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História Herdeiros - Prólogo


Escrita por: Lolita_Rhys

Capítulo 1 - Prólogo


A arena estava vazia nas primeiras horas da manhã, e o único cheiro que predominava no ar era o de sangue. Membros estavam espalhados pelos cantos em poças viscosas, enquanto vestígios marrom-avermelhados se espalhavam desde as arquibancadas até o tablado, de onde a imperatriz deve ter assistido a cerimônia. Corpos também estavam empilhados ao lado da arena, com seus olhos vazios fitando o nada e as gargantas arruinadas para o deleite da plateia. O sangue destes não sujava o chão. Mex podia ver o sangue de todos os corpos no grande recipiente de pedra parda junto ao tablado, sobre uma base de arenito. Com Mex estavam um pequeno contingente de soldados e escravos, e Kobba, um Amo do Império.

                - Saise, quero tudo isso limpo – Mex disse para a garota, e então ela começou a mobilizar os escravos, atribuindo suas respectivas tarefas. Mex virou então os olhos para Rhys, Tristane e Winn. – Levem isso para os sacerdotes, está começando a feder – disse, referindo-se ao recipiente cheio até a borda com o sangue dos caídos naquela noite sangrenta.

                - Parece que não tivemos tantas baixas assim – Kobba observou. – Contei seis braços esquerdos, nove pernas e três cabeças. Uma dúzia de corpos, alguns a mais talvez. Devemos ter novos aleijados nos calabouços, ou então nos canis. Ouvi Joanna dizer que os cães não comem ha dias.

                - Ás vezes penso em quantos soldados perdemos todos os anos com essa bobagem – Mex disse, fazendo Kobba olha-lo com olhos castanhos semicerrados, repletos de ironia.

                - São as nossas tradições, não há o que se possa fazer quanto a isso – Kobba responde, cruzando os braços sobre a imensa barriga. – Além disso, sem o sangue dos jovens caídos aqui está noite, como espera que acalmemos a sede dos deuses? – Ele lançou um olhar cheio de insinuações para Mex, e então riu daquilo, sem se importar com os escravos que escutavam. – Bastado, que ideia é essa de desperdiçar vidas aqui e dar o sangue de crianças a sacerdotes sem magia? Afinal, os deuses contiveram sua fúria por milênios sem que tivéssemos que derramar sangue sobre seus túmulos!

                - São as nossas tradições agora, como você bem disse – Mex exibiu um pequeno sorriso para o amigo.

                As leias das arenas e as leis da Imperatriz eram bem distintas, mas concordavam com a ideia de que apenas um guerreiro deveria sair vitorioso. Acontecia pelo menos uma centena de combates em noites como aquelas, dois entravam, mas apenas um poderia sair. Os antigos costumes diziam que o vitorioso poderia mostrar misericórdia e dar ao derrotado uma vida de servente, mas a Imperatriz acabou com isso, ordenando que os caídos deveria ter as gargantas cortadas e o sangue ofertado aos deuses.

                - Nossa Imperatriz perdeu o juízo – Kobba disse, observando os soldados se afastarem com a bacia de sangue. – Ela sempre foi uma mulher instável, deuses me perdoem, principalmente depois que perdeu o filho, mas parece ter piorado depois que foi coroada.

                - Moira é peculiar – Mex olha para o amigo, lembrando-se do modo como Violet usara aquelas mesmas palavras para descrever a irmã anos atrás. – Ela não é a melhor pessoa para nos guiar, é verdade, mas é a única que temos.

                - Até onde eu sei ela tinha três irmãs e um irmão – o Amo responde, alisando o queixo. – Também tem uma filha, sobrinhos, primos, o cavalo...

                Riram juntos.

                - Deve ter cuidado ao falar essas coisas – Mex alertou-o mais uma vez.

                - Quem contará isso a ela, os escravos? – Kobba riu para mostrar o que pensava daquilo. – Tiraram a língua deles quando lhe deram grilhões, e são burros como meu cão!

                Mex estava encarando os escravos, procurando qualquer sinal de que estivessem prestando atenção.

                - Ainda lhes restam as mãos, Kobba – Mex repreendeu-o. – Vamos, conversaremos melhor no meu gabinete.

                - Desde que ganhou essa sala fica querendo exibi-la para mim. Pois bem, vamos logo, antes que eu acabe com todos esses cães vestindo farrapos que usam grilhões.

                - Winn, estamos indo, o comando é seu.

                Mex deu uma ultima olhada na direção dos escravos antes de descer do tablado com Kobba, atravessando a área externa da arena para entrar no palácio. Apesar do que se contava sobre a sede do poder brumoriano, o palácio não era escuro e nem estava caindo aos pedaços. Não tinha teias de aranhas nos corredores, ratos, nem mesmo pássaros fazendo ninhos nas vigas expostas – não que as vigas ficassem expostas. O palácio possuía um ar nobre e antigo, quase delicado por causa dos vitrais e das pequenas torres pontudas que decoravam os telhados. Gárgulas, querubins pomposos, serpentes, grifos e grandes aves decoravam as faixadas mais altas, e no saguão principal havia grandes colunas de obsidiana, com serpentes circundando-as até a abóbada, de modo que apenas os seus enormes olhos de rubi podiam ser vistos na escuridão. A sala do trono era ainda mais impressionante, decorada com tapeçarias de antigos heróis, serpentes de jade e o próprio trono.

