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História Heroína - Não é só música alta que vai te causar dor de cabeça


Escrita por: erohime

Notas do Autor


Para todos que comentam e acompanham e não me deixam surtar com o tanto de trabalho da faculdade e me lembrar que as fanfics são a melhor parte da minha vida ♥

AVISOS: álcool, drogas, violência

Capítulo 4 - Não é só música alta que vai te causar dor de cabeça


Cinco mil pessoas chapadas em drogas sintéticas

Acho que nunca vou me cansar

Champagne, cocaína, gasolina

E a maioria das coisas no meio

Eu andei pela cidade em um carrinho de compras

Um pacote de cigarros estava no alarme de fumaça

— Don’t Threat Me With a Good Time, Panic!At The Disco

 

—Capítulo IV–

Não é só música alta que vai te causar dor de cabeça

 

Hinata não poderia estar mais irritada quando seu dia de merda acabou. Seu estômago queimava desde a hora do almoço, quando forçou duas garfadas de uma torta fria e percebeu que, se comesse mais, acabaria vomitando. De qualquer modo, ainda sentia o gosto nojento dos legumes no céu da boca, e o suco gástrico balançava, incomodando. Gostaria de ter um antiácido ou sal de frutas, mas, se até mesmo seus cigarros haviam acabado, ela não poderia esperar muita coisa.

Sentia o rosto inchado e lutava para manter uma expressão simpática enquanto assinava pilhas de documentos de admissão, sem se dar ao trabalho de verificar quaisquer informações que não fossem as linhas de carimbo. Em determinado momento, prendeu o cabelo para cima, com raiva, se arrependendo mais tarde, quando uma inevitável dor de cabeça começou a atormentá-la. Se não bastasse, perdeu alguns minutos procurando pelo maldito cartão de ponto, e viu, desolada, seu ônibus partir. Proferindo uma série de palavrões mal-intencionados, só restou que se conformasse, e, depois de substituir a camiseta social por uma blusa rasgada demais, e os saltos por botas manchadas, não havia uma só pessoa que se atrevesse a olhar em seus olhos.

Hinata só queria dormir. Era sexta-feira, e o fim de semana trazia uma perspectiva muito boa. Já imaginava um bom banho quente, sua cama e uma jornada de sono que não precisasse de remédios e calmantes. Há tempos sentia-se fisicamente cansada, mas sua cabeça pensava como nunca antes, martelando inconstantemente. Hinata sabia o motivo – mas, ali estava novamente. O bloqueio. Se recusaria a pensar em qualquer coisa que remetesse ao garoto loiro de olhos azuis. Estava farta, farta de sentir raiva, farta de sentir mágoa, farta de remoer sentimentos que ela desejava tão ardentemente se livrar, e não conseguia.

Por fim, subiu no próximo ônibus que passou, e nem mesmo a pouca lotação foi capaz de distraí-la de seus pensamentos coléricos. Com a cara fechada, sentiu o mesmo formigamento irritante, e absteve-se de um xingamento em voz alta, enquanto sua imaginação a provocava com as sensações de uma tragada profunda de cigarro – a nicotina era sempre bem-vinda. As árvores passavam vagarosamente pela janela, e, mesmo na rodovia, o automóvel não ultrapassava sessenta quilômetros por hora, tornando a viagem cansativa e tediosa. A garota não tinha nenhuma escolha a não ser se entregar em devaneios, evitando, a todo custo, reprisar o episódio de mais cedo – ou qualquer lembrança de quatro anos antes –.

Foi somente quando começou a pensar em dormir que sua careta zangada amansou em uma máscara séria. Seu corpo estava pesado demais para ficar sentada, mas, a cada vez que encostava contra a janela, um novo solavanco a fazia bater a cabeça, então contentou-se em permanecer com o tronco retorcido, escorregando para baixo. Era sexta-feira, e Kiba costumava chegar mais tarde que o usual, isto quando Hinata conseguia esperá-lo acordada. Não teria que se preocupar com jantar, ou até mesmo com usar pijamas desconfortáveis. Apenas ela, sua coberta e uma velha camiseta de algodão branco. Sentia falta das cores claras e frescas.

