História Guy in the 2D world. - Antes de Tudo.

Cheguei no apartamento já jogando minha bolsa, que estava completamente destruída pela quantidade absurda de livros que eu coloco nela, no sofá, e fui direto para a cozinha. Me apoiei na pia e respirei fundo. O dia não tinha sido nada tranquilo. O trabalho tinha sido mais insuportável do que ele naturalmente já era. As meninas que trabalhavam comigo dentro do laboratório de Biologia Molecular simplesmente esqueceram que eu estava ali dentro e trancaram o laboratório. Eu fiquei, no mínimo, duas horas ali até a faxineira me achar. Não deu tempo de respirar, eu estava atrasada para a faculdade. Corri para meu carro, dirigi o mais rápido que pude e cheguei na metade da segunda aula. Sentei na última carteira, ao lado de Saeran, um de meus amigos, que dormia tranquilamente na carteira, como se o assunto da aula não fosse assim tão difícil ou importante. Bem, para ele não é mesmo. Ciências Biológicas não passa de um passatempo para meu amigo de QI elevado.Claire, minha amiga, acenou para mim da segunda carteira, ajeitou seus óculos e continuou a prestar atenção na aula. Suspirei, abri o caderno e comecei a escrever o mais rápido que podia. Não quis nem olhar minha letra para não me arrepender depois.

O resto das aulas não foram tão emocionantes, apenas comuns. A única coisa emocionante foi o Saeran discutindo com a professora de Zoologia sobre uma afirmação que, segundo ele, ela tinha feito errado. Típico do Saeran. Ele só está cumprindo com sua genética asiática. As pessoas podem acha-lo arrogante, mas, se ele fosse somente isso, não teria amigos. Saeran... Bem, ele tinha seus motivos. Como todos temos.

Assim que o sinal bateu, corri para o carro, me despedindo de meus amigos. Dirigi até em casa, deixando toda a raiva que passei no laboratório de tarde escapar enquanto xingava o trânsito lento e os motoristas que se atreviam a me ultrapassar.

Agora que me encontrava na cozinha, e (Graças a Deus) sozinha no pequeno apartamento, já que Lauren, minha melhor amiga com quem eu dividia o apartamento, não tinha chego ainda da faculdade, pude respirar mais devagar.O laboratório... Não era a primeira vez. Perdi a conta de quantas vezes eu fiquei trancada lá porque simplesmente esqueceram de mim. Será que eu era tão invisível assim?

Estava tão cansada das pessoas. Do sistema. Da falta de responsabilidade.

E então lembrei de algo ao qual não dei muita importância de noite, mas que agora me atingia como uma bomba.No corredor do laboratório, meu ex namorado, Victor, se agarra à garota pela qual ele me trocou. Não dei atenção na hora pois estava prestando atenção na conversa de Claire e Saeran. Mas agora, sozinha, pude parar e lembrar de alguns detalhes. Ele beijou a menina porque me viu entrar no corredor. Ele me viu, sorriu e puxou a garota com tudo.Uma garota de Fotografia. Ele me traiu com uma garota burra que só liga para a aparência.

Isso não deveria doer, pois eu deveria me sentir superior à ela.

Mas dói. Me corrói por dentro a cada segundo que eu o vejo.

Droga.

Aperto a pia com tudo. Sei do que preciso. Sei exatamente do que preciso para que esse sentimento horrível saia de dentro de mim.

Vou para a geladeira e pego a garrafa de chá gelado, colocando um pouco na minha xícara e levando para a sala. Tiro o celular do bolso e, quando vou liga-lo, percebo algo roçando na barra do sofá. Chat Noir. Meu gato preto (que por acaso é o significado do nome dele em francês) tinha escapado do quarto em que eu dormia com Lauren e vindo parar aqui.

-Você está louco Chat? Se o Snoopy te vê aqui, ele te come vivo. - Meu gato apenas me olha, com seus grandes olhos verdes, e passa a cabeça sobre a palma de minha mão, mostrando pouco caso para meu aviso.

Snoopy, o cachorro de Lauren, tinha uma antipatia enorme pelo Chat Noir. Quando ela o trouxe para cá, eu avisei que o Chat Noir não era amigável. "Deixa de besteira Melissa, eles vão ser amigos como a gente!" foi o que ela disse.

