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História Guerra e Paz - Capítulo XIV - Da morte. Do anjo. Fim da 1a temporada.


Escrita por: KimonohiTsuki e JonhJason

Notas do Autor


--Capítulo final da primeira temporada da estória---

Capítulo atualizado em: 06/05/2023
Betado por: JonhJason & Rêh-chan

Capítulo 15 - Capítulo XIV - Da morte. Do anjo. Fim da 1a temporada.


Fanfic / Fanfiction Guerra e Paz - Capítulo XIV - Da morte. Do anjo. Fim da 1a temporada.

Capítulo XIV - Da morte. Do anjo. 

- COMO ASSIM TATSUMI TEM UMA IRMÃ?!

- Não berre Seiya, eu estou do seu lado e sou completamente capaz de te escutar. – Suspirou Shiryu. – E eu não disse que é irmã dele, disse que é sua sobrinha.

- Mas Shiryu!! Para ter uma sobrinha ele tem que ter uma irmã!

- Pode ser um irmão Seiya, não seja burro. – Interrompeu Hyoga. – Além disso, você deveria tratar Shiryu com mais respeito, afinal, agora ele é o Grande Mestre.

- Aaaaah quaaaal é! – Deu alguns tapas nas costas de Dragão. – Do que isso importa?! Ele continua sendo nosso grande compa-AAAAAAAAAAH!

Um enorme chute na cara fez o cavaleiro de Pégaso voar longe, acertando um pilar do salão do patriarca.

Era o dia anterior à grande Cerimônia de Sucessão, todos estavam muito animados e felizes com a nomeação de Shiryu Kido como o novo Grande Mestre. Sabiam das capacidades do oriental, sua calma e paciência seriam essenciais para os tempos que viriam.

E também para lidar com Seiya.

- Não importa que vocês sejam melhores amigos, você deve respeito a ele como Grande Mestre, será que tudo que eu te ensinei já fugiu dessa sua cabeça oca?! – Marin, a amazona de Águia, caminhou até seu discípulo com passo firme, seus cabelos ruivos até os ombros agitando-se com o vento.

- Maaariiiin! Não precisa me bater assim! – Lamentou.

- Pega leve com ele, Marin. – Interveio Shun, um pouco mais afastado dos demais, pendurando algumas cortinas com a ajuda de Ikki. – Ele pode ainda estar se recuperando, afinal, foram três longos meses com a espada do submundo fincada em seu peito.

- É ISSO MESMO! – Concordou levantando-se de um salto. – Shun tem razão! Obrigado, amigo!

Fez um sinal de positivo com a mão para seu meio-irmão, mas esse já havia virado o rosto de volta à sua tarefa.

- Você parece bem o suficiente para mim. – Taxou Marin seguindo caminhando até seu aprendiz. – O suficiente para voltarmos ao seu treinamento. Futuro cavaleiro de ouro ou não, você claramente ainda precisa de um polimento.

O jovem engoliu em seco, tendo claro que “polimento” o causaria muita, muita dor.

- Marin, por favor, se for por minha causa eu não me importo. – Tentou intermediar Dragão.

A amazona inclinou sua cabeça em sinal de respeito.

- Grande Mestre é um título de vital importância para todos no Santuário. A partir de agora você é a alma desse lugar, eu sei que deve ser difícil se acostumar a todos os protocolos, uma vez que está cercado de amigos íntimos, mas sua presença deve impor respeito para que as futuras gerações de cavaleiros que treinem no solo de Athena venham a te ver como grande exemplo e inspiração. Para tanto. – Chegou a Seiya o pegando pelo colarinho. – Eu irei me certificar de fazer os bons modos entrarem de uma vez na cabeça de meu estúpido aprendiz.

- Eu compreendo. – Colocou para completo horror de Pégaso. – Nesse caso, eu te desejo boa sorte.

- O QUÊ?! NÃO DEIXE ELA ME LEVAR SHIRYU!! NÃAAO! -  Ela começou a arrastá-lo. – SHUUUN, ME AJUUUDEE!! HYOOOGAAA!! IKKIIIII!!

Os amigos apenas observaram como o companheiro era cruelmente arrastado até as escadarias das doze casas.

- Então. – Continuou Hyoga como se nada tivesse acontecido. – Qual o nome dela?

- Ersa. – Dragão suspirou outra vez; aparentemente ser Grande Mestre o renderia muitas dores de cabeça. – Parece que Athena anda se sentindo um pouco desnorteada. É a primeira vez que nossa deusa sobrevive a uma Guerra Santa, a companhia de alguns civis que ela conviveu no passado pode ajudar a fazê-la se sentir melhor.

Enquanto isso, Seiya, que agora caminhava com os próprios pés seguia Marin pela casa de Peixes.

- Isso é realmente necessário Marin? Eu não quero parecer ingrato, mas eu não acho que ainda exista muito que você possa me ensinar. – Resmungou.

- Sempre existe algo para se aprender, Seiya. – Ela parou. – Mas antes eu preciso te perguntar uma coisa.

- E o que seria? – Deteve seus passos também.

- Você notou alguma coisa estranha com Shun? – Questionou virando-se para seu aprendiz.

- Estranha? Hmmm... – Colocou a mão no queixo.

- Ele parece estar te evitando.

- Sim, eu percebi isso. Eu tentei agradecê-lo várias vezes por ter salvado minha vida, caramba, só de pensar que ele treinou três meses inteiros só por minha causa! – Exclamou sorrindo contente. – Eu não sei o que fiz para merecer um amigo tão bom! Mas sempre que tentei falar com ele, ou ele arranjava alguma desculpa, ou Ikki ficava no meu caminho... Então eu não toquei mais no assunto. Acho que ele não quer que eu me sinta na obrigação de agradecê-lo ou algo assim, afinal, ele sempre foi muito bondoso.

- Entendo. Mas você não sentiu algo diferente?

- Diferente como?

- Vocês cresceram e conviveram muitos anos com ele, mas eu e Shina, por exemplo, não o conhecemos tanto. Talvez vocês estejam tão acostumados com a presença e cosmo dele que não notem qualquer sutil diferença. – Ela continuou caminhando pela casa de Peixes, de onde estava poderia ver as seis colunas sobre plataformas que marcavam a entrada do templo. – Há alguns dias, eu o vi parado na entrada do Santuário. Quando me aproximei, ocultando minha presença, ele parecia concentrado vendo uma rosa em suas mãos. Por um instante, eu tive certeza que seus olhos assumiram um brilho amarelo e um cosmo diferente o circulou, mas no momento seguinte Hyoga apareceu e eles saíram.

