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História Heroína - Tudo que dissemos


Escrita por: erohime

Notas do Autor


Oi meus pãezinhos de mel! E aí, estão gostando?
Eu peço que perdoem essa universitário cheia de trabalhos, eu juro que vou tentar responder todos os comentários o quanto antes :( Eles significam muito para mim, eu agradeço todo o apoio, vocês são incríveis! ♥

Capítulo 3 - Tudo que dissemos


Você está em algum lugar se sentindo sozinha? Mesmo que ele esteja bem ao seu lado?

Quando ele diz aquelas palavras que te machucam

Você lê as que eu escrevi?

As vezes eu começo a me perguntar

Isso era só uma mentira?

Se o que vivemos foi real

Como você pode estar bem?

Porque eu não estou nem um pouco bem

— Amnesia, 5 Seconds of Summer

 

—Capítulo III–

Tudo que dissemos, não é nada do que pensamos

 

Naruto não se sentiu melhor depois de arrumar meticulosamente seu apartamento – ao menos, o que estava ao seu alcance –. As mobílias estavam devidamente limpas e realocadas, os armários estavam temporariamente abastecidos e, em seu quarto, seu velho colchão continha lençóis confortáveis o suficiente para que ele sobrevivesse até a chegada dos novos móveis. Mas, nem mesmo o vinho quente fora capaz de fazer sua cabeça desligar.

Em meio aos soluços descontrolados e as lamúrias, ele arriscou um cochilo. A noite caíra sobre ele como um manto sufocante, e o céu sem nuvens tornara o ambiente abafado. Naruto não sabia se era ele própria quem sentia falta de ar, mas todas as janelas foram abertas, e ele ainda arfava. Deitado de maneira desajeitada na poltrona, o cansaço vencera seu corpo, mas ele não foi capaz de dormir por duas horas inteiras, acordando sobressaltado e banhado em suor. As imagens de Hinata Hyuuga enchiam seus olhos e tudo que ele pensava, chegando em determinado ponto que cada detalhe requintado do rosto da garota estava encrustado em suas memórias – era como se ele nunca tivesse partido.

Apesar disso, seus sonhos eram recortes desconexos e agitados. Embebido em fumaça, Naruto acordara ofegante, com os pulmões em brasa e o estômago borbulhando. Não se lembrava de ter comido durante a tarde, mas, certamente, já teria vomitado. Passado e presente misturaram-se em um pesadelo colorido demais, onde os olhos perolados fuzilavam-no como fogo. Ele quase conseguia sentir a pele queimando. Não passavam das nove horas, e ele resolveu atirar-se em um banho gelado antes que enlouquecesse.

Aquele era só o primeiro dia – mas Naruto não sabia dizer se repetir aquilo a si mesmo era uma forma positiva ou negativa de incentivo. Desnorteado, desistiu do cochilo e procurou novas coisas para arrumar. Aparentemente, nem mesmo seu senso desmedido de organização era capaz de distrai-lo completamente do que quer que fosse. A garrafa de vinho acabara há horas, e a embriaguez começava a dar lugar para uma lucidez não bem-vinda. De fato, já tinha limpado todas as bancadas quando sentiu o celular vibrar em seu bolso. Ligeiramente confuso, agradeceu o desbloqueio digital e leu a mensagem de Sakura – o dia seguinte era sua última chance de conhecer o campus. As aulas começariam segunda-feira, e ele não queria se perder no primeiro dia. Com um suspiro, concordou em acordar cedo e ser acompanhado pela amiga no tour. Nenhum dos dois tocou no assunto daquela tarde.

Constatando que não escaparia, Naruto voltou para o quarto, apagando todas as luzes no caminho. Quando atingiu o breu, seus olhos se acostumaram com as silhuetas e ele caiu no colchão, não se importando em deixar o abajur ligado. Seus olhos pesados fecharam-se quase instantaneamente, e, mesmo com medo dos pesadelos, deixou-se adormecer – uma noite mal dormida era melhor que não dormir nada.

O dia amanhecer brilhante, e os raios solares atingiram a altura de seu rosto pouco antes do despertador tocar. Resmungando, Naruto admitiu que merecia aquela ressaca. Com dor de cabeça e o corpo mole, arrastou-se para um banho frio novamente. A água o despertou o suficiente, e as aspirinas que pegou da mala agiriam em poucos minutos – seria o bastante para fazê-lo aguentar aquela manhã. Pegou uma maçã e uma muda de roupas limpas. Não sabia se queria causar boa impressão ou confiança – acabou, então, com a jaqueta de couro e os tênis de marca. A fruta cobriu seu estômago e a roupa aumentou sua moral. Naruto estava quase de bom humor quando deixou o apartamento, rumando para a garagem. Eram poucos menos de oito horas quando ele atingiu as ruas da cidade. O trânsito estava consideravelmente rápido para o horário, enquanto as estações de rádio eram deploráveis. Teve tempo de escolher um de seus CDs velhos enquanto pegava a saída para a rodovia principal. Os prédios comerciais ficaram para trás a medida que uma campina se erguia do seu lado direito. Apesar disso, não demorou até que a universidade se levantasse, imponente, alcançando o horizonte com seus prédios.