Sentia falta de muita coisa – não era algo que costumava admitir. Até determinado ponto, era fácil fingir que as coisas ao seu redor simplesmente não existiam, e, assim, ela conseguia descansar a noite. Porém, nada ficaria mais fácil quando começasse cruzar a cada intervalo com aquele maldito garoto. Se acostumara a cruzar com Sakura Haruno e Gaara Sabaku sem que sentisse as pernas tremendo, mas, quando se tratava do Uzumaki, era apenas complicado e frustrante demais.

Deixou um suspiro alto escapar, e uma velha senhora virou-se para encará-la reprovadoramente. Hinata sentiu vontade de corar de vergonha, mas lembrou-se de não se importar o suficiente, e somente virou o rosto para o outro lado. Já adentravam na cidade, com seus prédios de poucos andares e seu comércio que sempre fechava muito cedo. Apesar de Konoha ser relativamente pequena, seu ponto parecia nunca chegar. Passou pela biblioteca, onde costumava descer vez ou outra, para renovar seus empréstimos – foi inevitável não se lembrar do dia anterior. O céu era de um laranja irritantemente brilhante, sem nuvens ou temporal. Naquele lugar, cada dia parecia simplesmente fazer parte de um outro tempo.

Finalmente, quando a linha estava quase chegando ao fim, desceu na frente da confeitaria em que comprava café, também já com seu expediente fechado. Depois das seis horas, todo o comércio se voltava para as boates afastadas do centro, para os bares de esquina e para os postos de conveniência.

Hinata se despediu brevemente do motorista e começou a subir a rua, avistando seu prédio. Era um dos maiores que existiam, mas sua fundação era tão porca que não se surpreenderia se mais de um andar não estivesse apto a presença humana. Ignorou o porteiro simpático demais – ela gostava mais do porteiro do turno da manhã – e subiu pelas escadas, extravasando todas as energias ruins nos degraus que pisava com demasiada força. Era um ritual para que os maus pensamentos ficassem para fora de casa – era claro que o namorado não acreditava naquele tipo de besteira, por isso ela fazia sem que ele soubesse.

Buscou seu chaveiro no bolso lateral e realizou o mesmo ritual de tantas vezes, enquanto puxava o celular, esperando pelas mensagens que começavam a cair com o wifi conectado. Abriu a porta e tirou os tênis, largando a bolsa para o antebraço enquanto encostava, absorta do ambiente. Deixou suas coisas na bancada, ainda impecavelmente arrumada, como deixara de manhã. No entanto, um barulho lhe chamou a atenção, e ela se assustou quando Kiba saiu do banheiro do corredor com uma toalha enxugando o cabelo, apenas de cueca. Gotas passeavam por seu abdômen, e ele deveria ter chego a pouco mais de dez minutos.

Hinata apressou-se para ir em sua direção, depositando um beijo surpreso em seus lábios. O garoto abraçou sua cintura, mas não parecia mal-humorado.

— Você demorou, gata. – usava apelidos, e a Hyuuga tentou acalmar a si mesma.

— Sim, me desculpe, eu perdi o primeiro ônibus. Não sabia que chegaria cedo hoje, teria pego um táxi. – completou, voltando para a cozinha, pensando desesperadamente no que faria para o jantar.

— Tudo bem, não se preocupe. Acabei de tomar banho. – ela estranhou, uma vez que Kiba não costumava tomar banho quando chegava – Sasori vai dar uma festa na casa dele hoje, e se chegarmos cedo, conseguimos os melhores pacotes. – ali estava seu motivo. Hinata suspirou internamente, já prevendo o próximo diálogo. Ela realmente não estava com vontade de sair de casa, e as festas de Sasori costumavam ser exageradas, embora ela gostasse bastante do garoto.

— Amor, não estou no pique hoje. Estou um pouco cansada, acho que prefiro ficar em casa e ir dormir cedo. – mediu o tom da sua voz para soar o mais macia possível.

— Nós vamos na festa. – embora o sorriso continuasse em seu rosto, Hinata conhecia aquele timbre cortante, frio e ameaçador. Era o tom que Kiba usava quando a discussão chegava ao fim, e Hinata, sem escolha, encolheu-se e assentiu.

— Tudo bem. Vou me arrumar.