                - Quem acreditaria na palavra de um escravo? – Kobba perguntou quando atravessavam o saguão principal na direção dos níveis superiores. - Todos sabem que são criaturas inferiores.

                - Mesmo criaturas inferiores podem ser usadas para quaisquer fins – Mex ressaltou. – Em Brumor todos tem alguma serventia, você mais do que qualquer um deveria saber disso.

                - Sou um Amo do Império, não cuido de escravos, treino futuros guerreiros!

                - Futuros guerreiros podem não conseguir matar um inocente, devo lembrar a você que destino aguarda os covardes? – Mex sorriu ligeiramente ao notar que o outro resmungava. Kobba era um sujeito grande e forte, que gostada de arrumar brigas, discutir e beber, mas seu maior talento era ensinar as artes da guerra. Ele preparava guerreiros como nenhum outro Amo em Brumor, e os que sobreviviam ao seu treinamento eram conhecidos como a elite da Guarda.

                O gabinete de Mex ficava do lado leste do palácio, com vista para o pátio onde os recrutas treinavam. Mex era responsável pelo deslocamento das tropas em território brumoriano e também gerenciava a patrulha na fronteira, além, é claro, de cuidar dos Amos. Muitos Amos haviam adotado tortura física como castigo, e embora isso fosse algo encorajado pela imperatriz, era intolerável para Mex.

                - Muito luxuosa, posso ver – Kobba comentou quando Mex o guiou para dentro. – E você tem bebida!

                - Sirva uma dose para nós, depois de tanto sangue um homem precisa beber.

                Mex fechou a porta atrás de si, sentando-se em um dos sofás enquanto Kobba caminhava pesadamente até a mesa para servir dois copos. A sala, em sua maioria, era espaçosa e bem organizada, decorada em tons de vermelho, dourado e negro, as cores favoritas de Violet. Estantes estavam dispostas no fundo da sala, onde Mexus cuidara em separar os arquivos dos Amos, assim como a ficha de seus respectivos pupilos. Sob a mesa podia ver que havia alguns papeis espalhados, mas não conseguia se lembrar de seu conteúdo por mais que tentasse, e não queria lembrar, afinal, já tivera sua cota de estresse na noite passada. Kobba se aproximou com dois copos, acomodando-se em uma das poltronas largas.

                - O mundo se tornou insano, velho amigo – Kobba tinha a voz baixa após alguns goles, e balançava o copo, fazendo a bebida dourada dançar.

                - Mais insano do que eu gostaria de admitir – Mex concordou, secando o copo de uma única vez. – Mas de que insanidade em particular estamos falando?

                Kobba o olhou de cara feia por um momento, como se estivesse irritado, então secou o copo e se levantou para pegar a garrafa. Trouxe-a para junto deles, servindo a Mex e a si mesmo.

                - Moira – Kobba diz o nome como se fosse algum tipo de praga. – Outro dia ela me chamou para o Salão de Guerra, nossa tão grandiosa Imperatriz, para me perguntar se eu era bom com navios. “Não”, eu lhe disse, “Não conheço nada do mar, Vossa Graça, não sou um navegante”. Ela quer uma frota.

                - Uma frota? – Mex perguntou, baixando o copo e pousando-o sobre o colo. – Ela nem se quer sabe nadar, morre de medo do mar, para que iria usar uma frota?

                Kobba baixou os olhos para o próprio copo, olhando-o por alguns segundos antes de tomar um longo gole.

                - Ela quer guerra – respondeu, sombrio, servindo a si próprio mais uma dose. – Diz que quer navios, homens, aliados e essa coisa toda. Ela quer conquistar. Quer encontrar o filho e, acima de tudo, quer encontrar Violet.

                Mexus sentiu um arrepio percorrer sua espinha, maldosos dedos frios que corriam de cima para baixo e de novo para cima. Ele gostava de pensar em Violet, gostava de Lembrar-se dos bons momentos que viveram juntos e gostava de pensar que a esposa fizera o que achara certo, dezesseis longos anos atrás, mas ainda sentia aquele leve aperto no peito ao lembrar que ela tinha ido embora. Dezesseis anos haviam se passado sem que Mexus notasse, a idade parecia ter chegado de uma vez, e ele às vezes tinha que lembrar a si mesmo que já não era tão jovem para atos tolos de amor. Muitas vezes pensara em procurar por ela, e em seus devaneios mais secretos ela o encontrava e o abraçava, e choravam juntos pelo tempo que haviam passado afastados. Ele sussurrava o quanto a amava e que não a deixaria ir embora novamente, não poderia deixa-la ir embora, mas ele sempre acordava, perdendo-a novamente antes que ela pudesse dizer algo. Em noites assim ele podia enxergá-la claramente, tudo que tinha que fazer era fechar os olhos e encontrá-la. Podia ver os longos e negros cabelos dela descendo por suas costas em uma trança ou em um rabo de cavalo; as calças justas e as botas altas que sempre usava; a forma como as camisetas e os coletes lhe caiam sobre o quadril largo. Acima de tudo podia ver seus olhos negros olhando-o com carinho e ferocidade, de uma forma que apenas aqueles olhos sabiam fazer.

                - Mex? – Ele ouviu Kobba chamar, desfazendo o devaneio daqueles olhos escuros.