Naruto se animou verdadeiramente enquanto procurava por estacionamento na entrada principal. Ele gostava da universidade na América, apesar de terem bases diferentes. Gostava do seu curso, e das pessoas com quem convivia, e dos professores. Ele sentia falta de estudar e de se dedicar – mesmo não tendo pensado duas vezes quando teve de voltar –, e a grade curricular parecida com o curso americano era apenas um dos benefícios.

O garoto saiu para o sol e suas têmporas deram pontadas. Encontrou Sakura sem precisar andar muito, e a garota parecia disposta a ignorar os acontecimentos do dia anterior. Ela não usava o uniforme da sorveteria, embora seu cabelo estivesse tão rosa quanto nunca. A garota tagarelava sobre aleatoriedades, olhando para os lados com uma frequência maior que normal. Andaram até o prédio principal, onde um pequeno grupo seleto de pessoas se reunia, cumprimento uns aos outros. O sol parecia quase atingir seu pico e a sombra do toldo depois das escadas deixava a visão mais nítida. Naruto olhava ao redor, admirando a arquitetura nova e polida, e como tudo parecia grandioso.

Naquela manhã, Naruto planejava apenas visitar a faculdade onde ele estudaria pelos próximos anos. Ele pretendia conhecer suas salas de aula, ateliês, laboratórios, e, quem sabe, fazer algumas amizades diplomáticas. Ele esperava por um coffee break ao final do passeio, folhetos de projetos de extensão e mapas numerados. Naruto esperava muitas coisas, sim, mas não aquilo. Naruto definitivamente não esperava por aquilo.

— Sejam bem-vindos! – aquela voz, ele jamais a esqueceria – Meu nome é Hinata Hyuuga e eu serei sua guia esta manhã. – ecoava, melodiosa, tão igual quantos os sonhos que o apavoraram na noite anterior – Espero que gostem do nosso passeio e de tudo que a Universidade de Konoha tem a oferecer! – não era possível. Era?

Naruto não precisou olhar para saber. O grupo se reuniu, e ela andou entre eles, distribuindo panfletos e folders coloridos. Assustado, o garoto se afastou alguns passos, e o sol voltou a despontar sobre sua cabeça. Seus olhos voltaram-se para Sakura, desesperados, e a amiga parecia tão estagnada quanto ele. Seu rosto não exibia olhares de desculpa, mas ele imaginou que ela sabia que aquilo poderia acontecer. Apesar disso, não conseguiria culpá-la, não quando sua expressão aterrorizada e suas mãos trêmulas despertavam nele um desejo de poder ajudar. Naruto não conseguiu encará-la tempo o suficiente, e tampouco a outra garota. Não distinguiu os sapatos que ela usava, mas eles estalavam sobre o piso marmorado. Seu andar era firme e suave. Naruto queria sair correndo dali, mas estava paralisado. Ele não queria lidar com aquela situação – ele não estava pronto.

Hinata se aproximou, alheia. Ela não o tinha notado ainda. Sorria gentilmente para todos que a cumprimentavam, e o círculo começara a diminuir. Naruto percebeu que ele e Sakura ficaram por último, e, quando ela deu a volta pelas pessoas, seus olhos alcançaram-nos. Ela parou. O barulho das conversas alheias não penetravam sua audição, uma vez que a atmosfera pareceu ter imobilizado também. Ele conseguiu vê-la, perfeitamente.

Hinata continuava tão linda quanto em seus sonhos.

Ela não usava roupas pretas ou rasgadas. A calça jeans se ajustava com uma perfeição irritante em suas pernas alongadas pelo sapato chique de salto, e a camiseta social mantinha os primeiros botões abertos, criando um decote sutil e valorizado. Seu pescoço desnudo não mantinha joias, mas sua orelha continha vários brincos. O rosto brilhava com a maquiagem, mas apenas seus olhos eram marcados pelo delineado grosso. Seu cabelo reto descia pelos ombros em pequenas ondas, deixando seu rosto adulto. Mesmo sem as roupas intimidadoras ou a pose que repelia, ela ainda portava a mesma atitude desafiadora, os ombros eretos que ousavam um desafio, os traços endurecidos. Se não fossem pelas características gritantes e tão reais, Naruto diria que não conhecia aquela garota.