O garoto suavizou as sobrancelhas franzidas e foi para o quarto se trocar. A morena permaneceu na cozinha, em partes porque sua cabeça enebriou-se, e em partes porque suas pernas tremiam tanto que ela era incapaz de andar. Não gostava quando seu corpo reagia mais rápido que sua racionalidade, mas era quase sempre daquela maneira. Lembranças incômodas atormentavam sua mente, e ela sentia que mal podia respirar. De qualquer maneira, teria que superar o cansaço e a provável dor de cabeça que começava a despontar.

Com esforço, caminhou até o banheiro, do corredor, para não ter que trombar com Kiba no quarto, e fechou a tranca. Ainda trêmula, puxou uma toalha limpa e despiu-se. Antes de entrar no box e ignorando sua própria imagem desnuda no espelho da bancada, puxou um comprimido para dor de cabeça e engoliu com água da torneira. Respirou fundo, ligando o registro na água quente, para relaxar seus músculos. Depois que entrou, seu humor esvaiu-se um pouco, e ela quase sentiu-se animada. Gostava das festas que Kiba a levava – a maioria delas –. Seus amigos eram todos mais velhos e mais legais, e Hinata aprendera a entender suas piadas e entrosar, mas não muito. Apenas o suficiente para não ser uma estranha. De todos, do passado conhecia apenas Sasori e Itachi – por motivos óbvios. Kiba não se importara, e a garota podia ficar conversando com eles quando não queria embarcar com o namorado.

Não sabia quando o remédio faria efeito, mas, ao sair, sentia-se mais relaxada. Não criaria caso, e era a última sexta-feira antes das aulas retornarem. Sua última oportunidade de aproveitar uma festa sem culpa – não que ela não o fizesse no meio do semestre, mas gostava de pensar que estava se dedicado –. Enrolou-se na toalha e franziu o rosto quando avistou suas olheiras destacarem-se mais que o normal. O cabelo liso escorreu pelas costas, e ela aproveitaria para secá-lo decentemente.

O quarto não estava frio, e ela buscou um conjunto de lingerie na gaveta. Vestiu-se, enrolando o cabelo em seguida e pensando em que roupa colocaria. Sua cabeça parecia pesada, mas não doía. Kiba saiu da suíte já vestido com a calça jeans e seus tênis. Seu rosto estava tranquilo, e ele depositou um beijo no pescoço de Hinata antes de sair para a cozinha. A garota respirou aliviada – a pequena tentativa de discussão minutos antes não o afetara.

De frente para o guarda-roupa, encarou a maioria de suas roupas penduradas no cabideiro, pensativa. Correu os dedos pelas blusas de malha sufocante. Parte de seus pensamentos voltaram-se para uma época em que, naquele momento, escolheria algum de seus vestidos, talvez um azul ou violeta – eram suas cores preferidas –. Mas Hinata já não tinha nenhum vestido, ou azul, ou violeta. Sentiu um bolo se formar, e afastou aquele sentimento novamente, sacudindo a cabeça com força e puxando uma de suas cropped, sem prestar atenção em qual. Pegou uma calça escura, provavelmente sintética, e a vestiu. Ela grudou um pouco por conta das gotas que não secara, mas a subiu sem dificuldades. Vestiu a cropped, com mangas e tons escuros, com uma frase qualquer. Descalça, tirou a toalha do cabelo e puxou seu secador, passando e desembaraçando com os dedos. Os fios finos secaram rapidamente, e ela ajeitou a franja. No banheiro, puxou sua maleta de maquiagem e cobriu todas as imperfeições. Seu delineador estava quase acabando, mas encontrou o batom escuro que comprara da última vez. Terminou com os olhos e escovou os dentes – não tinha comido nada, mas ainda sentia-se suja por algum motivo que sabia que não passaria com creme dental.

De volta para o quarto, ficou em dúvida entre dois sapatos, e, nesse momento, Kiba entrou novamente, com uma garrafa de cerveja pela metade na mão e o celular na outra. Ele sorriu aprovadoramente para Hinata, que retribuiu, entregando a camiseta dele.

— O com pedras ou o redondo? – perguntou, erguendo o coturno coberto de spikes e um meia-pata vinho. Kiba fitou ambos por três segundos.

— O redondo. – Hinata guardou a bota e puxou o par dos saltos. Ajeitou-se e se colocou de pé. Kiba já terminava de abotoar a camiseta lisa, que custou mais que sua bolsa de estagiária, e vestia muito bem nele. A morena nunca se cansava de pensar que Kiba era realmente muito bonito. Aproximou-se, enrolando seus braços no pescoço e beijando-o fervorosamente – Uau. – ele disse quando a afastou, sorrindo como um cafajeste – Era essa a animação que eu estava esperando, princesa. Estou pronto. Vamos?