                - Estou bem – Mex mentiu, esvaziando o copo que tinha na mão e estendendo-o para que Kobba voltasse a enchê-lo.

                - Amou-a de todo o coração, a sua Val? – Kobba pergunta.

                - Ameia além dos limites desse sentimento – Mex toma um pequeno gole da bebida, e depois um gole maior.

                - Não vou dizer que entendo o que está sentindo, porque não entendo – Kobba voltou a encher o copo de Mex e assistiu enquanto ele o esvaziava novamente, e então disse: - Invejo você.

                Mex ergueu os olhos para o amigo, para o amigo forte, rígido e que não tinha medo das palavras que saiam da sua boca.

                - Inveja?

                - Invejo – concordou Kobba com um meio sorriso, enchendo o próprio copo com o que restava da garrafa. – Tenho um casamento infeliz. Minha esposa só se casou comigo por saber que não conseguiria coisa muito melhor. Tenho um filho que me odeia e duas filhas que odeiam a mãe. Droga, Mex, você pode ter qualquer uma que quiser. Sua esposa é uma exilada, uma fugitiva e uma traidora, por que se torturar tanto? Ninguém tem noticias dela a mais de dez anos, pode muito bem estar morta. Lembre-se do passado, mas viva o agora meu amigo. Viva.

                Eu ainda a amo, Mex pensou, depois de refletir sobre o que Kobba disse. Tinha um gosto amargo na boca, mas não sabia se era a bebida ou a verdade. Eu ainda tenho esperanças. Ela é uma traidora por seu altruísmo. É uma exilada porque enxergou o certo quando nem eu mesmo conseguia enxergar. É uma fugitiva porque a própria família a renegou, mas eu não vou renega-la. Não vou esquecê-la.

                - Eu ainda a amo – foi tudo que disse em voz alta. Estava inquieto, por isso levantou-se e caminhou até a janela junto ao pátio. Lá fora o sol já estava subindo aos céus, e as poucas nuvens que manchavam o azul impecavelmente familiar não passavam de linhas não muito grossas. As crianças lá embaixo pareciam se divertir, mesmo que ainda fosse muito cedo, aprendendo a manejar bastões e espadas sem gume. Mex de vez em quando se pegava pensando no que teria acontecido se Violet tivesse escolhido ficar. Talvez tivessem tido mais um ou dois filho, todos, eles esperava, com cabelos e olhos escuros assim como ela. Não seria minha Violet se não tivesse partido, ele pensou, sentindo a boca amargar ainda mais quando sorriu, a contragosto, com aquela verdade.

                - Gostaria de ter amado alguém como ama sua esposa – Kobba disse com a voz embargada, fazendo Mex se virar para olhar o amigo. Uma lagrima solitária descia pelo seu rosto, escondendo-se na barba rala que crescia em suas bochechas. – Bastardo, só você para me fazer chorar!

                Kobba se levantou, cobrindo a distância que os separava em três longos passos e abraçando Mexus, erguendo-o do chão e fazendo as vertebras de sua coluna estalar. Em momentos como aquele era bom estar em Brumor, mas depois que o momento passasse, ele cairia novamente em devaneios, esperando por ela, esperando que ela voltasse.

 

                Mex teve sonhos inquietos naquela noite, e quase ficou agradecido quando a filha veio acordá-lo.

                - Há um escravo mensageiro na porta. Diz que a Imperatriz chama. – Melissa tinha os olhos verdes e o cabelo louro de Mex, mas a sua pele era um pouco mais escura que a dele, e em todo o resto ela lembrava a mãe.

                - Pode voltar a dormir – ele disse, levantando-se. – Peça que o escravo entre.

                Ela anuiu com a cabeça antes de sair, e menos de um minuto depois o escravo estava entrando no quarto de Mex, com as vestes puídas e as grilhões brilhando nos pulsos, com passos tão silenciosos quanto os de um gato. Pegou as vestes que Mex costumava usar durante o dia enquanto o próprio Mex despia as roupas de dormir. Calças, botas, camisa e colete com uma gola alta e dura.

                - Deixe-me ver a mensagem – Mex pediu, e o escravo lhe entregou um pedaço retangular de pergaminho dobrado. Ele leu ligeiramente as palavras, e então o jogou sobre a cama. – Vamos então.

                O escravo o acompanhou quando saiu do quarto. Oria estava na sala comum da torre, esperando com seus cabelos brancos, vestes floridas e olhar maternal.

                - Cuidarei da Pequena Senhora até que volte, Meu Senhor.

                - Não esperava nada menos – Mex sorriu para ela.

                O castelo estava escuro e estranhamente vazio àquela hora. Havia braseiros e candeeiros de azeite pelos corredores, mas não havia pessoas, e o silêncio inundava seus ouvidos. O Salão de Guerra ficava no subsolo, um lugar cavernoso e escuro, iluminado por archotes que espalhavam um cheiro fumacento por todo lado. Mex não gostava daquele lugar, fora ali que Violet tomara a decisão que os separaria para sempre, fora ali que Moira a fizera optar pelo exilio.

                - Fique aqui – Mex disse ao escravo quando chegaram ao corredor do Salão de Guerra. Em frente, grandiosas escadas levavam para baixo e mais para baixo, até os salões de pedra que outrora os Stag tinham usado como fortaleza.