Mas ele conhecia Hinata. Ele conhecia as pérolas que agora fitavam-no diretamente, voltadas em paralisia e susto. Ao que parecia, Hinata estava tão chocada quanto ele próprio. Ela parecia presa ao chão, e suas mãos tremiam. Nenhum deles disse uma só palavra, mas Hinata se recuperou primeiro. Com maestria, ela engoliu em seco e deu um passo vacilante, estendendo dois folhetos em sua direção, a uma distância segura. Seu rosto se converteu em um sorriso mecânico, que não chegava em seus olhos. Sakura se apressou para pegar os papéis quando percebeu que Naruto não o faria.

— Começaremos a visita agora. Procurem não se perder. – sua voz se fez alta e controlada, e ela deu as costas rapidamente, voltando para a frente do grupo, se esforçando para continuar simpática.

Era como se ela não tivesse os visto, e se virou, começando a andar em passos curtos. Sua voz era audível e ela apontava para os corredores. Algumas pessoas anotavam, outras apontavam no mapa aberto a sua frente. Quando a multidão se afastou consideravelmente, Naruto despertou de seu transe, um pouco irritado por ter se deixado atingir tão facilmente. Em passos duros, acompanhou os demais, com Sakura em seu encalço.

— Naruto, me desculpa! – a rosada parecia ofegante ao seu lado, mas sussurrava – E-eu não sabia que ela quem faria a visita! Eu achei que ela trabalhava na secretaria. – Naruto bufou, ainda inconformado com suas próprias reações, mas não queria descontar suas frustrações na amiga.

— Está tudo bem. – ele sussurrou de volta – Eu teria que lidar com isso uma hora ou outra. Você viu como ela está magra? – Sakura assentiu fervorosamente, concordando.

Eles voltaram a acompanhar a visita, tentando se concentrar nas palavras da Hyuuga, que apontava e sorria, mostrando as principais salas do primeiro andar. Naruto se esforçou para prestar atenção, mas seus olhos esquadrinhavam as costas da garota, e a maneira que se desenhavam em um triângulo invertido, descendo para sua cintura fina. Hinata sempre tivera curvas espetaculares – Naruto poderia descrevê-las perfeitamente –, mas era como uma almofada com pouco algodão. Ele não se lembrava de traços tão finos, e se lembrava das coxas torneadas. Longe de estar feia ou algo do gênero – Naruto acreditava fielmente que aquilo era impossível –, mas era estranho. Não era ela. Ele não se incomodaria se ela optasse por emagrecer, mas, da maneira que ele via, parecia simplesmente não saudável.

Naruto captava cada detalhe. O cabelo repicado, a camiseta branca colada em sua pele também pálida, a maneira que seus pés se dispunham um após o outro. Ele se lembrava da altivez que Hinata exalava, desde muito nova. Sua postura era de alguém certa de si, mas sem os traços selvagens. Quando ela parou, mexendo no cabelo, ele pode jurar que viu traços de um hematoma, que foi rapidamente escondido pela cascata negra novamente.

Andava mecanicamente, tentando acalmar o próprio coração. Estar na presença dela era algo que o atingia, o subjugava. Se, na noite anterior, chegara a pensar que seria capaz de enfrentá-la, naquele momento tudo caíra por terra. Estava claro que Naruto era suscetível a qualquer tipo de humilhação quando ela estava por perto. Era ultrajante perceber que cada célula de seu corpo ainda a amava desesperadamente.

Ele não queria ser aquele tipo de cara. Ele não queria amá-la – embora todas suas decisões nos últimos meses tivessem sido pautadas em sua esperança insana de revê-la, mais uma vez que fosse –. Hinata estava em outro relacionamento, um relacionamento ruim, e ela mesmo era como uma nova pessoa. Toda aura que a envolvia repelia Naruto, como alguém que gritava problema.

A maneira que ela andava era hipnotizante. Ele queria saber – ela não se sentia afetada pela presença dele? Hinata andava de maneira confiante e o sorriso em seu rosto era acolhedor. Ela parecia normal – mais que isso, parecia bem. Os traços de terror que sombrearam seus olhos momentos antes pareceram ter sido apenas uma miragem da sua cabeça. Naruto sentia raiva de si mesmo por não saber se controlar, e, mais ainda, por estar gravando aqueles detalhes.