— Só vou pegar uma blusa. – o vento da moto sempre a deixava com frio. Hinata limpou o canto da boca, agradecendo por usar um batom vinte e quatro horas, e puxou sua jaqueta de couro do armário do canto. O espelho da porta refletiu a lâmpada, e a garota fitou o próprio reflexo antes de fechar. Aquela garota tinha muita garra, com um belo decote e os olhos desafiadores. Mas não era ela.

Com um grunhido, bateu a porta, mandando a própria consciência calar a boca. Era aquela garota quem ela era agora – foi naquela garota em quem se transformou. Com lápis de olho e roupas escuras. Com arrogância e pose desafiadora. Vestidos, tiaras – que merda ela estava pensando? Aquelas roupas ficaram no passado, junto de uma porção de erros e desentendimentos. Na casa de seus pais.

Correu para fora, apagando a luz e encostando a porta. Em seu bolso pesava o celular e sua carteira com documentos e alguns trocados – ela sabia que não precisava, mas nunca deixava de levar. Kiba a esperava com a porta aberta, o capacete em mãos e verificando uma mensagem. Também usava seu casaco, deixando seus ombros mais largos. Hinata verificou se tudo estava devidamente no lugar e deu uma última olhada em direção ao corredor, se despedindo de sua noite de descanso. Com um suspiro mental, entrelaçou os dedos com os do namorado e puxou seu próprio capacete, saindo. Desceram pelo elevador, com o garoto agarrado em sua cintura distraidamente. A Hyuuga fitava os próprios pés, tentando pensar em coisas despreocupadas, enquanto a aspirina fazia seu efeito. Mesmo com o corpo pesado, sua cabeça se clareou, e ela se esforçou para parecer entusiasmada.

Na garagem, sempre engolia em seco quando subia na moto de Kiba – um dos diversos presentes que recebera do pai –. Era alta e intimidadora, e o garoto não era o piloto mais sensato. Apesar disso, tinha dias em que o vento e a sensação de liberdade lhe faziam querer voar, fazendo-a que se esquecesse, ao menos momentaneamente, de quaisquer problemas. Saíram com uma derrapada, mergulhando nas ruas noturnas e tranquilas de Konoha. Os bairros mais luxuosos ficavam na subida das colinas, no ponto mais alto da cidade, e, embora os condomínios fechados oferecessem conforto e segurança, a distância segura de uma mansão a outra garantiam que ninguém se incomodasse com as festas dadas pelos adolescentes que ali viviam. Enquanto se afastavam do centro, Hinata mantinha sua cabeça contra as costas de Kiba, abraçando sua cintura fortemente, evitando olhar para os lados, quando as primeiras casas começaram a aparecer, cheias de portões e fachadas atrativas. Hinata costumava subir e descer aquelas colinas diariamente – mas aquilo também era passado. Passaram pela casa tão rápido que ela não teve tempo de pensar em mais nada.

Já de longe conseguia-se ver as luzes estroboscópicas explodindo para todas as direções. O som que estourava causava vibrações, e, mesmo que fossem pouco mais de sete horas, diversos carros já estavam estacionados na rua, e, a medida que se aproximação, vozes ficavam mais altas. Kiba contornou a casa e estacionou do lado de trás, na garagem da família. Desceram e guardaram os capacetes no banco. Hinata ajeitou o cabelo e a maquiagem, estendendo a mão para que o namorado pegasse. Juntos, voltaram para a porta da frente, que estava aberta. Muitas pessoas no jardim, dançando e fazendo zona. Hinata reconheceu dois universitários amigos de Kiba, que o cumprimentaram com um aceno exagerado – já deveriam estar bêbados.