                Mex desceu sozinho, com as mãos firmes ao lado do corpo apesar da escuridão. Na metade do caminho ele já podia ouvir os gritos, os uivos irritados de comandantes, generais e Amos e Amas que discutiam e reclamavam por terem sido acordados no meio da noite. Ele reconheceu quase que imediatamente a voz de Kobba, gritando por alguma bebida forte para despertá-lo. Se estavam agindo assim, Moira certamente ainda não tinha chegado.

                Um aglomerado de homens e mulheres estava reunido ao redor de uma mesa retangular talhada na pedra, comprida e larga o suficiente para acomodar os quase cinquenta convidados da Imperatriz naquela noite. Mex sentou-se ao lado de Kobba. Do outro lado da mesa viu Medona, a irmã da Imperatriz, e a cadeira vazia que a irmã mais nova ocuparia se estivesse ali. Interrogou-a com o olhar, e ela sacudiu os ombros. Também não sei, parecia querer dizer. Ainda havia lugares vazios a serem ocupados, e à medida que o tempo passava Amos e Amas, comandantes, capitães e até embaixadores as preenchiam, até restar apenas à cadeira escura de espaldar alto da Imperatriz. Algumas pessoas ostentavam roupas de dormir, enquanto outras, assim como Mex, tinham optado por vestir as roupas de dia. Muitas pessoas, assim como Kobba, pediam aos escravos para lhes trazerem bebidas quentes ou álcool, já que ali embaixo não era permitida comida. O tumulto se transformou em um burburinho, desaparecendo por completo assim que a imperatriz surgiu das escadas, seguida de perto por um homem alto e louro, com olhos tão azuis quanto os mares mais claros da terra. Moira sentou-se, indicando ao homem a cadeira ao lado de Medona.

                Moira nunca fora uma mulher de sorrisos e sentimentos, ela era mais distante, fria, muitas vezes impiedosa com aqueles que julgava serem seus inimigos. Olhando-a agora, Mex se lembrava da primeira vez que a vira, no saguão principal do palácio, com suas colunas de mármores e serpentes, ao lado da mãe e das irmãs e do irmão. Ela parecia alta para alguém de dezenove anos, com olhos em forma de amêndoa e uma íris marrom-avermelhada que parecia quase carmim a luz do sol. Ela puxara muito a mãe, inclusive os olhos, mas não a simpatia da antiga Imperatriz. Agora, sentada em sua cadeira, encarando todos em volta da mesa, ela usava um vestido avermelhado, bordado com pedrarias e debruado com rendas finas que davam a ela o ar majestoso que uma Imperatriz deveria ter. os cabelos caiam soltos pelas costas, com a coroa de ferro negro cravejada de rubis bem fiz na testa.

                - Meus amigos – Moira cumprimentou. – Desculpem-me por incomodar o seu sono, mas este assunto não podia esperar. O tempo é propicio meus senhores e senhoras, e digo que devemos aproveitá-lo.

                - Do que se trata Vossa graça? – Perguntou Medona, impaciente com os teatrinhos da irmã.

                - Trouxe-os aqui esta noite por que preciso da ajuda vocês, de cada um de vocês – demorou-se olhando para algumas pessoas, dentre elas, Mex. Mex não desviou o olhar, nem se quer pensou nisso. Quando enfrentar uma cobra, Seu Amo em Septimus lhe disse uma vez, olhe-a nos olhos e não deixe seu medo transparecer. Ela perceber que é fraco, vai atacar. – Como todos sabem muito bem, meu pai começou um trabalho grandioso. Trouxe para nós soldados de todos os cantos do mundo, crianças prontas para serem moldadas pelo fogo de Brumor, e assim foram, e hoje muitos de nossos capitães são estrangeiros. Quero expandir nossos horizontes, meus senhores. Quero que o mundo veja o Império como ele é, tão forte e capaz quanto era antes de Tylar Green e sua armada nos rebaixarem a serventes.

                - Minha Senhora – Leona Stott se fez ouvir, e os olhos frios da Imperatriz a encontraram entre os demais. – Muitos discordam se essas práticas foram sensatas. Seu pai raptava crianças, jovens que mal sabiam o caminho de suas camas quando foram trazidos para cá. Estivemos em paz com os outros reinos há quinze anos. Nossos crimes passados foram perdoados em sinal de boa fé. Seu pai pagou o preço pelos crimes dele, e foi-nos dado a chance de seguir em frente apesar disso.

                - A Ama Leona tem razão – disse Kobba, e Mex desejou verdadeiramente que ele tivesse continuado calado. – Sempre que houve levantes brumorianos, sempre que tentamos conquistar o norte, fomos esmagados por Arcádia e por Ronar. Seu pai foi humilhado perante eles, assim como Victorian Stag foi humilhado perante Tylar Green, centenas de anos atrás. A história tende a se repetir, Vossa Graça.

                Moira sorriu, um ato frio e sem qualquer felicidade ou alegria verdadeiras.

                - Como a Ama Leona disse, meus senhores e senhoras, fomos perdoados, mas o que fizemos nunca será esquecido.

                - Não fizemos coisa alguma, irmã – Medona falou, exibindo o mesmo sorriso irônico que Violet algumas vezes exibia. – Nosso pai fez, e pagou com a sua vida por isso. Você deve se lembrar, não é, afinal, nenhuma de nós era criança. Eu mesma participei de investidas contra Arcádia e a Cidade Subterrânea. Leto levou soldados pelas ruinas da Montanha e até Ronar, e você mesma, se bem me lembro...

