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História Herdeiros da Guerra - Capítulo XXXII - Juntos


Escrita por: Joyblack

Notas do Autor


Olá, pessoal! Espero que todos estejam em casa (caso não trabalhem em serviços essenciais....)!!! Curtam o capítulo e comentem!!!

Capítulo 40 - Capítulo XXXII - Juntos


Halduron estava muito agradecido por tudo que os pandarens fizeram por ele e pelos seus companheiros e a última coisa que queria era parecer mal-agradecido. Porém, querer que os pandarens tivessem um pouco mais de senso estético não seria pedir demais, seria?

Enquanto terminava de vestir a armadura de malha que Kassyeh comprou para ele com a trocas dos objetos tirados do bote, desejava que tivesse pelo menos uma armadura sobressalente nos suprimentos para usar. Não que o que vestisse agora fosse ruim, de forma alguma: a malha era de uma excelente qualidade, feita com um material que descobrira chamar minério ferro-fantasma. Era muito bem-acabada, mas feia de doer. Era marrom com verde, e as cores definitivamente não eram bem distribuídas. Só tinha uma ombreira, que era grande e ficava enganchando no cabelo dele todo momento. Chegaram a oferecer um elmo que parecia um ovo, o qual ele recusou educadamente. Ainda bem que não havia espelhos ali, pois ele definitivamente não estava pronto para se ver daquele jeito. Pelo menos estava protegido e isso o conformava.

Kassyeh e Tewdric também tinham armaduras novas, se é que podia chamar o que Kassyeh usava de armadura. O vestido da princesa seguia o mesmo modelo das roupas que os pandarens usavam e Halduron ficou com um pouquinho de inveja pelos magos terem sempre as melhores vestimentas. Em compensação, a armadura de Tewdric era muito mais feia que a de Halduron, mas, o orc que o perdoasse, combinava com a ferocidade dele.

Depois de Halduron estar plenamente recuperado e os equipamentos ficaram prontos, chegara a hora da despedida deles da vila de Sri La. Era possível ouvir o choro das crianças que, rodeando Tewdric, pediam que ele não fosse embora. O orc abraçara todos ao mesmo tempo, com seus braços grandes, e as lágrimas turvavam seus olhos azuis.

- Eu prometo que venho visitar vocês. - dizia ele repetidamente, consolando os pequenos – E ainda trarei minha Karenzita para brincar também. Então, nada de choro!

- Promete? - perguntou Yazu, chorosa – Promete que volta?

- Prometo. - falou o orc com convicção.

Ainda assim as crianças relutavam em soltá-lo. Halduron assistia a cena entristecido pelas crianças. Aqueles dias ali deixaram todos muito próximos uns aos outros.

- Acho que teremos um pequeno atraso. - comentou Kassyeh chegando perto de Halduron e com um sorriso triste – As crianças não querem deixá-lo partir.

- É compreensível. - comentou Halduron penalizado – Ele é o único que consegue brincar com elas sem cair exausto depois de meia hora.

Kassyeh deu uma risada.

- Verdade. - a elfa suspirou – Me sinto dividida por nossa saída. Feliz, pois finalmente temos noticiais da Horda e triste, porque me apeguei a esse lugar. Seria um lugar onde eu viveria.

Depois de dias procurando sinais de outras embarcações da Horda, os pescadores finalmente acharam sinais, mas não um que eles esperavam. Em contato com outras vilas, eles souberam que tanto belonaus da Horda quanto da Aliança se aproximavam do litoral. Assim que receberam a notícia sentiram medo e alegria: medo, porque aquilo significa que a guerra ia recomeçar tendo Pandaria como cenário. E alegria, porque significa entrar em contato com seus aliados e poder mandar mensagens para Luaprata.

A decisão de sair de Sri La nem precisou ser discutida: eles sabiam que precisavam ir. Não apenas para encontrar a Horda, mas porque temiam que, caso a Aliança chegasse ali, acabasse estigmatizando a vila como aliados deles, fazendo o povo que a habitava sofrer. Por isso, Kassyeh teve uma longa conversa com Mili Lúpulo Errante, para que ela ocultasse que eles estiveram ali, caso alguém da Aliança perguntasse. Para sua surpresa, a pandaren negou categoricamente.

- Não vamos mentir. Se nos perguntarem, diremos. Temos nossa liberdade de acolher quem quisermos e não nos deixaremos ser ameaçados por nenhum estrangeiro.

- Mas eles podem fazer mal a vocês de alguma forma! - argumentou Kassyeh preocupada – Não queremos que corram esse risco!

A pandarena sorriu para Kassyeh, compassiva e pegou a sua mão.

- Minha cara Kass, nós estamos acostumados a ameaças vindas do mar e da terra. - explicou calmamente – Essa terra é pacifica hoje, mas não significa que sempre foi assim. Temos perigos espreitando e estamos prontos para eles. Se essa Aliança quiser tentar a sorte conosco, que seja. Eles terão que arcar com as consequências. O mesmo serve para a Horda, caso fique irritada porque ajudamos Pietro e Pandora. - e dando duas tapinhas na mão de Kassyeh, completou – Não se preocupe conosco, apenas sigam seu caminho.

E, ainda que preocupados, seguiriam.

- Então, conseguimos as montarias? - perguntou Halduron.

Kassyeh assentiu.

- Três tartarugas. O único iaque da vila foi o que Rukiah levou. Parece que são bichinhos caros, esses iaques. - falou ela – Poderemos ir assim que as despedidas terminarem. - e olhou para o marido e as crianças chorosas.

O plano deles era ir em direção ao sul, em busca das naus da Horda. No primeiro momento seguiriam pelas estradas abertas dos pandarens, parando nas vilas em busca de informação. Depois, seguiriam por dentro da Floresta de Jade, para evitar conflitos desnecessários. Mili Lúpulo Errante lhes deram um mapa, onde marcavam as principais povoações e o nome de seus lideres, para que pudessem se informarem. Na teoria, não haveria problemas. Porém, não sabiam o impacto que chegada da Horda e da Aliança teria ali e Halduron temia que seria apenas questão de tempo para os pandarens os odiarem. Esperava que, pelo menos, em Sri La, eles tivessem causado uma impressão boa o suficiente para que não ficassem maculados com os nativos.

- Crianças! - Mili Lúpulo Errante chegou até onde os pequenos se recusavam a deixar Tewdric partir – Tewdric precisa ir!

- Nãooo!!! - gritaram elas se agarrando mais ao orc.

Se dependesse de Halduron, não haveria problema em Tewdric e Kassyeh poderiam ficar ali na vila enquanto ele iria em busca dos integrantes da Horda; a princesa não precisava se arriscar em uma nova jornada perigosa. Porém, ao sugerir aquilo, Kassyeh foi energicamente contra; chegaram juntos e partiriam juntos. E a ele coube aceitar a vontade dela.

- Eu volto, prometo. - disse Tewdric mais uma vez, agora soltando finalmente as crianças – Olhe, vou deixar uma coisa com vocês. - as crianças viram, ansiosas, ele pegar seu machado menor, o que viera com ele na vila e entregar a elas. As crianças precisaram se juntar para que conseguissem segurar – Voltarei para pegar, certo?

As crianças ficaram muito felizes, ainda que não pudessem pular de alegria segurando a arma.

- Eu guardo para vocês, crianças. - disse Mili Lúpulo Errante pegando o machado – Vamos colocá-lo em um lugar a vista, pára sempre lembrar da promessa de Tewdric, certo?

- Certo! - elas gritaram.

Finalmente, se dirigiram às três tartarugas que conseguiram. O resto foi deixado na vila, em troca daquelas três montarias. Eles agora estavam apenas com as novas roupas, suas armas e alguma comida para a viagem. Kassyeh achava que o negócio não foi tão bom para os pandarens e estava decidida a voltar ali para garantir que eles fossem ressarcidos o mais rápido possível.

- Muito obrigada por tudo. - agradeceu Kassyeh mais uma vez – E até breve, Mili. E você também vovô Liu!

O velho pandaren estava tecendo suas redes de pesca e acenou para os três, que se despediam. Estava muito feliz de poder, àquela altura da vida, ouvir histórias tão maravilhosas de além-brumas.

- Tchau vovô! - Tewdric acenou animadamente para ele – Voltarei trazendo um goró de primeira para nós!

- Vou aguardar! - falou o velho pandaren – E, se cuide, jovem Halduron, para não adoecer novamente!

Halduron, que tinha séculos de idade e, definitivamente, era mais antigo que o pandaren, apenas sorriu e acenou.

E quando eles finalmente subiram em suas tartarugas e deixaram a vila Sri La, usando o mesmo caminho que Pandora e Pietro usaram.

Tão logo os três saíram da vila, as crianças, tristes, se dispersaram. Algumas companharam Mili enquanto ela levava o machado de Tewdric para a sede da vila, mas Yasu não foi uma delas. Ela foi até o avô e se sentou, acabrunhada.

- Não queria que eles tivessem ido embora… - murmurou, chateada – Nem Pandora e Pietro…

- Eles voltarão, tenho certeza. - disse o velho pandaren, sem parar de tecer – E já que está ai sentada, por que não vai olhar no correio e vê se tem algo pro seu avô? Seu tio Mio lá das Estepes disse que me mandaria uma carta por esses dias.

- Certo, certo… - mesmo sem muita vontade, a menina se levantou e foi até a caixa do correio – Ei, vovô! Tem uma carta aqui pro senhor!

- Ótimo, traga até aqui e leia para mim.

Yasu caminhou até o avô enquanto verificava a carta e deu um imenso sorriso.

- É da Pãozinho, vovô!

- Pãozinho? - perguntou o velho pandaren um pouco confuso – Ah, Pandora! Ela ficou de me mandar uma carta me contando de como estão as coisas… Eles já chegaram no Templo de Chi-ji?

Yasu leu a carta para o avô, onde Pandora contava como estava sendo a estadia em Arboreto, que Rukiah estavam bem e mandava beijos, que Pietro estava animado porque ela treinara uma Serpente das Nuvens e montaria nela para ir a Selva de Krasarang. Perguntava também como estavam Tewdric, Kassyeh e Halduron.

- Ah, uma pena que eles já partiram! Senão, eu poderiam dizer a eles que a jovem humana se preocupa com eles. - o velho riu – Essa guerra de Aliança e Horda…. Que coisa louca! - e balançou a cabeça, dando risada, antes de pedir – Yasu, mande a resposta em nosso nome para Pandora, sim? Não quero perder o fio dessa rede ou não recupero tão cedo. - ele não desgrudara os olhos da rede em nenhum momento.

- Certo. - assentiu a menina – O que eu digo na carta?

- Agradeça a preocupação, diga que estamos felizes que eles estejam bem, mande abraços para ela, Pietro e Rukiah e avise que nossos outros convidados foram embora juntos.

- Ok, vou escrever agora.

E, levantando-se, foi pegar o pergaminho e a tinta para enviar a carta requerida pelo avô, esperando que Pandora gostasse das notícias que ela levaria.

 

**********************

A entrada da Aldeia Pata’don era uma escadaria de madeira escura ladeada por inúmeras árvores carregadas de flores cor-de-rosa, que formavam um tapete multicor em conjunto com a grama, as cores das colinas, trazendo harmonia e paz ao ambiente. Lina hesitou por um momento, antes de subir o primeiro degrau e olhou brevemente para trás. Dava para ver o Celesfogo por trás das colinas. Todavia, a visão da imensa nau pairando no céu, longe de deixá-la segura, a fazia se sentir terrível. Para os nativos, devia ser ameaçador aquela visão tão próximo à sua casa.

- Algum problema? - perguntou Vincent vendo a hesitação de Lina.

- Você vai achar estupidez, mas acho que sei como os orcs se sentiram quando entraram em nosso mundo. Pelo menos os orcs que não beberam o sangue demoníaco. - e diante do olhar surpreso de Vincent, ela explicou – Esse povo… Eles viviam até agora tranquilos, sem saber de nossa existência. Chegamos com explosões, mortes e com armas. - ela olhou para o Celesfogo novamente – Se eu estivesse no lugar deles, não sei se nos ajudariam.

- Não estamos aqui para fazer mal a eles, Lina. Não viemos conquistar. - lembrou Vincent – Entendo sua analogia, mas são situações bem diferentes.

- São mesmo? Tenho minhas dúvidas… - ela suspirou – Eu sei que vim em busca das minhas crianças. Mas nós sabemos que há muitos outros interesses por aqui.

Vincent pensou em muitos argumentos que poderia usar para demover Lina daquele pensamento, mas achou melhor deixar para lá. Ela estava ainda muito abalada com o que viram no porto e Vincent admitia que aquilo o chocara também. Mas ele não era das forças de Ventobravo; Lina sim. Provavelmente se culpava por não ter impedido Rell Ventonegro de ordenar a matança.

- Bem, seja o que a Luz quiser. - disse Lina enquanto subia os degraus.

Quando chegaram ao topo, viram uma praça rodeada por casas de estilo exóticos, brancas com detalhes vermelhos e dourados. Não puderam prestar muita atenção nos outros detalhes porque foram rodeados por vários nativos, da mesma raça do que falara no porto com eles, com armas em punho. Contudo, não foram atacados. Os nativos apenas ficaram em formação, impedindo-os de prosseguir. Lina e Vincent levantaram as mãos, em sinal de que não atacariam.

- Não viemos atacar. - ela procurou deixar evidente aquela colocação – Queremos conversar com quem estiver na liderança da vila. Temos feridos e precisamos de ajuda.

Os defensores da vila nem se mexeram e Lina trocou olhares com Vincent. Em alguns minutos outros membros da Aliança chegariam e temia que, se os aquele povo se recuse a ajudá-los a almirante Rogers poderia ordenar o ataque a eles. Se o fizesse, Lina seria totalmente contra, mesmo que precisasse lutar com a almirante. Aquela vila era inocente e não poderia permitir que eles fossem atacados.

Entretanto, uma voz falou:

- Acalmem-se. Eu falarei com os estrangeiros.

Os guardas abriram caminho e um dos nativos, com um grande chapéu, similar ao que o do porto usava, se aproximou. Sua roupa era clara, diferente das vestes usada pelo outro. Também tinham uma barba em forma de trança e bigodes longos, caídos, que ladeavam a barba-trança. Lina esperou que ele falasse.

- Eu sou Sunke Kang, prefeito da vila de Pata’don. - ele juntou as mãos, como se fosse rezar e fez uma reverência para eles.

Lina e Vincent repetiram o gesto do nativo, acreditando ser um cumprimento deles. Como não foram repreendidos ou atacados, acreditaram ter acertado na suposição.

- Sou Lina Wood, general do exército de Ventobravo e este é o irmão Vincent, da Ordem do Punho de Prata. - falou ela, baixando as mãos, mas ainda em alerta – Não queremos conflitos, apenas ajuda.

- Ah, mas vocês querem conflito. Apenas não querem conosco. - observou o nativo, num misto de tristeza e consternação.

A verdade da frase a forma como ela foi dita deixou Lina mais entristecida do que estava antes, porque era uma verdade amarga e espinhosa.

- Eu sinto muito que seu povo tenha sido envolvido nisso, não era nossa intenção. - disse Lina com sinceridade.

- Mesmo assim, cá estamos. - ele voltou seus olhos par ao céu, para o Celesfogo por um momento e depois voltou a encarar Lina – Conversei com Taran Zhu e ele disse que não se opõe a ajudarmos vocês. Disse que há feridos. Todavia, não devemos ser envolvidos no conflito.

- Não serão. - garantiu Lina apressadamente – Eu farei o que estiver ao meu alcance para evitar que inocentes sejam prejudicados.

O prefeito os analisou por um momento e depois disse:

- Venham comigo. - e deu as costas para eles, entrando na vila.

Só então os guardas baixaram as armas e abriram caminho para que ela e Vincent passassem. Puderam ver melhor as casinhas da vila, posicionadas de forma circular, ao redor de uma pequena praça. No centro desta, uma rocha com inscrições de uma língua desconhecida e que pareciam pictogramas. Incenso queimava ao redor daquela rocha e Lina acreditou que fosse algo de cunho religioso para aquele povo. Depois da rocha, outra escadaria. A vila certamente fora construída em cima de pequenas colinas, segmentando o local. Lina se perguntou se havia alguma hierarquia entre os que moravam mais em cima e os que moravam embaixo. Na segunda etapa da vila, após a segunda escadaria, as casas eram disposta da mesma forma que embaixo. Todavia, no centro da praça, em vez de uma rocha com inscrições, havia uma fonte em forma de uma criatura, que parecia um dragão, só que com um corpo muito comprimido. Ao fundo, um imenso e imponente prédio ao lado de um moinho de água, que rodava tranquilamente. O nativo que os abordara antes estava lá, como se os esperasse.

- Lorde Taran Zhu. - falou o prefeito, se dirigindo a ele – Os estrangeiros vieram, como o senhor disse que viriam.

- Eu esperava o de pele roxa, mas vieram os de pele rosada. - disse Taran Zhu encarando Lina – Diga-me, estrangeiros, qual o nome de sua raça?

- Somos humanos. - respondeu Lina – Habitantes do reino de Ventobravo. Eu sou Lina Wood, general do exército de Ventobravo e esse é o irmão Vincent, paladino do Pacto de Prata. E vocês? Sei que a terra se chama Pandaria, ouvi você se referir a ela assim. Como vocês se denominam?

- Somos pandarens. - respondeu Taran Zhu – E eu sou Taran Zhun, lorde dos Shado-pans. E vocês estão em um local de Pandaria chamada Floresta de Jade. Um local tranquilo, antes da sua chegada.

- Lamentamos que nossa chegada tenha sido tão tumultuada, Lorde Taran Zhun. - Lina sabia que, independente da raça, as pessoas que tinham autoridade deveriam ser tratadas com respeito. E aquele pandaren era nitidamente muito influente – E queremos evitar o máximo que danos da nossa guerra afetem inocentes. A única coisa que pedimos nesse momento é um lugar para trazer nossos feridos.

- Eu não estou em posição de dizer se vocês são bem-vindos em Pata’don ou não, isso cabe ao prefeito. - disse Taran Zhu – Mas eu reitero que não tomaremos partido nessa guerra de vocês. Já avisei aos outros, aqueles que se autodenominam Horda. Espero que vocês tenham entendido o recado.

Então a Horda também estava se estabelecendo, pensou Lina. Significa que eles transitariam pela Floresta de Jade com a mesma liberdade que a Aliança e que procuraria fazer dos nativos seus aliados, tal como ela tentava fazer naquele momento. E significava que eles poderiam rastrear suas crianças antes dela.

- Entendemos e respeitaremos a vontade daqueles que decidirem se manter neutros. - garantiu Lina.

- Espero que cumpra sua palavra, general. Porque, se nosso povo for atacado, as águas voltaram a ficar vermelha e não será com o sangue dos pele verde. - ele a encarou com ferocidade.

Lina estava mais que disposta a cumprir o prometido.

- Gostaria de fazer mais uma pergunta, Lorde Taran Zhu, se assim me permitir. - pediu Lina.

Taran Zhu examinou a humana. Ele não conhecia o suficiente daquela raça, mas dava para ver que aquela fêmea era maior do que as outras que ele vira. Estava em posição de comando e ainda assim o tratava com certa reverência. Ela soube que ele era improntante e estava agindo com cautela. Esperto da parte dela. Não tentara vender sua guerra como justa, mas agora faria um pergunta. Requereria armas? Saber mais sobre a terra? O que seria? Taran Zhu estava mais interessado nas intenções por trás da pergunta do que o que seria perguntado.

- Faça sua pergunta, general. - permitiu ele – Mas não garanto que a responderei.

- Há alguns dias, bem antes de nossa chegada, uma nau de nosso povo naufragou em seu litoral. - começou ela, tentando conter a preocupação em sua voz – Dentro desse navio, havia três jovens… Jovens que me são muito queridos. Vim em busca deles. Gostaria de saber se você, ou alguém que você conheça, possa ter ouvido falar sobre eles… Estrangeiros, que chegaram antes de nós.

Taran Zhu a analisou por um momento.

- E o quão importante são esses jovens para você, general?

- Eles são minha família. - respondeu com sinceridade – São a razão pela qual estou aqui.

Taran Zhu sorriu. Então, a general não veio para ser general… Veio por sua família. Interessante, pensou ele.

- A nordeste daqui há uma vila chamada Sri La. - começou ele – A prefeita da vila me disse que acolheu estrangeiros. Não me deu nomes ou raça, apenas disse que eram pessoas que precisavam de ajuda. Se a general for lá, talvez encontre o que procura.

“E que isso a mantenha com o foco longe de uma guerra”, completou Taran Zhu em pensamento.

O rosto de Lina se iluminou de esperança e ela olhou para Vincent, sorrindo. Contudo, o paladino não estava disposto a acreditar tão rapidamente no pandaren.

- Obrigada, Lorde Taran Zhu. - Lina repetiu o cumprimento que o prefeito fizera e Taran Zhu retribuiu.

- Parece que seus aliados chegaram. - disse o pandaren olhando por cima do ombro dela – Darei o recado a eles, e espero que sejam tão receptivos aos meus avisos quanto você, general Wood.

Taran Zhu se afastou dela em direção a Rell Ventonegro, que chegara com soldados feridos e mais alguns campeões da Aliança. Vincent tocou no ombro de Lina e apontou com a cabeça um local mais privado, perto da roda d’água da vila.

- Lina, acha que é seguro seguirmos a dica desse pandaren? - perguntou, preocupado quando se afastaram.

- É a única que temos, Vin. - disse ela, pesarosa.

- Ele sequer escondeu o desgosto dele ao nos ver… - lembrou o paladino – E se estivermos a caminho de uma emboscada? Ele disse que era líder de um tal “Shado-pan”, mas não disse o que era isso…

Apesar de também estar preocupada com aquilo, Lina sabia que não havia muito o que se fazer naquele sentido.

- Entendo sua desconfiança, mas eu também entendo o lado dele. Nós somos os invasores. Nós trouxemos a guerra. Fomos nós que promovemos aquele banho de sangue no porto… - ela respirou fundo e continuou – Prefiro correr esse risco a continuar mais um dia sem fazer nada para encontrá-los…

Vincent sabia que ela estava certa e acabou por assentir.