- Olhos amarelos?! Do que é que você tá falando Marin? – Coçava a cabeça sem entender. – Ele devia só estar lembrando-se de Afrodite, ele nunca se perdoou por ter matado aquele cara, talvez o cosmo diferente que você disse seja só ele se lamentando sobre isso. Essa história dos olhos deve ter sido só sua impressão!

-...Talvez. – Alegou a Amazona. – De qualquer forma, temos que treinar sua percepção, além da sua inexistente educação.

E ignorando os lamentos de seu aprendiz, os dois voltaram a descer as doze casas.

Contudo, a guerreira era incapaz de esquecer a presença que sentiu aquele dia. Aqueles olhos amarelos vivos... Por um instante, era como estar olhando diretamente para a morte.

-.-.-.-.-.-

Cavaleiros e amazonas estavam reunidos no salão do Grande Mestre. Ajoelhados do lado direito e esquerdo do trono. Todo o lugar estava decorado com cortinas e flâmulas brancas com o desenho de cada uma das constelações.

Num canto mais afastado, Shunrei conversava com uma mulher alta e morena, cabelos curtos e espetados, de porte musculoso ao lado de Seika.

- ...Tem certeza que aquilo é uma mulher? – Cochichava Seiya, vestindo túnicas brancas gregas como todos os demais. – Ela parece tão máscula.

- Parece até mais masculina que o Shun. – Brincou Jabu. Depois daquela manhã, Ikki havia desaparecido completamente como sempre costumava fazer, o que deu ânimos ao cavaleiro de Unicórnio a voltar com suas gracinhas.

- Quieto Jabu, a menos que queira passar toda a cerimônia num esquife de gelo. – Ameaçou Hyoga, o ar ao seu redor já ficando mais frio.

- Eii! Eiii! Eu só estou brincando, Cisne!

- Parem com isso, por favor. – Pedia Shun num cochicho. Ficar ajoelhado por tanto tempo estava consumindo todas as suas energias, para ainda por cima ter que separar essas briguinhas.

- Escutem Shun e mantenham a compostura. – Recriminava Kiki. – Seiya, Jabu, não é hora de brincadeiras, essa é uma cerimônia séria.

- O baixinho tem razão. – Concordou Geki. – Nunca pensei que teríamos a honra de presenciar uma cerimônia dessas! - Deu um enorme tapa nas costas do ariano, quase o fazendo dobrar os joelhos e dar de cara no chão. – E pensar que daqui há pouco tempo você também será um dourado!

- Obrigado... – Hesitou. Não sabia se estava realmente preparado para herdar a armadura de seu mestre, mesmo que conseguisse sentir que estava ao ponto de despertar seu sétimo sentido.

- Eu não acredito que até mesmo o Kiki está me dando broncas agora! – Resmungou Seiya.

- Para você ter uma ideia do quão infantil você é. – Recriminou Ichi.

- Há, pelo menos eu consigo fazer algum arranhão nos meus adversários. Jabu me contou o desastre que foi seu treinamento com o Shun! – Ironizou Seiya.

- Por Zeus. – Interveio Nachi de Lobo, seus cabelos negros até o ombro tampando parcialmente seu rosto. – Parem com isso, vocês parecem ter cinco anos.

- Por que vocês têm que começar a discutir justamente agora? – Questionou o segundo homem de maior porte entre todos, Ban de Leão Menor, seus cabelos ruivos e curtos em contraste com sua armadura laranja. Ele, Ichi, Geki, Ban, Nachi e Jabu, a igual que Marin e Shina que estavam ajoelhadas do outro lado, eram os únicos que levavam suas armaduras.

O murmúrio pareceu se intensificar depois dos comentários de Lobo e Leão Menor, passando a uma pequena discussão. Shun suspirou frustrado, Athena e Shiryu já deveriam ter entrado. Não havia passado sequer cinco minutos, mas a dor abissal que sentia ao manter-se de joelhos, somando as discussões sem sentido algum, adicionando o fato que estava preocupado com seu irmão, que havia saído atrás da Sobrepeliz de Benu uma vez que o tempo dos dois no mundo dos vivos estava se esvaindo. Tudo isso junto estava forçando o calmo virginiano aos poucos a perder sua paciência.

Isso era um sério problema, uma vez que seu cosmo negro poderia se manifestar.

- Por favor, mantenham silêncio. – Sua voz saiu mais áspera do que gostaria. Um vento de um gélido diferente do produzido por Cisne percorreu a todos, causando-lhes um frio na espinha. Tudo ficou em silêncio imediatamente depois.

Hyoga observou surpreso seu amigo, mas sua expressão seguia neutra e apaziguada como sempre. Jamais imaginou que seu meio-irmão poderia impor tal sensação com apenas algumas palavras.

Porém esse assunto morreu quando Athena saiu de uma porta lateral com Shiryu do seu lado.

A deusa andou até o trono e Dragão posicionou-se à sua frente, ajoelhando-se.

- Estamos todos aqui reunidos hoje com a graça de meu pai Zeus, para coroar os novos guerreiros da esperança que lutarão em nome do amor e da justiça, sob as Doze Sagradas Constelações do Zodíaco. – Entoava em tom sereno e atinado. – Desde os tempos mitológicos, Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes lutaram ao meu lado para promover a paz na Terra. Na última Guerra Santa, contudo, todos os nossos companheiros que viviam para estas constelações pereceram...

Kiki abaixou a vista com o comentário, Geki colocou a mão em seu ombro em forma de apoio.

-...Seu sacrifício permitiu que um brilho tão intenso quanto o Sol invadisse o Submundo e abrisse um buraco no Muro das Lamentações, permitindo assim que Seiya, Shiryu, Hyoga, Shun e Ikki pudessem ir ao meu encontro nos Campos Elísios e, por fim, destronar Hades de seu reinado de terror. – Sua voz agora era melancólica e triste. – Jamais nos olvidaremos de seus honrosos sacrifícios. Muh, Aldebaran, Saga e Kanon, Máscara da Morte, Aioria, Shaka, Dohko, Milo, Aiolos, Shura, Camus, Afrodite e Shion. O seu sacrifício será eternamente lembrado, e mesmo se o céu se abrir em uma chuva torrencial de doze dias, as gotas não se comparariam com todas as lágrimas que nossos corações derramam e sempre derramarão por perdê-los.

Ela fez uma pausa, suas palavras emocionando todos os presentes.

- Contudo, não louvaríamos seu sacrifício se nos mantivéssemos apenas a lamentar. Devemos honrar suas vidas perdidas seguindo em frente sempre, em nome do amor e da justiça, como os guerreiros da esperança que protegem a Terra. Para tanto, herdando a vontade daqueles que nos observam desde as estrelas, hoje saudamos seus sucessores, de corpo e alma.