— Os horários que receberam pelo sistema constam todas as salas em que terão aulas. Não posso indicar todas as salas com precisão, então mostrarei os corredores em um panorama, certo? – Deus, aquela voz – Qualquer dúvida, podem me parar e perguntar, tudo bem? Eu me empolgo bastante. – uma onda de risadas correu o grupo. Hinata parecia natural, relaxada – Estamos no primeiro andar, e aqui as salas de aula são usadas costumeiramente para matérias teóricas. O bloco A, em que estamos, contam com os laboratórios de computação e equipamentos específicos para desenho digital. O segundo andar, para onde iremos em seguida, conta com os auditórios, aparelhagem de vídeo e seminários. – múrmuros de surpresa e aprovação – O bloco B é voltado para os cursos de Artes e Literatura. – Naruto aprimorou a audição, disfarçadamente embrenhando-se entre as pessoas, até que estivesse nas primeiras fileiras – Os ateliês ficam no segundo andar, junto com os almoxarifados, bibliotecas, salas de material. Temos um programa muito bom para Artes Modernas. – pincelou, e Naruto conseguiu sorrir – Agora, se me seguirem, mostrarei onde ficam as salas de estudo.

O passeio seguiu por todo o primeiro bloco, e contornaram por trás para o segundo. O campus era gigante, com muitos jardins e passagens, corredores, escadas e acessos secundários. A arquitetura era planejada, com elementos modernos e, ao mesmo tempo, faziam-no lembrar de uma antiga pintura. Nem ao menos uma lasca fora do lugar, tão diferente da onde estudava – o prédio de Artes era repleto de desenhos, grafites e frases revolucionárias, transformando os muros em um verdadeiro mural de representações. Naruto guardou o mapa no bolso traseiro – ele precisaria mais tarde –, e tentou absorver a maior quantidade de informações que podia, mesmo se distraindo a todo momento com os detalhes do lugar – e da pessoa que o apresentava.

Ao que pareceu horas mais tarde, retornaram para primeiro bloco, desta vez para a parte de trás, em um grande salão ao ar livre, com bancos de concreto e mesas bem-dispostas. Pratos dos mais diversos salgados esperavam pelos visitantes, assim como uma quantidade excepcional de bebidas. Os alunos comemoravam e, por onde passavam, ouviam apenas comentários positivos sobre a universidade. Reuniram-se na sombra, fazendo planos para o começo da semana. O semestre letivo já havia se iniciado, mesmo com a chegada de novos alunos, e não haveriam palestras de apresentação.

Naruto tentou comer um pedaço de torta, mas abandonou quando percebeu estar enjoado. O nervosismo atingira todos seus órgãos, e ele se esforçava muito para não procurar loucamente pela garota com os olhos. Ela havia sumido depois de conversar rapidamente com um grupo de garotas. Sakura também se distraíra com o próprio folheto, mas se prostrou ao lado do amigo, analisando-o com seus olhos sagazes.

— Não foi tão ruim. – comentou casualmente, mas o olhar fulminante de Naruto a fez suspirar – Tudo bem, me desculpe. Eu percebi o seu estado. Como você está?

— Como você acha que eu estou? – Naruto retrucou, retirando a jaqueta de couro e alongando os músculos tensionados. O sol estava quente, e o céu claro não exibia sinais de chuva, como no dia anterior – Foi um inferno. Eu não consigo nem mesmo olhar para ela sem me sentir um imbecil. Deus, ela está tão diferente! – resmungou, procurando por uma sombra, enquanto Sakura o fitava inexpressivamente.

— Eu avisei. – ela deu de ombros enquanto o garoto a fuzilava – Não me olhe desse jeito, idiota. – Sakura retrucou, não se sentindo intimidada pelo mau humor do outro – Não foi culpa minha.

— Não precisa ficar jogando isso na minha cara toda vez, Sakura. – Naruto rebateu, com a voz entrecortada. O aperto em seu peito se tornou pronunciado a medida que ele se lembrava quem era o verdadeiro culpado. Era impossível impedir que as lembranças aparecessem em sua mente, atormentando-o. Ele nunca se esqueceria – Eu vou andar um pouco. – anunciou, já se levantando. Sakura não ousou segui-lo.

Muitas vezes, Naruto sentia que não conseguia respirar. Era agonizante, e o formigamento que subia por sua garganta queimava. Ele queria vomitar – mas não tinha substancial no estômago para isso. Atordoado, passou a mão pelo cabelo, bagunçando-o, enquanto tentava adaptar os olhos para a luz. Não sabia para onde estava indo, mas continuou seguindo o muro baixo e os caminhos de pedra. Parecia a parte de trás de um dos blocos, mais tranquilo, sem acesso de estacionamento. Naruto moveu os olhos pela vegetação, perdido em pensamentos. Desejou ter algo alcoólico e amargo para beber.