A Hyuuga nunca se cansaria de admirar aquele lugar. Assim que entraram, a semiobscuridade incomodou seus olhos, mas as luzes coloridas refletiam todos os lugares, os ornamentos caros, a decoração chique e os aparelhos eletrônicos de última geração. No canto, Hinata viu uma mesa de centro de milhares de dólares sendo usada como despejo de cerveja. Deu um meio sorriso com a ironia. Kiba a puxou para perto de seu corpo, protetoralmente, enquanto abria espaço até a bancada que dava na primeira cozinha. Encontraram Sasori ali, gritando e entornando algo em sua caneca, Quando avistou o casal, deu a volta, com um sorriso largo e as pupilas dilatadas. Mesmo com a roupa amassada e o cabelo flamejante despenteado para todos os lados, continuava bonito – a beleza era, infelizmente, uma herança genética de família.

— Kiba, irmãozinho! – gritou mais alto que a música, puxando o garoto para um semiabraço. Kiba riu, batendo em suas costas. Afastaram-se, e os olhos esmeralda cravaram em Hinata. A garota temeu que o namorado se irritasse com aquele olhar íntimo, mas, se ele percebeu, não disse nada. Sasori a puxou para um abraço apertado, engolindo-a. Hinata nunca se acostumava com todas as pessoas sendo mais altas que ela – Que bom que você veio, Hina!

— É bom te ver também, Sasori. – retribuiu o aperto, mas se afastando rápido demais. Mesmo de longe, sentia cheiro de bebida.

— Meus queridos, fiquem à vontade. Bebidas ali – apontou para a geladeira de porta dupla atrás da bancada em que estava – comidas ali – a mesa estava do outro lado do hall gigantesco – e o resto vocês conhecem. – Hinata visitara muito a casa dos Sabaku. O casal assentiu e viu Sasori se perder novamente entre o mar de pessoas.

— Vamos pegar alguma coisa, princesa. – Kiba gritou em seu ouvido e Hinata assentiu, deixando-se ser puxada para a cozinha, devidamente iluminada. Um líquido suspeito grudava seus pés no chão, e a garota cumprimentou muito mais pessoas do que realmente conhecia.

Hinata puxou uma garrafa de cerveja, mas Kiba puxara um copo com gelo, misturando o que parecia ser uísque e outra coisa. Entornou em um gole, sem fazer careta, e tornou a encher com o dobro do líquido. A Hyuuga observou, inquieta, mas não comentou nada. Esperava que o fim da noite chegasse, ao menos, sem confusão. Voltaram para o centro da festa, e uma batida eletrônica fazia tudo vibrar. Deu o primeiro gole, que desceu amargo, e ela franziu a testa. Não sabia se deveria ter tomado remédio para dor de cabeça antes de ir – não estava realmente preocupada com os efeitos do álcool e do narcótico, mas os efeitos potencializavam de maneira realmente crítica.

Começou a mexer o corpo no ritmo da música, deixando-se levar. Kiba abraçava sua cintura, colando-os, e não demorou muito até que se sentisse quente. Uma das mãos em seu ombro, a outra entornando a cerveja em goles longos. As luzes, o som, as sensações, misturavam-se dentro dela. No final da primeira garrafa, já se sentia leve. Na segunda, sentia-se bem-humorada. Na terceira, com a visão turva. Na quarta, finalmente, estava zonza o suficiente, e as coisas ao seu redor aconteciam em câmera lenta.

Não saberia dizer quanto tempo se passara – pareciam minutos, mas a sala tinha o dobro de pessoas, e gotas de suor escorriam por sua nuca. Não vira quantos copos Kiba bebera, e nem quando ele a soltara, embora sempre voltasse para a mesma posição, dançando desajeitadamente enquanto beijava o pescoço de Hinata. Em algum momento, começou a incomodá-la, mas não disse nada. A música mudou, e um dos amigos de Kiba o alcançou, batendo em seu ombro e dizendo algo que o fez abrir um sorriso canino – o tipo de sorriso que fazia Hinata sentir arrepios na espinha. Ele se aproximou, colando os lábios molhados em sua orelha.

— Kisame conseguiu uma branca da boa, amor. Quer ir junto? – as palavras, embora gritadas, soaram estranhas, como se passassem pela água. Apesar disso, Hinata sentiu o estômago revirar, sem a menor vontade. Balançou a cabeça.

— Estou tranquila, amor. Pode ir. – gritou, sem saber se ele tinha entendido. O garoto assentiu, depositando um beijo babado em sua bochecha e saindo com o cara que tinha o abordado antes.