Saori indicou com a mão atrás do trono do Grande Mestre, onde as doze armaduras haviam sido posicionadas em fileira horizontal. Então, ela voltou-se até o trono e pegou um capacete dourado, com um pássaro de asas abertas no topo.

- Ajudando-nos e conduzindo-nos a nova era, eu o nomeio Shiryu, como novo cavaleiro de ouro de Libra.

Com essas palavras o mencionado levantou-se, ainda de cabeça baixa, ao tempo que a armadura da sétima casa saía de sua urna e equipava completamente seu novo senhor.

- Além disso, eu oficialmente o nomeio Grande Mestre do Santuário. – Athena aproximou-se, Libra inclinou ainda mais sua cabeça permitindo sua deusa a colocar o capacete sobre ela. – Que a balança da justiça sempre o ajude a tomar suas decisões, sempre ponderando em nome daqueles que buscam seu auxílio. Herdai a sabedoria de Dohko e a paciência sublime de Shion e nos guie em direção a um futuro de paz e prosperidade.

- Eu juro pela constelação de Libra que sempre serei o equilíbrio que indicará o caminho da justiça. – Declamou o Grande Mestre.

- LONGA VIDA AO GRANDE MESTRE! – Declararam todos, mesmo Shunrei que chorava emocionada, sendo amparada por Ersa ao seu lado.

Após isso, o ex-cavaleiro de Dragão se posicionou novamente do lado direito de sua deusa.

- Agora, Shun. – O cavaleiro levantou-se com graça apesar de sua dificuldade e voltou a se ajoelhar em frente aos dois. – Cavaleiro cuja empatia sempre esteve acima do desejo de vencer no campo de batalha. Sob a constelação representada por Dice, a personificação da justiça, eu o nomeio cavaleiro de ouro de Virgem. Que a prudência de Shaka guie seus passos.

Virgem levantou-se, e no instante seguinte sua armadura dourada abriu caminho por entre sua urna, vestindo-o.

- Eu juro Athena, pela constelação de Virgem, que como a justiça cega eu sempre julgarei a todos com igualdade e benevolência. – Articulou o novo Senhor da Morte.

E assim se encaminhou até o lado do Mestre do Santuário.

- Droga Hyoga. – Cutucou Seiya num cochicho. – Você pensou em algum discurso?

- Agora não Seiya, você deveria ter pensado nisso antes! – Resmungou entre dentes Cisne.

- Mas ninguém me avisou!! – Defendeu-se.

 - Seiya. – Chamou docemente a deusa.

- Lascou-se...

Ainda assim levantou-se e ajoelhou-se frente aos outros três.

- Meu eterno salvador. – Anunciou em tom suave. – Que sempre retorna à Terra ao meu lado, desafiando os céus se necessário em nome da justiça e do amor. Sob a constelação do Arqueiro, eu o nomeio cavaleiro de ouro de Sagitário. Que o altruísmo de Aiolos sempre guie seu coração.

Ao seu mando, a urna da nona casa abriu-se e a dourada armadura sem hesitar cobriu o corpo de seu novo guerreiro.

- Entãaao... – Começou Sagitário de pé, coçando sua nuca. – Ninguém me disse que eu teria que fazer um discurso!

Seika sorriu para o pouco tato do irmão, Athena riu sutilmente, ao tempo que Shiryu levava uma mão ao rosto em descrença e Shun suspirava. Seiya sempre seria Seiya.

- Eu vou matá-lo quando essa cerimônia acabar. – Rosnou Marin.

- Eu te ajudo. – Ofereceu-se Shina.

-...Maaas! – Tornou a falar. – Eu prometo Saori, pela constelação de Sagitário e pelo sacrifício de Aiolos que eu sempre vou te proteger e cuidar da Terra! – Colocou os braços atrás da cabeça com irreverência. – Afinal, é para isso que nascemos, não é?

Então se encaminhou até o lado de Shun.

- E aí, fui bem? – Sussurrou.

- Acho que Marin quer te matar. – Contestou simplesmente Virgem sem olhar para o outro. Ao ver a aura assassina de sua mestra, Sagitário engoliu em seco.

- E por último, Hyoga.

O aquariano prontamente levantou-se, tornando a se ajoelhar frente aos quatro.

- Cavaleiro cuja lealdade e devoção são mais rígidos até mesmo que o gelo obtido do zero absoluto. Sob a constelação representada por Cécrope, o primeiro rei de Atenas, eu o nomeio cavaleiro de ouro de Aquário. Que a razão de Camus sempre o faça ver por entre a bruma dos sentimentos.

Ficando de pé, a veste de aquário abandonou sua urna ansiando por seu novo senhor.

- Eu juro pela constelação de Aquário, sempre guiar-me pela racionalidade, e não deixar-me cegar pela ilusão das emoções, mas saber reconhecer sua importância quando necessário. – Proferiu o mago do gelo.

  E então se encaminhou ao lado dos demais, ao tempo que os cavaleiros de bronze, Kiki e as amazonas de prata se posicionaram numa fileira horizontal frente aos cinco, ajoelhando-se mais uma vez.

- VIDA LONGA AOS NOVOS CAVALEIROS DE OURO! – Entoaram todos juntos, sorrindo orgulhosos. -  CONFIAMOS A VÓS A SEGURANÇA DA TERRA E DE ATHENA!

-.-.-.-.-.-

“Então na cerimônia ocorreu tudo bem?”

“Sim, mas Seiya se atrapalhou um pouco.”

Típico.”

“Eu fiquei preocupado que a armadura de Virgem me recusasse, mas isso não aconteceu.”

“E por que aconteceria Shun? Se a constelação de Virgem é mesmo representada pela justiça, não existe qualquer razão para ela te recusar meu irmão! Ainda está para nascer sob esta terra alguém mais justo que você, que é misericordioso até mesmo com seu pior inimigo.”

Shun sorriu enquanto usava-se da relação senhor-espectro para conversar mentalmente com seu irmão. Encontrava-se em posição de lótus meditando no jardim da casa de Virgem, embora toda a vegetação estivesse seca e morta e qualquer novo broto que tentava nascer era imediatamente sufocado pelo miasma* expelido pelo braço direito do cavaleiro.

Braço o qual, sem o uso de suas habilidades de ilusão para dar-lhe uma aparência normal, estava completamente podre. Os músculos de aparência elástica e amarronzada pareciam secos e se envergavam em direção aos ossos.

Apenas aquele jardim, transformado aos poucos em um pequeno mundo de morte desde a chegada de seu novo senhor, era testemunha daquele sacrifício. Nem mesmo Ikki tinha visto os horrores que a concentração de toda a força do Submundo poderia fazer num corpo humano.