Como se atraído, ele a avistou, próxima a parede de tijolos, recostada. Estava de costas, com um dos braços apoiado e o outro movimentando um cigarro para cima e para baixo. A fumaça rodopiava acima da sua cabeça, desaparecendo segundos depois. Naruto engoliu em seco, se perguntando o que deveria fazer a seguir. Lembrou-se de seu sonho, e quase conseguia sentir a fumaça o sufocando, e as mãos começaram a suar. Lutou contra todo autocontrole que impedia suas pernas de caminharem sozinhas de encontro à Hyuuga. Todos seus membros sempre seriam atraídos em direção a ela.

Hinata, alheia, se perguntava como conseguira terminar aquela maldita visita. Suas pernas doíam de tensão, e formigavam, como se praticasse um exercício incessantemente – e, talvez, assim o fosse –. A primeira vez em que pousou seus olhos sobre aquele rosto, ela soube. Com todo seu coração, ela soube. Toda a paz interior que uma vez sentira, toda a tranquilidade que assolara sua semana, estava irreparavelmente quebrada. As íris azuis que esquadrinhavam seu rosto tiraram seu fôlego, sua sanidade, o controle que tinha sobre si mesma.

Os últimos anos foram suportados com uma dificuldade abrasadora, onde ela vivia apenas à beira. Sempre se equilibrando, sempre reparando as rachaduras. Nunca completa. Nunca curada. Mas estava tudo bem – Hinata aprendera a lidar com aquela situação da melhor maneira possível, e, como tudo em sua vida, ela se acostumara. Em determinado ponto, ela realmente chegou a acreditar que poderia ser feliz.

Mas tudo isso evaporou no segundo em que ela o viu.

Quando ela o avistou, ao lado de Sakura Haruno, muitos pensamentos passaram por sua cabeça ao mesmo tempo, e ela levou um instante para se recuperar. Uma coisa era avistar sua possível silhueta dentro de um carro, onde tudo que sua visão alcançava eram fios amarelados escapando por uma janela, e olhos assustados. Outra coisa – completamente diferente – era estar parada diante dele, ver seu rosto encarando o dela, sentir seu cheiro, aquela presença que a enfraquecia. Não importava quantos anos se passassem, quanta preparação ela tivesse, nada adiantaria. Diante de Naruto, ela sempre se sentiria fraca.

Se estivessem sozinha, certamente Hinata se deixaria abater por aquela onda de sentimento que a inundava, mas ela não estava sozinha. Muitas pessoas esperavam por ela, por suas orientações. Estavam às suas costas, conversando alegres, sem imaginar que, naquele momento, uma batalha era travada. Aquele insight a fez despertar, e, embora horas parecessem ter se passado, apenas alguns segundos foram o suficiente ela analisar toda a situação. Unindo cada molécula de força que ela conseguiu, compeliu um sorriso em seu rosto, estendendo a mão oscilante com um mapa e agradecendo quando Sakura o puxou. Hinata queria analisar a feição de Naruto, sua postura rígida, sua máscara de choque, mas, resistindo, virou-se, voltando para a frente do grupo e falando com a melhor voz que podia. Ninguém percebeu nada.

Seu objetivo se tornou controlar a si mesma, e chegou até mesmo a se distrair enquanto falava mecanicamente o discurso memorizando há tanto tempo. Apontava para as salas, dava explicações, arriscava piadas e sorria, acenando. Satisfeita com sua própria performance, sentiu-se revigorada, lembrando-se do porquê estava naquele lugar. A impotência foi substituída pela raiva até o final percurso, mas Hinata não o viu novamente pelo resto da manhã.

Quando terminou, o alívio inundou seu corpo, fazendo com que precisasse se apoiar momentaneamente para não cair. Um grupo de alunos simpáticos a abordaram para falar sobre as novas salas de tecnologia, e o brilho empolgado em seus olhos a desarmou. Não apressou a conversa, embora o formigamento conhecido começasse a afetar sua cabeça. Descobriu que duas das garotas também fariam Administração, e ela se ofereceu para ajudá-las no que fosse necessário. Começaria o terceiro período na próxima semana, e já conhecia os professores suficientemente para saber quais abordar.