- Então vamos ver se os pandarens podem nos vender alguns suprimentos, certo? - perguntou Vincent, antes de continuar – Vamos precisar disso antes de nos embrenharmos nessa Floresta de Jade. Um mapa também não seria ruim. E saber sobre as criaturas que podemos encontrar. Algumas dicas seriam úteis…

Lina sentiu-se grata por Vincent estar com ela. Sem ele, provavelmente já teria corrido da vila sem sequer pensar naquilo. Sim, precisavam de suprimentos e os pandarens poderiam fornecê-los. Esperava que o ouro deles fosse aceito.

- Os feridos estão chegando. - mostrou Lina – Você pode ajudá-los enquanto faço as negociações. Quero partir o mais rápido possível, de preferência antes da Almirante Rogers dar as caras.

- Em algumas horas a noite vai cair… - avisou Vincent – Podemos partir amanhã cedo. É mais seguro a fazer.

Lina hesitou.

- Veremos. Vai depender do quanto eu demore fazendo as negociações. - avisou ela.

Vincent assentiu antes de se encaminhar para onde os feridos estavam sendo levados.

Mais uma vez os olhos de Lina foram até o Celesfogo. Temia deixar a Aliança nas mãos de Crowe e Rogers. Sabia que não podia contar com o general, mas jamais imaginava ver um lado tão sanguinário na Almirante. Porém, não era hora de julgar ninguém.

Procurou pela vila até que viu um pandaren que comercializava com outro, enquanto olhavam desconfiados para os recém-chegados. Um mercador, exatamente o que precisava. Caminhou até lá, pronta para conseguir o que precisava para ir em busca de suas três crianças.

 

*******************

Havia uma barricada na entrada da vila Aldeia do Mel e Luxuriah hesitou antes de adentrar o local. Junto com Snetto e Mhuu, atravessara a Floresta de Jade, ajudando os membros da Horda machucados que encontrara no caminho, além da ajuda prestada a nativos, que eles descobriram se chamarem ‘pandarens’. Esses pandarens lhe disseram que seriam bem recebidos na vila, mas, ainda assim, Luxuriah olhava para aquela barreira, desconfiada de entrar em uma emboscada.

- Acho que não haverá nenhum problema. - disse Mhuu, vendo a hesitação da amiga – Nós ajudamos os nativos, eles não tem motivos para nos atacar.

- Nossa nave caiu nas plantações deles e muitos morreram. - falou a elfa, com seriedade – Eles tem motivos para nos atacar.

- Não fomos nós quem derrubamos. - contestou Snetto – É só dizer isso a eles!

Será que aquilo era suficiente? A aeronau fora derrubado pro outros, que eram inimigos da Horda. Indiretamente era culpa deles sim. Se algo como aquilo acontecesse em Luaprata, Luxuriah receberia quem quer que entrasse na cidade à base de flechas e ódio. Quantas mães e suas crianças agora não choravam, de medo e de raiva? Quantos pais não estavam desesperados pela perda de seus filhos? Quantas famílias não foram destroçadas? Percebeu, então, que não estava com medo de entrar na vila. Estava com vergonha.

- Vamos logo. - disse ela, aproveitando o arroubo de coragem – Que a Nascente nos proteja.

Assim que os guardas viram o trio subir o caminho pavimentado em direção ao interior da vila, bloquearam a entrada com seus corpos, em postura de luta. Luxuriah percebeu que eles não tinham armas em suas mãos e ela se perguntou se eram magos ou algum tipo de guerreiro que invocavam as armas com magia. Eles não estariam tão confiantes em confrontá-los desarmados se não tivessem uma vantagem. Luxuriah olhou para Mhuu, um pedido silencioso que o tauren entendeu. Deu um passo à frente, as mãos levantadas.

- Viemos em paz, meus caros pandarens. - começou Mhuu – Precisamos de um local para nossos feridos. E podemos ajudar com os seus. Tenho poderes curativos e meu companheiro aqui também. - falou apontando para Snetto – Também procuramos o pandaren vestido de negro que apareceu para nós.

Os guardas se entreolharam e um deles saiu, entrando na vila. Momentos depois, o guarda voltou, acompanhado de um pandaren desconhecido e não aquele que os abordara anteriormente. Ele tinha uma barba espeça, grisalha, vestido com uma roupa simples, de camisa vermelha sem mangas e calça preta. O pandaren os olhou, mais curioso que com medo.

- Então, vocês são a Horda. - falou o pandaren olhando para os três – Lorde Taran Zhu disse que vocês deviam entrar, mas não me sinto tão à vontade… - ele balançou a cabeça, incrédulo – Sua luta trouxe muito destruição à nossa pequena aldeia…

Mhuu fez menção para falar, mas Luxuriah colocou a mão em seu ombro. Ele a encarou e ela fez que não com a cabeça. Depois, deu um passo a frente, ficando cara a cara com o pandaren.

- Eu sinto muito que isso tenha acontecido. - falou a elfa com sinceridade – A última coisa que queríamos era que isso acabasse assim. Todos nós sofremos com ataques às nossas casas e sabemos a dor que isso traz. Por favor, nos deixe tentar reparar.

O pandaren os analisou por mais um momento, antes de falar:

- Não negaremos ajuda aos feridos. E se vocês puderem ajudar com os nossos, seremos gratos. Por favor, entrem.

Os três os acompanharam, ainda sob os olhares desconfiados dos guardas.

Luxuriah percebeu que a Aldeia do Mel era situada em uma colina e isso a fazia ser dividida em vários segmentos, unidos por um caminho pavimentado de pedras cinzas que serpenteava em torno das casas. As casas eram belas e exóticas, a maioria ornamentada em verde, vermelho e dourado sendo esses últimos os predominantes. Aquilo lhe deu uma sensação de familiaridade, já que vermelho e dourado eram as cores oficiais dos sin’dorei.

- Eu sou o prefeito Orvalho de Mel. - disse o pandaren enquanto caminhavam – o Lorde Taran Zhu está mais a frente, caso desejem falar com ele.

- Eu sou Luxuriah Fendessol. - se apresentou a elfa – E estes são Mhuu e Snetto.

O pandaren os cumprimentou com um breve aceno de cabeça, que os outros corresponderam. Na primeira encosta da vila, onde havia duas estruturas que deviam ser usadas por comerciantes, estava o pandaren chamado Taran Zhu, que os olhou com a mesma desconfiança que o prefeito Orvalho de Mel.

- Aqui estão os estrangeiros, Lorde Taran Zhu. - falou o prefeito – Agora, vou ver como estão os feridos..

- Mhu, Snetto. - chamou Luxuriah – Podem ir ajudar os feridos. Eu resolvo aqui.

Os dois assentiram. O prefeito olhou para Taraqn Zhu, como se pedisse permissão e o pandaren deu um aceno quase imperceptível. Assim, os três se afastaram, deixando-os a sós.

- Eu esperava o de pele verde. - começou o pandaren – Ele parecia estar no comando.

- E ele está. - afirmou ela – Mas eu não vim para conquistar ou guerrear, apesar de saber que terei que lutar em algum momento.

- Então, por que veio, pele morena?

- Meu nome é Luxuriah Fendessol. - disse ela com altivez – Sou uma elfa sangrenta, uma sin’dorei, como Snetto, mesmo que a pele dele seja mais clara que a minha. - e achando que era melhor deixar tudo esclarecido, continuou – Aquele que você chamou de pele verde é um orc, General Nazgrim. E meu amigo grande com chifres é um tauren, chamado Mhuu.

Taran Zhu a encarou longamente, antes de falar:

- Você ainda não disse porque veio, elfa sangrenta.

Se fosse dois anos antes, Taran Zhu já teria sido xingado e ameaçado para não importuná-la. Luxuriah também teria dito que ela quem faria as perguntas. E por mais que fosse exatamente aquilo que, no fundo, queria fazer, sabia que não seria o caminho seguro a percorrer. Primeiro, porque estava na terra dele, onde ele conhecia os perigos e as peculiaridades. Segundo, porque ele tinha uma informação que era vital em sua busca por Kassyeh, ou pelo menos, parecia ter, pelo que falara quando tirara as coisas chamadas ‘shas’ de Nazgrim. E, terceiro, porque não sabia o seu poder. Ele era chamado de Lorde, mas duvidava que aquele título significasse a mesma coisa ali do que em Luaprata. Um lorde, entre os elfos sangrentos, era mais um título social que qualquer outra coisa. Ali, ela tinha a impressão que podia ser algo marcial. Isso porque aquele pandaren era respeitado o suficiente para o prefeito acatar seus conselhos e também por não portar arma nenhuma. Como os guardas, era possível que ele fosse capaz de resolver problemas sem precisar delas.

“O quanto ele precisa saber para me dar a informação?”, se perguntou Luxuriah, cautelosa. Não ousava mentir e perdera oportunidade, mas também não queria parecer desesperada, por mais que estivesse. Decidiu contar apenas o essencial.

- Há mais ou menos uma semana um navio da Horda naufragou nessas costas. - começou, reticente – Estamos procurando sobreviventes. Quando você tirou aquela coisa de Nazgrim, você falou que tinha sido avisado sobre nós. Quero saber se o aviso proveio de pessoas que estavam nesse navio.

- Suponho que as pessoas que estavam no navio sejam muito importantes para você. - analisou Taran zhu.

- Talvez. - disse ela, cruzando os braços – Não me entenda mal, Lorde Taran Zhu. Eu confio em você tanto quanto você confia em mim.

Os dois ficaram em silêncio, se medindo. Taran Zhu reconheceu o olhar de Luxuriah; era o olhar de quem já perdera muito e não estava disposta a perder mais. Ele reconhecia, pois sabia já encontrara gente demais com aquela mesma dor e determinação. Talvez ela visse o mesmo em seus olhos, quem sabe. E por mais que a última coisa que quisesse era tomar partido ou permitir qualquer interferência daqueles estrangeiros em Pandaria, não havia perigo em dizer de onde viera o aviso. Não havia porque ele já enviara seus melhores monges para proteger a vila. Caso aquela elfa ou qualquer um a transformasse em campo de batalha, se arrependeriam amargamente.

- Há uma vila a sudeste daqui. - começou ele - A vila de chama Sri La. A prefeita, Mili Lúpulo Errante, me enviou uma carta dizendo que acolheu náufragos e que eles falaram da possibilidade da guerra aportar em nossas praias. - e vendo a expectativa no rosto de Luxuriah, completou – Ela não informou nomes ou raça, se é isso que está se perguntando. Mas aviso: não tragam a guerra para essas praias, ou vocês não terão apenas essa tal de “Aliança” para se preocupar.

Luxuriah sabia que o navio de Kassyeh naufragara em um conflito com a Aliança; fora a última notícia que o capitão conseguira enviar antes do contato mágico ser rompido. Então naquela vila poderia ter membros da Horda ou da Aliança. Teria que arriscar.

- Obrigada pelas informações, Lorde Taran Zhu. E pelo aviso. - e fazendo uma pausa, não se conteve e falou – Duvido que o “Lorde” seja por título de nobreza. Estou certa?

Taran Zhu deu um sorriso debochado.

- Depende do que você entende por nobreza, Luxuriah Fendessol. - e apontando com a cabeça, disse – Veja, mais dos seus aliados chegam, inclusive aquele que você chamou de Nazgrim. Chegou a hora de eu dar o mesmo aviso a eles. E talvez seja a hora de você ir em busca das pessoas importantes para você. - e, sem dizer mais nada, foi em direção a Nazgrim e aos outros campeões da Horda que vieram com ele.

Fosse quem fosse aquele pandaren, a informação dele valia a pena ser verificada. Fora aquilo, não tinha nenhuma pista do paradeiro de sua irmã e dos outros; teria que arriscar. Olhou para onde Snetto e Mhuu curavam os feridos e pensou que precisariam de suprimentos e também de um mapa para achar a tal vila. Talvez o ideal fosse esperar a manhã seguinte, já que não demoraria a noite a cair. Seria bom também pesquisar brevemente com os habitantes quis os perigos que existiam além dos muros de sua vila.

- Será que a resposta seria ‘vocês’? - murmurou para si mesma.

Salem deu um pequeno rugido e ela acariciou a cabeça da pantera espiritual.

- É verdade, Salem. Nós não somos perigo para eles, mas sabemos quem são. Venha, vamos providenciar o que precisaremos nessa viagem. Snetto e Mhuu ainda demorarão curando os feridos. Espero que, com isso, esses pandarens vejam que não desejamos seu mal.

 

****************

Pandora adormeceu ao lado de Pietro, exausta da viagem e do estresse de presenciar uma luta que achou que ainda estava longe de aportar ali. Depois de serem quase atingidos pela queda da nau da Horda e quase não conseguirem pousar ali, tomaram um chá dado pelos pandarens que encontraram e a jovem humana se recusou a responder qualquer pergunta. Estava em choque.

Logo após se acalmarem, os irmãos se enroscaram um no outro e caíram no sono. Hope, a serpente da nuvem de Pandora, deitou-se aninhada em sua dona, como se quisesse protegê-la. Enquanto dormiam, Rukiah os observava, preocupada. Não esperava uma reação tão forte por parte de Pandora, afinal, o conflito não deveria ter sido uma surpresa para ela. Será que tinha esperança de que Pandaria fosse poupada? Tinha que esperar ela acordar para saber.

Sentada em volta da fogueira, ela observava o pandaren que os acolhera. Chen Malte do Trovão era diferente de outros pandarens que conhecera. Ao lado da sua sobrinha Li Li, estavam agitados, animados, numa euforia que ela não conseguia entender.

- Então… Rukiah, não é? - perguntou Chen Malte do Trovão e a pandarena assentiu – Você é natural da Floresta de Jade? - perguntou enquanto oferecia mais uma caneca de chá.

- Sim. - assentiu, recebendo a caneca – Nasci na Vila de Sri La e treinei no Templo da Garça Vermelha.

- Quando eu soube que as névoas haviam aberto, eu corri para vir a Pandária. - falou Chen Malte do Trovão, animado – Sempre quis ver essas terras!

Aquela frase pegou Rukiah de surpresa.

- Senhor Chen… - começou Rukiah, segurando a caneca – O senhor não nasceu em Pandaria? - era visível sua admiração.

- Nasci na Ilha Errante. - explicou o pandaren – E sai pelo mundo assim que tive idade para isso. Conheci todo o mundo lá fora… Inclusive os reinos humanos. - ele encarou ao irmãos adormecidos – Eu realmente não esperava vê-los aqui…

- Ah, tio Chen! - falou Lili revirando os olhos – Se nós conseguimos chegar, outros também conseguiriam, não é?

Chen Malte do Trovão deu uma risada.

- Tem razão, Li Li. - concordou ele antes de tomar um gole do chá – Eu fui ingênuo ao pensar que outros não chegariam a Pandaria.

- Então o senhor já sabia desse conflito? Da Horda com a Aliança? - perguntou Rukiah, sua surpresa aumentou.

- Minha cara criança… - murmurou ele – Eu ajudei a fundar a Horda.

E diante do espanto crescente de Rukiah, ele deu uma risada entristecida.

- É uma longa história… Por que não me conta primeiro a história deles? - pediu, apontando para os humanos adormecidos.

Rukiah olhou mais uma vez para Pandora e Pietro adormecidos e começou a contar a história desde quando ela e Yasu acharam os náufragos na praia até a saída dela da vila para que pudesse levar seus novos amigos para o Templo de Chi-Ji. Enquanto contava, percebeu que Chen se mostrava muito mais surpresos dos membros da Horda terem ajudado os da Aliança do que da história da guerra em si. Então era verdade do pandaren quando ele dizia que já conhecia o conflito.

- Pandária é realmente uma terra incrível! - exclamou Chen – Apenas um lugar tão vivo e pulsante poderia ter propiciado um encontro como esse que você me descreveu! E esse orc chamado Tewdric! Nossa, quero muito conhecê-lo! Você disse que ele foi resgatado pelo meu amigo Thrall?

- Sim, quando era criança. - confirmou a sacerdotisa – Ele o tem em alta conta.

- Por isso ele não atacou esses jovens. - deduziu o pandaren – Thrall sempre foi contra lutas desnecessárias e a violência contra civis. Um orc honrado que eu tenho prazer de chamar de amigo.

- Como foi sua história com a Horda, senhor Chen? - quis saber Rukiah.

- Ah, por favor, apenas Chen. - pediu ele acenando com a mão.

- Então, Chen… Como foi? - insistiu.

Chen começou a contar sobre sua busca por aventuras e quando criou uma receita de uma cerveja que precisava de ingredientes especiais e contou com a ajuda de um meio-orc chamado Rexxar, com quem fez amizade. Depois, ele conheceu Thrall e Vol’Jin, pertencente a uma raça chamada troll, que Rukiah ainda não vira, e ajudaram a defender um local chamado Durotar de um ataque de humanos. Depois disso, ele ajudou um orc chamado Drohn a se tornar um mestre cervejeiro como ele próprio.

- Também conheci uma líder da Aliança, Jaina Proudmore. Humana, como eles. - continuou Chen apontando para Pietro e Pandora – Na época, ela estava empenhada em conseguir paz entre Horda e Aliança…. - ele suspirou – Não sei se ela mantêm a mesma dedicação nos dias de hoje…

- Por que não? - quis saber Rukiah.

- Eles te contaram sobre uma cidade chamada Theramore?

Rukiah fez que não.

- É uma cidade… Era uma cidade da Aliança que foi exterminada pela Horda… - a voz dele estava carregada de tristeza – Sei que muitos lideres não apoiaram o que foi feito… Mas ainda assim foi. - ele suspirou – Gostaria de reencontrar meu amigo Vol’Jin e saber o que pensa a respeito disso. Pelo que o conheço, não deve estar nada feliz…

Rukiah realmente desejava entender melhor aquele conflito. Talvez só viessem a compreendê-lo melhor se, tal como Chen, saísse de Pandária. Porém, ser uma aventureira nunca fora sua meta na vida; gostava de ajudar as pessoas, cuidar de quem podia, tomar uma bebida com os amigos e curtir sua família. Uma vida tranquila, que sabia estar em risco com a chegada do conflito em Pandaria. Contudo, a sacerdotisa estava decidida a não tomar lados; gostara de Pandora e Pietro da mesma forma que gostara de Tewdric e Kassyeh. Permaneceria neutra na situação e pretendia intermediar as situações que pudessem surgir. Seria a coisa mais justa que poderia fazer.

- O quanto você acha que a chegada da Horda e da Aliança vai afetar nossas vidas? - perguntou ela a Chen.

- Nada será como antes. - falou ele com sinceridade.

- E não há nada que possamos fazer? - insistiu.

- Você já está fazendo. - disse ele apontando com a cabeça para Pandora e Pietro – Está ajudando quem precisa. Isso é o que importa.

As palavras de Chen ficaram martelando na mente de Rukiah por muito tempo, enquanto ela tentava adormecer deitada na grama ao lado de seus colegas de viagem. Acabou sonhando com uma cidade em chamas, que ela pensava ser Theramore, apesar de ela parecer com uma cidade pandarênica. Na cidade, podia ver seus novos amigos tanto da Horda quanto da aliança pedindo por ajuda. Quando acordou, confusa com o sonho estranho, viu Pandora já acordada, com a cabeça de Hope em seu colo e sentada ao lado de Pietro, ainda adormecido.

- Pandora. - Rukiah chamou baixinho, para não acordar Pietro.

Pandora virou a cabeça devagar, a encarou e Rukiah percebeu que a amiga, tal como ela própria, não tinha tido uma boa noite de sono.

- Vamos pegar água? - chamou a sacerdotisa, a voz ainda baixa, apontando para a chaleira.

A outra apenas assentiu com a cabeça e se levantou devagar. Hope emitiu ruídos chateados, por perder o carinho, mas logo se enroscou em Pietro e voltou a dormir. Todos os outros dormiam, exceto por Son, que vigiava. Ele acenou para elas quando se levantaram. Rukiah pegou a chaleira que estava próximo a fogueira e foi com Pandora até o riacho nas redondezas. A manhã ainda não havia nascido completamente, deixando a paisagem ainda cinzenta da madrugada que se recusava a sumir, o orvalho gotejando nas folhas das plantas. O som do riacho era o único ruído ali e alguns vaga-lumes ainda piscavam. A pandarena se abaixou e encheu a chaleira de água, depois deixou o objeto de lado e lavou o rosto, além de beber da água fresca. Pandora fez o mesmo, ainda em silêncio. Depois disso, as duas permaneceram sentadas na margem do riacho, sem fazer menção de se levantar.

- Ainda dá para chegar no templo, certo? - finalmente falou Pandora, sua voz rouca de quem acabara de acordar – Mesmo com… Mesmo com tudo… Podemos chegar, certo?

- Claro que sim! - respondeu prontamente a sacerdotisa – Teremos que fazer um desvio, o que vai tornar o caminho um pouco mais longo, mas é possível sim.

- E você, Rukiah, ainda vai nos ajudar? - quis saber a jovem humana.

A pergunta deixou Rukiah confusa.

- E por que eu não ajudaria? Depois que chegamos tão longe?

- Porque a culpa é nossa. - respondeu – A destruição… É culpa nossa.

Isso não saia da mente de Pandora desde quando viu a Floresta de Jade em chamas. Não conseguia parar de pensar que aquele povo maravilhoso, que a acolhera com tanto amor, que ajudara ela e o irmão a sobreviverem, que propiciara o momento mais estranho de sua vida, o de confraternizar com um orc, sofreria porque sua guerra chegara ali. Era tão angustiante, pois sentia como se estivesse pagando todo o bem que recebera com um terrível mal. Por isso, não se surpreenderia se Rukiah começasse a odiá-la. Não se surpreenderia se fossem deixados ali, a própria sorte. Seria o preço a pagar por serem humanos.

- Que bobagem Pãozinho! - falou a pandarena franzindo o cenho – Nada disso é culpa sua! Essa guerra já existia antes de você nascer! Por favor, não pense assim! Ou vou meter essa chaleira na sua cabeça! - ameaçou pegando a chaleira cheia de água e balançando ameaçadoramente.

Pandora não queria rir, mas acabou rindo. Não conseguira tirar o peso de seu peito, mas Rukiah o deixara mais leve.

- Venha, vamos voltar. - disse a pandarena, se levantando – Temos que comer e estudar o mapa para traçar uma nova rota.