                - Basta – A voz de moira era contida, mas seus olhos ardiam com a fúria que não impunha na voz. – Não falaremos dos mortos esta noite, mas trataremos do futuro daqueles que estão vivos. Tenho informações que favorecem nossa causa, e pretendo tirar bom proveito disso.

                - Seu pai tinha informantes também, Vossa Graça – Yana Turner levantou-se. – Me lembro bem, meu pai era um deles. Eu tinha doze anos quando ele foi pego em Tiarri e levado para o Julgamento das Graças. Aqueles demônios com assas levaram-no até o Redemoinho Verde depois, e o jogaram no mar. Devolveram seu corpo, é claro, e todos ou boa parte das pessoas aqui sabe como ele retornou.

                - Houve fatalidades, de fato – Moira começava a se irritar. A maioria dos homens e mulheres ali tinha sofrido alguma perda pessoal com a loucura do ultimo imperador Stag, e não estavam ansiosos por outro banho de sangue. Alguns dos presentes observavam, calados, enquanto decidiam que lado apoiar. – Mas os tempos mudaram. Naquela época Arcádia unia-se sob um único líder sem contestações, e Enora era fraca demais para evitar a submissão dos árcades. Ronar tinha uma aliança solida e estava protegida pelos laços de matrimônio, mas não mais. O líder da Cidade Subterrânea está para ser deposto, substituído por um líder melhor e capaz. As Cidades Gêmeas não tomarão partido a menos que a forcemos a isso, e não o faremos em um primeiro momento. Aidan Green ainda não se casou com a sua noivinha ronari, e não o fará, eu lhes garanto. É a hora.

                - Um conflito com as Cidades Gêmeas deve ser previsto – Lewis Graham era um Amo com mais de setenta anos, um amo grande e de aparência bruta, com implacável influência em Brumor. – Usamos seus abutres alados como escravos, e temos cidadãos tiarritas e vaelitas no Império, pessoas importantes entre os cativos.

                - Esses nomes já foram esquecidos – Moira respondeu. – Meu pai não era nenhum tolo, meus senhores. Ele não trouxe para o Império crianças choronas quaisquer. Temos cativos importantes que podem facilmente serem usados em uma barganha, tanto com Arcádia quanto com As Cidades Gêmeas e a Barbárie. Ronar será difícil de domar, mas também tenho algo que poderia amolece aqueles corações de pedra.

                - E o que seria isso, Minha Senhora? – A voz de Kobba estava pesada por causa do álcool, mas mesmo bêbado, conseguia ser obstinado e teimoso como uma mula.

                - Fire – Moira abriu um pequeno sorriso maldoso, e quase se podia acreditar que o nome realmente a alegrava. – Seria bom se tivéssemos o outro, ele sim valeria de algo, mas tornou-se um animal selvagem. Resistiu e lutou demais para valer a pena, por isso está trancado.

                - Não compreendo... – Kobba tinha as sobrancelhas franzidas.

                - Quando chegar o momento de usa-los apresentá-los-ei pessoalmente aos meus cativos. Meu pai também tomou sob seu poder Felícia Green, a filha mais velha da velha rainha com o primeiro marido. Ela foi treinada como um soldado da guarda, e hoje é um oficial respeitado em Septimus.

                - Estamos esquecendo o Arquipélago Lunar – Mex ressaltou, olhando para seu copo de agua intocado. – Eles tem soldados, navios, armas, mantimentos e uma inimizade mais do que conhecida por brumorianos. O que fará com eles?

                - Farei com que se submetam – Moira respondeu, de olhos cerrados, - assim como a qualquer um que fique no meu caminho.

                Kobba trocou um olhar cheio de significados com Mex, e então a sala mergulhou em silêncio.

                - Eu pesei os riscos, pesei as consequências e... – Moira abaixou os olhos. – Tenho que admitir que não estava tão certa disso antes, um mês atrás eu teria punido com severidade o homem que sugerisse tal coisa à mim sem quaisquer garantias reais, mas agora...

                - Agora sabemos onde cada peça está no tabuleiro – o homem louro se levantou. Tinha olhos muito azuis, pele clara e a fala afetada de alguém que aprendera o idioma de Brumor a não muito tempo. Enrolava-se nas palavras, embora conseguisse se fazer entender com bastante clareza. Olhou para Moira, quase como se pedisse permissão para continuar, e ela assentiu. – Me chamo Kylo, um enviado de Arcádia para representar a família real na empreitada que está por vir. Há muito tempo sirvo a minha senhora em Denir, conhecida como a Cidade de Águas, e ela está interessada em uma causa comum. Uma injustiça lhe foi acometida, e ela deseja reparação.

                - Não ligamos para a senhora à que serve, ou que injustiças ela sofreu – Leona tinha um tom feroz. – Fale rapidamente, e seja claro.