Sozinha, Hinata não confiava em si mesma para continuar no centro da pista de dança, já tomada por diversos jovens. Muitos do rostos eram conhecidos, mas a garota não conseguia deixar os olhos focados, enquanto caminhava, cambaleante, até a bancada. Apoiou-se, molhando os braços em alguma bebida que tinha sido derrubada. Um casal se beijava furiosamente ao seu lado, e trombaram nela algumas vezes. Sua garganta coçava, e o ambiente tomado de diferentes nuvens de fumaça começou a ficar sufocante. Seu raciocínio estava lento, e Hinata não conseguia respirar. Desencostou da bancada, levando consigo um pequeno copo com uma dose de licor, e atravessou todo o hall, trombando no corrimão da escada. Desviou de corpos suados e pessoas gritando coisas. Em seu campo de visão, avistou Kiba e mais quatro ou cinco pessoas subindo as escadas até os quartos do andar de cima, carregando pequenos pacotes de pó branco. Desviou o olhar, tonta. Passou por mais um corredor, onde as luzes atingiam pouco, e as paredes eram ocupadas por casais. Cruzou uma saleta com sofás e poltronas, ocupadas por jovens sentados ou em pé, gritando. Por onde passava, o chão estava manchado e grudento. As paredes pareciam sujas, e o ar fora substituído por nicotina fétida e outras drogas. Finalmente, avistou os fundos da casa, que davam para o grande jardim e, mais ao lado, para a área da piscina.

A música não era tão alta ali, e as pessoas no jardim estavam, em sua maioria, deitadas ou sentadas na grama. Havia uma nuvem atmosférica com cheiro de enxofre rodeando todo o perímetro. Hinata respirou fundo, sentindo os pulmões arderem, e recostou na parede, fechando os olhos e bebendo a última dose em sua mão. Deixou o copo cair e rolar para seus pés. O ar fresco foi bem-vindo, e o clima começara a diminuir. Não fazia ideia de que horas seriam – de fato, não tinha noção da maioria das coisas que estavam acontecendo ao seu redor.

Começou a se arrepender de ter bebido tanto. Suas lembranças se perdiam em algum momento entre a terceira e a quarta garrafa, além de doses avulsas e gostos suspeitos em sua boca, agora seca. Abriu os olhos, tentou focar. O jardim parecia girar copiosamente. Agarrou-se a parede, equilibrando-se. Respirou fundo, e a tontura passou um pouco. Mas não se arriscaria falar – sentia que as palavras embaraçavam.

Um grupo de garotas se aproximou. Hinata não conseguia se lembrar de seus rostos, mas pareciam familiares. Uma delas usava uma echarpe manchado e a outra, vestido curto. Nada disseram, mas sorriam amigavelmente. Hinata retribuiu, preguiçosamente. A do meio estendeu um baseado, e a Hyuuga, embora preferisse um cigarro, aceitou de bom grado. Tragou, a erva queimando em sua garganta enquanto a prendia. Respirou, e tossiu. A fumaça queimava mais, e o cheiro forte era incômodo. Sua cabeça já rodopiava, mas a sensação de calmaria não demorou para chegar. Seus membros amoleceram. O grupo de garotas falava sobre qualquer coisa, rindo a toa. Hinata contribuía com comentários confusos, e todas acabavam rindo. O bolado deve ter passado duas ou três vezes por ela, e, a cada nova tragada, sentia-se enebriar mais ainda.

Em determinado momento, Hinata sentia-se mergulhar em um oceano muito fundo. Era escuro, e abafado. Mas era calmo. Ela gostava. Quanto mais afundava, mais tranquilo ficava. Hinata queria continuar ali para sempre. Desorientada, deu um passo em falso para frente, e despertou. Seus olhos fixaram-se em um ponto a frente de seus pés, e o chão começou a se mover rapidamente. Assustada, não teve tempo de reação, mas, então, deu de cara com uma parede muito macia – ou músculos muito duros. Seu nariz amassou contra o ombro, e suas mãos agarraram-se contra os bíceps. Quando se viu amparada, deixou uma risada frouxa escapar, que durou até o momento em que ergueu os olhos. Desejou que fosse uma miragem – ou um maldito pesadelo.