E foi o que fizeram. Quando retornaram, todos já estavam acordados e Pietro ria com vontade de alguma piada contada por Chen Malte do Trovão. Quando viu a irmã voltando, ele rapidamente disse:

- Pãozinho, sabia que o senhor Chen conheceu a senhora Jaina Proudmore?! - exclamou surpreso – Ele também conheceu Kalimdor e os Reinos do Leste!

- Que incrível! - exclamou Pandora tentando ficar tão animada quanto o irmão – O que mais ele contou?

- Ele ajudou a fundar o CervaFest! - anunciou o menino.

- Sério? - perguntou Pandora surpresa.

- Sim, sim. - Chen respondeu, animado – Foi uma das maiores realização de minha vida! Ver todos comemorando boa bebida e boa comida, independente da facção, não tem preço!

O primeiro e único porre de Pandora foi em um CervaFest. Foi logo que começou a morar em Ventobravo e nem tinha idade para participar do festival. Mentiu na cara dura aos cervejeiros sua idade, tomou um porre e só não foi pior porque quem descobrira fora Tommy e não a vaca de sua tia. Tommy deu um jeito de cuidar dela sem chamar a atenção de Lina, o que não foi difícil, porque a então comandante vivia enfiada na Bastilha. Por sorte, seu tio entendera que Pandora aprendera a lição depois de ter uma imensa diarreia causada pelo excesso de bebida e ela não foi castigada. Depois disso, cerveja só com moderação.

- Precisa ir ao banheiro? - perguntou Pandora ao irmão.

- Na verdade, sim. - falou o menino, as bochechas ficando vermelhas. Ele evitou olhar para os outros quando respondeu aquilo.

- Vamos.

Pandora ajudou Pietro com suas necessidades e depois voltaram ao acampamento. Fizeram uma refeição leve, com chá, pão e queijo, enquanto discutiam, com o mapa de Pandaria aberto, por onde seguiriam para chegar ao Templo de Chi-Ji

- Vamos mudar totalmente nossa rota. - explicava Rukiah – Originalmente viríamos por aqui, até a aldeia Pata’don, depois entraríamos na selva de Krasarang, onde seguíramos por aqui. - ela fez um percurso no mapa com o dedo que incluía uma vila chamada Vigia de Zhu e seguia até o Cais dos Pescadores onde seu dedo parou – E era aqui nosso último ponto antes do Templo. Agora, teremos que vir daqui… - ela apontou um local no mapa do Vale dos Quatro Ventos – Descermos por aqui… - o dedo dela marcou o Refúgio da Asa da Garça e fez uma expressão de desgosto – E ficaremos aqui a noite. Depois, vamos em direção ao Templo…

- Por que você parece tão preocupada? - quis saber Pandora.

Rukiah hesitou um pouco, mas respondeu:

- Por causa dessa região aqui. - ela fez um círculo numa região que estava marcada como Ruínas de Dojan – Esse local é cheio de mogus. E eu sei que o Refúgio da Asa da Garça já foi atacado várias vezes por eles. O Cais dos Pescadores é mais distante, não correríamos esse risco.

- Não podemos apenas voar até o Cais? - questionou Pandora.

- Seria um desperdício de tempo e acabaríamos voando a noite, justamente sobre as ruínas. É um risco desnecessário. - explicou a outra.

- Quanto tempo até o Refúgio Asa da Garça? - Pandora não estava gostando das notícias, mas não havia muito o que fazer.

- Se sairmos agora, chegaremos ao anoitecer. - Rukiah olhou para o céu – É a melhor saída que temos. Não me arrisco novamente até Pata’Don. Não sabemos como estão as coisas lá.

- E os ventos? - quem perguntara fora Pietro – Ontem eles quase nos derrubaram…

- Os ventos são mais fortes a noite. - revelou Gon.

- E se voarmos mais baixo, - continuou Son – podemos demorar mais um pouco, mas evitaremos os ventos mais fortes.

- Por isso eu disse que só chegaríamos lá ao anoitecer. - revelou Rukiah enrolando o mapa – Estou contando que demoraremos mais por voarmos mais baixo. Por sorte, o Vale dos Quatro Ventos não tem tantos perigos quanto a Selva de Krasarang. Não há nenhuma fera que pode nos alcançar nas montarias.

Chen Malte do Trovão ouvia a conversa encantado com as maravilhas de Pandaria. Sentado com uma caneca na mão encarou, curioso, para o mapa nas mãos de Rukiah e pediu:

- Rukiah, posso dar uma olhada nesse mapa?

- Claro! - ela entregou o mapa a Chen – Enquanto isso nos arrumamos para partir.

O pandaren passou a estudar o mapa, ainda mais fascinado, com sua sobrinha Lili curiando por cima de seu ombro.

- Olhe só, tem uma vila aqui perto! - exclamou ele – Campos Pé do Trovão. E veja! Tem uma Cervejaria Malte do Trovão aqui no mapa, Li Li! Estamos no caminho certo!

Assim que terminaram de organizar tudo, o que foi rápido, porque eles não tiraram muitas coisas da bagagem na noite anterior, estavam prontos para partir de novo. Chen Malte do Trovão enrolou o mapa e entregou de volta a Rukiah.

- Muito obrigado! - agradeceu fazendo uma reverência – Tenham uma boa viagem!

- Se a gente ver algum humano, falaremos de vocês. - disse Li Li, solicita.

- E eu seria muito grata. - falou Pandora – Tenham uma boa viagem vocês também.

- Até mais, senhor Chen! - Pietro acenou vigorosamente – Espero que nos reencontremos!

- Igualmente! - falou o pandaren devolvendo o aceno.

E logo estavam nos céus, rumo ao seu novo destino.

 

*******************

O sol nem terminara de nascer quando Lina e Vincent saíram da aldeia Pata’Don. Aproveitaram as brumas da manhã e o cansaço dos membros da Aliança para saírem sem precisar dar explicações. Lina já tivera muita dor de cabeça no dia anterior quando a almirante Rogers chegara, acompanhada de Crowe e tivera que ficar ouvindo besteiras dele. Viu o momento em que o portal foi aberto para Ventobravo e ficou tentada de ir até a cidade, ver como estavam as coisas. As não. Não voltaria sem notícias de suas crianças. Por isso, caíram na estrada ainda cedo.

Os nativos haviam conseguido montarias para eles, tartarugas, que Lina colocara na conta do exército; pagava com seu salário depois. Comprou suprimentos também e se colocara em movimento assim que possível. A última coisa que queria era dar de cara com Crowe na hora da saída.

- Conseguiu o mapa? - perguntou Vincent assim que saíram da aldeia.

Lina assentiu.

- Esse local, a Floresta de Jade, é majoritariamente plana, mas há colinas mais ao norte. Por causa disso há duas localidades importantes no caminho, antes de Sri La: Coração da Serpente e Flor da Manhã. - explicou lembrando do mapa que ficara a noite toda olhando e que agora estava em suas coisas – Chegaremos hoje no Coração da Serpente, que é um local sagrado para os pandarens, parece que não chega a ser uma vila. E amanhã chegamos em Flor da Manhã. Se nada der errado, em três dias chegamos em Sri La.

- É um longo percurso. Não seria melhor fazer por ar? - perguntou o paladino.

- Pensei nisso, mas um pandaren me disseram que há muitas criaturas aqui conhecidas como serpente das nuvens. Como elas nunca viram grifos, poderia atacá-los no mesmo instante.

- Realmente é perigoso…

Continuaram a cavalgar, agora em silêncio. Além de estarem ansiosos demais para qualquer conversa, tinha que prestar atenção redobrada ao terreno e a quaisquer feras que surgissem. A coruja espectral de Lina, Hachi, voava logo acima da cabeça deles, um pouco mais a frente, avisando de qualquer perigo. Os pandarens haviam dito que bastava eles não saírem da estrada que não havia nada que pudesse ameaçá-los e Lina procurou seguir a dica a risca.

Quando o sol estava alto e eles estavam cientes que as tartarugas estavam cansadas, decidiram parar para uma breve pausa na beira da estrada. Beberam água, comeram um pouco e esperaram as tartarugas se animarem novamente. Enquanto esperavam, a coruja de Lina emitiu um piado longo e voltou rapidamente para sua dona, agitada. Os dois se entreolharam: era sinal que havia alguém por perto. Lina levantou com sua arma, se aproximou da estrada e olhou. Nada.

- Fique a posto, Vin. - disse ela sem tirar os olhos da estrada – Podemos ser…

Aconteceu muito rápido e nem Vincent nem Lina puderam agir. Um vulto saiu de dentro da mata e pulou no peito de Lina, derrubando-a no mesmo instante. Pega de surpresa, Lina deixou cair sua arma. Atordoada e sem fôlego, viu de relance Vincent pegar sua espada e se levantar antes do vulto sibilar ameaçadoramente:

- Você prometeu protegê-los!

O vislumbre do reconhecimento perpassou o rosto de Lina no instante em que o vulto virou a cabeça para o lado e pulou agilmente, se afastando a espada de Vincent que cortou o ar. Ficou então abaixado, em posição para reagir. Lina respirou fundo e levantou a mão, atraindo a atenção do paladino. Mas ele não tirava os olhos da figura misteriosa até que Lina disse, ofegante:

- Não ataque!

Vincent virou a cabeça, surpreso, e a encarou.

- Como?!

Lina se levantou com dificuldade e recuperou a arma. Depois, com a mão no peito, que ainda doía, olhou para a recém-chegada e seu um sorriso forçado.

- Olá, Rubrarosa.

A worgenin se levantou, o sol iluminando-a. Vincent tomou um susto. Não conhecera a amiga de Doroteya pessoalmente, mas já ouvira muito falar da cavaleira da morte worgenin que ajudara a esconder Theo. Imaginar tal criatura fora difícil, principalmente para um guerreiro da Luz como ele, afinal pensar em um ex-servo do Flagelo protegendo alguém por amor era… Difícil. Não sabia o que esperar, mas certamente não era aquela criatura que se erguia em plena luz do dia, numa terra onde apenas poucos conseguiram chegar.

Apesar da postura de Vincent ser claramente ofensiva, esperando apenas um movimento de Rubrarosa para atacar, a cavaleira da morte não estava interessada nele. Seus olhos estavam presos em Lina e seu rosto se contorcia de raiva.

- Você disse que ele não ia descobrir! - a voz da cavaleira da morte era gélida e distorcida, provocando um arrepio na coluna de Vincent – Você prometeu que eles ficariam seguros!

Era óbvio que Rubrarosa soubera que Greymane descobrira a respeito de Theo. Para Lina, a revolta da cavaleira da morte era mais que justa, apesar daquele problema já ter sido resolvido. Por isso, Lina respirou fundo, massageando o peito que ainda doía, antes de responder:

- Eles estão seguros.

- Greymane descobriu tudo! - rosnou a worgenin dando um passo a frente.

Vincent levantou a espada, mas Lina tocou no ombro dele e balançou a cabeça. O paladino baixou a lâmina, a contragosto.

- É verdade, ele descobriu. - afirmou, com remorso em sua voz – Mas, se você ouviu toda a história de como isso aconteceu, sabe que foi uma situação muito, muito atípica e que não podíamos prever.

Esperou Rubrarosa dizer mais alguma coisa, mas ela ficou calada. No fundo, apesar da revolta, sabia que Lina tinha razão. E porque a outra não a retrucou, Lina continuou.

- Depois que ele descobriu, fiz o que esteve ao meu alcance e Greymane não vai tomar Theo de Doroteya. - explicou – A lei está do nosso lado.

A cavaleira da morte deu uma risada sem alegria e gélida.

- Ele é um rei. A lei não chega a ele. - falou, incrédula.

- As coisas são diferentes em Ventobravo. - retrucou Lina, sentindo-se um pouco ofendida – Ele não tem todo o poder que você pensa. E ele não terá o rei Wrynn como aliado. Nem mesmo sua esposa, a rainha Mia.

Rubrarosa não estava convencida ainda. Sua raiva pulsava e ficava evidente em seus olhos. Lina sentiu o peito mais leve e respirou fundo mais uma vez, massageando novamente o local que a worgenin a atingira. Vincent continuava em guarda; baixara a espada mas não a embaiou.

- Entendo sua raiva, Rubrarosa. - continuou Lina – E, acredite, a última coisa que eu queria era que as coisas tivessem acontecido dessa forma. Mas aconteceram e remediei da melhor forma.

Fora exatamente a mesma coisa que Doroteya lhe dissera, mas Rubrarosa custava acreditar. Sabia que, caso a amiga e seu filho permanecessem em Ventobravo, correriam aquele risco. E estava certa, óbvio. Porém, Doroteya lhe implorara que não brigasse com Lina e que entendesse a situação. Rubrarosa disse que faria o possível. E conseguiu porque, por mais vontade que tivesse de rasgar a garganta de Lina, apenas lhe dera um susto.

A general estava mais surpresa com a presença de Rubrarosa do que com sua chegada agressiva. Olhou para os lados e percebeu que ela estava sozinha e sem nenhum equipamento fora sua armadura e espada.

- Você veio pelo portal de Ventobravo, certo? - perguntou e Rubrarosa assentiu – Está tudo bem com todos? Houve algum problema com Theo ou Doro relacionado a Greymane ou a delicadeza de sua chegada foi apenas um cumprimento entre velhas conhecidas? - a general se surpreendeu com a calma em sua voz.

Vincent não entendia como Lina podia estar tão calma depois do ataque que sofrera e como podia fazer piada para quem a atacara. E entendeu menos ainda quando Rubrarosa deu um sorriso de canto de boca, meio divertido e meio macabro.

- Está tudo bem por lá. - disse a worgenin – Liana é linda e seu irmão parece ser útil como pai. - a postura de Rubrarosa relaxou – Doroteya está preocupada com vocês dois. E Theo… Theo pediu pra eu vir e ajudar na busca por… - ela fez uma pausa e tentou lembrar – Como é o nome deles?

- Pietro e Pandora. - falou Lina.

- Esses mesmos. Theo pediu para eu vir, eu vim. - finalizou.

- Espere aí. - disse Vincent levantando a mãos – Você vai ficar aqui? Conosco?

Os olhos azuis e gélidos da cavaleira da morte se fixaram em Vincent pela primeira vez. Vincent sustentou o olhar e segurou a espada mais firme em sua mão. Apesar de saber que a maioria das pessoas que viraram cavaleiros da morte o fizeram contra a vontade, que eles eram tão vítimas quanto todos que morreram nas mãos do Flagelo, ainda assim, a presença de Rubrarosa o afetava.

- Guarde sua espada, servo da Luz. - disse ela friamente – Não planejo atacar vocês mas, sim, ficarei. Como eu disse, foi um pedido de Theo.

Vincent virou-se para Lina, esperando a negativa dela.

- Vin, eu sei como se sente… Principalmente porque você nasceu em Lordaeron… - ela colocou a mão em seu ombro – Eu não pensaria em pedir ajuda a ela, mas já que está aqui, não vejo porque não usar. Além do mais, ela tem o olfato melhor que o nosso. Será útil para detectar perigos por terra enquanto Hachi detecta por céu.

Por mais que entendesse o lado de Lina e soubesse que Rubrarosa poderia ser útil, Vincent ainda hesitava. Era mais forte que ele. A fé o ajudara a lidar com os traumas do passado, mas ainda não conseguira superá-los. Quantos cavaleiros da morte não enfrentara? Quantos amigos não morreram pelas mãos do Flagelo? Porém, sua consciência lhe dizia, devia aceitar a presença dela se aquilo ajudasse-os a encontrar Pandora e Pietro. E Doroteya confiava na cavaleira da morte o suficiente para lhe entregar o filho. E Theo confiava suficiente nela para pedir que ela os ajudasse. Por isso, a olhou mais uma vez, antes de assentir e guardar sua espada.

- Ótimo. - disse Lina – Não precisamos de mais estresse, não é?

Nem Vincent nem Rubrarosa responderam.

- Rubrarosa, você é mais que bem-vinda para nos acompanhar. Mas quero que lembre que eu estou no comando.

A worgenin não disse nada.

- Já descansamos demais. - continuou a general – Vamos, quero chegar em Coração da Serpente antes de anoitecer. Rubrarosa, acredito que você prefira correr sobre quatro patas, certo? - a outra assentiu brevemente – Então, vamos. Há muito caminho pela frente.

O grupo, agora com três pessoas, voltou a se mover em direção ao Coração da Serpente. Estavam subindo a estrada quando passaram por um belo portal ao estilo pandarênico e logo após havia diversas árvores com flores rosas e cheias de colmeias de mel. Rubrarosa parou no mesmo instante de correr e ficou de pé. Demorou um pouco mais de tempo para que Vincent e Lina sentisse o mesmo que a worgenin. O local era lindo, mas o mesmo vento que trouxe o cheiro do mel trouxe a fumaça e o cheiro de sangue.

- Horda? - perguntou Lina puxando a arma.

- Não. - respondeu Rubrarosa cheirando o ar – Tem cheio de… Pedra…

Vincent e Lina se entreolharam. Tinham ouvido falar sobre criaturas de pedras chamadas mogus. Desceram rapidamente das tartarugas, que prontamente se recolheram para dentro dos cascos, e avançaram pelo bosque. Diversos pandarens lutavam com monstros imensos, cinzas e que pareciam feito de pedras.

- Mogus. - falou Lina assobiando e chamando Hachi – Vamos!

Os pandarens ficaram surpresos e gratos ao verem aqueles três estrangeiros lutando aos eu lado. Com a ajuda, eles puderam rapidamente acabar com a ameaça dos mogus, principalmente ao matarem o seu líder. Depois de uma rápida batalha, os mogus foram derrotados e os pandarens ficaram extremamente agradecidos a eles.

- Por favor, aceitem isso de pagamento. - eram poucas moedas, que foram estendidas para Lina – É o nosso agradecimento.

Lina olhou ao redor. A maioria das casas tinham sido destruídas e as árvores também tinha sido afetadas. Era óbvio que era dali que os aldeões tiravam seu sustento.

- Não precisamos de pagamento, obrigada. - Lina agradeceu fazendo a reverência dos pandarens, que aprendera no dia anterior.

- Mas… Queremos agradecer! - protestou o pandaren.

- Aceito um pote de mel daqueles. - disse Lina apontando para vários potes de mel pequenos que tinham sobrevivido ao ataque.

- Ah, claro, claro! - o pandaren rapidamente pegou não um, mas dois potes de mel – E mais uma vez obrigado! Vocês salvaram o Pomar Sopro de Néctar!

Continuaram o caminho após pegarem as tartarugas, satisfeitos de terem ajudados os nativos. A batalha acabou atrasando o caminho dele e já era noite quando chegaram a uma imensa estátua de uma serpente, iguais as que viram na aldeia Pata’don.

- Deve ser a estátua que falaram. - comentou Lina.

Os pandarens haviam dito que faziam aquela estátua a cada mil anos para o renascimento da Serpente de Jade. Por mais que não entendessem exatamente o que eles queriam dizer com aquilo, mas perceberam que os nativos tinham uma profunda devoção por aquela criatura.

Não havia uma vila ali, mas resquícios de acampamentos dos trabalhadores. A maioria devia viver nas proximidades e viam apenas para trabalhar, mas havia alguns acampados nas por ali, que olharam com desconfiança quando eles chegaram.

- Falarei com eles. - avisou Vincent – Dizer que vamos apenas acampar hoje, que estamos de passagem.

- Ótimo. - concordou Lina.

E, enquanto Vincent se encaminhava aos pandarens acampados, Rubrarosa sentou-se próxima a uma pedra e Lina começou a descarregar as tendas para montá-las.

- Eu vou dividir a barraca com o Vincent e você fica com a minha. - falou Lina, pois a cavaleira da morte não tinha provisões.

- Não há necessidade. - disse ela tranquilamente – Eu não durmo.

Levou alguns instantes para Lina entender o que ela dissera e se sentiu um pouco envergonhada. Afinal, Rubrarosa tivera que lembrá-la que estava morta.

- Não precisa ficar com essa cara. - retrucou a worgenin, como se lesse os pensamentos de Lina – Você esqueceu que eu estou morta. Lasciva e Doroteya fazem o mesmo. É uma sensação boa, que vocês pensem em mim como via, apesar de eu mesma nunca esquecer que estou morta. Seu amigo também não vai esquecer. - comentou olhando para Vincent, que conversava com os pandarens.

- Vincent é de Lordaeron. - explicou Lina – Lutou contra o Flagelo tanto em sua terra quanto em Nortúndria. Acredito que é a primeira vez que ele se vê do mesmo lado que um cavaleiro da morte.

- Pelo menos ele é educado. - admitiu Rubrarosa – É uma qualidade bem rara nos dias de hoje.

- E como! - Lina fez uma pausa, antes de pedir – Pode me contar como estão as coisas em Ventobravo? Com detalhes?

Rubrarosa começou a contar desde o dia em que chegara, o dia seguinte à partida de Lina e Vincent, até quando souberam que o portal para as novas terras fora aberto. Enquanto contava, Lina armava com agilidade o acampamento, dispensando a ajuda da worgenin. Theo e Tommy continuavam babando Liana e Doroteya ao extremo, tanto que a druidesa chegava a reclamar. Com a chegada dela e de Lasciva, a elfa noturna passou a comandar a cozinha, tratando de manter todos alimentados. E Fey estava tendo muitos problemas para manter Mel animado, pois este chorava todos os dias a falta do namorado.

- Mandaram cartas para vocês. - Rubrarosa tirou de sua algibeira duas cartas e as entregou para Lina.

Uma das cartas era de Mel para Vincent e a outra era de Doroteya para Lina. Depois que Vincent voltou, ela entregou a carta a ele, que ficou muito surpreso e feliz. O acampamento foi montado e acenderam uma fogueira, permitindo que pudessem ler suas cartas. Vincent chorou a cada linha lida e depois olhou com gratidão para a cavaleira da morte.

- Obrigado… Por trazer notícias. - ele segurou a carta contra o peito – Ah, Mel… Que saudades…

Rubrarosa apenas deu de ombros, sem falar nada.