                - Como desejar – Kylo parecia desconcertado, mas prosseguiu mesmo assim. – Minha senhora visitou Liora a menos de meio ano, e soube de informações que agradariam a Imperatriz do grandioso Império. Durante a sua estadia em Forte Solar ela descobriu o paradeiro da então traidora Violet Dresch. – Mex viu que olhos se viravam para olha-lo, e viu também o olhar atento e cheio de preocupação de Kobba, mas manteve-se indiferente ao nome e as pessoas. Não darei nada a eles, pensou, fechando as mãos em punho sob a mesa. – Pelo que minha senhora descobriu, ela atualmente mora no litoral ronari, sob a proteção da coroa.

                - Essa informação é segura? – Kobba perguntou. – Uma investida incerta contra Ronar seria o nosso fim.

                Kylo virou os olhos para Kobba, fitando-o por um longo minuto antes de responder.

                - Minha senhora é bem... Digamos que ela é bem próxima a família real. Tem informações a compartilhar com Brumor, homens de sua confiança que poderia colocar a disposição do Império e até uma base segura para quando chegar a hora de o Império desembarcar em Arcádia.

                - E o que ela espera ganhar com isso? – Ketty, segunda filha de Medona, era tão parecia com a mãe quanto o restante dos Stag. Tinha os olhos afiados de Moira, os cabelos negros de Medona, a fala mordaz e o jeito impiedoso do pai e a fúria de alguém jovem que quer mostrar o seu valor. – O Império não paga tributos. Não se curva.

                - Minha senhora quer apenas o que lhe é devido pelo direito de nascença – Kylo sorriu, embora Ketty não tenha esboçado nenhum. – Essa união entre o Império e Arcádia seria selada com o casamento da princesa Doreen de Brumor com o filho mais velho da minha senhora.

                - Vossa graça, Doreen...

                - Eu sei, Medona – Moira lançou um olhar duro para a irmã. – Doreen é tudo que me resta, mas ainda tenho esperanças de recuperar o que me foi roubado. Kylo tem grandes esperanças de que meu filho esteja com Violet, e pretendo reavê-lo.

                - Uma investida aberta seria nosso fim – Kobba comentou novamente.

                - Não será uma investida aberta – Moira olha de Kylo para Kobba e então para Mex, com aqueles olhos carmesins procurando qualquer traço de fraqueza. – Enviarei um grupo pequeno, não mais de dez soldados bem treinados. Minha irmã não é tola, mas pode continuar tão imprudente quanto sempre. Se descobrisse que brumorianos andam rondando a costa, ela iria caça-los e interroga-los. Dois soldados seriam suficientes para servir de isca, enquanto os outros armariam a emboscada. Ela não deve ser ferida mortalmente, quero-a diante de mim para a Punição. Se meu filho estiver com ela, também não deve ser molestado. Deve ser trazido a mim, deve ser trazido para casa, mesmo que arrastado e acorrentado.

                 - Eu me ofereço, tia – Ketty ergueu os olhos do punhal que equilibrava sobre a mesa, a ponta raspando a superfície de pedra. – Sou boa rastreadora e melhor lutadora do que muitas guerreiras da minha idade.

                - Ketheleen – Medona tinha os olhos sobre a filha. Parecia quase surpresa.

                - Me ofereço – Ketty repetiu, com os olhos frios fitando os da mãe. Era pequena para a idade, com um rosto estreito, olhos no formato de amêndoas e mãos delicadas que poderiam ser tão mortais quanto facas e adagas. Não podia ter mais do que dezenove anos, e mesmo assim sua cede de sangue ultrapassava em escala a de homens adultos. – Quero servir ao Império e a minha Imperatriz.

                - Então assim será – Moira sorriu para a sobrinha, quase com calor no ato. – Pode escolher três de seus companheiros, os outros já foram selecionados.

                - Quem terá o comando? – Os olhos de Ketty brilhavam, cobiçosos

                - Amo Garret Turner – Moira respondeu, de olhos fixos em Yara. - Quem levará com você, Ketheleen?

                - Dizem que o sangue chama o sangue – ela tinha os olhos fixos em Mexus, e ele já sabia o que viria pela frente, e não gostou nada. – Sendo assim, tia, levarei comigo minhas primas e meu irmão. Leto é um bom guerreiro e lutador, e é leal a sua família. Melissa faz rondas constantemente com a guarda, conhece as estradas, e sabe um pouco sobre os caminhos através da cordilheira. Liota é a única filha viva de meu tio, e muito parecida comigo, por isso a amo com a uma irmã. É jovem, mas determinada.

                - Então está feito – Moira virou os olhos para Mex. – Está de acordo com isso, Mexus?

                - Minha filha tem capacidade e determinação para a tarefa – ele respondeu, tentando soar indiferente. É tão difícil.

                - Vocês partem dentro de uma semana. Façam seus preparativos. Até que está missão esteja encerrada, não voltaremos a falar de guerra. Estão dispensados.

                A sala começou a esvaziar, mas o olhar de Moira manteve Mexus sentado em sua cadeira. Sabia que ela falaria com ele sobre Violet, e sabia que mais uma vez teria que ostentar sua mascara de indiferença, por mais que isso o desagradasse. Quando todos finalmente se foram, a sala estava mergulhada em silêncio. Kylo ainda estava ali, assim como Ketty, Medona e Garret, um homem alto e esguio, com cabelos de um ruivo ferruginoso e olhos negros.

                - Isto tudo é uma loucura, não vê? – Medona foi a primeira a quebrar o silêncio. – Ela é nossa irmã, Moira. Crescemos nesse palácio, treinamos nesses pátios e foi aqui que dividimos o luto pelos nossos pais. Não pode...