Parecia quase destino que Naruto tivesse decidido ir até aquela festa. Seu dia, de fato, tinha sido absolutamente cansativo, uma vez que grande parte dos móveis haviam chegado, e montadores entraram e saíram a tarde toda, não deixando que ele descansasse daquela manhã psicologicamente e mentalmente exaustiva. E então, pó de ferrugem e poeira por todos os lados, o que lhe obrigou a fazer uma bela de uma faxina. Esgotado, já havia tomado banho e caído na cama – uma bela e monumental cama – quando Sakura ligou, praticamente obrigando-o a ir na festa do irmão de Gaara. Era a última festa antes do começo do semestre, e uma boa oportunidade para se divertirem sem culpa. Naruto realmente não queria ir, mas qualquer guerra travada com Sakura era uma guerra perdida. Desse modo, minutos depois ele estava se trocando e descendo com as chaves do carro.

O garoto, usualmente, não recusava uma boa festa. Mas era tudo muito recente – ele só voltara há dois dias, e tanto acontecera. Por mais que tivesse tentado – e ele tinha tentado muito –, sua mente o fazia voltar para aquele momento, aquele exato momento, quando a voz dela soara tão fria e cortante. Naruto era apenas um idiota quando se tratava de Hinata, e ele não conseguia evitar que seu rosto refletisse em cada maldito pensamento. Quando aquilo acontecera?

A mansão onipotente que se erguia no mesmo lugar mostrava que algumas coisas mudavam, mas algumas coisas não mudavam nada. O barulho era ensurdecedor, e, quando chegaram, muitas pessoas estavam caídas no quintal da frente. Naruto não se encontrou com Gaara, tampouco com seu irmão, Sasori, mas cumprimentou tantas pessoas quanto conseguia contar, todos surpresos com seu retorno. Pessoas com que estudara, com quem convivera, que conhecia, de longe – Konoha sempre fora uma cidade pequena demais –. Apesar de grande, a casa parecia mal suportar as pessoas lá dentro. A pista de dança estava apinhada de gente, corpos se esfregando e se trombando a todo momento. Um balcão repleto de copos vazios dividia uma segunda sala, com freezers e geladeiras que pareciam estar sempre abastecidas. Alguma movimentação subia e descia as escadas para o segundo andar, mas Naruto não conseguiu suportar o cheiro, e saiu pelas laterais. Embora cheio, o ar fresco limpava a fumaça de nicotina e outras coisas que ele, sinceramente, não queria saber.

Não demorou para que se perdesse completamente dos amigos. Não via Sakura, Ino ou qualquer um – aparentemente, Sasuke não fora. Sozinho e de mau humor, começou a caminhar, desviando de bêbados de merda e viciados tropeçando. Por não ter bebido, a lucidez começara a lhe deixar irritado. Talvez se estivesse embriagado, sua cabeça lhe deixasse em paz.

Caminhou pelas laterais até os fundos, contornando a piscina, fechada, e desviando de pessoas sentadas. Havia uma porta maior, por onde mais pessoas saíam, mas a atmosfera daquele lado era mais calma – o cheiro de maconha fazia arder seu nariz. Estava quase indo embora quando sentiu alguém trombar contra seu ombro, agarrando seu braço. Fez força para não cambalear, segurando a garota – era um corpo minúsculo – para que ambos não fossem ao chão.

Naruto precisou ver seu rosto – e sentiu-se idiota por precisar fazê-lo. Parecia óbvio que seria ela a trombar contra ele. De todas as pessoas, o destino era cruel demais naquele aspecto. Pela segunda vez no dia, estavam no mesmo lugar, unidos por uma coincidência perversa.

Ajeitou-a, mas não soltou sua cintura. Era a primeira vez que tinha a oportunidade de tocá-la, ao menos um pouco, e seus dedos imploravam pela sensação. Seus olhos, lúcidos e famintos, devoraram-na da cabeça aos pés, analisando seus detalhes. A medida que seu coração acelerava, sua testa franzia, uma batalha interna lutando entre o passado e o presente. Era Hinata. Os mesmos olhos translúcidos e a mesma pele macia, quente. O mesmo perfume. Mas não era o mesmo olhar, nem o mesmo toque, nem o mesmo cheiro. Ela o olhava com fúria felina, as pupilas alteradas e as veias saltadas, claramente bêbada. O cheiro de álcool e maconha invadiram seu nariz. Ela estava chapada – parecia impossível. Além disso, as roupas que vestiam faziam-no pensar em uma rockstar rebelde de vinte anos e discografia falida. O decote era chamativo e tentador, mas não combinava com ela. Sobre seus dedos, o tecido da calça acima da cintura era borrachudo. O salto era grande, mesmo que ela continuasse um bom palmo menor. Mesmo sendo Hinata, aquela não era Hinata, afinal.