A carta de Doroteya para Lina falava muitas coisas que Rubrarosa já tinha dito, com mais detalhes e outras informações que a cavaleira da morte não dera, como a carta de dona Mariana, avisando que os visitaria em alguns dias, as visitas de Lady Cláudia e Horatio e de outras pessoas da bastilha e também de um cartão com flores de parabéns de Varian para a druidesa. Lina leu a carta, sorrindo e lembrando daqueles que aguardavam seu sucesso. Esperava não decepcionar mais ninguém.

A noite transcorreu sem imprevistos e Vincent não teve objeções de Rubrarosa ficar como guarda. Assim que amanheceu, comeram algo e levantaram acampamento. Caíram na estrada e seguiram até Flor da Manhã. O plano era pernoitar naquela vila e de lá seguir para Sri La. A viagem transcorreu sem problemas até que avistaram a vila no final da tarde. Assim que se aproximaram, uma rajada de vento soprou e Rubrarosa ficou novamente em alerta. Levantou-se de sua posição de corrida e cheirou o ar demoradamente. Lina e Vincent parara no mesmo instante.

- Mogus? - perguntou Lina preocupada.

- Dessa vez não. Eu acho…. - sua expressão ficou séria – Acho que sinto cheiro de um orc.

- Preferia os mogus… - disse a general com sinceridade.

- Consegue dizer se são muitos? - perguntou Vincent, apreensivo.

Rubrarosa cheirou o ar mais uma vez.

- Só sinto um e… - ela franziu o cenho – Elfos. Dois.

Um grupo de três, como o deles. Aquilo deixava-os em uma situação difícil. Se fossem até a vila, poderiam desencadear um conflito e envolver pessoas inocentes. Se não fossem, teriam que dar a volta na vila e passar a noite ao relento. Também poderiam arriscar viajar. Um conflito estava fora de questão, tanto para a segurança dos pandarens quanto a deles próprios. Não queria colocar vida de ninguém em risco em um combate que podia ser evitado. Viajar a noite também estava fora de questão. Por isso, só havia uma saída.

- Vamos dar a volta e acampar após a vila. - informou Lina aos outros – Como não encontramos ninguém da Horda na nossa vinda, eles devem estar fazendo o caminho contrário ao nosso. Que eles sigam seu caminho e nós façamos o mesmo.

- Tem medo de uma derrota? - provocou Rubrarosa.

- Temo um conflito desnecessário. - rebateu com tranquilidade.

Rubrarosa não respondeu, apenas deu um sorriso de canto de boca.

- Vamos. - chamou Lina, levando-os para a direita, para que contornassem Flor da Manhã.

Enquanto arrodeavam a vila, viram muito movimento lá, com serpentes das nuvens e pipas pousando e decolando. Lina sentiu-se muito frustrada; Flor da Manhã seria um local ideal para conseguir informações sobre o paradeiro de seus sobrinhos. Continuaram andando até uma distância que acreditaram ser segura, onde montaram acampamento mais uma vez e novamente Rubrarosa ficou de guarda.

Todavia, aquela noite não foi tão tranquila quanto a anterior. Quando a madrugada estava perto de chegar ao fim, as cores da aurora dando seus primeiros sinais no horizonte, Rubrarosa foi até a tenda de Lina e a acordou. A general levou alguns instantes para entender que estava sendo acordada e estendeu a mão, pegando a arma.

- Ataque? - perguntou Lina.

- Não. Pelo menos ainda não. Mas há perigo por perto. - respondeu a outra.

Lina a encarou, franzindo a testa.

- Como assim?

- Sinto cheiro de um grupo indo em direção a Sri La. - avisou – Distante, talvez a mesma distância de Sri La que a nossa. Mas não é o grupo de ontem, apesar de eu ter sentindo dois elfos também. Só que havia um tauren com eles. Achei que fosse importante você saber.

E era. A espinha de Lina gelou com a notícia. Esse segundo grupo podia estar se dirigindo para lá para se encontrar com o primeiro grupo. E se seus sobrinhos e Anduin estivessem lá corriam o risco de serem feitos de reféns. Ela não podia deixá-los chegar antes dela. Levantou-se com um pulo e foi acordar Vincent. Explicou rapidamente a situação para ele e se prepararam para uma corrida contra o tempo.

 

***************

Se havia um povo mais gentil que os pandarens, Luxuriah ainda não conhecera. Durante toda sua vida sempre tivera a certeza que jamais encontraria um povo mais pacifista e disposto a ajudar os outros que os taurens, mas acabara de descobrir que estava enganada. E claro, taurens e pandarens, por suas similaridades, estavam destinados a simpatizarem um pelo outro. Fora exatamente o que presenciara na vila Aldeia do Mel. E, apesar de estar muito agradecida pela ajuda e pelas dicas que recebera de seus anfitriões, esperava sinceramente que eles parassem de puxar assunto com Mhuu e que o tauren parasse de responder para que eles pudessem sair da vila. Arrependia-se amargamente de ter concordado com o ‘café da manhã reforçado’ que lhes fora oferecido e que inocentemente aceitara. Mais um pouco e aquilo viraria almoço e não ia permitir aquilo, mesmo que quebrasse o coração de Mhuu e da bela pandarena que conversava com ele.

- Mhuu! - ela exclamou chamando sua atenção – Precisamos ir. Agora. - enfatizou.

- Você ainda nem terminou de comer! - rebateu ele olhando para o prato dela.

- Esse é meu segundo prato. Se eu comer mais uma uva eu estouro e você terá que explicar a Karen porque fui mandada de volta a Luaprata em pedaços!

Apesar de a frase ter sido dita em tom sério, o tauren deu uma risada e começou a se levantar. Conhecia sua amiga o suficiente para saber que quem corria mais perigo de estourar era ele, de uma bomba goblínica jogada por ela. Pegou a mão da pandarena, deu um beijo e prometeu que se falariam quando ele voltasse. Assim que se afastaram da mesa, ela puxou um tufo de pelo dele, fazendo-o gemer de dor.

- Ai! - reclamou ele massageando o lugar atacado – O que foi?

- Duas coisas! - disse ela mostrando dois dedos – Primeiro, estamos atrasado por causa de seu flerte. Segundo, que história é essa de você arrastando asa para as pandarenas? E Nabby?

Mhuu deu uma gargalhada e Luxuriah franziu o cenho. Snetto ficou calado, sem intenção de meter na discussão dos dois.

- Primeiro: desculpe. - pediu com sinceridade – Em minha defesa, digo que, com o que comemos, podemos cavalgar até o anoitecer, sem pausas.

Era verdade, mas Luxuriah não admitiria.

- E em segundo lugar, - ele continuou – eu e Nabby temos um relacionamento aberto. - ele abriu só braços, sorrindo – Tenho amor para todas as fêmeas.

Luxuriah revirou os olhos.

- E, explicação bônus: que fêmeas maravilhosas, as pandarenas! Que pelo brilhoso! Que rabos vistosos! E o cheirinho delas?! - ele fechou os olhos, sorrindo – É um paraíso! Não acha, Snetto?

- Não sei, senhor Mhuu. - respondeu o rapaz, sem jeito.

- O Snetto tá em um relacionamento bem fechado Mhuu. - advertiu Luxuriah – E fechado também será o punho de Lady Liadrin na sua cara se incentivar qualquer coisa envolvendo fêmeas e Snetto.

O jovem paladino ficou escarlate de vergonha e apressou o passo, em direção das tartarugas compradas que os aguardavam na entrada da vila.

- Relaxe, Lux. - pediu Mhuu tranquilo – Estamos perto de Kass, Tewdric e Halduron, tenho certeza. Podemos relaxar um pouco.

- Você pode relaxar um pouco. - falou ela – Eu vou relaxar quando minha irmã estiver na minha frente. E viva.

Mhuu não retrucou. Entendia os sentimentos de Luxuriah, mesmo acreditando que não seria um naufrágio que impediria seus amigos de ficarem vivos. Mas sabia que nada adiantava palavras: Luxuriah não pararia até achá-los. Por siso, apressou e passo, acompanhando-a. Instantes depois, saiam da Aldeia do Mel, abastecidos de suprimentos para muitos dias de viagem. Era triste deixar a Aldeia do Mel, com tudo que ocorrera, mas o fizeram.

No dia anterior, os membros da Horda haviam chegado em peso na aldeia e Luxuriah fez questão de orientar todos os elfos sangrentos que apareceram que ajudassem os pandarens no que quer que eles precisassem. O peso de lançar aquele pacífico povo em uma guerra ainda amargava na boca da elfa. Depois soubera que a maior preocupação dos aldeões era recuperar barris de cerveja e rira. Pensou que, caso Tewdric tivesse conhecido alguns pandarens, com certeza tinha se dado bem com eles e talvez até feito cerveja. Sim, Tewdric se daria muito bem ali, não por sua força, mas por sua simpatia. Esperava, de todo coração, que estivesse certa.

Durante os preparativos para a partida, Luxuriah adquiriu um mapa da Floresta de Jade e notou, frustrada, que se pudesse voar para oeste, chegaria rapidamente em Sri La, talvez em apenas metade de um dia. Porém, havia colinas altas no caminho, cheias de Serpentes das Nuvens, uma fera comum em Pandaria e que, apesar de ter sido domesticadas pelos nativos, eram muito desconfiadas com desconhecidos.

- Talvez depois de um tempo, vendo as criaturas exóticas que vocês trouxeram, elas se adaptem. - tinha dito o prefeito – Mas, agora, acho imprudente tentar um voo. Elas os atacaram na mesma hora. Em bandos.

Sendo assim, se relegara em ir por terra. Teriam que ir pelo sul, até chegar a um local chamado Coração da Serpente, rumar para oeste, passar por uma vila chamada Flor da Manhã para subir novamente para nordeste, e chegar em Sri La. Seriam quase três dias para Sri La, num arrodeio de dar nos nervos. Para piorar, soubera que, no meio do caminho, tinha um local com um nome muito peculiar, o Monte Bagarai, onde uma raça chamada hozen habitava. Eles eram muito selvagens, de acordo com os pandarens. Quando soubera disso, Nazgrim ficara animado e mandara imediatamente agentes para entrar em contato com os tais hozens, ainda no dia anterior. Luxuriah esperava que os campeões da Horda conseguissem o apoio, pois queria evitar ao máximo qualquer conflito que a atrasasse.

As montarias que conseguiram eram muito eficientes apesar de serem, bem, tartarugas. Luxuriah admitia, pelo menos para si mesma, que estava errada ao torcer o nariz quando soubera em que animais partiriam. Afinal, as tartarugas que conhecia eram lentas e pesadas. Porém, aquelas tartarugas andavam na mesma velocidade de seu falcostruz, em passinhos tão juntinhos que pareciam um trotar fofo pela estrada. E ela sacudia bem menos que os lobos dos orcs.

- Alteza. - chamou Snetto e ela o olhou – Há mais alguma vila no caminho afora a vila dos Hozens?

Luxuriah assentiu.

- Passaremos por um acampamento chamado Coração da Serpente, onde os pandarens estão construindo uma imensa estátua de jade em homenagem a um de seus protetores.

- Os Celestiais Majestosos. - falou Mhuu.

- Isso. - confirmou Luxuriah – Não é uma vila, é apenas um acampamento de trabalhadores. Não quero parar lá. Vamos direto pra Flor da Manhã. Dormimos lá amanhã e seguiremos para Sri La.

Na verdade, Luxuriah pretendia estudar bem o mapa e tentar arrumar algum desvio. Pensou que talvez os hozens, se fossem tão estranhos quando os pandarens os pintaram, tivessem trilhas por dentro das colinas que o outro povo desconhecesse e que ela poderia usar para cortar caminho. Seria uma sorte imensa se conseguisse aquilo, e duvidava muito que conseguisse, mas a ideia lhe dava esperança e esperança era algo que Luxuriah precisava.

Depois que descobriram que a força estranha que Mhuu sentira ao chegar era chamada de Sha e se manifestava através de pensamentos negativos, como acontecera com Nazgrim, Luxuriah tentava manter longe de sua mente pensamentos que pudessem ser tão negativos que se materializassem. Estava sendo uma tarefa titânica. A todo momento pensamentos de como toda aquela jornada podia ser inútil ou terminar em desastre a assaltava e se forçava em pensar em como sua filha ficaria feliz brincando ali, naquelas terras e como todos ficariam felizes quando sua família fosse reunida mais uma vez. Era exaustivo, mas tinha que fazê-lo.

A cavalgada em direção a Sri La acabou por tirar aqueles pensamentos de Luxuriah, pois ela tinha que se concentrar no caminho. Por infelicidade, o caminho era justamente aquele em que a aeronave da Horda havia caído. Ainda era possível ver o casco da imensa embarcação precariamente equilibrado em uma colina do litoral. A terra em que as tartarugas trotavam elegantemente estava preta, contaminada pelo óleo e fogo que caíra do céu no acidente. Aliado a isso, diversas ruínas, que a elfa não sabia se eram recentes ou provocadas pelo incidente. Mais uma mácula naquela terra.

Mais a frente, eles viram criaturas símias penduradas em alguns cipós e os encarando com desconfiança. Deviam ser os hozens. Porém, eles não fizeram nenhum movimento, nem agressivo nem amistoso.

- Os campeões devem ter passado por aqui. - comentou Mhuu – Ouvi falar que havia uma aglomeração da Aliança que chegou a forçar os pandarens a trabalhar. A essa altura foram rechaçados.

- Espero que sim. - falou Luxuriah trincando os dentes – Não quero perder mais tempo, mas pararia alguns minutos com prazer para abrir alguns buracos na cabeça dos humanos!

Felizmente, não houve necessidade de nenhum conflito e eles seguiram seu caminho. Quando o pôr do sol se aproximou, já tinha deixado a floresta para trás, passando para um caminho pavimentando. Ainda não tinha chegado ao Monte Bagarai, mas ó mapa de Luxuriah mostrava que não estavam longe. Decidiram para por ali mesmo, antes de chegar no povoado dos hozens, pois não sabiam a que pé andavam as negociações com estes.

A noite foi tranquila, com só três reversando para dormir, sem ataques e com o vento fresco do litoral, trazendo apenas aromas tranquilizantes. Acordaram no dia seguinte, ao nascer do sol e seguiram caminho. Em pouco tempo, encontraram hozens e membros da Horda, na entrada de uma estrada. Rapidamente o grupo parou, a elfa ansiosa por descobrir um caminho secundário que pudesse levá-la para Sri La. Logo descobriram que a Horda havia conseguido se aliar facilmente aos hozens, já que a Aliança se unira com os jinyus, inimigos daquele povo. Soubera também que Nazgrim já estava no Monte Bagarai e que até mesmo havia um prisioneiro humano com eles. Um dos importantes, ressaltou um goblin que estava lá. Luxuriah não perguntou quem era, pois em sua opinião, qualquer humano devia ser morto. E apesar de terem agora mais um entreposto da Horda, Luxuriah ficou muito feliz por terem decidido dormir longe do Monte Bagarai na noite anterior.

Os hozens fediam. Fediam e muito. Talvez nem todos fedessem tanto, mas aqueles dois que estavam ali fediam mais que a Cidade Baixa no verão. Se xingou por ter tido a ideia de perguntar àqueles dois se havia uma estrada secundária que levava a Sri La, mas só sentiu o futum quando já era tarde. E, para completar, aqueles hozens sabiam de um caminho secreto e não queria compartilhar com eles!

- Galerita galerosa quer saber caminho secretos dos hozens. - disse um dos homens-macaco – Mas hozens não pode dizer caminho secreto para galerita galerosa.

Luxuriah torcia para que, o que quer que fosse aquilo que ele dissera dela, não fosse tão ruim quanto soava, ou a Horda perderia aliados muito em breve.

- Eu não usarei esse caminho para atacar seu povo. - garantiu ela tentando se controlar – Quero apenas chegar mais rápido lá!

- Caminho é de hozens! - quem falou foi o segundo hozen – Hozens não vão dizer caminho para a galerosa!

Segurando sua vontade de pegar a cabeça daqueles dois e meter uma na outra, Luxuriah olhou para Mhuu, em súplica. O tauren riu, se adiantou e começou a falar com os hozens, dando oportunidade para Luxuriah se afastar para e respirar melhor. Snetto, discretamente, a acompanhou.

- Estamos perdendo tempo. - resmungou ela – Espero que esse caminho seja muito bom, ou não vai ter valido a pena!

Mhuu não demorou e voltou com um sorriso no rosto e o mapa em suas mãos.

- Tem um desvio à esquerda. - ele explicou mostrando o mapa – Passaremos uma escadaria e depois tem uma ponte imensa. Seguiremos por baixo dessa ponte e passaremos por trás de Flor da Manhã.

Luxuriah olhou o mapa com reprovação.

- O que diabos é essa mancha marrom no meu mapa? Espero que não seja o que estou pensando ou faço aquele macaco comer isso!

- É barro. - garantiu o tauren – Vou limpar.

- Espero. - a elfa olhou mais uma vez – Quais os perigos que tem nesse trajeto?

- Panteras, tigres, insetos gigantes e, de acordo com o Riko, uns carrapichos que grudam no pelo e coçam muito.

- Cuidado com sua bunda então. - advertiu Luxuriah, arrancando risadas de Snetto.

- Pode deixar, minha bunda estará segura. - gracejou o xamã – Podemos ir quando quiser, Lux.

A elfa assentiu e subiram nas tartarugas e seguiram o caminho indicado pelos hozens. No início, eles continuaram na mesma estrada que seguiam desde que saíram da Aldeia do Mel, até chegar em um ponto onde, à sua esquerda, havia uma grande ponte. Se bem que, grande, era forma de falar; ela era gigantesca. Ao que aprecia, ali ficava um local chamado Monastério de Tian, onde os guerreiros pandarênicos, os monges, treinavam. Haviam muitos monastérios como aquele e o mais conhecido e importante era dos Shado-Pans, cujo líder era Taran Zhu. Após avistarem a ponte, viraram à esquerda e foram em direção ao interior da Floresta de Jade, passando por baixo daquela magnífica construção. Não viram nenhum sinal de habitação, apenas a trilha quase imperceptível feita pelos hozens.

O caminho logo se mostrou perigoso, com panteras e tigres pululando a todo momento. A estratégia que decidiram executar após os primeiros ataques era simples: correr, sem olhar para trás. Sim, os hozens não mentiram: havia muito perigo e as vezes só correr não bastava. Por duas vezes Snetto foi derrubado de sua tartaruga e tivera que lutar. Porém, no final das contas, quando anoitecera já haviam passado de Flor da Manhã, que vislumbraram apenas de longe, e chegaram até uma pequena aldeia chamada Aldeia Rocha Verde, tão pequena que mal aparecia no mapa.

As notícias dos estrangeiros já haviam chegado ali, talvez pela proximidade com Sri La, e os guardas não ficaram surpresos quando eles chegaram. Os demais aldeões já haviam se recolhido, mas uma grande fogueira ainda estava acesa, provavelmente para assegurar uma boa visão aos guardas e também seu aquecimento. Aproveitando a boa recepção, Mhuu conversou com os guardas, que permitiram que eles acampassem na praça. Contudo, não montaram suas barracas; apenas estenderam seus colchonetes perto de uma fogueira feita pelos nativos e adormeceram rapidamente.

Quando os primeiros raios de sol apareceram, os três levantaram rapidamente e logo estavam na estrada para Sri La. O coração de Luxuriah batia forte no peito, tão grande era sua ansiedade de encontrar sua irmã. Rezava fervorosamente que Kassyeh estivesse lá; queria pegá-la, junto com Tewdric e Halduron e voltar para Luaprata o mais rápido possível. Estava entretida com esses pensamentos quando inesperadamente Mhuu e Snetto pararam. Luxuriah parou logo em seguida.

- O que foi? - perguntou ela, olhando para o xamã.

A expressão de Mhuu era um misto de preocupação e receio. Luxuriah seguiu o olhar dele e gelou. Um grupo da Aliança se aproximava da entrada de Sri La. A elfa sentiu um amargor descendo sua garganta e pegou seu arco.

“Que venham!”, pensou.

Nada ficaria entre ela e sua irmã.

 

**************

A Selva de Krasarang era mais um pântano do que uma selva propriamente dita. Era úmido, frio e enlameado. O pior local para uma pessoa numa cadeira de rodas, pensou Pandora. Por sorte, seu irmão não precisava da cadeira para se locomover pelas estradas atoladiças, pois fizeram todo o trajeto em Hope, desde a chegada no Refúgio Asa da Garça até o Templo da Garça Vermelha. E, quando finalmente chegaram, nem mesmo a imensa escadaria os desanimou.

- Uau! - exclamou Pietro admirado – É imenso!

O Templo da Garça Vermelha, ou apenas o Templo de Chi-ji, como os monges e sacerdotes chamavam, era, na verdade, um conjunto com três construções. À esquerda e à direita haviam dois imensos coretos, com escadarias, onde podiam ver diversos monges treinando, fazendo movimentos coordenados, como se fossem um só. No meio, a construção maior, o templo propriamente dito, com uma imensa porta que parecia convidá-los a entrar.

Os viajantes pararam suas serpentes das nuvens no pátio em frente à porta principal do templo, uma praça onde havia uma estátua imensa de uma garça. Não era tão grande ou fabulosa quanto a serpente de jade que estava sendo construída na Floresta de Jade, mais ainda assim era imponente. Após saltarem de suas montarias, Rukiah ajudou Pandora a colocar Pietro nas costas da irmã, enquanto a sacerdotisa se encarregava da bagagem deles.

- Se vocês aguardarem, - falou falando Rukiah – posso pedir para alguém vir ajudar com Pietro.

- Não precisa. - disse Pandora rapidamente – Posso subir com ele.

- Eu posso usar magia também. - insistiu Rukiah – Você deve estar cansada.

- Estou bem. - afirmou a jovem humana – Só estou preocupada em como seremos recebidos.

- Então não precisa se preocupar. - falou Gon, carregando a bagagem dele e a de Rukiah – O senhor Koro já está nos aguardando, não é, Rukiah?

Rukiah assentiu com a cabeça.

- Na verdade, ele está ansioso para conhecer vocês. - revelou ela – Vamos.