Quando o grupo se dispersou, indo aproveitar do lanche oferecido, Hinata aproveitou para escapar pela lateral do prédio, andando rapidamente para a parte de trás do jardim. Um lugar calmo e aberto em que gostava de descansar nos intervalos. Ansiosa, sua mão deslizou para dentro do bolso traseiro, puxando um cigarro da cartela amassada e o isqueiro. Quando a primeira tragada perfurou seus pulmões, Hinata quase soltou um suspiro aliviado. A nicotina a deixava anestesiada, e a queimação em seu nariz quando expelia a trazia de volta para a realidade. Aos poucos, seus poros liberavam uma tensão incômoda, e ela conseguia raciocinar com mais clareza.

Se tivesse sorte, não teria que vê-lo na universidade – Hinata vivera o suficiente para saber que o universo podia ser bondoso as vezes –. Estudava no bloco B, na maioria dos dias, e fazia as matérias avançadas no departamento de matemática. Se bem o conhecia – ela lutava para negar isso –, sabia que seu curso não poderia ser mais divergente. Ela e Naruto não podiam ser mais divergentes. Talvez tenha sido esse o motivo, afinal, que o fizera fugir.

Mais uma tragada, mais profunda, mais intensa. Soprou para o céu, esperando que a fumaça cinza espiralada levasse seus temores junto.

— Oi, Hinata.

Sobressaltada, se virou, e o cigarro escapou de seus dedos. Em uma queda lenta, atingiu a grama próxima aos seus pés, e, ainda pela metade, queimou, brilhante, até que sua ponta se apagasse. A garota, não se importando, sentiu os ombros começarem a tremer vertiginosamente. Assustada, seus olhos demoraram a focar, e, quando o fizeram, ela engasgou, ofegando silenciosamente. Com instinto, tropeçou para trás, sendo apoiada pela parede em suas costas. Seu rosto se converteu em diversas máscaras, enquanto parte de seu subconsciente tentava, desesperadamente, controlar suas reações.

Naruto estava surpreendentemente mais bonito do que ela se lembrava.

Na sombra, as cores se ajustaram, revelando todos os detalhes que Hinata não percebera outrora. Ela não precisava encará-lo para saber que seus olhos fitavam-na com impetuosidade. Em vez disso, percorreu seus outros traços. A maneira que o maxilar era marcado, o queixo pontiagudo contrastando harmoniosamente com os lábios grossos. O cabelo bagunçado, por sua vez, continuava tão parecido quanto as memórias da garota permitiam-na lembrar. Louro, como um dia ensolarado, caindo em camadas até suas orelhas, bagunçado para todos os lados. A pele amorenada era uma característica marcante, mas Hinata não se lembrava de Naruto ser tão alto. Mais que isso, os ombros largos e o peitoral marcado pela camiseta deixavam-na curiosa. Ela se lembrava, com uma clareza de detalhes maior que ela gostaria, da maneira que aquele corpo se encaixava sobre ela. Parecia ter sido em outra época, de uma outra vida.

Se antes Hinata estava envolta de um choque perturbador, agora ela se sentia flutuar. A calma começou a invadi-la, sem sua permissão, e, mesmo que quisesse sentir raiva, seu corpo não respondia a esse estímulo. Porque aquele era Naruto, e ela, querendo ou não, não conseguia sentir-se ameaçada perto dele. Estava surpresa, sim, e atônita por ele ter voltado, mas o instinto de perigo que percorria suas veias a abandonou, apenas por não ser mais necessário.

Hinata suspirou, puxando outro cigarro e acendendo, lentamente, ciente de cada movimento realizado por ela. Não recuou quando Naruto se aproximou, passo após passo, até que estivesse perto o suficiente para ela sentir seu perfume cítrico. Perturbou-se. Mais controlada, obrigou sua mente a se ocupar com imagens de seu namorado — que, absolutamente, não podia sonhar com aquele encontro.

— Oi. – uma lufada foi soprada, e o vento a levou contra o rosto do garoto, que permaneceu impassivo.

Naruto fitava a garota a sua frente como uma miragem. Depois de tantos anos, não acreditava que estavam frente a frente. Sua voz atingiu seu ouvido, direcionada unicamente a ele, o fazendo estremecer. Eram tantas lembranças, tantos momentos, que o deixavam zonzo. Hinata parecia ainda mais bonita contra a sombra, embora ele reprimisse uma careta contra o cigarro, que atingia seu nariz, o fazendo querer espirrar.

O que ele não daria para poder beijá-la naquele instante.

Mas, controlando-se, limitou-se a se aproximar, hesitante, até que estivesse relativamente perto. Parecia perigosamente ciente de cada movimento, e como reagia àquela presença. Muitos sentimentos lutavam por espaço naquele momento, alguns deles mais fortes que outros, e suas mãos se fecharam em punhos apertados – Naruto ficava sem fôlego com a intensidade, mas, ao mesmo tempo, tentava domar a raiva e a confusão. Hinata, a sua frente, parecia em paz. Parecia calma, tranquila. Por que? Quando Naruto se afogava em sentimentos tão potentes, por que ela parecia controlada?