                - Nosso pai morreu a muito tempo, e sim, Violet estava aqui, mas não passava de uma criança – Moira suspirou, tirando o pesado aro de ferro negro da testa e pousando sobre a mesa. – Você era a mais próxima a minha idade, assim como nosso irmão Leto. Devo lembrar-lhe o que aconteceu com ele?

                - O que aconteceu com ele não foi culpa dela, minha ou sua – Medona fitava a irmã com fogo nos olhos negros, cheios de impaciência e algum ressentimento. – Ele morreu na guerra, morreu por mãos árcades.

                - Violet escolheu seu destino, assim como Vassala – Moira virou os olhos para Ketty. – Vá até os aposentos de Melissa e avise-a sobre a missão. Visite Liota tambem, ela deve estar junto da mãe.

                Ketty levantou-se com um salto gracioso, curvou-se e saiu.

                - Ketty é a guerreira que você nunca foi – Moira comentou para Medona depois de Ketty sair.

                - Ela é uma criança – Medona virou os olhos para Mex. – Mexus, ajude-me a enfiar algum juízo...

                - Ainda sou sua Imperatriz, irmã – a voz de Moira estava baixa, cheia de ameaças não ditas. – Mostre respeito.

                - Leto seria Imperador se não tivesse morrido, mas morreu. Perdi duas irmãs, meu pai e a minha mãe, e agora pede que eu abra mão também de você? Não, pelo tempo que me couber, vou lembra-la que ainda tem uma família, seja ela como for, e não pode...

                - Garret, acompanhe minha irmã – Moira olhou para o homem.

                Medona respirou fundo, levantou-se e seguiu Garret para a escadaria.

                - Ela às vezes pode ser tão irritante quanto crianças – Moira comentou, virando os olhos para Mex. – Ela era sua esposa, e agora eu mando a sua filha para caça-la. O que tem a dizer quanto a isso?

                - Não mais do que tinha alguns minutos atrás – Mex respondeu.

                - Sei que ainda gosta da minha irmã – os olhos dela estavam nos dele, e Mex sabia que não podia desviar o olhar. – Vejo isso quando fala dela, quando se mostra indiferente. Sei que ela deve ter magoando-o quando escolheu partir, mas isso não foi o suficiente para matar o amor por completo, não é? Não, vejo que não.

                - O amor é a perdição de todos os homens – Kylo aproximou-se da Imperatriz, os olhos azuis fixos em Mex.

                - Sabe o que terei que fazer com ela quando a trouxerem, não sabe? Ela é a minha própria irmã, e me doerá aplicar a Punição sobre ela. Tivemos bons momentos. No dia do seu casamento, eu estava lá, assim como ela estava no dia do meu. Estivemos uma com a outra quando nossos filhos chegaram ao mundo, também estávamos juntas quando a justiça dos homens tirou a vida do nosso pai. Eu costumava falar dele para ela, e Violet sempre o vira como um homem frio e impiedoso, nunca o conheceu realmente para dizer isso, mas dizia mesmo assim.

                - Tem medo que eu possa trai-la por causa dos sentimentos que ainda tenho por Violet – Mex disse, direto como sempre.

                - Me trairia, Mexus? – Moira esticou a mão sobre a mesa para pegar seu copo vazio. Estendeu-o e um escravo se aproximou para enchê-lo. O vinho que se derramou para a taça de vidro era tão vermelho quanto sangue. – Tenho sua filha sobre meu poder, e nunca faria mal a ela por ser do meu sangue, mas você teme que eu a machuque mesmo assim. Garanto que não tem com o que se preocupar, eu não sou Violet.

                - Violet não machucaria seu filho, e você sabe disso – Mex demorou um minuto para perceber que falara em voz alta. Moira fechou os olhos por um segundo. – Sabe disso – Mex repetiu com mais convicção. – O que teme não é saber que ele morreu, mas saber que ela teve dezesseis anos com ele.

                - Violet tinha ideias erradas sobre a natureza dos meus objetivos – Moira bebeu um gole do vinho enquanto Kylo se acomodava na cadeira ao seu lado.

                - Ela nunca me contou o que aconteceu – Mex confessou, sem precisar usar de mentiras agora. – Parecia perturbada, assustada. Nunca pensei que faria o que fez.

                - Ela e Vassala adoravam-me quando éramos crianças – Moira confessou. – Leto morreu quando Violet nove anos, nosso pai três anos depois, e Vassala era ainda mais nova. Medona era muito rígida para crianças, nunca pensei que teria filhos, por isso Val e Vassala gostavam mais de mim. Levei-as para inúmeras incursões quando mais novas, e era mais próxima de Violet do que dos meus outros irmãos. Amo-a de todo coração, Mexus, não duvide disso, mas ela fez a sua escolha e a lei é clara sobre traidores de sangue.

                - Ouvi boatos de que Vassala estava no sul – Mex observou com cuidado o rosto de Moira enquanto falava.

                - Ela parece estar por toda parte – Moira tinha uma expressão azeda no rosto, como se o vinho fosse amargo demais para o seu gosto. – Desde que descobriu aquela magia morta vem atormentando meus soldados, libertando escravos, matando meus homens. Dizem que ela mudou, que aquela magia morta que ela possui modificou-a ao ponto de não parecer mais humana.