Manchas roxas estavam espalhadas por toda a carne do virginiano, além de uma palidez assombrosa, também estava mais magro que o normal, dando ao seu rosto uma aparência ossuda.

“Talvez você tenha razão.”

Respirava com tranquilidade pela primeira vez desde que absorveu a força do Submundo. Sem dores, sem sentir-se morrer aos poucos. A armadura dourada parecia ter se apiedado dele, ou de alguma forma astral entender seu sacrifício e ressoava de tal forma que aliviava, pelo menos por alguns instantes, todo o seu sofrimento.

Talvez estivesse apenas numa grande ilusão de mitigo momentâneo, mas o imperador não se importava.

“Eu estou chegando à Alemanha agora.” - Informou o espectro. - “Esses aviões são assustadores... Imaginar que a tecnologia evoluiu tanto em 243 anos. Ainda de tarde estarei no Castelo de Heinsteim.”

“Depois temos que pensar numa utilidade para essa mansão.” – Meditou Shun. - “Embora acho que ela precisará de algumas reformas...”

Shun.” – O tom de seu irmão era sério e preocupado. - “Quando eu retornar...”

“Iremos ao Submundo.” - Completou o mais novo. - “...Sim, eu não vou suportar muito mais tempo.”

“Isso é estúpido!” - Exclamou irritado Ikki. - “Você está morrendo, eu deveria estar aí!”

“Você sabe... É engraçado te ouvir dizendo isso... Todo mundo só acha que você desapareceu como sempre faz. ‘Ele finalmente se cansou’ todos disseram.”

“...Shun...” - Hesitou. - “...Eu sei que todas as vezes que eu desapareci sem te dizer nada foram... Egoístas, eu... Estava muito preso ao que aconteceu com Esmeralda... Hã... Eu nunca te disse isso, mas quando sumia eu ia visitar o túmulo dela. Eu me sentia muito responsável pelo que aconteceu.”

“...Ikki...”

“Com o retorno das minhas memórias eu finalmente pude me reconciliar com meu passado. Eu não tenho mais porque fugir. É verdade que eu simplesmente odeio estar cercado de pessoas, e prefiro seguir meu próprio caminho, mas agora é diferente. Por isso eu não entendo a razão pela qual você pediu que eu me afastasse justamente agora!”

“Mesmo que não seja algo definitivo, eu não quero que você me veja morrer.” – A resposta foi taxativa. - “Eu não quero que você assista a morte de seu irmão, sem poder fazer nada, não outra vez.”

Ikki não foi capaz de responder.

“O mais importante agora.” - Continuou sua conversa mental. - “É que você consiga recuperar sua sobrepeliz, só assim poderemos voltar ao Submundo, eu ainda não sou capaz de abrir a entrada sozinho e Athena selou o portal que havia no castelo. Então assim que eu morrer, você deve seguir com a seguinte parte do nosso plano.”

“Eu odeio esse plano.” – Colocou com raiva.

“Eu te deixo elaborar o próximo. Por favor, me avise assim que encontrá-la.” - Hesitou. - “E se eu não responder...”

“Sim... Tudo bem.” - Atestou com amargura.

Abriu os olhos, estando novamente frente à visão daquele jardim apodrecido. Provavelmente fosse influência da energia que absorveu, ou mesmo a consciência de Hades em seu corpo, mas pela primeira vez pôde apreciar o quão poética e bela a morte poderia ser.

Assim que deixasse aquele templo, as flores e a grama continuariam se decompondo, formando um adubo perfeito, aquela terra seria completamente fértil outra vez, possibilitando o surgimento de uma nova vida.

A vida dos humanos era igual, finalmente era capaz de entender.

“...Estou surpreso que tu conseguiste convencer Kagaho a partir...” - Hades comentou em sua mente.

“Nós mortais chamamos isso de ‘Apelo do irmão caçula.’ É uma técnica meio baixa de ser utilizada, mas muito eficaz.” – Brincou Shun. - “Ikki odeia ordens, sempre foi assim, mas ele nunca foi capaz de dizer não para mim quando eu pedia com jeito.”

“...Hooo, isso é cruel, manipular o complexo de irmão assim. Isso nunca funcionaria comigo. Se Zeus aparecesse no Submundo apelando para o fato de ser o caçula, eu teria feito Cérbero comer a cabeça dele...”

“Espera... Zeus é o caçula?!” – Surpreendeu-se.

“...Sim, de nós seis...” - Concluiu. - “...Nós o tornamos senhor dos deuses em agradecimento por ele ter-nos libertado do estômago de Kronos. Nosso pai engolia cada um de nós depois de nosso nascimento, nossa mãe, Rea, só conseguiu salvar Zeus...”

“Você foi devorado por seu próprio pai?!” - Exaltou-se. - “E eu pensei que tinha uma família complicada tendo 98 meio-irmãos e o Ikki.”

Um longo silêncio se fez.

...Tu tens O QUÊ?...” - Impressionou-se o deus. - “...Eu achei que apenas Seiya fosse teu meio-irmão, era assim que costumava ser...”

“...Você não sabia?”

“...Eu estava selado, além disso, o trabalho no Submundo me ocupava tempo o suficiente, para ainda ficar vigiando como Athena escolhia seus cavaleiros...”

“...É uma história meio bizarra.” - Começou Virgem. - “Quando Saga tentou matar Athena, Aiolos a salvou e fugiu ferido. Antes de morrer ele encontrou Mitsumasa Kido e entregou-lhe Athena. Então... Ele... teve cem filhos com mulheres diferentes e nos enviou quando crianças para treinarmos e obter nossas armaduras. Porém apenas dez de nós voltaram vivos...”*

Shun conseguia sentir que Hades estava horrorizado com seu relato.

“...Acho que nem Zeus seria capaz de algo assim... E acredite, ele era um verdadeiro canalha quando se tratava da maioria de seus filhos...” - Colocou com amargura. - “...Athena só o admira porque não o conheceu realmente. Eu e Poseidon sempre soubemos quem ele realmente era, por isso, preferimos simplesmente nos afastar. Porém o mais irônico de sua história Shun, é que noventa crianças inocentes supostamente morreram em nome de sua querida Athena, tentando tornar-se cavaleiros. Ao tempo que eu, sempre acompanho a reencarnação de meus espectros para ter certeza que todos voltem em segurança ao Submundo. E no, entanto, eu sou o vilão...” – Finalizou com ironia.