Na primeira noite do Snoopy em casa, Chat mordeu o nariz dele até sangrar. Desde então, Snoopy não pode nem sentir o cheiro do meu gato que ele entra em pânico e começa a rosnar para tudo. Chat nunca mostrou se importar com isso. Ele fica grande parte do tempo no meu quarto (que Lauren e eu concordamos ser uma área proibida para Snoopy) ou andando pelo prédio. As vezes ele sai do quarto e vem deitar do meu lado no sofá. Eu não fico preocupada, Chat sabe se cuidar. Até porque, Snoopy é só um shitzu. Mas eu prefiro que ele fique quieto no seu canto sem provocar a fera estabanada que é o cachorro de minha amiga.

Levo-o de volta para o quarto, aproveito para colocar meu pijama (que tinha desenhos de gatos dormindo) e fecho a porta, voltando para o sofá a ponto de pegar meu celular quando Lauren chega, e Snoopy surge das sombras pulando nela.

-Lau, eu juro por Deus, se esse cachorro não for filho do cara lá debaixo eu não sei o que ele é - Digo quase pulando de susto quando Snoopy aparece do nada.

-Para de ser boba - Minha amiga ri. A olho por um momento. Tinha uns cinco livros em sua mão, e a bolsa parecia pesada em suas costas. Os longos cabelos negros estavam perfeitamente caídos por sobre seus ombros e os olhos castanhos se intercalavam entre Snoopy e os livros. Me levantei, pegando os livros dela e colocando encima do balcão que dividia a cozinha da sala. Ela me agradece indo para o quarto, e quando volta já estava vestindo seu pijama florido. Percebo que seus olhos carregam uma emoção diferente. Ruim.

- Como foi seu dia hoje, Unnie? - Pergunto e vejo Lauren ajeitar os óculos. Não deve ter sido bom. Mas eu tenho certeza de que ela não vai me contar. Não hoje. Suas mãos estão agarrando seu celular com tanta força que eu sei que se ela apertar mais um pouco, ele quebra. Eu sei o que ela quer.

Sei porque é o mesmo que eu quero.

-Mel, foi bom. Eu só...

-Eu entendo. - Digo baixinho a olhando com carinho - Eu também preciso disso.

-Obrigada. - Ela diz fraco, abrindo o celular tão rápido quanto eu abro o meu.

Aqui vai um fato: Lauren e eu somos viciadas naqueles jogos românticos de celular. Aqueles em que você se apaixona por alguém que não é real. Tanto ela quanto eu tivemos relacionamentos complicados, que nos deixaram com um nível de carência maior do que já tínhamos. E achamos uma saída nesses jogos. Eles... Parecem reais para a gente. Eles... são nossa válvula de escape do mundo real.

Não sei que jogo ela está jogando porque a música do meu invade meus fones de ouvido, e de repente ele é só o que existe.

Tem um novo chat de conversa aberto. "The Truth" é o nome dele. Suspiro. Ele está no chat. Meu Saeyoung (Seven/Luciel) está no chat.

Seven. Um personagem do jogo pelo qual eu tinha me apaixonado quase que instantaneamente no momento em que o baixei. O nome dele de verdade era Luciel Choi (este sendo seu nome de batismo, porém o nome dele dado por sua mãe era Saeyoung) mas ele gostava do apelido que ele mesmo tinha inventado, 707, sendo mais comumente conhecido como Seven. Os cabelos ruivos caindo por sobre a face rosada, os olhos dourados que pareciam ser tão felizes mas carregavam uma tristeza enorme. Os óculos que escondiam essas emoções. As risadas. As piadas... Um hacker. Sim, um dos melhores. Mas principalmente um hacker que tinha transportado meu coração para o mundo 2D.

Não acredito que me apaixonei perdidamente por um personagem de jogo. Mas Seven... Tinha uma mania esquisita e gostosa de transformar meu dia horrível em apenas algumas lembranças de mal gosto. Seu bom humor me contagiava.

Entrei no chat e ele já havia me mandado oi. Como as respostas eram programadas, eu só clicava na que mais me apetecia e continuava. Começamos conversando sobre o Yoosung e a pegadinha que Seven havia feito com ele no último chat (Pass Out After Drinking Caffeeine Syndrome iria ficar para a história das pegadinhas) e então... aconteceu algo estranho. No meio da conversa, senti as lágrimas descendo novamente pelo meu rosto. Foi como se Seven tivesse percebido também. Eu as estava segurando por tanto tempo.