Da mesma forma como fora em todos os outros lugares onde chegaram, os jovens humanos chamaram a atenção, ainda que a reação ali fosse mais discreta. Os monges que faziam seus movimentos sincronizados os olharam, sincronizadamente também, antes de voltarem ao seu exercício. Um pandaren que varria as escadas, os olhou longamente antes de acenar com a cabeça. Quando terminaram de subir a escadaria, Pandora estava cansada e ofegante, mas não reclamou. Um pandaren de pelo amarronzado, barba e cabelo com um rabo de cavalo os esperava na entrada do templo. Rukiah, Gon e Son fizeram uma reverência profunda e Pandora entendeu que aquele devia ser o responsável pelo templo. Acenou com a cabeça, o mais respeitosamente que conseguiu.

- Senhor Koro, esses são Pandora e Pietro, que eu falei na carta. - disse Rukiah – Pandora, Pietro, esse é Koro Andarilho da Névoa, o monge responsável pelo Templo da Garça Vermelha.

- Sejam bem-vindos. - disse Koro Andarilho da Névoa fazendo uma breve reverência para eles – Estávamos ansiosos aguardando vossa chegada. Eu nunca vi o grande Chi-Ji tão empolgado!

- Espere. - falou Pandora sem acreditar – O Celestial Majestoso está empolgado com nossa chegada?

- E porque não estaria? - perguntou Koro, confuso – Fazia dez mil anos que Pandaria estava fechada e agora vocês chegam e o buscam com seus corações cheios de esperança. É o sinal mais auspicioso que poderíamos ter! - ele sorriu e bateu as mãos – Mas primeiro, vocês precisam descansar. Teremos todo o tempo para conversar depois.

O Templo da Garça Vermelha tinha uma estruturação diferente do que Pandora e Pietro estavam acostumados. Primeiro, descobriram que os templos dos Celestiais Majestosos não tinham cerimônias religiosos como acontecia com os templos da Luz. Eles estavam sempre abertos, para qualquer um a qualquer momento, ser atendido. E, dos celestiais, o que estava mais presente na vida das pessoas, era justamente Chi-Ji.

- A garça vermelha representa a esperança. - explicou Koro enquanto só conduzia para os alojamentos – Por isso o grande Chi-Ji é o mais acessível dos Celestiais. Ele acredita que a esperança é comum a todos e deve ser encontrada a qualquer momento.

- Tem um ditado na nossa terra. - falou Pietro animado – “A esperança é a última que morre”. Quer dizer que ela nunca nos deixa.

Koro Andarilho da Névoa deu uma risada.

- É um sábio ditado. Vou pedir para os monges copistas anotarem nos manuscritos.

Outra diferença que havia no templo era que os aposentos dos monges e dos viajantes ficavam na parte mais alta do templo, acima da copa das árvores, onde havia muita luz do sol, diferente do que acontecia nos níveis mais baixos. E era no térreo, abaixo de todos, que ficava Chi-Ji, num imenso salão dourado.

- O Grande Chi-Ji passa muito tempo percorrendo Pandaria, então acredita que os melhores lugares do templo deve ficar para aqueles que permaneçam mais tempo aqui. - explicou o pandaren quando Pandora comentou sobre aquilo.

- Ele tá aqui hoje? O Grande Chi-Ji? - perguntou Pietro, ansioso.

- Sim e não. - respondeu, antes de explicar – Ele está na selva de Krasarang, caminhando pelas praias. Deve voltar ao templo ainda hoje.

- Podemos falar com ele ainda hoje? - quis saber Pandora.

- Acredito que sim. - disse Koro para a felicidade dos irmãos – Enquanto isso, descansem. Vocês tiveram uma longa viagem, certo?

Longa e atribulada, pensou Pandora enquanto seguiam para o quarto designado para eles. Ficou feliz em saber que eles tinham uma imensa casa de banho, com direito a sauna e uma banheira de água quente, que eles chamavam de ofurô. Puderam tomar banho, relaxar, comer uma excelente comida e dormir um pouco.

Quando Pandora acordou, no final da tarde, estava mais aliviada e descansada do que estivera em semanas. Esticou-se na cama, percebendo que o sol ainda não se pusera. Pietro ainda cochilava e ela se levantou e foi até a janela. O mar azul intenso preenchia a vista, e quase não dava para distinguir onde mar e céu se separavam. De lá, também era possível ver algumas casinhas na praia ao lado e lembrou que Rukiah falara deles. Não eram grande o suficiente para serem uma vila e estarem no mapa, por isso as pessoas se referiam como povoado da garça, apenas. Era onde a família de muitos monges moravam.

Era estranho pensar que chegara em seu destino, Pandora ponderou. Imaginou se seria assim que se sentiria se, em vez de chegar em Pandaria, tivesse chegado em Exodar. Não… Seria completamente diferente. Ali, ela não apenas percorrera metade de um continente para ajudar seu irmão: conhecera uma cultura totalmente diferente, pessoas maravilhosas, e até mesmo compreendera o que estava além da guerra entre Horda e Aliança. Compreendera que havia pessoas por trás de cada uma das facções, pessoas que podiam ser maior que o ódio. E, claro, revira Halduron, no local mais inusitado, da forma mais improvável… Queria tanto saber como ele estava… Tinha esperança que, em breve, o vovô Pata serena responderia sua carta. Até lá, pensava em todas as coisas que acontecera, que a transformaram e que a fariam voltar completamente diferente para Ventobravo.

Se é que voltaria para Ventobravo.

Aquela era uma ideia que estava se esgueirando em sua mente. Amara Pandaria. A Pandaria das florestas verdejantes, povo feliz e animado, povos sem ideias preconcebidas deles. Pessoas que aceitavam ajudá-los simplesmente porque entendiam ser o certo. Um local onde ela não era apenas uma soldado sobrinha da general. Ela era Pandora, a primeira estrangeira a montar uma serpente das nuvens. A primeira estrangeira a chegar no Templo da Garça Vermelha. A humana que fizera amizade com um orc e velara um elfo. Pandora percebeu que gostava mais da pessoa que se transformara ali do que a que viera de Ventobravo.

Seria errado querer ficar para sempre naquela terra?

- Pãozinho?

Pietro acordara e vira a irmã olhando pensativa pela janela.

- Descansou bem? - perguntou Pandora sorrindo e o menino fez que sim – Então vamos, vamos procurar os outros.

Seus devaneios podiam ficar para depois.

Rukiah estava conversando animadamente com uma outra pandarena quando eles chegaram na parte de trás do templo, um pequeno jardim que terminava na floresta. As duas conversavam enquanto olhava uma estranha mesa.

- Rukiah! - chamou Pietro acenando.

- Ah, chegaram bem na hora! - disse a sacerdotisa animada – Essa é Ellia Crista de Corvo. Ellia, esses são os amigos que falei.

- Olá! - disse Ellia, simpática – É um prazer conhecê-los!

- Igualmente. - falou Pandora acenando.

- Que mesa estranha…. - comentou Pietro quando chegou mais perto.

- Não é uma mesa. É um disco de nuvem flutuante vermelha! - anunciou Ellia mostrando o disco com as duas mãos.

- É o quê? - Pandora não guardara nada depois da palavra ‘disco’.

Rukiah e Ellia riram da confusão dos irmãos.

- Foi uma ideia da Ellia para Pietro. - explicou Rukiah – Esse disco se mexe de acordo com a vontade de quem usa. Deixe-me mostrar.

A pandarena subiu agilmente no disco e passou a se mexer para cima e para baixo e também para os lados. Depois, desceu e sorriu. Pandora entendeu qual era ideia.

- Então Pietro poderia usar o disco como se fosse a cadeira de rodas, só que voadora! - exclamou ela admirada.

- Sério? - o menino se animou – Posso mesmo?

- Claro! - afirmou Rukiah – É um presente do Templo da Garça Vermelha para seus primeiros visitantes além-brumas!

Pandora teve que apertar os lábios para não começar a chorar. Era simplesmente bom demais para ser verdade. Só havia um problema e quem percebeu foi Pietro.

- Como eu vou sentar no disco? - quis saber o menino – Eu não consigo ficar firme por muito tempo. Se eu não ficar preso na cadeira, eu escorrego para fora…

- Não se preocupe, nós pensamos nisso! - Rukiah rapidamente foi até uma cesta e tirou algo que parecia um corselete de couro, só que era feito de madeira – Isso aqui pode te deixar bem firme. Venha, sente-se no disco!

Pandora levou Pietro até o disco e colocaram ele sentado. Depois, vestiram o colete de madeira no menino, que conseguiu ficar sentado ereto, apesar de fazer uma careta quando Pandora apertou as tiras ao redor do tronco dele.

- Ai, Pãozinho! - reclamou – Ficou apertado!

- Desculpa, eu queria deixar bem preso…

- Será que dá para fazê-lo sentar de pernas cruzadas? - quis saber Ellia, analisando Pandora enquanto essa ajeitava o irmão.

- Acho que sim, mas temos que ter cuidado com o inchaço.

Estavam todos absorvidos debatendo a melhor forma de ajeitar Pietro em cima do disco que não perceberam a figura que chegou e ficou observando a conversa. Era uma presença tão sutil e discreta que nem mesmo as pandarenas perceberam. Enquanto elas mexiam Pietro para um lado e para o outro, tentando ajustar o menino em cima do disco, Pandora dizendo a melhor forma e o menino apenas reclamando de vez em quando, a figura sorria, encantada com aquelas criaturas tão peculiares. E eram tão belos… Belos e exóticos. E quando finalmente o grupo percebeu que não estava sozinho, o que viram fez os quatro perderem a voz. O corselete de madeira, que estava nas mãos de Ellia, caiu no chão com um baque alto.

- Não parem por minha causa. - disse a voz calma, doce e melodiosa.

- Um humano? - perguntou Pietro chocado.

Parecia um humano, mas Pandora logo soube que não era. Os cabelos dele eram longos e de um vermelho profundo, mas não o vermelho comum que conhecia. Era um vermelho vivo, como se fosse feito de energia, como se o próprio pôr do sol estivesse deitando suas luzes nos cabelos do homem. Ele era esguio e vestia um quimono branco, com detalhes dourados e seus braços estavam escondidos nas mangas, como se estivesse de braços cruzados. Mas sua postura não era intimidadora, mas reconfortante. Os olhos eram dourados, como se fossem feito de ouro derretido. Pandora nunca vira um homem tão bonito em sua vida.

- Grande Chi-Ji. - exclamou Ellia antes de cair de joelhos, a testa no chão, em sinal de submissão.

Rukiah fez o mesmo, o que deixou Pandora sozinha, segurando Pietro para que ele não escorregasse do disco.

- Grande Chi-Ji? - Pietro olhou para o homem confuso – Achei que fosse uma garça, mas parece um humano.

Chi-Ji abriu um sorriso e se aproximou. Seus movimentos eram leves, como se flutuasse.

- Sim, sou uma garça. - disse ao chegar do lado do disco – Mas posso me mostrar de muitas formas. Vi vocês e achei-os tão maravilhosamente diferentes… Não pude resistir. - e deu um sorriso tão belo que Pandora perdeu a voz.

- É um prazer conhecê-lo, Grande Chi-ji. - disse Pietro acenando com a cabeça – Desculpe não poder fazer uma reverência ao senhor.

- O que importa é o coração, jovem Pietro. - falou suavemente – E não nada de ruim há no seu. - e olhando para as pandarenas, completou - - Levantem-se, minhas crianças. Deixe-me ver seus rostos.

As duas pandarenas rapidamente se levantaram e ficaram ao lado do disco de Pietro, encarando encantadas o celestial. Pandora ainda não conseguia falar nada. O celestial voltou-se novamente para Pietro e passando os olhos pelo corpo do menino, seu sorriso apagou-se delicadamente.

- Minha doce criança… Seu corpo não faz jus ao coração bom que bate em seu peito…

- É, eu sou doente. - disse o menino tristemente olhando para as pernas.

- Não, meu caro. - corrigiu Chi-Ji – Seu corpo está doente. Não há nada mais saudável e resplandecente que sua alma. E isso é o que você precisa para melhorar.

Foi só então que Pandora saiu de seu estupor.

- Grande Chi-Ji. - disse fazendo uma breve reverência com a cabeça – Sou Pandora, irmã de Pietro. Viemos aqui para pedir sua ajuda. Se puder fazer o Pietro melhorar… Nem que seja um pouco…

Os olhos dourados de Chi-Ji a fitaram por um momento. O coração de Pandora balançou, temendo uma negativa. Porém, o celestial nada falou. Descruzou seus braços, as mangas de seu quimono branco abrindo-se como asas enquanto ele colocava suas mãos longas, esguias e delicadas na cabeça de Pietro. Uma luz dourada saiu dos dedos de Chi-Ji, e cobriram Pietro, como ondas de luz espalhando-se por todo corpo do menino. Não durou mais que alguns segundos e logo Chi-Ji recolheu as mãos.

Pandora olhou ansiosa para o irmão. Pietro, que estava sentado com as pernas para fora do disco, olhou para as próprias pernas, mas elas continuavam imóveis.

Ainda tentando entender o que estava acontecendo, Pandora se surpreendeu ao ver as lágrimas nos olhos de seu irmão e achou que seria frustração por não poder andar, depois de tanta esperança. Mas então ele sorriu e levantou as mãos para ela, as palmas abertas. Depois, ele fechou e abriu as mãos várias vezes.

- M-meus b-braços… - balbuciou, sorrindo em meio às lágrimas – Eles t-têm força de novo! E eu to sentado! - ele colocou as mãos para cima e continuava sentado no disco, sem balançar ou escorregar – Eu consigo ficar sentado!

Pandora levou as mãos ao rosto, enquanto lágrimas escorriam abundantemente por ele. Pietro continuava a mover as mãos, os braços e até se balançar no disco, alegremente. As pernas podiam continuar imóveis, mas da cintura para cima ele estava ótimo.

- Sua doença estava bastante avançada. - explicou Chi-Ji com uma pontada de tristeza – Nem mesmo eu poderia devolver o movimento de suas pernas. Todavia, ela não avançará mais. E acredito que você não precisará mais daquilo. - e apontou o corselete de madeira que estava no chão.

Foi a vez de Pandora cair de joelhos e colocar a testa no chão, exatamente como vira as pandarenas fazer. Ela tentou dizer alguma coisa, mas apenas saiam soluços de sua boca. Queria dizer o quão agradecida estava, o quanto valera a pena tudo para chegar ali, mas não conseguia. Sentiu então uma mão cálida sem eu ombro e levantou o rosto, surpresa. Chi-Ji havia se abaixado e a segurava com delicadeza.

- Eu sei. Eu sei. - disse simplesmente.

Pandora duvidava que ele realmente soubesse, mas não importava.

Pietro ficaria bem e aquilo valia mais que qualquer coisa.

**************

O sol havia nascido a pouco tempo e iluminara os viajantes, cada grupo a uma distância de metros do outro, com a entrada para a vila Sri La bem no meio. Se encaravam de cima de suas tartarugas, ambos estavam cautelosos e preocupados, nenhum querendo ser o primeiro a agir, analisando o grupo rival. De um lado, dois humanos e uma worgenin. Do outro, dois elfos e um tauren.

- Foram esses que você farejou, Rubrarosa? - perguntou Lina num murmúrio encarando o grupo a alguns metros de distância.

- Esses mesmos. - respondeu a worgenin.

- Há um paladino com eles. - falou Vincent com uma ponta de esperança – Talvez eu possa negociar com ele…

- Tenho minhas dúvidas… - Lina não conseguia despregar o olho da elfa que vinha a frente do grupo e os olhava com tanto desprezo que a general tinha certeza que, se pudesse, os mataria com aquele olhar.

Era exatamente aquela vontade de Luxuriah: exterminar aqueles três com seus olhos. Principalmente o homem, que vestia uma armadura dourada e brilhante. Apenas sua visão dava ânsias de vômito em Luxuriah. Que ironia, pensou, logo o humano ser um paladino. Talvez aquela fosse a única coisa que a impedia de puxar seu arco e meter uma flechada nele, pois Snetto logo murmurou:

- Um paladino… Acho que posso falar com ele….

- Eu não confio em nenhum humano, Snetto. - disse incisiva – Mesmo que eles se autodenominem servos da Luz….

- Acho que eles não querem lutar, Lux. - falou Mhuu – Talvez só queiram passar por aqui…

Não, não queria apenas passar, Luxuriah tinha certeza. Se fosse, já teriam sinalizado a passagem. Ao parar tão perto da entrada da vila e aguardarem, seu objetivo era o mesmo que o deles: entrar em Sri La. O que queriam ali? Já sabiam de Kassyeh e vinham sequestrá-la? Se fosse, estaria muito encrencados. Tewdric acabaria com eles, sem dúvida. Ou poderia ser, e Luxuriah não queria pensar naquilo, os estrangeiros que estavam ali não eram os seus e sim da Aliança. Aquele pensamento lhe causava um medo tremendo, mas que precisava ser controlado. Não era hora de perder as esperanças.

Da mesma forma que Luxuriah, Lina chegou a conclusão que o grupo da Horda procurava alguém. Também temia que o motivo de sua chegada ali era para capturar Anduin ou seus sobrinhos, que poderiam estar em Sri La. Ou, na verdade, quem estava ali eram membros da Horda. Duas possibilidades que lhe incomodavam. Tinha que descartar as incertezas logo, mas como? Desceria da tartaruga e se arriscaria? Esperava o primeiro movimento? O que fazer?

Todavia, o primeiro passo não foi de nenhum dos grupos. Enquanto eles ainda se encaravam, dois pandarens literalmente pularam no meio deles, assustando os dois grupos. Era um macho e uma fêmea e cada um ficou olhando para um grupo diferente.

- Vocês são Horda e Aliança, pelo visto. - disse a fêmea.

- E se estão pensando em lutar, vieram pára o lugar errado. - complementou o macho.

Não havia como negar que alguém que sabia da guerra entre as facções estivera ali. Tanto Luxuriah quanto Lina sentiram a ansiedade queimando em seus peitos, ao mesmo tempo em que se mediam, por cima das cabeças dos pandarens. Elas se encaravam, sabendo que cada uma delas estava na liderança. Ambas tinham interesse em entrar na vila e descobrir quem estivera lá. E ambas sabiam que a outra tentaria impedir, apesar de nenhuma das duas ter interesse em lutar com os pandarens.

- O que faremos, Lux? - perguntou Mhuu.

- Estou pensando… - murmurou em resposta.

Do outro lado, Rubrarosa resmungou, inconformada:

- Se fosse somente a Horda, daríamos conta.

- Não quero lutas desnecessárias. - avisou Lina.

- Isso não significa que eles não queiram. - rebateu a worgenin.

A tensão ainda pairava no ar, nenhum dos grupos fazendo menção de ir embora, nem de avançar. Os pandarens continuavam em prontidão, temendo o estouro de um conflito. E o conflito veio, mas não da forma como eles esperavam.

Quem percebeu foi Rubrarosa. Ela sentiu o cheiro e ficou alerta. Porém, antes de conseguir avisar os outros, um rugido saiu de dentro da Floresta de Jade, assustando-os. O grupo da Horda não fazia ideia do que era, mas o da Aliança sim. E confirmaram suas suspeitas quando a pandarena gritou:

- Mogus!

Os gigantes de pedra saíram do meio das árvores, armas em punho na direção dos pandarens. Eram pelo menos cinco e tinham o dobro do tamanho de Mhuu, o mais alto ali, e brandiam armas quase da mesma altura dos elfos. Era perceptível que o alvo dos mogus eram os pandarens, mas ninguém permitiria um ataque daquelas a sua frente. Ambos os lados puxaram suas armas, desmontaram de suas montarias e correram para acabar com aquela ameaça.

Tal como imaginavam, os mogus eram inimigos fortes e ferozes que não mostravam hesitação nem piedade. Era diferente de tudo que qualquer um ali já enfrentara; as flechas retiniam em suas peles duras e as balas recocheteavam. Espadas retiniam e pareciam não fazer mal algum. Aqueles mogus eram bem mais fortes que os que Lina enfrentara antes. Como derrotariam aquilo?

- Procurem as rachaduras! - gritou a pandarena – É a fraqueza deles!

- Vamos tentar criar algumas! - complementou o pandaren.

Apesar de serem apenas dois, os monges começaram a fazer manobras e tentar acertar o maior número possível de mogus. Luxuriah então lembrou de uma flecha especial que tinha trazido. Daria um belo tiro explosivo. Do outro lado, Lina tivera a mesma ideia, pois tinha balas explosivas. Ambas atiradoras começaram a lançar seus projéteis que, ao atingir os mogus, causavam explosões que rachavam sua pele de pedra. Os monges batiam com vontade nessas rachaduras, aumentando seus tamanhos. E os lutadores com suas espadas miravam nessas ranhuras, empurrando suas lâminas para ferir as criaturas. A alguns passos de distância, Mhuu invocava forças da natureza, lançando raios através de seus totens, deixando os mogus desnorteados. Também lançava uma chuva curativa sobre todos, desejando minimizar seus ferimentos.

Mesmo com os dois grupos, mais os pandarens, lutarem contra os mogus, as criaturas eram fortes. O maior deles, provavelmente o líder, conseguiu agarrar, com apenas uma mão, a pandarena que lutava com ele. Com um urro, ele ergueu a jovem acima de sua cabeça, disposto a esmagá-la. Enquanto a monge se debatia, tentando se libertar, o mogu foi atingido, ao mesmo tempo, nos olhos por dois projeteis. No olho direito, uma bala da arma de fogo de Lina; no lado esquerdo, uma flecha de Luxuriah. Assim que foi atingido, o mogu largou a pandarena e gritou de dor, levando a mão aos olhos. Luxuriah e Lina se olharam naquele instante, ambas com suas armas em punho. Podiam ter tentado assassinar uma a outra, mas decidiram salvar a pandarena que sequer conheciam. A desconfiança se quebrou um pouco, apenas um pouco. Mas ainda havia uma batalha a ser vencida. Voltaram suas atenções ao líder e atiraram mais uma vez. E outra. E outra. Até que ele caiu.

Um a um, os mogus caíram. E, ao final do conflito, estavam feridos, mas vivos. Mhuu curou os pandarens, enquanto cada paladino cuidou dos seus companheiros. Depois, os monges se encararam por um momento, antes de se voltarem para a floresta.

- Pode haver mais. - disse o macho.

- Não há. - falou Rubrarosa – Apenas esses.