“Não seja cínico, Hades. Eu sou capaz de respeitar sua atitude com os espectros, além disso, admito que... Isso que Kido fez não... É exatamente uma ação digna. Mesmo que visasse a proteção da deusa e da Terra, não justifica o sacrifício de tantas vidas inocentes. Mas não se esqueça Hades, que a cada reencarnação você encontrava uma forma de cometer um genocídio contra toda a humanidade, matando milhares de inocentes, isso definitivamente te faz o vilão.”

Fechou os olhos com força.

“Toda vez que eu me lembro de todas as pessoas inocentes que você fez eu matar... Como Maria, Anna e Carlo...* Eu nunca vou esquecer seus rostos sem vida aos meus pés...” – Lágrimas começaram a rolar por sua face esquelética. - “ E mesmo assim, lembrando de tudo que você me fez passar, todo o mal que causou a humanidade, eu simplesmente não consigo te odiar. Depois desses três meses eu até mesmo quase sinto simpatia por ti, e isso me assombra.”

“...Tu não és capaz de odiar Shun, por isso es a alma mais pura da Terra. Mesmo seu pior inimigo, mesmo o pior ser humano da Terra, tu o julga com neutralidade. É por isso que a cada reencarnação eu escolhia teu corpo para voltar à Terra...”

“Se você se preocupa tanto em julgar todos com justiça, por que nunca deu uma chance à humanidade?!” – Exaltou-se.

“...Porque o ser humano se corrompeu. Eles são egoístas e movidos pela ganância e luxúria. Apenas matando uns aos outros sem qualquer razão lógica. O dinheiro e a cobiça parecem valer mais que suas próprias almas, Prometeu foi castigado por meu irmão Zeus por conceder o fogo aos mortais e assim possibilitá-los de desenvolver suas tecnologias e conhecimentos. E o que eles fizeram?! Bombas! Armas que respiram fogo e cospem metal! Onde está a justiça e honra das guerras?! Milhões e milhões de inocentes morrem, inocentes que sequer estavam trajados para lutar!  No princípio dos tempos apenas os guerreiros morriam em batalhas, não havia uma carnificina assim! O que o homem se tornou... Me enoja, e eu não me arrependo de querer expurgar sua imundice da Terra e tentar recomeçar tudo de novo. Nisso, pelo menos, eu e Poseidon concordamos...”

“...Eu admito, o ser humano pode ser cruel num nível que mesmo um deus é incapaz de compreender.” – Ponderou Shun, sentindo o peito apertar. - “Mas a Terra não é composta apenas de pessoas assim! Há aqueles que fazem caridade, que sempre olham pelo próximo, que se sacrificam por aqueles que amam, que sempre estão dispostos a estender a mão aos necessitados. Por pessoas assim, eu quero continuar acreditando no ser humano, que existe bondade mesmo na alma mais turva.”

“...És muito inocente...”

“E você muito descrente. Quantas vezes veio à Terra, ver como os humanos agem em suas vidas?” – Questionou com firmeza.

Hades não respondeu. Shun sentiu que algo estava errado, então lhe ocorreu, por mais que parecesse absurdo.

“...Você nunca saiu... Do Submundo? Quero dizer, por si mesmo, plenamente consciente e em seu próprio corpo.” - Colocou surpreso.

Novamente não houve resposta.

“...Então... Tudo que você sabe sobre o ser humano, tudo que viu, é baseado no julgamento das almas dos mortos?”

“...E o que tens isso? É no Submundo que eles mostram sua verdadeira face, todos os seus pecados estão expostos à sua pele...” – Colocou com repulsa.

“Você não entende?! Esse é o problema!” – Exclamou Shun fascinado com sua descoberta. Sua mente trabalhando rapidamente. Agora tudo fazia sentido! Porque Hades parecia ter uma personalidade tão áspera e em alguns momentos tão benevolente.

Toda a sua existência desde os tempos mitológicos, Hades esteve preso ao Submundo. Apenas emergindo para guerrear contra Athena, vendo o mundo apenas pelos seus olhos, os olhos da alma mais pura. A visão pessimista moldada em observar e julgar por séculos e séculos os pecados dos homens, jamais acreditaria plenamente na perspectiva otimista de uma alma incapaz de odiar, mas tal influência concedia um pouco de luz à sua existência, alimentando o bom lado do deus.

Eles eram o perfeito Yin e Yang, que Shiryu lhe explicou uma vez.

Ele teria que aprender a ser mais austero e Hades mais flexível.

“...Onde tu estás tentando chegar, Shun?...” - Questionou a divindade sem entender.

“...Eu vou te provar...” - Declarou com determinação. - “...Que o ser humano pode ser justo, bondoso e benévolo. Eu te prometo Hades, eu te farei mudar de opinião!...”

O outro bufou descrente.

“...Boa sorte...” – Disse com sarcasmo.

-.-.-.-.-.-

Saiu da sexta casa a passo lento, deixando o vento suavemente tocar seu rosto, as dores voltavam aos poucos, mas por outro lado sentia que com a ajuda da armadura de ouro conseguia manter suas ilusões por mais tempo. Mal era capaz de acreditar que conseguiu ludibriar mesmo Athena durante a cerimônia, mas novamente, não haveria porque qualquer um suspeitar que estava se utilizando desse tipo de habilidades.

Não havia dito a ninguém, mesmo Ikki, que havia treinado a utilização de técnicas ilusórias. Para enganar seus inimigos, engane seus amigos primeiro. Doía verdadeiramente ter que fazer algo assim, mas precisava ter certeza de que ninguém veria por trás de sua técnica.

Assim que tudo acabasse, ia desculpar-se com seu irmão.

Encostou-se em uma das figuras budistas que decoravam a entrada do templo. Mesmo que não fosse por muito tempo, havia se afeiçoado àquele lugar, pela primeira vez desde que saiu da ilha de Andrômeda, sentia-se em um local que poderia chamar de lar, junto a pessoas que poderia chamar de família.

A armadura dourada começou a ressoar, como se tentando confortá-lo, não sabia como, mas ela parecia saber que seu novo dono logo partiria. Contudo, entendia e aceitava.

- Eu realmente tive sorte em questão de armaduras. - Declarou para os ventos, tocando seu peito protegido pela superfície dourada.

Lembrou-se do final da cerimônia, quando ficaram frente a frente com as armaduras de bronze de Dragão, Andrômeda, Pégaso e Cisne, despedindo-se de suas velhas companheiras de tantas batalhas. Foi um momento muito emotivo, vê-las voltando para seus lugares de origem. Mesmo que estivessem de lados opostos, esperava que o futuro reservasse bons cavaleiros para cada uma delas.

Começou a descer lentamente, o som do metal de sua vestimenta tilintando a cada passo. Os demais deveriam estar treinando no coliseu agora, enquanto Shiryu se organizava pegando suas coisas da casa de Libra e levando-as aos aposentos do Grande Mestre.