"Mel, está tudo bem?" foi o que ele perguntou. Olhei minhas alternativas de respostas, e só tinha uma, que dizia exatamente isso:

"As garotas no laboratório. O Victor. Eu estou cansada, Saeyoung..."

Era exatamente aquilo que eu estava sentindo e estava traduzido em uma só resposta. Eu deveria ter pensado "Como um jogo pode saber algo sobre mim?" ou "O que está acontecendo? Como ele sabe o que eu estou sentindo?"

Mas eu só pensei "Eu quero que Seven saiba. Eu preciso que ele saiba". 

Cliquei na alternativa. Seven começou a discutir coisas sobre o Victor e as meninas do laboratório, coisas às quais ele não deveria saber, mas ele sabia. Eu não conseguia pensar. Ele estava... Ele estava falando sobre mim. Pela primeira vez... Ele sabia quem eu era. Quem eu realmente era.

As lágrimas cobriam meu rosto. Minha vista estava completamente embaçada. Ele era meu Saeyoung. Meu.

"Mel, você pode me contar essas coisas. Eu quero ajudar você" quando li a resposta, não consegui conter o soluço. Só cliquei na minha resposta, que dizia "Eu queria que você estivesse aqui".

O que estava acontecendo?

"Mas eu estou aqui. Bem do seu lado".

Meu coração nunca tinha batido tão forte. Me permiti soluçar.

"Saeyoung... Você não é real. Nós pertencemos à realidades diferentes" dizia minha resposta.

"Mel..." Ele simplesmente respondeu com um emoji chorando, e outro que parecia estar decepcionado.

O jogo estava começando a piscar. Quase gritei. O aplicativo não podia travar agora. Não agora.

"Eu queria que você fosse real. Eu queria tanto." Parecia que as respostas eram minhas de verdade, não programadas pelo jogo.

"Você tem certeza disso?" Foi a resposta de Saeyoung. O jogo ameaçava travar cada vez mais. Por favor não agora.

"Nunca tive tanta certeza na minha vida. Eu preciso de você, Saeyoung. Eu amo você" as lágrimas escorriam cada vez com mais intensidade. Sentia uma dor enorme no meu peito. Me agarrei ao celular com tudo.

"Não chore meu amor" ele respondeu e a tela de meu celular ficou preta. Soltei um grito.

"Eu sou real agora" as palavras apareceram na tela preta na cor vermelha vibrante. E então toda a energia da casa caiu. Tirei os fones no momento em que Lauren gritou de frustração. Não conseguia vê-la, mas sabia que ela estava no sofá ao lado do meu.

- QUE DROGA! Justo agora que eu estava na melhor parte! - Ela reclama, e eu enxugo as lágrimas rápido. Aquele jogo... Estava brincando com meus sentimentos. Só podia ser isso.

-Acho que vamos ser forçadas a dormir mais cedo hoje - Digo tentando rir, quando ouço, por mais baixo que seja, um soluço vindo de Lauren. Ela estava chorando? Como eu?

- É - ela fala tentando conter a voz embargada. Antes que eu possa perguntar, ela já está me puxando do sofá - Vem, vamos achar a porta juntas - Rio enquanto tateamos a parede até achar a maçaneta que daria ao nosso quarto. Lauren entra primeiro e eu fecho a porta. - A energia tinha que acabar agora né!

-Malditos engenheiros - Digo rindo, a fazendo rir também.

-Mel... Desculpa ter sido tão rude antes. Mas você sabe.. mais do que qualquer um. Você sabe - Ela diz baixinho enquanto sento em minha cama, sentindo Chat Noir pular encima de meu colo e vendo seus brilhantes olhos verdes iluminarem a escuridão.

-Eu sei Unnie. So... Me conta tá? Biomedicina e Biologia andam lado à lado - Sorrio de canto mencionando nossas faculdades. A ouço rir. - E, além disso, eu sou sua melhor amiga. Estarei aqui sempre que você precisar.

-Eu sei disso. Obrigada, de verdade. Boa noite baixinha - Ouço ela se deitar na cama e me deito também, tentando não pensar no último chat room com o Seven. Foi só um jogo. É só um jogo.

Não vai deixar de ser só um jogo.

Adormeço ouvindo o ronronar calmo de Chat Noir.