- Como pode ter certeza? - perguntou a pandarena, desconfiada.

A cavaleira da morte cheirou o ar.

- Não os sinto por perto. - foi o que disse – Eu só senti esses tardiamente porque não estava prestando atenção.

- Então isso nos dá a oportunidade de resolvermos o problema de vocês. - a pandarena se adiantou. - Eu sou Lótus Perfumada, uma das aprendizes dos Shado-pans. - ela fez uma reverência.

- Sou Neve-que-voa. - se apresentou o outro – Fomos mandados pelo Lorde Taran Zhu para impedir que alguém ameace os aldeões dessa aldeia. - explicou.

- Acredito que ninguém quer fazer mal aos aldeões. - quem falou foi Luxuriah se aproximando – Ou estou enganada? - e encarou Lina em desafio.

- Não, não queremos. - respondeu a general sustentando o olhar.

- O que os trouxe aqui então? - quis saber Lótus Perfumada.

Os dois grupos se encararam, desconfiados.

- Parece que eles não querem que o outro saiba o que vieram fazer. - disse Neve-que-voa, com reprovação – Vocês lutaram juntos e ainda desconfiam dos outros?

Mais de uma vez na história a Horda e a Aliança lutaram juntos contra um mal maior, exatamente como aqueles dois grupos fizeram naquele momento. Mas sempre eram tréguas pontuais, que acabavam em meio a uma desconfiança tensa.

- Acho que já entendi. - falou Lótus Perfumada repentinamente – O Lorde Taran Zhu disse que havia náufragos em Sri La. - ela olhou de um grupo para outro – Vocês vieram em busca deles.

- Você sabe quem está na vila? - falou Lina apressadamente, confirmando as suspeitas dos pandarens.

“Então há náufragos da Aliança também.”, pensou Luxuriah, um pouco aliviada. Talvez eles não estivessem em busca de sua irmã, afinal. O alívio foi momentâneo, porque isso podia significar que Kassyeh não estava lá. Porém, foi o suficiente para que ela guardasse seu arco.

- Se não houver pessoas do meu povo na vila, não temos porque entrar. - disse a elfa, para a surpresa de seus companheiros.

- Digo o mesmo. - afirmou Lina.

Os pandarens se entreolharam, antes de encará-las.

- Não sabemos quem está na vila. Não foi nos informado isso. - falou Neve-que-voa.

- Mas podemos acompanhá-los para dentro da vila, para que possam ter essa informação. - avisou Lotús Perfumada – Desde que abram mão de suas armas e deem a palavra que não entrarão em conflito. - completou.

Abrir mão de suas armas era uma condição delicada, para ambos os grupos. E, o primeiro a fazer o gesto, de bom grado, fora Vincent. Ele guardou sua espada na bainha, a tirou do cinto e a entregou sem hesitação a Lótus Perfumada. Snetto fez o mesmo e entregou espada e escudo a Neve-que-voa. A atitude dos paladinos não foi surpresa para seus colegas e nenhum deles foi criticado, muito pelo contrário. Foi a vez de Mhuu, que pegou sua maça e seu escudo e também entregou aos monges. Lina suspirou e entregou sua arma de fogo. Luxuriah, a contragosto, entregou o arco. A última a abrir mão de sua arma foi Rubrarosa, que só o fez para não ser a única a se colocar contra a medida. Doroteya não aprovaria se ela dificultasse as coisas. Porém, a cavaleira da morte sorriu quando o toque de sua lâmina rúnica fez Neve-que-voa estremecer.

- Nos acompanhem. - pediu Lótus Perfumada indicando o caminho com a cabeça.

Os dois grupos os acompanharam, com uma distância segura entre eles. Luxuriah não gostava de ver outra pessoa segurando seu arco e só não ficou mais chateada porque a líder humana estava visivelmente tão incomodada quando ela. Desceram uma cumprida escadaria até finalmente chegar em uma praia. Assim que chegaram, um grupo de filhotes correram até eles, empurrando uns aos outros para vê-los.

- Estrangeiros! Estrangeiros! - um gritou.

- É o Ted? - gritou um dos meninos.

- Não, mas tem um maior!

- Tem uma parecida com a Kass!

Aquelas falas fizeram o coração de Luxuriah se aquecer e ela abriu um sorriso. Sim, sim! Ali estava o que queria saber! Porém, antes que conseguisse perguntar, as crianças os rodearam, curiosas e os bombardearam de perguntas:

- Por que ninguém é verde?

- Moço, você tem rabo! E tem pelo! Achei que todos os estrangeiros fossem pelados!

- Tem um lobo aqui! É um lobo?!

- Moça, você é mãe da Pãozinho?

Essa última pergunta, feita por Yasu, fez as lágrimas encherem os olhos de Lina, que perdeu a voz por um instante.

- Crianças. - falou Mili Lúpulo Errante chegando – Deem espaço para essa velha, certo? Acho que nossos convidados têm muitas perguntas a fazer.

As crianças começaram a protestar, mas se afastaram. A pandarena ficou em frente ao grupo e sorriu, como se eles fossem velhos conhecidos. Rapidamente Neve-que-voa contou a líder da vila o que tinha acontecido e que eles tinham enfrentado os mogus. Ela ouviu tudo atentamente antes de se voltar aos recém-chegados.

- Chegaram em um momento ideal. - falou ela satisfeita – Vamos tomar café da manhã? - e sem esperar resposta, falou – Yasu, avise a sua mãe que temos convidados pro café da manhã!

- Senhora Lúpulo Errante. - Começou Lotús Perfumado – Eles estão em busca dos náufragos.

- Eu sei. - falou sem pestanejar – Acho que eu até sei quem são. - Ela olhou para Luxuriah e sorriu – Você deve ser a irmã mais velha da Kassyeh, acho que Tewdric te chamava de Lulu.

- Orc maldito! - exclamou Luxuriah, mas estava tão feliz que o sorriso não saia de seus lábios.

- E você… - ela olhava para Lina – Você parece com a Pandora… Deve ser a tia Lina, certo?

Os olhos de Lina marejaram e ela apenas assentiu com a cabeça, enquanto segurava o choro. Seria o fim chorar em frente a um grupo da Horda.

- Tenho mensagens para ambos, mas acredito que estão todos com fome depois do conflito com os mogus. - e apontou para uma das cabanas – Venha, vamos. Normalmente comemos ao ar livre, mas o vento está soprando forte hoje e vai encher a comida de areia…

- Senhora. - Chamou Luxuriah e a pandarena a encarou – Se tem mensagens… Quer dizer que eles não estão aqui? - havia ansiedade em sua voz.

- Vamos comer. - insistiu a pandarena – E vocês saberão.

E sem dizer mais nenhuma palavra, caminhou na direção da cabana.

Como não havia alternativa, os dois grupos a seguiram, ainda olhando desconfiados um para o outro e evitando chegar muito perto. Porém, assim que entraram na cabana, que era casinha com uma mesa quase do tamanho do local, forma acomodados um de frente para o outro. Lina e Luxuriah acabaram frente a frente e viam uma na outra o mesmo desgosto da proximidade.

- Ora, ora, achei que não viria ninguém da tal Horda e Aliança tão cedo. - Um velho pandaren sentou-se com eles, com um sorriso enorme – Sou Liu Pata Serena e é um prazer tê-los aqui.

Os pandarens estavam sendo tão gentis que tanto Luxuriah e Lina se perguntavam o que foi contado a eles daquela guerra, porque simplesmente pareciam não se importar com ela. Ambos os grupos foram servidos com comida de excelente qualidade, enquanto as crianças ficavam rodeando-os, curiosos. A curiosidade estava principalmente em Mhuu e em Rubrarosa.

- Moço, você parece um yaungol. - disse uma das crianças.

- É mesmo? - perguntou ele interessado e simpático – E o que é um yaungol?

- É alguém parecido com você. - respondeu a criança simplesmente.

O tauren riu com vontade.

- Você é menino ou menina? - perguntou uma das crianças a Rubrarosa.

A worgenin chegou a se preparar para responder de forma mais rude, pois não gostava de ninguém rodeando-a, mas bastou uma olhada na filhote de pandaren para sua atitude mudar. Afinal, quem conseguia ser rude com aquelas fofuras?

- O que você acha que eu sou? - perguntou em tom quase gentil. Quase, por causa de sua voz distorcida.

- Acho que você é menina. - disse a filhote – Mas minha irmã acha que você é menino. Então, nós apostamos.

- Pois você ganhou. - Rubrarosa deu um sorriso para a filhote – Sou menina.

A criança riu alto e saiu correndo, para avisar à irmã.

- Senhora Lúpulo Errante. - Chamou Lina quando a velha pandarena sentou-se com eles – Pode, por favor, me falar sobre meus sobrinhos? - pediu angustiada.

- Comam primeiro. - falou ela – Vocês não tocaram na comida. Depois que comerem, conversamos.

E vendo que não tinha jeito, eles comeram. Apesar de a comida estar deliciosa e eles estarem famintos (com exceção de Rubrarosa, que só comia por comer, não por necessidade), o fizeram mais para agradar seus anfitriões, enquanto as dúvidas pairavam entre eles. Os dois grupos comiam, mas se encarava, a tensão evidente a cada movimento.

- Meus celestiais, eles não exageraram! - exclamou o velho Liu Pata Serena, mais admirado que chateado – Vocês têm realmente problemas um com o outro!

- O senhor parece ter sido muito bem informado sobre a rivalidade Horda e Aliança. - comentou Mhuu, educadamente.

- Ah, a Pãozinho e a Kassyeh falaram, mas eu achei que era exagero! - revelou o velho – Afinal, eles se ajudaram e se davam bem!

- Se ajudavam? - perguntou Lina.

- Se davam bem? - quis saber Luxuriah.

- Ah, Liu, você já se adiantou! - reclamou Mili Lúpulo Errante – Mas, tudo bem, acho que é hora de falar.

A pandarena encarou os dois grupos pausadamente e então começou:

- Há alguns dias, nossos pescadores viram indícios de um naufrágio e também de náufragos. Depois, nossos batedores viram fogueiras… Foi quando os conhecemos.

Com calma e sem pressa, a pandarena contou o que acontecera desde que tiveram o primeiro contato com os estrangeiros, sua estadia ali e a sua partida. Enquanto falava, percebia a mistura de incredulidade, frustração, raiva e aceitação do relato. Quando falou que os jovens humanos foram os primeiros a deixarem a vila, Lina fez menção de falar algo, mas Vincent segurou em sua mão, acalmando-a. O conselho era claro: deixe-a terminar. Só que estava muito angustiada! O relato da pandarena só falara de Pandora e Pietro! Nenhuma palavra sobre Anduin! Aquilo a estava matando-a.

Tal como Lina, Luxuriah frustrou-se, mas sem eu caso por saber que sua irmã partira dali não tinha nem três dias e podia estar mais perto do que imaginava. Por que não chegara antes? E por que Kassyeh não esperou um pouco mais? Talvez, se tivesse passado por Flor da Manhã poderia ter se encontrado com ela! E ainda havia a situação de eles não apenas salvarem, mas conviverem com humanos! Que situação esdrúxula!

Depois que o relato de Mili Lúpulo errante se encerrou, houve um momento de silêncio e então Luxuriah colocou a mão no rosto e deu uma risada seca.

- Salvar dois humanos. - falou sem acreditar – Tinha que ser coisa daquele orc. E claro, minha irmã apoiou. - ela suspirou – É a cara dos dois fazerem algo que pode mandá-los para a forca.

- Se seu povo não reconhece a bondade nas ações dele, acredito que vocês têm um grande problema. - falou Mili Lúpulo Errante, com sobriedade e um pouco de reprovação.

Luxuriah a olhou.

- Eu reconheço. - rebateu – A maioria de nós o fará, mesmo que a contragosto. Mas não nosso Chefe Guerreiro. Na verdade, o simples fato de estarmos aqui e compartilharmos essa refeição pode nos custar muito.

- Você afirma isso, mas não parece preocupada. - comentou Lina.

Era a primeira vez que algum humano dirigia a palavra diretamente para Luxuriah e houve um momento de confusão no rosto da elfa. Se fosse Vincent a falar aquilo, a elfa teria um sério problema para se controlar. Mas era uma mulher; aquilo a deixava menos arisca, sem dúvida.

- E você, humana? - retrucou – Não está preocupada com suas crianças serem acusadas de traição?

- Se ninguém souber, não haverá motivo de preocupação. - respondeu, com simplicidade.

Luxuriah piscou os olhos, surpresa com a resposta.

- Além do mais, - continuou Lina – Pietro não anda. Qualquer decisão de Pandora foi baseada no bem-estar do irmão. Isso faz diferença.

- Faz mesmo? - provocou Luxuriah.

- Claro que faz. E se alguém disser que não faz, eu quebro as pernas dessa pessoa e observaremos como ela se vira.

Houve um breve silêncio depois da resposta de Lina. Nenhum dos grupos falou, mas todos sabiam o que o outro pensava: aquelas informações, sobre a ajuda mútua entre Horda e Aliança, não seriam reveladas a ninguém. Para proteger suas famílias, estavam dispostos a se eximir de dar aquelas informações. E como ambos grupos ficariam calados, o silêncio consequentemente beneficiava o outro.

Luxuriah pretendia dizer umas poucas e boas para sua irmã e cunhado pelo que fizeram, mas primeiro teria que encontrá-los. Por isso, voltou-se novamente para a líder da vila e perguntou:

- Senhora Lúpulo Errante, minha irmã disse onde iria?

- Disse que se encontraria com seus companheiros da Horda. - respondeu – Por isso foi para o sul, onde foi visto um navio.

Aquela notícia era preocupante, pois o grupo da Horda que se aventurara no sul, fora dizimado pela Aliança. Apenas o grupo do norte, que viera com Luxuriah, estabelecera uma base.

- Acredito que seu povo não será tão receptivo com minha irmã quanto ela foi com o seu. - alfinetou Luxuriah olhando para Lina.

- Creio que esteja certa. - respondeu Lina em um tom triste. E se voltando para Mili Lúpulo Errante, perguntou – Senhora… Os únicos humanos que vocês viram foram Pandora e Pietro? E não ouviram mais anda sobre nenhum outro?

- Sinto muito, mas não. Nenhum relato de outro estrangeiro nos chegou.

A expressão de Lina era de dor.

“Anduin…. Onde você está?!”, perguntava-se.

Sabendo que Lina sofria pela falta de informações sobre o príncipe Vincent tomou a palavra e perguntou a pandarena.

- Minha cara senhora… Esse templo onde Pandora levou Pietro… Fica a quanto tempo de distância daqui?

- Quase duas semanas. - respondeu Mili – Te daremos um mapa com a rota, apesar de Pandora e Pietro terem ido por Arboreto, para viajar nas serpentes das nuvens. Acredito que, a essa altura, já estejam lá.

Aportar no meio de uma terra estrangeira, fazer amizade com a Horda e depois partir para tentar uma cura para o irmão: isso era tão a cara de Pandora que Lina se perguntava como não imaginara que ela faria uma loucura daquela. E, apesar de contrariada, estava orgulhosa da sobrinha. Teria que dar um jeito de dela não ser punida pela aproximação com a Horda, mas, até mesmo o mais xenófobo humano entendia que um cessar-fogo para salvar um ferido fora necessário para salvar a vida de Pietro. E Pandora estava obstinada em salvar o irmão. Torcia para que Anduin estivesse tão protegido quando Pietro estava.

Cuidar de dois humanos, entre eles uma criança doente era algo que definitivamente Kassyeh e Tewdric fariam, pensou Luxuriah. Estava surpresa, na verdade, de ela não ter colocado o menino embaixo do braço e decidido ficar com ele. O senso de proteção dos dois era forte demais e talvez tivessem feito se o menino não tivesse uma irmã. Era um alívio saber também que Halduron estava bem, ainda que tivesse inicialmente se ferido. Rommath e Lor’themar ficariam contentes em saber que o amigo não estava em perigo.

Depois de finalizada a refeição e das mensagens terem sido dadas, o primeiro grupo a partir fora de Luxuriah: saber que a irmã estava bem perto a deixara elétrica e queria chegar até ela a fim de impedir que esta se encontrasse com a Aliança. Partiram após se despedir e agradecer aos pandarens e pegarem suas armas com os monges.

O grupo de Lina foi o que demorou mais, por dois motivos: o primeiro, era saber exatamente o caminho tomado por Pandora e Pietro e quem estava com ele. Lina tinha esperança que os pandarens pudessem ter alguma informação que levasse ao paradeiro de Anduin de alguma forma. Demoraram também para colocar uma distância entre o grupo deles e o de Luxuriah. Sabiam que, após aquele encontro, um dificilmente atacaria o outro, mas a prudência era a melhor aliada naquele momento. Por isso, se informaram e esperaram. Afinal, o Templo da Garça Vermelha não sairia do lugar.

 

************

A expressão desgostosa de Kassyeh não intimidou Tewdric. Muito pelo contrário. Ele adorava quando ela apertava os lábios vermelhos daquela forma, pois eles pareciam uma bela e madura maçã que ele tinha vontade de morder. E, enquanto olhava apaixonado para sua mal-humorada esposa, Halduron o cutucou. Ele tinha que falar.

- Eu concordo com o Halhal, minha Kass. - disse por fim – Não fique chateada…

- Pois eu fico sim! - exclamou a elfa batendo na mesa – Se era para ficar parada, eu teria ficado em Sri La!

Estavam sentados na taverna da vila Flor da Manhã, onde a noite já havia caído e bebiam uma cerveja feita com mel e cereja, que Tewdric achara um pouco doce, mas maravilhosamente saborosa. Já bebera quase um barril todo, fazendo o pandaren estalajadeiro animar-se com o apetite do estrangeiro para cerveja. Talvez por isso só conseguisse pensar em levar sua bela e raivosa esposa para o quarto e deixar que ela descarregasse sua frustração em cima dele.

Halduron tomou um gole de sua cerveja, pensando que não devia ter contado com o apoio de Tewdric para convencer Kassyeh a ficar em Flor da Manhã até conseguirem contato com a Horda. Isso porque era evidente que o orc estava mais interessado em suspirar por sua esposa que fazê-la cooperar com o plano do elfo.

- Alteza. - começou ele pela terceira vez – Flor da Manhã é um entreposto comercial, diferente de Sri La. Lá não recebe muitos visitantes, enquanto aqui o fluxo é constante. E esperarmos…

- Pessoas da Horda viram comercializar ou em busca de informações. - completou ela – Eu entendi, Halduron. Sei exatamente qual é o plano! Só que eu não concordo! Não quero passar mais uma semana parada!

- Sinto muito. - falou ele baixando a cabeça. - Afinal, foi por minha causa nós ficamos ilhados em Sri La…

- Não comece, Halduron! - Kassyeh levantou a mão em protesto – Uma coisa é esperar um companheiro se recuperar de um ferimento, o outro é ficar esperando que as notícias caiam do céu!

- Não vamos esperar que caiam do céu, minha Kass. - recomeçou Tewdric tentando acalmá-la – Nós vamos ajudar os aldeões, como ajudamos em Sri La, enquanto esperamos. O Halhal tá certo: não sabemos se quem tá no sul é Horda ou Aliança. Aqui, as notícias chegam rápido. Uns dias e a gente já ia saber quem tá onde e não correríamos riscos.

- Apenas três dias. - reforçou Halduron – Acredito que três dias é o suficiente para termos informações. Aqui chega um número grande de voos de outros lugares. Pipas e serpentes. Acredito que logo, logo, teremos notícias.

- Ou algum ally chegará aqui. - retrucou a elfa, ainda sem se dar por vencida – Vamos colocar esse povo em risco?

- Bem, você ouviu o prefeito mais cedo, certo? Eles não vão tomar partido e vão ajudar quem aparecer. Se algum membro da Aliança fizer um gesto hostil, terá que lidar conosco e com os pandarens. Nem eles seriam tão burros. - concluiu o patrulheiro.

Naquele dia mais cedo, quando chegaram e se apresentaram, o prefeito deixara realmente bem definido que não tomariam parte naquela guerra. E que, quem ousasse começar um conflito ali, teria que lidar com os monges que faziam a guarda. Soube também que mais monges chegariam em breve, pois Taran Zhu, Lorde dos Shado-pans, reforçaria a segurança de todas as vilas da Floresta de Jade.

Os três sabiam que era Taran Zhu e seu papel em Pandaria, apesar de não terem conhecido-o. Mili Lúpulo Errante havia explicado a eles, para tranquilizá-los sobre a possível ida de algum membro da Aliança para Sri La e uma possível ameaça caso descobrissem que eles ajudaram membros da Horda. Fora só então que eles deixaram a vila dos pescadores tranquilos. E saber que havia mais monges chegando ali, deixava Kassyeh mais balançada a aceitar a sugestão de Halduron.

- Minha Kass. - chamou Tewdric pegando a mão dela e apertando – Se a gente ficar, poderemos ajudar o pessoal aqui, do mesmo jeito que eu ajudei a An.

An Pelo ao Vento era uma filhote pandarena que pedira ajuda a eles depois que todos os adultos da vila ignoraram sua suspeita que seu amigo tinha sumido por causa de uma pandarena que ela chamara de ‘Bruxa de Jade’. Os pandarens acreditavam que a menina estava inventando coisas. Todavia Tewdric, apaixonado por crianças como era, não apenas acreditara na menina como fora ajudá-la e descobrira que a mulher era realmente uma bruxa que transformar ao amiguinho de An, Shin, numa estátua de jade. O orc salvara não apenas Shin, mas vários filhotes que estavam sendo ameaçados por panteras de jade. Tewdric voltara à vila carregando um monte de filhotes nos braços e com um sorriso imenso.

- Posso ficar com eles, Kass? - perguntara o orc com os olhos brilhando.

Claro que não pudera, todos os filhotes tinham pais, mas as crianças, tal como em Sri La, amaram o orc e o seguiam por todo o lugar.

A menção a An e aos filhotes balançou Kassyeh, mas a elfa não estava pronta para desistir.

- Eu vou pensar. - avisou se levantando – Mas não tenham muitas esperanças. - e saiu do salão, em direção às escadas que levavam aos quartos, onde eles passariam a noite.

Halduron e Tewdric a observaram sumir e então o orc deu um suspirou apaixonado.