Quando finalmente chegou ao local, pôde ver uma batalha chegando ao final.

Jabu enfrentava Kiki. O unicórnio era extremamente rápido, correndo em círculos ao redor do ariano. Apesar de sua telecinese, o mais novo parecia ter alguma dificuldade em acompanhar os movimentos de seu companheiro.

Ou ao menos, isso parecia estar acontecendo. Os demais cavaleiros de bronze davam ânimos a Jabu enquanto esse corria cada vez mais rápido, diminuindo aos poucos a circunferência entorno de seu adversário.

Kiki não mostrava qualquer reação, até o momento que seus olhos começaram a brilhar e pedras soltas de todo o coliseu se levantavam. Elas começaram a tentar acertá-lo de todos os ângulos, mas o japonês foi rápido o suficiente para escapar de todas, o círculo que fazia contra o ariano cada vez menor.

O cosmo começou a se concentrar em esferas nas palmas das mãos de Kiki enquanto estendia os braços.

- Extinção Estelar!!

Raios diagonais de luz saíram dos globos, iluminando tudo e envolvendo Jabu num brilho intenso, que se tornou um enorme pilar de claridade sumindo em direção aos céus.

E no instante seguinte, as luzes emergiram próximas ao cavaleiro de Virgem, deixando o loiro caído aos pés de Shun.

- Olá Jabu. - Cumprimentou o virginiano.

- Droga! - Exclamou irritado levantando-se de um salto. - Ele faz isso toda a maldita vez!

Sem dizer nada mais, correu de volta a arena onde Kiki já esperava a repreenda.

- Por que você sempre faz isso?! - Exigiu. - Esse é um treinamento sério! Eu treinei e me esforcei para ser um cavaleiro e proteger Athena como todos aqui!

- Eu sei, eu só... - Colocou a mão na nuca tentando se explicar. - Não quero te machucar desnecessariamente.

- Não me subestime maldito pivete! - E batendo o pé saiu da arena, Ichi, Nachi e Ban o seguiram na esperança de acalmar o amigo.

- Ei, não precisa fazer essa cara. - Geki se aproximou amigável. - Você é muito habilidoso Kiki, e por ser bem mais novo que todos nós, Jabu se sente frustrado. Ele sempre teve a ambição de ser o mais forte e impressionar a senhorita Saori.

-...Isso é meio estúpido. - Resmungou Áries inflando as bochechas.

- Haha! Talvez, mas é como ele é.

- Eu não quero desprezar as habilidades dele, ele realmente está ficando muito veloz! É só que... - Tentava achar as palavras certas. - Eu ainda não tenho tanto controle das minhas técnicas.

- Com a velocidade que Jabu estava alcançando. - Shun começou a descer a escadaria do coliseu, chamando a atenção dos outros dois. - Se Kiki utiliza-se de sua habilidade "Muralha de Cristal", o impacto resultante de sua aceleração causaria um enorme dano. A armadura de bronze não resistiria em boa parte a colisão e desse modo Jabu iria se ferir gravemente, quebrando pelo menos alguns ossos. Tendo conhecimentos de cura, e conhecendo as características dos nossos trajes como ninguém, Kiki resolveu não correr o risco.

Geki observou o ariano maravilhado, ao tempo que o menor abaixava a cabeça envergonhado.

-...Eu não quis desprezar as habilidades dele, eu só não tinha certeza se ele desviaria a tempo da minha muralha para evitar danos mais graves... - Suspirou bagunçando seus próprios cabelos com as mãos. – Eu sei que como cavaleiro eu não deveria hesitar assim, mas...

- A paz é a expressão da verdadeira força, Kiki.* Hesitar em lutar porque sabe que seu golpe pode ser mortal, é um sinal de bondade e empatia. Não tenha vergonha disso. – Sorriu docemente. – É importante nos manter fortes e treinados, para que estejamos prontos para defender a Terra e a justiça, mas sempre devemos primeiro tentar fazer isso pelo caminho da paz. Tentar entender o problema ao invés de simplesmente avançar a ele com nossos punhos.

O futuro cavaleiro de Áries sorriu enquanto Geki bagunçava ainda mais seus cabelos. Pouco depois ambos se encaminharam para a saída do coliseu, Shun se manteve ali, dizendo que iria mais tarde.

- Você estava preocupado? – Se voltou a uma das entradas, de onde Shiryu escutou a conversa.

- Eu senti cosmos exacerbados aqui e desci para intermediar se necessário. – Respondeu se aproximando do amigo.

- Parece que você já está incorporando o Grande Mestre. – Brincou Virgem.

- Talvez. Mas não foi necessário, você acabou se adiantando. – Comentou tranquilo. - O que você disse para o Kiki foi muito bonito. Fez-me lembrar quando Muh nos deu o benefício da dúvida quando nos conheceu, ao invés de nos encarar diretamente como inimigos. Se o tivesse feito naquele tempo, não acho que teríamos sobrevivido.

Inclinou seu rosto em direção ao céu.

- Você sempre foi muito pacifista Shun, sempre tentou resolver tudo apenas conversando, por isso eu gostaria que você fosse o Grande Mestre.

- Não significa que você não possa seguir o mesmo caminho. – E então uma ideia lhe ocorreu. – Vamos fazer uma promessa meu amigo.

- Uma promessa? – Perguntou curioso, voltando a se virar ao outro.

- Vamos prometer, que de agora em diante, independente do que aconteça, ou do que o futuro nos reserve. Sempre tentaremos seguir o caminho da paz antes de recorrermos à guerra.

Talvez estivesse sendo injusto com o novo Grande Mestre do Santuário, que não fazia a menor ideia de que estava frente ao novo Senhor do Submundo, mas não estava sendo desonesto em suas palavras.

Cada um estaria à frente de um grande exército divino em alguns anos. Se conseguissem manter a paz, o futuro poderia finalmente ser menos sombrio.

Shiryu sorriu esticando a mão sugerindo um cumprimento.

- Será uma promessa então! – E ambos apertaram as mãos.

-.-.-.-.-.-.-

 Porém a calmaria tinha passado, e havia chegado o dia da grande tempestade.

Chegou aos ouvidos do Grande Mestre que roubos violentos, latrocínios e assassinatos cruéis se espalhavam por toda a Grécia, as pessoas da pequena vila de Rodorio começaram a se sentir inseguras.

Não parecia ser um caso isolado, no entanto, na Alemanha Ikki também havia testemunhado coisas estranhas, o que acabou atrasando a busca de sua sobrepeliz.