                A Stag mais nova sempre fora quieta, sorridente, travessa apesar de tímida. Era quem embalava Melissa quando bebê, quem pedia para Mexus para leva-la para passeios fora da cidade e até Septimus, para leva-la para ver o mar e as grandes terras Além-Mar. Era uma coisinha engraçada aos quatorze anos, magra e pequena demais para a idade, com cabelos negros como carvão, pele alaranjada do sol e grandes olhos castanhos como os de uma corça.

                - Muitas pessoas me acham radical, mas estou fazendo o melhor que posso com aquilo que tenho – Moira suspirou, lançando um longo olhar sobre o enviado árcade antes de voltar os olhos para Mexus. – Já perdi duas irmãs e um irmão, como bem Medona gosta de me lembrar. Pode ir, Mexus.

               

                Melissa estava na sala de estar quando ele regressou. Tinha no colo a pequena caixa com as recordações que guardava da mãe, com a pulseira de prata que ganhara no dia de seu nascimento entre os dedos, agora pequena demais para ela. Eles não costumavam falar de Violet, mas ela sabia mais do que o necessário para saber que a mãe não era uma má pessoa, embora isso não a fizesse boa aos olhos de Melissa. A ausência da mãe cobrara seu preço ao longo de quase toda a sua vida, e ela ainda sentia-se confusa ao pensar sobre Violet.

                - Ketty esteve aqui – Melissa falou sem erguer os olhos da pequena pulseira de prata. – Tentei dormir depois que ela me falou, mas não consegui.

                - É escolha sua não ir se quiser – Mex respondeu, aproximando-se dos sofás. – Basta dizer...

                - Eu quero ir – os olhos verdes da filha encontraram os seus, e havia algo ali, alguma angustia e também expectativa e medo.

                - O que espera encontrar? – Mex conhecia a filha melhor do que qualquer um, ensinara-a tudo que sabia e mais, e sabia lê-la como um livro aberto.

                - Espero encontra-la, vê-la com meus próprios olhos, talvez falar com ela...

                - Sabe o que farão com ela se a trouxerem de volta para Brumor? – Mex perguntou, com os olhos fixos nos da filha.

                - A Punição – Melissa respondeu, não sem hesitação. – A morte pelo Veneno do Dente de Dragão.

                - É uma das plantas mais venenosas que há no Deserto de Ouro. Os melhores guerreiros costumavam banhar as laminas com o veneno, para que não precisassem dar um golpe realmente fatal. O veneno corre rápido pelo sangue, e depois que ele chega ao coração é quase impossível salvar a vítima.

                - Minha tia faria isso? – Ela ainda tem esperanças que não, pensou Mex, sentindo o coração se agitar e falhar uma batida.

                - Moira foi bem clara quanto ao que será feito. – Foi tudo que ousou responder.

                Mais tarde, muito mais tarde, quando o céu começava de novo a se tornar cinzento com a aproximação da alvorada, Mex pediu que Oria mandasse um escravo até Kobba. Pensara duramente sobre aquilo, fazendo como Moira disse que fizera e medindo todos os riscos. Quando Kobba finalmente chegou, encontrou-o junto à sacada, com as mesmas roupas que usara na audiência, embora estivesse descalço. Tinha os cabelos desalinhados por causa do vento que entrava pelas portas abertas e as mangas da camisa enroladas até os cotovelos.

                - Pediu que me chamassem? – Kobba examinava-o de cima a baixo, procurando qualquer sinal de que estivesse triste ou a ponto de cometer uma loucura. Mex achava que estava mais perto de fazer a segunda coisa, embora dizer que aquilo não o entristecia seria mentir.

                - Preciso que me faça um favor. – Pesei todas as consequências do que estou fazendo, embora não tenha certeza se isso é uma loucura ou apenas o que desejo que seja. Será que sei do que se trata? Se for descoberto, estou perdido, assim como qualquer um que me ajudar. Puxou o papel do bolso da calça e estendeu para Kobba. – Ai tem tudo que precisa saber. Preciso que encontre uma pessoa, e que seja rápido nessa tarefa. Leve Saise e Winn com você, eles são de minha inteira confiança e a essa altura já estarão prontos para partir.

                - Quem devo procurar? – Kobba enfiou o pequeno pedaço e papel dobrado no bolso interno do colete.

                - Vassala – o peito de Mex inflou-se quando disse o nome, e então o alivio de ouvir aquele nome encheu-o. – Entregue este papel a ela, e acompanhe-a se possível, mas não seja visto ou apanhado, sua vida é muito preciosa para mim.

                - Onde posso encontra-la?

                Mex não sabia a resposta para aquela pergunta, não realmente, mas tinha um bom palpite.

                - A cordilheira. Dizem que foi lá que ela achou sua Magia Morta, e que retorna para o templo de tempos em tempos. Tente falar antes que ela ataque, ela não tem grande apresso por soldados. Diga-lhe que eu o enviei, e conte-lhe o que aconteceu no conselho esta noite.

                - Para onde a mandará? – Kobba tinha os olhos semicerrados, e Mex sabia exatamente que Kobba conhecia a resposta para aquela pergunta.

                - Para Violet.


Notas Finais


Obrigado por ler. Mais capítulos virão, embora talvez demorem um pouco pela minha falta de tempo. ;-; Mar fé que eles chegam


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