- Ela fica tão linda irritada…. - murmurou levando a caneca aos lábios.

- Eu preferia que ela ficasse calma e concordasse conosco. - falou o elfo franzindo o cenho – Quando o assunto é a princesa Kassyeh, você não é de muita ajuda, Tewdric.

O orc, em vez de ficar ofendido, deu uma risada.

- É, eu sei. E você saberá também, no dia em que se apaixonar.

Halduron teve vontade de dizer que aquele dia demoraria muito a chegar, se é que chegaria, mas preferiu não discutir. Estava preocupado com outras coisas no momento, como em contatar a Horda e levar a princesa de volta para Luaprata. Depois, deixaria que Tewdric e quiser criticasse sua vida amoroso (ou a inexistência dessa), já que era um assunto muito recorrente entre seus amigos.

Desde que Rommath e Lor’themar começaram seus relacionamentos, os dois apreciam ter chegado a um acordo que não deixariam Halduron em paz até que ele fizesse parte do círculo de elfos comprometidos. Agora, Tewdric, mesmo que não soubesse, estava do lado deles. Não queria imaginar uma conversa dos três sendo sua solteirice o tópico principal.

Depois de um tempo, Tewdric pousou a caneca na mesa e disse:

- Vou tentar acalmar minha linda esposa. Acho que amanhã terei novidade para você.

E Halduron achava que não teria uma noite de sono, pois seu quarto era do lado do deles.

- Espero que as novidades sejam boas. - desejou.

Tewdric deu dois tapas em seu ombro, que quase o deslocou e subiu as escadas. Halduron esperou ele sair, se levantou e foi para o lado de fora da taverna, com sua caneca em mãos e a esperança que os dois se cansassem antes de ele ir dormir.

Enquanto bebia mais uma caneca de cerveja e pensava em sua situação, lembrou mais uma vez do sonho estranho que tivera em Sri La. O sonho com o beijo. Talvez aquele sonho fosse apenas porque ele estava preso com um casal apaixonado e aquilo o influenciava. Rommath não o deixaria em paz se descobrisse que ele andava sonhando com beijos. Melhor manter aqueles pensamentos para si mesmo e focar seu pensamento em outra coisa. Como a guerra que possivelmente se avizinhava.

Pandária era uma terra rica e próspera e essa riqueza e seu povo seriam alvo da disputa entre Horda e Aliança. Pensar naquele local tão bonito sendo arrasado era insuportável. Por isso, terminou de beber sua cerveja e ficou caminhando por Flor da Manhã até estar tão cansado que nem mesmo o barulho de Tewdric e Kassyeh o impediriam de dormir. Voltou para a estalagem e adormeceu rapidamente, acordando apenas no dia seguinte.

Tal como havia prometido, Tewdric tinha boas notícias pela manhã. Kassyeh concordara em ficar em Flor da Manhã, mas apenas por três dias. Enquanto esperavam notícias, ela e o marido ajudariam as pessoas da vila e Halduron permaneceria lá, para caso alguém aparecesse. Com essa decisão, o patrulheiro ficou mais aliviado.

Passou-se mais um dia e uma noite e, novamente, Halduron preferiu esperar o final da animada noite do casal antes de ir dormir. Só que, naquele dia, dispensara a cerveja, pois descobrira uma bebida excelente, um hidromel de cereja. Conseguira uma garrafa em troca de matar algumas panteras e agora a saboreava na praça central da vila, ao ar livre, respirando o ar fresco da noite pandarenica. Por esse motivo foi ele o primeiro a ver os recém-chegados.

Luxuriah estava de mal humor, como sempre. Assim que colocou os pés em Flor da Manhã, olhou para Mhuu e Snetto e resmungou:

- Eu espero que aqui tenha uma boa estalagem, com uma boa banheira de água quente e nenhum ally para me atanazar o juízo.

- Acredito que você conseguirá as três cosias e algo a mais. - disse Halduron chegando no grupo.

O choque ficou evidente. O mesmo choque que Halduron sentira ao vê-los chegar ali.

- É bom revê-los. - disse, abrindo um sorriso aliviado. Estava certo, afinal.

Ao sair de Sri La, Luxuriah estava preocupada, irritada e extenuada. O encontro com os membros da Aliança sugara toda sua força. Não apenas por ter que vê-los e sentar com eles, mas porque tivera que deixá-los vivos. Principalmente o homem. Todavia, não admitiria jamais, mas a mulher que estava no comando, cujo nome não lembrava, lhe passara uma impressão diferente de qualquer outro membro da Aliança. Talvez porque estivesse com um objetivo em comum. Ainda assim, era estranho não entrar em conflito com humanos. Era uma quebra de paradigma ao qual não estava acostumada.

Depois, durante o trajeto até Flor da Manhã, estava crente que teria muitos dias de busca pela frente, temendo acada instante que notícias ruins chegasse até ela, notícias que não queria dar a Karen ou a Ash. Porém, tão logo pôs os pés na vila pandarênica, Halduron apareceu na frente deles, tranquilo e calmo, como se o encontro deles estivesse acontecendo em Luaprata.

- Halduron? - Luxuriah ainda não estava acreditando no que seus olhos lhe mostravam.

- O próprio. - respondeu com leveza – Eu não estou surpreso em encontrá-la, alteza. Nem que sua companhia seja tão inusitada. - e olhando para Mhuu e Snetto acenou com a cabeça – Como vão? Mhuu? Snetto? É um prazer revê-los.

Os dois não puderam responder, pois Luxuriah rapidamente avançou par ao elfo e segurou seus ombros, sacudindo-o.

- Onde está Kassyeh?! - inquiriu – Onde está minha irmã?!

- Lux! - Mhuu colocou a mão no ombro dela, acalmando-a – Se você continuar sacudindo o coitado, ele não poderá falar!

A contragosto, Luxuriah soltou Halduron, que sorriu, sem dar mostras que se incomodara com a forma como fora tratado.

- Está viva, bem e, no momento, impedindo os demais ocupantes da taverna de dormir. - avisou.

- Como assim? - estranhou a elfa antes de entender – Ah, orc maldito! Nem aqui ele deixa minha irmã em paz?

- As crianças pandarenas são tão fofas que eles decidiram se esforçar mais para ter bebês. Pelo menos foi o que Tewdric me disse. - explicou o patrulheiro.

- E eu aqui preocupada, achando que ia encontrar vocês feridos, perdidos… E estão todos no bem-bom. - ela sacudiu a cabeça – Não sei se fico chateada ou feliz!

- Fique feliz, Lux! - comemorou Mhuu – Nos os achamos!

- Vou ficar feliz quando ver minha irmã. Agora, me mostre onde é essa taverna, Halduron. Tenho uma festa para estragar.

Luxuriah marchou empertigada em direção à estalagem, enquanto Halduron suspirava e acompanhava alguns passos atrás. Mhuu pediu para Halduron contar o que tinha acontecido com ele e os outros e o elfo se pôs a contar desde o início do combate com a Aliança em alto-mar até a chegada ali em Sri La. Quando chegaram na estalagem, Halduron apontou para uma mesa e disse:

- A cerveja daqui é muito boa. Vamos beber um pouco e eu termino a história. Aconteceram muitas coisas….

- Halduron! - chamou Luxuriah com o pé no primeiro degrau da escada – Qual o quarto?

- Terceiro à direita. E, por favor, deixe claro que eu não tenho nada a ver com a interrupção. - completou.

- Ah, eles saberão. - E começou a subir os degraus com os passos pesados.

Eles observaram ela sumir escada acima e se entreolharam.

- Eu nunca sei se ela está feliz ou com raiva. - confessou Halduron.

- É uma linha tênue entre os dois sentimentos… - filosofou Mhuu – Se bem que, devo admitir, a Lux está bem mais comedida e centrada. Nem mesmo atacou os humanos que vimos!

- Vocês viram humanos? - surpreendeu-se Halduron.

- E uma worgenin. - completou Snetto.

E diante da surpresa do elfo, Mhuu sorriu e disse:

- Nós também temos história para contar…

Na parte de cima da estalagem, Luxuriah foi até a porta indicada por Halduron, respirou fundo, tirou o sorriso do rosto e bateu com a mão aberta na porta, enquanto gritava:

- Tewdric, saia de cima da minha irmã que eu preciso ver ela! Não atravessei o oceano para presenciar uma lua-de-mel!

Houve uma movimentação do outro lado da porta, que se abriu repentinamente. Luxuriah nem teve tempo de falar nada, pois Kassyeh se atirou em seus braços, derrubando-a no chão. Caíram as duas, sentadas e abraçadas.

- Lux! - exclamava a maga com o rosto enterrado no ombro da irmã – Você veio!

- Claro que eu vim…. - Luxuriah estava segurando as lágrimas – Por acaso eu ia deixar minha irmã perdida numa terra estranha? Nunca…

- Lulu! - Tewdric saiu de braços abertos, sorridente e sem nenhuma roupa – Que saudades! Vem cá, me dá uma braço!

- Argh, Tewdric, ponha uma roupa! - a elfa evitou olhar para ele – Eu não chego perto de você enquanto não se vestir! Nem aqui você se comporta!

Tewdric riu e voltou para o quarto, para se vestir, enquanto Kassyeh se levantava e ajudava sua irmã a fazer o mesmo. Enquanto isso, interrogava a irmã:

- Como você nos achou? Há quanto tempo chegou? Quem veio com você? Como estão as coisas em Luaprata?

- Eu vou responder a tudo isso, mas estou faminta porque viemos direto de Sri La para cá sem parar e sem comer. Deixem o namoro para depois, porque precisamos conversar, principalmente sobre uma certa ajuda que vocês ofereceram enquanto estavam aqui… - e cruzou os braços, encarando os dois.

Kassyeh e Tewdric não precisaram de explicações para saber do que Luxuriah falava.

- Você soube então. - falou Kassyeh – Sobre Pandora e Pietro…

- Soube. Dei de cara com a tia deles e outros dos ally em Sri La. - e diante da expressão horrorizada da irmã, apressou-se em dizer – Não a matei, se é isso que você está pensando… Mas vontade não faltou.

- Antes de tudo, deixe eu esclarecer que Halduron não sabe. - Tewdric disse, em defesa do elfo – Ele estava doente quando ajudamos os dois. E preferimos não contar.

- Se formos acusados de traição, seremos só os dois. - concluiu Kassyeh.

Luxuriah olhou de um para outro e revirou os olhos.

- Como se eu fosse entregar minha irmã para Garrosh. - ela sacudiu a cabeça – Se ele não sabe, não é por mim que vai saber. E, se for minha escolha, esse assunto morre aqui. Era isso que eu queria deixar claro para os dois. Essa ajuda… Deixemos ela cair no esquecimento.

Kassyeh sorriu para a irmã, o alívio transbordando em seus olhos.

- Eu sabia que você ia entender, Lux!

- Quem disse que eu entendi? - ela sacudiu a cabeça – Não quero que você se prejudique por isso, mas nunca vou entender porque vocês dois fizeram isso.

- Se um dia você chegar a conhecer Pietro, entenderá. - garantiu a maga.

- Prefiro continuar na ignorância. - e fazendo um gesto com a mão, chamou – Vamos, vamos sair do corredor. Quero comer e quero conversar. Vamos, vamos.

Os três desceram as escadas e, assim que viram Mhuu e Snetto, Tewdric deu uma gargalhada e foi até o tauren. Os dois deram abraços cheios de tapinhas, ou melhor, tapões, e os elfos ficaram se perguntando como estariam o pulmão dos dois depois daquele cumprimento. Snetto foi o próximo a ser abraçado e Kassyeh ficou com pena da expressão de dor do paladino quando Tewdric o levantou do chão. Ela mesma fez uma careta quando Mhuu lhe apertou, feliz, por tê-la reencontrado.

- Obrigado, meus ancestrais! - falava o tauren – É ótimo ver todos vocês bem e inteiros! Estávamos realmente preocupados!

- Eles têm tempo até para trepar, então a coisa é mais tranquila do que eu tinha imaginado. - falou Luxuriah sentado-se – Agora quero comer e beber. Halduron, poderia ir até o taverneiro e encomendar a melhor comida daqui para nós? E uma cerveja para mim?

- Claro. - o elfo se levantou e foi até o pandaren.

Assim que ele se distanciou, Luxuriah puxou Snetto e Mhuu e falou apressadamente:

- Não falem dos jovens humanos que Tewdric e Kass ajudaram. Halduron não sabe.

Apesar da surpresa do pedido, os dois assentiram. Quando o elfo voltou para a mesa, já estavam todos sentados e as irmãs, lado a lado, permaneciam com as mãos dadas, como se fossem se perder casos e soltassem.

- Eu estava contando da nossa chegada aqui para Mhuu e Snetto. - começou Halduron quando retomou seu assento – Claro, do que eu lembro… Passei uma boa parte desacordado….

- Foi uma sorte sermos achados por Rukiah. - falou Kassyeh sorrindo ao lembrar da pandarena – Ela foi a responsável por ter curado Halduron.

Kassyeh começou a contar a história, omitindo Pietro e Pandora, e ainda assim foi um relato que prendeu a atenção de todos. Depois, foi a vez de Luxuriah contar o que tinha acontecido em Luaprata quando chegara a notícia do sumiço deles. Tewdric ficou muito preocupado com a reação de Karen e feliz que Saba tenha conseguido impedir a jovem rainha de ir até Pandaria. Kassyeh ficou particularmente perturbada com a reação de Aethas, e sua preocupação com a segurança dele em Dalaran aumentou consideravelmente. O impacto da chegada deles em Pandaria começava a se desenhar em suas mentes.

- Mas agora tudo ficará bem. - garantiu Luxuriah – Vocês voltam para casa e todos ficam tranquilos.

Kassyeh trocou rápidos olhares com seu marido, antes de anunciar:

- Não pretendemos voltar para Luaprata agora.

Houve um momento de silêncio, onde até mesmo Halduron estava surpreso. O casal não havia falado nada a esse respeito com ele.

- Kassyeh, que história é essa?! - Luxuriah não estava nem um pouco feliz com a revelação.

- Lux, nós trouxemos a guerra a essa terra. - começou a maga – Eu jamais viraria as costas e iria embora sem tentar fazer algo por eles.

O protesto veio até a boca de Luxuriah mas morreu sem sair dela. Depois de tudo que vira acontecendo, entendia como a irmã se sentia. Não poderia, jamais, se opor a ela.

- Eu entendo. - disse depois de um tempo – Eu sinto o mesmo. Mas realmente precisamos mandar notícias para casa ou daqui a pouco Karen aparece na sua porta, como eu fiz. Você acha possível conectar o correio mágico de Pandária a Luaprata?

- Serão necessários muitos magos para fazer isso. - explicou Kassyeh pensativa – Mas se já há um portal para Orgrimmar na Aldeia do Mel, já é um passo. Preciso falar com esses magos.

- É possível que você aprenda a faze rum portal daqui para Luaprata e de lá para cá? - insistiu a irmã.

- Precisarei de algum tempo para estudar a magia daqui, de preferência com algum mago nativo. E, após isso, sim.

- Certo, você terá seu tempo para aprender. Depois, iremos em casa, você dá um beijinho nas meninas e voltamos. Não vou deixar a Aliança tomar conta daqui nem vou deixar Garrosh transformar isso num pasto de sangue. Mas, por hora, vamos comemorar. - e apontou para o pandaren que trazia a comida – Quero todos estufados de comida e bêbados, antes do sol raiar!

 

 

*************

Anduin estava com frio, assustado e decidido a não parar de andar. A noite já havia caído em Pandaria, o ajudando a cobrir sua fuga do acampamento da Horda. Ainda assim, não se atrevia a descansar, por mais que suas pernas doessem e sua cabeça parecesse que ia explodir. Tinha certeza que, caso o capturassem novamente, não seriam tão indulgentes e, no mínimo, quebrariam suas pernas para que não fugisse novamente.

Desde que seu navio naufragara no litoral da nova terra, o príncipe humano vivia um inferno na terra. Primeiro, se vira sozinho no navio, depois que todos sumiram na luta contra os hozens. Não sabia se o almirante Taylor estava vivo ou morto, mas tinha fé que, como um bom guerreiro que era, estivesse vivo em algum lugar. Seu coração doía mesmo ao pensar em Pandora e Pietro. Quando sairá de sua cabine, caminhara pelos corredores cheios de água, até não conseguir mais e perceber que a cabine deles estava inundada. Rezou com todas suas forças para que eles tivessem saído antes de se afogarem.

Depois disso, vagou pela Floresta de Jade, sobrevivendo só de suprimentos que conseguira no navio. Dias depois, fora capturado por membros da Horda. Foi quando sentiu um real pavor: o matariam, sem dúvida. Porém, a orquisa que o capturou o levou sem machucá-lo até o Monte Bagarai, onde o general Nazgrim o reconheceu. Mais uma vez achou que seria morto e sua cabeça seria enviada ao seu pai. Porém, a Horda o tratou bem, como um prisioneiro de luxo, percebeu. Na certa tentariam usá-lo contra a Aliança. E foi pensando nisso que, quando tivera a oportunidade, fugira.

Agora, sequer tinha consciência de quantos dias se passara desde que aportara. Só pensava em se afastar o máximo possível dos seus captores e manter-se vivo, na esperança que encontrasse alguém da Aliança.

Andou a esmo por muito tempo, suas pernas tremendo de cansaço e sua barriga roncando de fome, até ver uma luz que se destacava numa pequena colina. A adrenalina percorreu seu corpo à medida que se aproximava do local, com medo de ser outro acampamento da facção rival, mas era uma residência nativa. Houve um momento de dúvidas, onde se perguntou se seria justo envolver os nativos naquele conflito insano que existia bem antes dele sequer pensar em existir. O cansaço e a fome, por fim, venceram suas dúvidas e ele se aproximou devagar.

Um pandaren estava sentado numa varanda, uma fogueira acesa aos seus pés e uma caneca em sua mão. Quando percebeu o visitante, o pandaren não se mostrou surpreso, mas preocupado. Levantou-se, franzindo a testa.

- Pelos Celestiais, você está bem? - perguntou se aproximando.

Anduin fez que sim, e suas pernas simplesmente desabaram. Estava exausto demais para continuar. O pandaren lhe estendeu a caneca que trazia nas mãos.

- Aqui, beba um pouco de chá.

O rapaz fez isso. A bebida quente percorreu seu corpo, como um balsamo e o príncipe percebeu que chorava de alívio. Estivera com tanta sede e sequer notara.

- Eu sou o Andarilho das Lendas Cho. - apresentou-se o pandaren – Você é um dos estrangeiros que chegou aqui, certo?

Então outros já haviam passado ali, pensou Anduin esperançoso. Mas seriam da Horda ou da Aliança?

- Sou Anduin. - foi tudo que conseguiu dizer. Temia revelar demais e fazer do pandaren um alvo para quem quer que o perseguisse – Eu gostaria de algo para comer e beber, se não se importar. Depois, partirei.

- Você me parece cansado, rapaz. E tão jovem… Venha, você comerá, beberá, e descansará aqui essa noite. Não se preocupe. Sei da guerra que chegou a essas terras e ninguém saberá da sua presença aqui a menos que você queira se apresentar…

Anduin sentiu uma mistura de gratidão e vergonha com as palavras do pandaren. Gratidão pela ajuda que receberia e vergonha, por saber que aquela terra estava fadada ao mesmo destino do resto do mundo, depois de tanto tempo de inocência.

Enquanto estava como refém da Horda, ouviu o que falavam sobre os pandarens e sobre o local onde estava, a Floresta de Jade. Soubera que o navio que entrara em combate com o seu também tivera sobreviventes que estava por lá, como ele. Soubera da chegada do Celesfogo no sul da ilha. Ficou decepcionado por não ter ouvido nada sobre o almirante Taylor ou sobre Pandora e Pietro.

“Paciência…”, dizia para si mesmo naquele tempo. “Apenas tenha paciência…”

Em breve poderia ir em busca daquelas respostas, mas, no momento, só queria comer algo e dormir.

O Andarilho das Lendas Cho já havia recebido na sua casinha encrustada numa colina da Floresta de Jade tanto pessoas da Horda quanto da Aliança. Ambas tentaram convencê-lo que sua causa era justa, mas o andarilho já percebera que havia bem mais por trás do que cada um dizia. Aquele menino, ao contrário, só pedira o essencial para continuar vivo e seria isso que faria por ele. Na verdade, Cho percebera que ele sequer devia ter idade para ser soldado. O que fazia ali, então? Poderia perguntar depois, quando o menino estivesse alimentado e descansado.

Anduin foi colocado perto do fogo, recebeu um cobertor, uma travessa cheia de sopa e muita água. Comeu o que aguentou, bebeu toda água e em pouco tempo adormeceu, sentado, exausto depois de tantos dias de fuga. Preocupado com o garoto ao ar livre, O Andarilho das Lendas Cho o pegou nos braços, com cuidado e o levou para dentro de sua casa. Lá, havia um cômodo onde ele costumava hospedar os inúmeros visitantes que recebia em busca de suas histórias. Deixou o menino estrangeiro lá e voltou para seus pensamentos.

Quando Anduin acordou, demorou alguns segundos para lembrar onde estava. Havia sonhado que estava em casa, tomando chá no jardim com Arshe enquanto Lina e seu pai discutiam sobre a guerra em outra parte do pátio. No sonho, tivera vontade de gritar para que seu pai parasse de falar de guerra, que ela o ouviria e viria arrebatá-lo. Queria dizer que, se não parasse de falar, ele se perderia no mar e jamais se veriam. Mas não conseguia falar, pois sua boca estava cheia de brumas e saia apenas vapor dele quando abria os lábios. Tentava pedir ajuda a Arshe, mas os olhos dela estavam presos em um livro aberto, cujas páginas estavam brancas. Foi um alívio acordar e perceber que fora apenas um sonho. Ao mesmo tempo, ficou triste, porque não estava em casa. Tão triste e saudoso que ainda ouvia a voz de Lina em sua cabeça.

Demorou alguns instantes para ele perceber que não eram vozes de sua cabeça. As vozes eram reais e vinham do lado de fora da cabana do Andarilho das Lendas. Com o coração aos saltos, jogou as cobertas para o lado, levantou-se e foi em direção a porta, apenas para parar de supetão.