Ninguém mais parecia ser capaz de “morrer em paz”, mortes por doenças cruéis, assassinatos e acidentes pareciam ser o único meio que os mortais tinham para conhecer o fim de suas vidas. Hades o informou que isso era reflexo da extinção de Thanatos, que cuidava da “morte tranquila”. Então agora apenas Átropos, as Kéres e Moros levavam a morte aos mortais. Apenas Anaplekte, das Kéres, e Moros levariam a uma morte rápida e indolor, para todos os demais, esperaria apenas o tormento e a dor.

Quando fosse ao Submundo, teria que dar um jeito de suprimir a ausência do Primordial. Mas como os cavaleiros não eram conhecedores dessa consequência, Shun foi enviado a investigar em Calamata, uma cidade ao sul da Grécia, uma sequência de atos cruéis. Marin, a amazona de Águia se ofereceu para acompanhá-lo nessa missão.

Nenhum dos dois levou suas armaduras, para evitar chamar a atenção, contudo, Marin seguia com sua fiel máscara, uma regata negra e uma calça vermelha. Shun, por sua vez, vestia também calças negras, blusa branca e suspensório.

Porém os dois ficaram completamente surpresos com o que encontraram ali.

As ruas estavam desertas, apesar de ser a segunda cidade mais populosa da península de Peloponeso.

Na avenida litorânea Navarinou*, todos os restaurantes estavam fechados e nenhum turista caminhava pelo calçadão. Um terrível assassinato havia acontecido na calçada de uma velha casa abandonada dali, ao lado de um restaurante de paredes amarelas que tentava imitar um antigo templo grego com duas grandes colunas, e um hotel de arquitetura italiana do outro lado.

O morador daquela construção abandonada, de pinturas lascadas e porta vermelha, havia morrido há muitos anos, suicidou-se após matar toda a sua família. Por alguma razão alguém aproveitou-se da má fama da casa para promover novas matanças.

- Não tem exatamente uma boa aparência. - Comentou Marin. – Além disso, eu sinto uma sensação estranha vindo daqui.

Shun não respondeu. Aquela casa estava completamente transbordada de um miasma violento, aquilo não poderia ser natural.

- Marin, talvez seja melhor você reunir informações, você viveu na Grécia toda a sua vida, saberia melhor como se comunicar com essas pessoas. – Sugestionou sem tirar os olhos da casa de dois andares.

-...Muito bem. – Comentou a outra o encarando de lado. – O que você fará?

- Eu investigarei dentro da casa.

Shun subiu os três degraus que levavam da calçada a plataforma na frente da moradia. Dois pilares quadrados um pouco a frente da porta de entrada davam espaço a uma pequena sacada no andar de cima.  Quando a amazona desapareceu de vista, o cavaleiro forçou a porta e entrou.

“...Essa mulher suspeita de ti...” – Levantou Hades uma vez que estavam sozinhos.

“Eu percebi.”

“...O que planejas fazer?...”

“Primeiro eu quero resolver isto, depois pensamos nela.”

O primeiro cômodo da casa era uma grande sala vazia onde a grama entrava por várias partes do piso, a pintura estava bem gasta, além de mofada em algumas partes.

“...Todo esse miasma é realmente reconfortante, quase nostálgico, parece que este lugar pertence ao Submundo ao invés da Terra...” - Comentou a divindade.

“Mas definitivamente não é algo natural.”

Caminhou mais um pouco até o fundo da sala, subindo uma escada de mármore sujo que levava ao segundo andar. Lá o telhado estava corroído em várias partes, um enorme salão de piso negro que levavam a dois menores laterais. Porém algo logo após a escada chamou sua atenção.

Um pequeno cão negro morto, não deveria sequer ter um ano.

“...Ele deve ter entrado pela janela quebrada...” - Comentou Hades. - “...Não sobreviveu muito tempo a essa atmosfera...”

Shun aproximou-se com lástima, tocando o pequeno animal.

“Ainda está quente...” – Concentrou seu cosmo em sua palma aberta, enquanto seus olhos assumiam uma tonalidade amarela.

“...Hunf, tu não perdes esse costume. Mas acho que Cérberus gostará de uma companhia...”

No instante seguinte o pequeno animal abriu lentamente os olhos, virando-se para seu salvador.

- Olá pequenina. – Cumprimentou Virgem, enquanto o animal levantava-se e começava a bater suas patas no chão feliz.

- Aau! Auuu! – Ela correu na direção do cavaleiro, babando toda sua calça, depois se jogando no chão e pedindo carinho. Shun sentou-se e começou a acariciar as orelhas do animal.

“...Como tu vás a chamá-la? Que tal Cérbera?...”

“Isso soa muito estranho...” - E observando a enorme quantidade de baba que o pequeno filhote soltava em meio à sua festa. - “Já sei! Sália!”*

“...Isso é muito mais ridículo, se quer a minha opinião...”

Mas a discussão foi esquecida quando, no momento seguinte, Shun desviou-se para a esquerda, esquivando de um potente chute. Sália começou a latir sem entender o que estava acontecendo.

- Eu sabia que havia algo de muito errado em você. – Marin levantou-se, próxima a porta que levava a sacada, no outro extremo do cômodo, entrando em posição de combate. – Estar evitando Seiya daquela forma, a energia estranha que eu senti emanando de você! Agora me responda! Quem é você em realidade?!

-...Marin, se acalme. Eu sou simplesmente Shun, eu posso te explicar... - Tentava dizer, enquanto Sália seguia a latir. -...É verdade que eu ando evitando Seiya... Mas é apenas porque eu... - Hesitou. - Me sinto culpado por tudo que eu o fiz sofrer no passado. – Lamentava se referindo a sua vida quando Alone.

- Não tente me enganar. – A amazona correu na direção do cavaleiro, diferindo milhares de socos em um único segundo. – METEOROS!

- KAHN! – Chamou Shun, invocando sua barreira esférica, bloqueando os golpes de Marin, que se utilizou do impulso da defesa para dar um mortal para trás e novamente ganhar distância de seu adversário. – Marin, por favor, me escute!

- Você é Hades, eu posso sentir, mesmo que sutilmente, a presença da morte em ti.  – Acusou a guerreira andando circularmente para a esquerda, enquanto Shun fazia o mesmo pela direita, ambos estudando um ao outro. - Todos confiam tanto em Shun que sequer são capazes de imaginar uma traição da parte dele. Em pensar que você possuiria novamente nosso companheiro!

- Eu não estou possuído por Hades! - Defendeu-se. – Estou sob minhas próprias faculdades mentais!

- Então como você explica o que fez com aquela rosa e com este cachorro?! – Culpou novamente a mulher, o pequeno cão olhando para os dois sem saber o que fazer. – Se não for o próprio deus dos mortos agindo por este corpo mortal?