Não souberam o que dizer. Hinata, ainda fumando, observava o cigarro diminuir gradativamente entre seus dedos, enquanto controlava, satisfeita, seus batimentos cardíacos. Não seria ela a falar algo. Enquanto Naruto, fitando-a enfaticamente, não conseguia encontrar palavras que parecessem certas. Todas as frases que formou dissolviam-se antes de chegar a sua boca, deixando apenas o silêncio incômodo. Era uma situação em que não estavam acostumados – outrora, cada singelo momento em que estavam juntos, mesmo sem palavras, estavam dizendo algo. Mas eram pessoas diferentes agora.

Eram mesmo?

— É muito bonito aqui. – comentou, por fim, com as mãos enterradas nos bolsos frontais. Que idiota, Naruto. Hinata assentiu, dando uma longa tragada antes de continuar.

— É mesmo. – ela concordou, fitando a paisagem acima de seu ombro, evitando, contudo, olhá-lo diretamente.

— Vamos estudar juntos? – perguntou, parecendo vergonhosamente mais animado do que realmente pretendia. Bem se lembrava que os ateliês ficavam ao lado dos laboratórios de astrofísica e astronomia. Hinata, no entanto, o fitou com genuína confusão. A garota lamentou o fim do cigarro, jogando-o no cinzeiro ao seu pé e limpando as mãos. A sequência foi observada por um Naruto ansioso. Quando Hinata voltou a falar, ela parecia segura, e os ombros eretos carregavam um peso invisível.

— Eu faço o período diurno, sim, mas minhas salas não ficam aqui. Ficam nos últimos blocos. – respondeu com seu melhor tom diplomata.

Foi a vez de Naruto confundir-se. Ele parou, por alguns segundos, abrindo e fechando a boca, sem responder nada. Seus olhos faiscavam, enquanto encarava, despudoradamente, o rosto da garota, que não se deixava abalar. Hinata se orgulhava do autocontrole desenvolvido por ela – ao longo dos meses e das ocasiões, foi algo que ela fora obrigada a aprender –. O Uzumaki permaneceu calado, a cabeça tentando funcionar satisfatoriamente em meio as turbulentas emoções que o dominavam. Ele calculou demoradamente.

— Mas a maioria das salas dos cursos de exatas ficam aqui. – respondeu, por fim, curvando a cabeça ligeiramente enquanto aguardava alguma explicação. Hinata compreendeu e evitou um muxoxo de reprovação. Aquela era uma das muitas coisas que ela não gostava de pensar, afinal.

— Eu não faço nenhum curso de exatas. Eu faço Administração. – retrucou, levando as mãos aos bolsos traseiros, fitando os próprios pés. As pontas de seu Scarpin estavam um tanto sujas de poeira.

Naruto pensou ter entendido errado. Aquela foi a primeira hipótese que ele elaborou, quase que instantaneamente, como uma resposta rápida de seu cérebro, que procurava explicar as coisas que não faziam sentido. Mas, tão logo quanto a pensou, a descartou. Hinata mantinha a voz firme e a postura reta. Ela não estava mentindo – algumas coisas jamais mudariam –. Então, se ele não ouvira certo, e, tampouco era uma mentira, algo não estava certo. Não fazia sentido. A peça do quebra-cabeça que estava errada, e a cena incompleta deixava-o frustrado.

As últimas horas foram cobertas das mais diversas memórias, que, apesar dos anos, mantiveram-se tão nítidas quanto o possível. Os sonhos – e pesadelos – misturavam-se, mas revelavam sempre a mesma garota – fosse ela ideal, fosse ela do passado. Naruto se orgulhava em poder dizer que conhecia determinados aspectos daquela garota. Parada a sua frente, mesmo com todas as mudanças físicas e, certamente, de personalidade, ela ainda se parecia tanto com a mesma menina adolescente por quem Naruto se apaixonara perdidamente. Assim, tão parecida, parecia quase óbvio que certas coisas realmente jamais mudariam.

Hinata era tão livre e única quanto era inteligente. Mais que isso, ela era apaixonada. A paixão de Hinata corroía tudo que tocava, instigava, penetrava, fascinava. Hinata herdara do pai a atração pelos números. Matemática e física eram suas matérias favoritas – e, tempos mais tarde, ela as dominava com maestria única. Hinata era um gênio, e, como todos os gênios, sua fome por conhecimento nunca cessava. Naruto se lembrava – era claro que ele se lembrava – das noites estreladas em que passaram vendo os astros, catalogando constelações. Hinata deslumbrava-se por cálculos e exatidões. Parecia tão certo quanto respirar que ela se especializaria na área – o programa de Astrofísica Avançada da Universidade de Konoha era internacionalmente reconhecido.