Seria realmente Lina? E se fosse apenas outra pessoa com a voz parecida? Poderia nem mesmo ser uma humana. Tentando conter a esperança dentro do coração, se aproximou da entrada da cabana e escutou por um momento.

- E é isso que viemos fazer. - concluiu a voz, muito parecida com a de Lina – Se tiver qualquer informação….

- Por que estamos procurando aqui? - perguntou uma voz distorcida, que gelou a alma de Anduin – Já não temos os localizamos?

- Localizamos dois deles. - falou a primeira voz – Uma das minhas crianças ainda está perdida.

Não havia erro. Era sim Lina. E, pela Luz, se não fosse ele precisa ver! Saiu de dentro da cabana e precisou de uns segundos na luz do sol para acostumar seus olhos e, quando conseguiu ver, sorriu, as lágrimas turvando sua visão.

Lina demorou um tempo para entender o que estava acontecendo. Não podia acreditar. Anduin? Era realmente Anduin? Ela não disse nada, apenas venceu a distância entre eles e o apertou em seus braços, com força. Se não fosse ele, era uma excelente ilusão, porque tinha sua aparência, seu cheiro e sua voz, quando ele balbuciou:

- É você… É você mesmo… - e caiu no choro.

Lina não respondeu, apenas o apertou ainda mais em seus braços.

E chorou.

Chorou profusamente.

Há tempos Anduin desejava aquele abraço. O desejara antes de partir e o desejara enquanto sonhava voltar para casa. E agora tinha. O abraço materno tanto negado a ele, agora o envolvia. Lina era uma mulher alta e isso o fazia se sentir quase uma criança, percebendo-a curvada enquanto o abraçava. Depois de um tempo que ele achou que durara uma vida, ela o soltou a contragosto e segurou seu rosto entre as mãos. Ela sorria, mas chorava.

- Anduin! Eu e seu pai ficamos tão preocupados com você! Não acredito… Minha Luz, não acredito que é você!

- Sim, sou eu. - ele disse simplesmente e achou-se um idiota. Devia pensar em algo mais pomposo, mais principesco a dizer, mas não queria ser um príncipe. Queria apenas ser um rapaz que estava pedido e foi encontrado.

- Eu estava tão aflita, não encontrei nenhuma pista a seu respeito! Achei que… - ela respirou fundo – Não importa o que achei! Olha só você… - ela o olhou com mais atenção – Você está tão magro! Suas roupas estão folgadas! - e para a surpresa dele, o abraçou de novo – Vai ficar tudo bem agora….

O Andarilho das Lendas Cho observava a cena, feliz pelo rapaz ter reencontrado sua família.

- Mas olhem só, que coisa maravilhosa! Sua mãe te achou! Os Celestiais devem te proteger muito, meu caro rapaz.

Anduin achou que Lina fosse dizer que não era mãe dele e corrigir o pandaren, mas ela apenas sorriu, soltou-o novamente disse:

- Definitivamente temos todas as bençãos e proteções do mundo….

- Esse reencontro merece uma cerveja especial! - avisou o pandaren levantando-se – Alguém me ajuda a pegá-las?

- Claro! - prontificou-se Vincent acompanhando o pandaren – Vem, Rubrarosa?

A worgenin não pretendia ficar ali no meio de uma pseudo-reunião de família, afinal sabia que Lina não era mãe de Anduin, apesar de se comportar como se fosse, e foi junto com os outros dois para dentro da cabana. Quando ficaram a sós, Anduin começou a se explicar:

- Eu procurei Pandora e Pietro, depois que o navio tombou, mas a cabine dele estava cheia d’água e eu…

- Calma, querido. - disse ela carinhosamente – Eles estão bem. Chegaram aqui, fizeram amizade com os pandarens e partiram em busca de um templo onde Pietro pode ser tratado. Estou a caminho de lá. Imaginei que conseguiria te achar no caminho e, pela Luz, eu estava certa!

- Um templo para curar Pietro? - os olhos de Anduin brilharam – Com certeza é uma magia divina poderosa… Fica a quanto tempo de viagem daqui?

- Duas semanas. - respondeu – Acredito que eu não vá demorar muito em Ventobravo depois de te deixar com seu pai, então alcançarei eles em breve.

- Me levar para meu pai? - perguntou ele, confuso.

- Sim, claro. - respondeu ela sem entender a confusão dele – Há uma vila ao sul daqui que tem um portal para Ventobravo. Logo, você estará seguro com seu pai.

- E você? - quis saber.

- Voltarei para buscar meus sobrinhos e ajudar essa terra. Nossa guerra tem aberto feridas aqui.

- Pois eu ficarei também. - disse ele decidido – Não voltarei a Ventobravo.

Lina o olhou por alguns instantes, chocada com o que ele dissera.

- Anduin, você não pode ficar.

- Por que não? - questionou.

- Porque seu lugar não é aqui. Você deve voltar para casa.

- Pelo contrário, acredito que meu lugar é aqui sim. - insistiu ele – Essa terra é cheia de maravilhas, de poderes que eu jamais imaginei existir. Eu sinto em minha alma a força dessa terra. Eu não irei embora até entendê-la. Nem irei embora antes de ver Pietro e Pandora. Os deixei para trás uma vez, não farei isso de novo.

O primeiro impulso de Lina foi tentar demover Anduin daquela ideia, mas logo desistiu. Demandaria tempo e energia, e ela não tinha nenhum dos dois. Poderia tentar levá-lo a força, mas jamais faria algo assim com o menino. Além do mais, quem garantiria que Anduin não fugisse e voltasse para Pandaria. Melhor mantê-lo por perto. Se Anduin queria ir até o Templo com ela, ele iria.

- Tudo bem. Você vai comigo. - disse, para a alegria do príncipe – Só vou te pedir uma coisa: quando acharmos os meus sobrinhos, vamos voltar para Ventobravo.

- Deixe acharmos eles primeiros, para pensarmos no que fazer a seguir. - desconversou o menino.

Lina tinha certeza que Anduin ia tentar enrolá-la, mas deixou aquela preocupação para depois.

O resto da manhã foi tomado pelas conversas, as atualizações do que acontecera desde que se viram pela última vez e dos planos para o caminho que seguiriam. Como Anduin se recusava a voltar para casa e Lina estava disposta a apoiá-lo, o melhor seriam se manter longe da aldeia Pata’Don, onde outros membros da Aliança estavam. Contaram então com a ajuda do Andarilho das Lendas Cho para lhes mostrar um caminho que pudessem chegar até o Templo da Garça Vermelha o mais rápido e seguramente possível. Depois, partiram, Anduin usando relutantemente a tartaruga cedida com muita insistência por Cho.

A viagem para o Templo da Garça vermelha foi menos perigosa do que Lina imaginara. Exceto pelos monstros que encontraram no meio do caminho, não sofreram nenhum ataque mais sério; conseguira manter Anduin longe das garras da Horda e dos olhares da Aliança. Contudo, sentia traindo Varian a cada dia que passava sem enviar notícias para ele. Seu único conforto era saber que, ao sue lado, Anduin estava seguro. E, mesmo com a pressa para encontrar seus sobrinhos, acabaram ajudando diversos pandarens em sua viagem.

Aquele tempo serviu também para aproximação do príncipe tanto com Vincent quando com Rubrarosa. Eram dois extremos, de forma que Anduin ficou encantado por poder conviver com essas diferenças intimamente pela primeira vez na vida. Na noite em que acamparam na entrada da selva de Krasarang, Vincent contou ao rapaz sobre sua vida anterior em Lordaeron, em como serviu ao rei Terenas e assistiu sua vida ser obliterada com a queda de sua terra natal. Falou de seus primeiros dias como refugiado em Ventobravo e em como a fé o ajudou a superar tudo. E, para a alegria e um pouco vergonha de Lina, falou o quanto estava feliz em fazer parte da família da general, mesmo que tivesse que lidar com a resistência de alguns membros dela a seu romance com Mel.

- Irmão Vincent, posso fazer uma pergunta pessoal? Não precisa me responder, se considerar que eu passei dos limites. - pediu Anduin.

- Pergunte, alteza. - Vincent já desconfiava da pergunta.

- Quando você soube que… Que não… Bem, que você amava outros homens? - o rosto do menino estava em brasa, quando ele perguntou.

- Eu sempre soube. - disse com sinceridade – Como eu acredito que Lina sempre soube que gostava de homens.

- Ah, sempre. - admitiu a general – Minha primeira paixonite foi por um ferreiro que estava de passagem na Vila D’Ouro. Até descobrir que ele era um imbecil.

- Minha primeira paixonite foi um rapaz que treinava comigo. - disse Vincent – Porém, ele estava mais interessado na minha irmã.

- E sua irmã? - quis saber o jovem.

- Gostava de outro rapaz, um livreiro. Eles casaram e tiveram uma filha linda. - o rosto do paladino se anuviou – Todos morreram para o Flagelo.

- Sinto muito. - falou Anduin.

- Eu demorei a descobrir. - falou Rubrarosa atraindo as atenções para ela – Eu gostava de um rapaz, ou achava que gostava.

- Como assim? - perguntou Anduin curioso.

- Eu tinha uma amiga que falava do primo dele, de como ele era maravilhoso e morava na cidade. Eu ia todos os dias na casa dela para ouvi-la falar dele. Achei que estava apaixonada. Um dia, o rapaz foi visitá-la. E eu descobri que gostava da forma que ela falava dele e não dele. - a worgenin deu de ombros – Acabei namorando com ela por um bom tempo. Até… - ela balançou a cabeça – Até acabar.

- E você, alteza? - quis saber Vincent sorrindo – Tem alguém especial que lhe chame a atenção? Que faça seu coração bater mais rápido.

Era uma coisa que Lina queria saber muito, mas ficou calada, ouvindo. Anduin corou e sacudiu a cabeça.

- Não… Não conheci ninguém que me fizesse sentir como vocês descrevem. - falou, sem jeito.

- Você é jovem, tem tempo ainda. - consolou Vincent – E, além do mais, é bom você ir se preparando porque, qualquer pessoa por quem você se apaixonar, encontrará muita resistência de aceitação. - e olhou significativamente para Lina.

- Ah, pode apostar que sim! - exclamou Lina dando uma risada.

Quando finalmente chegaram ao Templo da Garça vermelha, duas semanas depois de se encontrarem na cabana do Andarilho das Lendas Cho. O tempo passado na estrada estreitara os laços daquele grupo tão inusual, e o fim daquela jornada deixava todos eufóricos, mas preocupados. Essa preocupação ficou visível no rosto de Lina, que franziu o cenho depois que eles amarraram as tartarugas na entrada do templo.

- O que foi, Lina? - perguntou Vincent.

- Se eu subir essa escadaria e Pandora tiver levado Pietro para outro lugar… Vou quebrar as pernas dela. - resmungou.

- Só há um jeito de saber. - disse Rubrarosa começando a subir os degraus.

Havia um pandaren varrendo as escadas, que olhou com um pouco de surpresa para a figura de Rubrarosa. Depois, voltou seus olhos para os demais e acenou com a cabeça.

- Pois não?

- Estou procurando duas pessoas. - falou Lina com o coração aos pulos – Pandora e Pietro.

- Ah sim! - exclamou o pandaren abrindo um sorriso – Venham comigo.

Na parte de trás do templo, Pietro ria alto, se divertindo com dois pandarens de sua idade, que empurravam seu disco de um para o outro, girando-o. Pandora ficava tonta cada vez que olhava a brincadeira e se perguntava como seu irmão ainda não tinha vomitado com toda aquela giração. Sacudiu a cabeça e voltou a sua atenção para os bonecos de treinamento, repletos de flechas.

O tempo que passavam no templo fez Pandora refletir muito sobre os próximos passos que daria em sua vida. Pela primeira, sentia-se perdida; a maior parte de sua vida fora dedicada a Pietro, aos seus cuidados e a uma busca por melhora. Agora, com seu irmão muito melhor e mais independente, sentiu que já não era tão necessária quando antes. Após muitos dias de treino, e com seus braços e colunas fortalecidos, Pietro levantava sozinho da cama e conseguia sentar-se no disco e se locomovia livremente. Conseguia tomar banho sozinho e já treinava vestir-se sozinho também. As ida ao banheiro para suas necessidades já era quase totalmente independentes. E a tendência era que ficasse cada vez mais autônomo, pois decidira se dedicar ao estudo para se tornar um sacerdote de Chi-Ji.

- É uma boa oportunidade, me tornar um sacerdote. - dissera o menino, quando conversavam sobre o que fariam a seguir – Me tornar sacerdote. Eu poderia flutuar como Rukiah e nem precisaria tanto do disco.

- E se você entrasse em combate? - perguntou ela, assustada.

- Não quero ser sacerdote de batalha. - revelou o menino – Quero ser como a Rukiah. Cuidar dos outros. Como você cuidou de mim.

A flecha que ela lançou errou o alvo e ela soltou um palavrão. Como dizer não quando seu irmão dizia aquelas coisas? Bufou e foi pegar a flecha, no meio das árvores. Estava feliz que os sacerdotes do templo aceitaram em treinar Pietro. A única coisa que ele pediu foi que, quando pudesse, partissem para Ventobravo. Ele queria ver o bebê de Doroteya e avisar a Theo que estava bem. Para isso, Pandora teria que voltar a procurar pessoas da Aliança. Depois, decidia o que fazer de sua vida.

Uma coisa, contudo, era certa: se Pietro ia ficar em Pandaria, ela também ficaria. Fazendo o quê, não sabia ainda, mas não estava pronta para largar seu irmãozinho ali. E aquela terra a encantara. Queria saber mais e mais sobre ela.

E havia mais uma coisa que a incomodava e muito. Depois que chegaram ao Templo, Pandora só saíra uma vez, para verificar o correio mágico no Cais dos Pescadores. Tentara manda ruma carta para sua tia, mas o correio mágico ainda não estava conectado a Ventobravo, apesar de ter certeza que já havia muitas tropas por ali. Porém, conseguira receber a resposta do Vovô Pata Serena. Ele lhe dissera numa carta, que chegara no dia logo que eles chegaram no templo, que Tewdric, Kassyeh e Halduron haviam partido.

Juntos.

Como assim?! O orc não cumprira sua promessa?! Ele dissera que não faria mal a Halduron! Porém, em nenhum momento da carta o vovô falara que Halduron fora a força. Será que ele foi convencido a ir, para ser “refém”, como era a ideia fazer com eles, caso a Aliança os encontrassem? Ou Halduron achava que o casal era confiável o suficiente para que dividissem uma parte da jornada? Não conseguia pensar no motivo, mas queria acreditar que Tewdric mantivera sua palavra e que ele não estava fazendo mal ao elfo. Assim que digerisse aquela notícia, mandaria uma carta perguntando sutilmente se o vovô Liu percebera algo estranho nessa partida. Talvez já tivesse mandando a carta, se conseguisse ser sutil.

Percebeu que tinha ficado parado em meio às árvores e balançou a cabeça. Localizou sua flecha, apanhou-a e voltou para a área de treino. Estava se preparando para atirar novamente, quando Pietro soltou um grito. Ela quase acertou o próprio pé e voltou-se rapidamente para o irmão. Ele tinha impulsionado o disco na direção de um grupo recém-chegado e chorava alto. Foram necessários alguns instantes para ela perceber quem chegara e dar um sorriso.

Claro que a vaca ia achá-los. Era por isso que ela era tão irritante.

Surpreendeu-se mais pelo príncipe Anduin estar lá do que pela presença de sua tia. Pietro abraçou Vincent logo depois que soltou Lina, que percebeu que a sobrinha se aproximara, confusa, como se ainda estivesse decidindo se a chegada deles tinha sido algo bom ou não.

- Eu sabia que você dava conta de tudo. - disse Lina, orgulhosa.

- Minha mãe criou quatro idiotas, mas, nem eu nem Pietro, estamos entre eles. - retrucou se aproximando mais – E você nos achou.

- Minha mãe criou muitos idiotas, mas não estou entre eles. - Lina a parafraseou e riu – Estou orgulhosa de você, Pandora.

A jovem deu de ombros.

- Não fiz nada mais do que devia fazer.

Lina a observou por um momento e então a puxou para um abraço. Pandora resistiu no primeiro momento, até perceber como estava precisando daquilo. Sentiu o peso que carregava há semanas sair de seus ombros e, quando menos esperava, caiu no choro. Lina também chorava. Pelo menos não estavam passando vergonhas sozinhas, ambas pensaram.

Depois de uma braço demorado e um pouco constrangedor, as duas se separaram. Foi a vez de Vincent envolvê-la em seus braços e as lágrimas voltaram aos olhos de Pandora.

- Minha querida, eu estava tão preocupado. - falou o paladino, choroso – Rezei tanto para a Luz proteger vocês dois…

- Ah, ela protegeu… - disse ela lembrando de Tewdric e Kassyeh – Você não faz ideia, tio Vin…

“espero que ela tenha protegido Halduron também…”, desejou Pandora.

- Fazemos sim. - cortou Lina – Já soubemos do orc e da elfa que ajudaram vocês.

Pandora soltou Vincent e encarou a tia, sem acreditar.

- Eles têm nomes! - reclamou Pietro – Ted e a Kass! A Luz mandou eles nos ajudarem!

- Vocês… Vocês encontraram com eles? - perguntou Pandora.

Será que por isso que levaram Halduron? Como garantia que Lina não fizesse nada a eles? Mas sua tia logo balançou a cabeça, em negativa.

- Eles já tinham saído de lá quando chegamos. Mas encontramos a irmã dessa Kassyeh… Eu achava que eu era estressada, mas sou um amorzinho perto daquela elfa…

Pandora não sabia se ficava aliviada ou mais preocupada com a informação. E então lembrou-se que o principe da Aliança estava ali, ouvindo-os falar de membros da Horda que só ajudaram. Foi inevitável para Pandora não olhar para Anduin, temerosa. Mas o rapaz apenas deu de ombros.

- Eu concordo com Pietro, foi a Luz que os mandou. - disse com um sorriso calmo - Não há porque ter vergonha disso.

- Alteza… - murmurou Pandora baixando os olhos e lembrando de quando deixaram o navio às pressas – Perdoe-me não ter ido ao seu encontro… Quando o navio bateu…

- Você fez o que devia ser feito. - cortou Anduin – Seu irmão precisava de você. E, no final, deu tudo certo. Talvez, mais até do que se tivéssemos chegado a Exodar.

- É sim! - concordou Pietro – Eu estou sentado! E meus braços têm força de novo! - ele balançou-se no disco – Tia, eu vou treinar para ser sacerdote de Chi-Ji e ficarei ainda melhor!

- Calma, uma coisa por vez. - falou Lina levantando as mãos – Quero saber como diabos vocês chegaram aqui, quem é Rukiah e vocês nem conheceram Rubrarosa ainda.

A worgenin estivera parada, calda, olhando toda a cena. Era difícil não sentir inveja das emoções humanas que um dia já tivera. Apesar de ter aprendido a amar de novo em sua não-vida, ainda era dificil presenciar cenas como aquela e não ficar incomodada por tudo que perdera.

- Ah, você é a tia Rosa que Theo falou? - perguntou Pietro com os olhos brilhando – Ele sempre disse que você é muito, muito legal! Você veio nos procurar também?

Rubrarosa se pegou sorrindo para Pietro.

- Sim, vim. A pedido de Theo. Ele está muito preocupado com vocês. - disse com o máximo de carinho que sua voz distorcida permitia.

- Obrigado, tia Rosa! -exclamou feliz, mas então perguntou, preocupado – Posso te chamar de tia Rosa? Como o Theo?

- Claro, querido. - respondeu entendendo finalmente porque Theo gostava tanto de Pietro. Os dois meninos tinham almas boas e se conectavam em sua candura infantil.

- Pelos Celestiais! - Rukiah chegava naquele momento, após ser ignorada que a família de Pandora e Pietro estavam ali – Pandora, eu pensei que você tinha dito que sua mãe não viria te buscar!

Pandora revirou os olhos e Lina caiu na risada.

- Não é minha mãe. É minha tia. A que eu falei. - disse, mal humorada – E sério, nós não nos parecemos tanto assim!

- Parecem sim. - retrucou a pandarena – Então… Essa é sua tia? A que você chama de vaca? - perguntou inocentemente.

- Essa mesma. - respondeu a jovem sem nenhum pudor – Tia, essa é Rukiah Pata Serena. Nossa guia e salvadora.

A pandarena deu uma risadinha, levou a mão ao rosto e mexeu o pé, envergonhada.

- Não é para tanto. - disse abanando a mão.

- Pelo que ouvi, você tem sim. - respondeu a general – Eu e tive em Sri La e a senhora Mili nos contou sobre como você se disponibilizou para ajudá-los. Saiba que você e sua aldeia tem a minha eterna gratidão. O que eu puder fazer por vocês, eu farei.

- A Aliança também tem uma dívida de gratidão com vocês. - falou Anduin respeitosamente – Quem salva nossos cidadãos, nos salva também.

- E você é… - quis saber Rukiah.

- Esse é o príncipe Anduin – falou Pietro animado – Falamos dele, lembra?

- Ah sim! Que bom que você está bem, alteza. - ela fez uma breve reverência – E que bom que conseguiram chegar aqui!

- Foi um longo caminho. - admitiu Vincent.

Tenho certeza que vocês tem muito o que conversar e eu admito que quero muito ouvi-los. Talvez até o Grande Chi-Ji queira também! O avisarei o mestre Koro de sua chegada e pedirei para a cozinha preparar uma comida especial! Temos que comemorar esse reencontro!

- Eu adoro como sue povo adora comemorar. - falou Lina com um sorriso no rosto.

- Todas as coisas boas da vida devem ser celebradas. - falou Rukiah com um sorriso – E o reencontro com a família são uma das melhores coisas!

Rukiah estava certa. Lina sentia-se bem como há muito tempo não sentia-se. Tudo que queria naquele momento era sentar e ouvir tudo que seus sobrinhos tinham a dizer. Depois decidiriam o que fazer, apesar de ela ter a sensação que tudo já fora decidido antes de sua chegada. E estava tudo bem. Porque o mais importante estava lá, o bem-estar de suas crianças. E, naquele momento, as três estavam ao seu lado, viva, saudáveis e o mais feliz que a situação permitia.

Estavam juntos, finalmente. 



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