-...Eu não estou possuído. – Disse em tom mais firme. – Se quer a verdade é o oposto. É como se eu estivesse possuindo Hades dessa vez.

- Como se eu fosse acreditar. – Cuspiu com desconfiança. – Você está aqui para levar meu aprendiz, não conseguiu matá-lo com aquela maldita espada, e agora voltou para terminar o serviço!

Ela avançou outra vez, pulando para o alto, visando um potente chute no cavaleiro sem armadura.

- Lampejo da Águia!

Ao mesmo tempo, Shun ergueu seu braço direito para cima e o esquerdo na altura do peito. Correntes de vento começando a emergir diretamente de seu corpo.

- Corrente Nebulosa!

A Águia foi presa em pleno voo por correntes forjadas de vento e cosmo, prendendo-a e sufocando-a numa enorme armadilha, lançando-a de volta ao chão com um baque, ficando paralisada.

- Marin, por favor, eu não quero lutar! Deixe-me explicar! – Implorou.

“...É inútil...” - Hades interveio sério. - “...Esse miasma intenso está afetando o julgamento dela. Essa amazona já desconfiava fortemente de ti, por isso se ofereceu a vir para esta missão. Ela fez isso por zelo ao seu aprendiz, temendo que de alguma forma eu tomasse seu corpo e assim finalmente o matasse. Essa essência tão concentrada da morte, em mortais, pode ser fatal ou trazer à tona todos os seus medos relacionados com a extinção da vida, seja sua ou daqueles que tem apreço. O medo de perder seu estimado aluno a consumiu ao ponto de ser impossível que tu a convenças de que não queres fazer-lhe mal...”

“Isso significa...” - Começou, pressentindo o pior.

“...Que tu terás que lutar com ela, queira ou não...”

Escoriações começavam a aparecer por todo o corpo da amazona, e vendo que ela começava a se debater, Shun parou seu ataque para impedir que se machucasse mais.

“...Idiota...”

Aproveitando-se de sua liberdade, Marin avançou num tiro rápido em direção a Shun, mirando seu braço direito, fazendo-o gritar de dor e voar com tudo contra uma das paredes, cuspindo sangue com o impacto, logo em seguida caindo no chão.

“...D-droga...” – Hades também tinha dificuldade de falar após tal movimento. - “...E-eu disse que essa tua displicência ainda ia causar problemas!...”

Mas Virgem era incapaz de responder, rolando no chão em agonia pelo golpe desferido em seu braço.

A amazona se preparou para correr novamente em sua direção, contudo, Sália atacou seus pés, começando a mordê-la sem descanso.

Com o corpo completamente trêmulo, o cavaleiro levantou-se, a ilusão que resguardava sua aparência desaparecendo completamente, Marin que tentava livrar-se do animal sem feri-lo, observou a cena horrorizada.

A pele pálida, as manchas, o braço em decomposição. Aquilo era Shun?!

- POR ZEUS! – Exclamou em choque. – O que ele fez com você, Shun?!

-...Eu... Fiz... Isso... - Tentava dizer, mas o ar não entrava mais em seus pulmões. – A mim... Mesmo.

Ergueu seu rosto, olhos brilhando num intenso amarelo.

-...Este é... Meu... Último... Sacrifício... – Seu braço começou a brilhar num vermelho intenso, como se raios se formassem a partir dele. – Por... Athena... E... Pela... Terra...

Shun ergueu o braço, ignorando a dor dilacerante que isso causava, numa posição similar a de Shura ou Shiryu quando executavam sua técnica Excallibur. Desse modo, os raios partiram em direção a Marin, ainda atordoada com a visão, sem causar qualquer dano em Sália.

- Relâmpago Negro!*

Sendo eletrocutada por energia tão intensa, Marin caiu ao chão, desacordada.

Com o caminhar de um bêbado, o cavaleiro aproximou-se do corpo da amazona.

-...Me... Perdoe... Marin... - Jogou-se ao lado da guerreira. – Eu não... Posso te... Deixar lembrar... Disso...

Posicionou a mão esquerda sobre a cabeça da mulher, concentrando todo o cosmo que lhe restava. Apagando assim a memória dos últimos acontecimentos naquela casa, e também a memória da flor.

Imediatamente depois, seu tronco tombou para trás. Sorriu para Sália enquanto ela chorava e lambia seu rosto.

-...Está... Tudo... bem... - Seus olhos pareciam pesar toneladas. A febre o consumia, a dor dos golpes e do impacto.

Não possuía mais tempo.

Pelos buracos das telhas, olhou para o Sol pela última vez.

Seus olhos começaram a entrecerrar-se.

Concentrou-se e absorveu a maior parte do miasma que havia naquela casa, para que não voltasse a influenciar Marin ou qualquer um que entrasse ali.

Tudo começou a ficar nublado.

Então se lembrou de June. Seu sorriso, seu sabor, seu cheiro, seu toque. E sorriu mais.

Tudo se tornou negro.

Estava ao lado de Hades. Não havia campo florido, não havia Sol, só a completa escuridão e todas as dores que o perseguiram até ali.

“Por que você se manteve comigo, apesar de toda essa dor?” – Questionou vendo que a expressão do deus não estava muito melhor que a sua.

“...Há, eu enfrentei Titãs e guerreei contra sua deusa toda a minha existência. Eu não tenho medo de algumas dorzinhas...” - Alegou com soberbia.

Uma pequena luz formou-se então, em meio às trevas.

“Então esse é o fim?” - Questionou o novo imperador.

“...Não, apenas o começo...” - Respondeu seu antecessor.

E os dois caminharam, pela primeira vez, lado a lado, em direção à luz da morte.

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Notas Finais


* Miasma, a principio, é entendido como uma "exalação pútrida que emana de animais ou vegetais em decomposição, ou no sentido figurado, uma sensação de ansiedade opressora ou dificuldade de respirar; asfixia, sufocação, mal-estar. Na estória o conceito do miasma ainda será explicado mais a fundo.

* De acordo com o mangá, todos os cavaleiros de bronze, com exceção de June, são irmãos.

* As crianças do orfanato de Alone em Lost Canvas.

* Essa frase já apareceu antes, num dos capítulos do presente.

* O endereço visitado por Shun e Marin pode ser visto aqui: https://www.google.com.br/maps/@37.0248556,22.1148173,3a,75y,3.28h,86.96t/data=!3m6!1e1!3m4!1slNnnvsiNk_EvsBNWZcouGg!2e0!7i13312!8i6656

* Sália - Salivação em grego.

* Um golpe de Hades, que se utilizava da espada do Submundo.


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