Que porra Hinata fazia em Administração?

— Mas... mas, eu... não... não faz... – Naruto gaguejou, enquanto Hinata esperava, impacientemente, que ele terminasse – Não faz sentido! Hinata, você amava física, astronomia!

— É, eu amava muitas coisas mesmo. – Hinata rebateu com tom hostil, que desarmou Naruto.

Aquele foi o primeiro ataque. Desnorteado, Naruto fitava o rosto furioso que se transformara em sua frente. Os olhos rígidos e cerrados, as bochechas vermelhas, o maxilar apertado, as veias saltadas. O corpo lançado para frente. Toda sua postura visual exalava ódio. Mas, mais que isso, foi sua resposta. Rápida e afiada, vinha carregada de um ressentimento amargo, que Naruto esperava, mas não estava pronto para lidar com. Arisca, pela primeira vez, o Uzumaki encarava uma garota desconhecida, furiosa. Estranha, pungente. Parecia ter muito mais intrínseco em sua frase que mero desgosto de relacionamento.

— Eu mudei, Naruto. Eu mudei muito desde aquele dia, desde que você fugiu. — cuspiu a última palavra, avançando dois passos, enquanto o garoto recuava, sem reação. Hinata parecia a beira de um colapso, e havia um brilho nos cantos de seus olhos – Há muitas coisas que você não sabe sobre mim. Não pense que eu sou a mesma garota que você deixou aqui quatro anos atrás.

— E-eu, eu... – Hinata não aguentou mais. Em passos duros e decididos, ela saiu, passando por Naruto rente a seu braço, e uma corrente elétrica percorreu o espaço entre eles. Ela parou, pouco depois de dar-lhe as costas.

— Nada é como antes. – ela parecia mais controlada, mas, sua voz, mais fria – Não pense, nem por um instante, que as coisas continuaram as mesmas.

— Você não me ama mais? – poderia ser um sussurro, poderia ter gritado. Naruto não soube como conseguiu falar, mas tinha a impressão que aquela frase saltou da sua garganta sem ele ao menos perceber. Seus braços se soltaram, sem vida, enquanto ele encarava um ponto no chão. Havia um zumbido incômodo em sua cabeça. Muito tempo pareceu ter se passado antes da Hyuuga responder.

— Não.

Hinata saiu, sem olhar para trás, deixando Naruto, imóvel, atrás de si. Ela caminhou rapidamente, desaparecendo sob o sol. Naruto tampouco se virou para encará-la, e os dentes contra seu lábio estavam tão apertados que um filete de sangue escapou, misturando-se a saliva. Sua garganta fervia, mas a queimação não chegou aos olhos. Ele sabia que, mais tarde, o faria. Choraria, quem sabe sozinho, em seu apartamento, quem sabe no carro. Mas, naquele momento, o choque era tanto que imobilizava todas suas reações. Em sua mente, diversas ramificações daquele diálogo se criaram, com diversas respostas diferentes. Mas a única pronunciada em voz alta era monossílaba, cortante e decidida. Era, talvez, a única que o garoto temera ouvir.

Naruto não veria Hinata saindo apressada, dando a volta pelo prédio e entrando no banheiro. Ele não a veria se trancar no box apertado, sentar no vaso sanitário e apoiar a cabeça contra as mãos. Ele não veria as lágrimas quentes que mancharam sua maquiagem e sua calça escura. Naruto nunca saberia dos palavrões que Hinata dissera, das lamúrias que escaparam da sua boca, do arrependimento que queimava seu peito. Ele não saberia de seus pensamentos, e da sua culpa, e das suas lembranças. Ele não saberia do desgosto, do arrependimento que Hinata sentiria por ter se deixado levar, por ter perdido o controle. Naruto nunca saberia identificar as mentiras ditas naquele instante. Naruto nunca conheceria o âmago de Hinata.

E, por Naruto nunca saber, Hinata faria com que nunca tivesse acontecido. Ela se levantaria e passaria delineador. Lavaria o rosto inchado e arrumaria a gola da sua camiseta. Ela passaria o dia assinando documentos e ocupando sua mente com as minúcias burocráticas que estudava para se acostumar. Ela se esqueceria que, um dia, acontecera aquele encontro. Hinata se esqueceria das palavras, da tristeza, da raiva. Hinata se esqueceria de Naruto.

Porque, afinal, Naruto também se esquecera dela.



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