido passar pelas fissuras se não fosse um bruxo ― Alexi continuou, fazendo com que Luca voltasse a atenção para ela ― tampouco teria sido capaz de ouvir os avisos do seu falecido namorado.

― Mas... por que isso está acontecendo agora? Eu nunca manifestei nenhum poder!

Alexi pareceu pensar por um segundo, e após alguns segundos, eu assisti realização brilhar nos olhos carmesin da vampira ― É o demônio! Já que ele acordando dentro do caçador, os seus poderes estão acordando em resposta!

Parei pra pensar por um segundo, e o que ela tinha dito fazia sentido. Eu nunca manifestei nenhum tipo de poder em meus 27 aos de vida, mas T3ddy não estava na minha vida antes de tudo isso também. Eu vivia uma vida humana normal e calma, não haviam motivos para poderes sobrenaturais se manifestarem em mim.

Mas agora... o que não faltam são motivos.

Encarei a palma de uma de minhas mãos ― Que tipo de poderes eu tenho?

― É difícil dizer, cada bruxo ou vampiro desenvolve uma habilidade diferente... a da minha senhora era relacionada com controle mental, que acabava sendo intensificada pelo seu sangue bruxo.

Voltei a olhar em sua direção ― Então quaisquer que seja a habilidade que eu desenvolva, ela vai ser intensificada?

― Sim.

Voltei a encarar minha mão, a fechando em um punho e franzindo. Eu não faço ideia de como a minha vida se tornou essa bagunça, e nem se estou preparado pra tudo isso, mas se tem uma coisa que tenho certeza, é que Godric vai a se arrepender amargamente de não ter mudado de ideia sobre nos caçar quando T3ddy o bloqueou na primeira vez. Nós o impediríamos, custe o que custar.

Esse era o desejo de Francine, e estava mais do que na hora de alguém honrar a sua vontade.