A garota, por sua vez, respirava com a mandíbula trincada, tentando se afastar do aperto de Naruto, que, claramente, não notou a tentativa. Sem forças e desorientada, Hinata grunhia, desconexa. As garotas que estavam com ela riam, alheias. Ela não queria levantar mais os olhos, ou cederia no momento em que aquelas safiras a encarassem com tanto fervor.

— Você está me perseguindo? – resmungou, virando a cabeça. Sua voz saiu arrastada e enrolada, mas a música ali era abafada, e Naruto entendeu sem dificuldades. Ele riu, sem humor, apertando a pele sobre seus dedos.

— Não fui eu quem caiu nos seus braços. – provocou. Hinata, bêbado, tentou estapear seu braço, mas tudo que pode fazer foi pousar a mão contra o ombro, soltando um soluço. O álcool lhe deixava perdida, e o baseado tirava sua percepção. Apesar disso, estava irritantemente ciente daquelas mãos, e daquele perfume, e daquele olhar.

Naruto definitivamente estava se divertindo. Parte de si procurava não fitar os chupões expostos no pescoço desnudo, e focou em outros aspectos. A boca estava carnuda de batom, e os olhos, apesar de opacos, eram marcados por maquiagem. Hinata parecia mais velha, mais madura e mais raivosa. Mas, quanto moveu seu braço, puxando-a ligeiramente, os arrepios que subiram por seus braços ainda eram os mesmos.

— Você tem que... tem que me largar. – insistiu, empurrando Naruto, que não se moveu um milímetro sequer.

— Por quê? Eu me sinto bem confortável assim. – era inevitável provocá-la. Naruto sabia o efeito que causava na morena, não importava o que ela dissesse. Não estava convencido com aquela conversa de mais cedo, e ele não desistiria tão fácil. Hinata, por sua vez, começou a sentir o coração bater mais rápido. Algo em sua mente gritava perigo, mas era difícil se concentrar quando ele estava tão perto.

— Meu... – sua voz se perdeu quando fitou os olhos azuis. Límpidos, desafiadores. Não importava quando tempo passasse, Hinata sempre se sentiria mergulhando naquele azul, lavando sua alma, purgando seus pecados. Costumava ser fácil como respirar.

Mas não mais.

As coisas aconteceram muito rápido. Um barulho atrás deles, pessoas se levantando e tropeçando, e, de repente, um braço forte surgiu, agarrando Hinata pelo pulso e puxando em um solavanco. Hinata gritou, surpresa, e o salto a fez torcer o pé. Desorientado, Naruto não teve tempo de reagir e mal conseguiu olhar para a frente quando um gancho de direita atingiu sua têmpora. O soco sacudiu seu cérebro, deixando-o zonzo, e a dor o atingiu em cheio. Sentiu gosto de sangue. Tropeçou para trás, apoiando o peso em uma árvore, enquanto fechava os olhos, tentando controlar a tontura.

— KIBA! – Hinata gritou, de repente muito alerta do que estava acontecendo. Seu punho ainda estava sendo segurado pelo garoto, que apertava forte, fazendo o aperto doer. Estava para trás, mas via seu peito subir e descer furiosamente, curvado. Uma pequena multidão se formou ao redor deles, e a morena teve a impressão de ver Sasori, e alguns dos outros amigos do namorado.

— FIQUE LONGE DA MINHA NAMORADA, SEU DESGRAÇADO! – Kiba gritou, sacudindo Hinata impetuosamente. Seu pulso começava a latejar, enquanto lágrimas brotavam dos cantos de seus olhos.

Naruto finalmente conseguiu se por de pé, acariciando o lado direito do rosto. Cuspiu sangue e fitou o garoto enlouquecido a sua frente, com raiva. Não se lembrava dele, embora seu nome soasse familiar. Tinham quase a mesma altura, Naruto sendo mais alto, mas ele parecia ter mais massa muscular. Era grande como um muro, com os ombros largos e muques saltados sobre a camisa aberta. A luz de dentro iluminou seu rosto, de um animal selvagem, mas suas pupilas dilatadas explicaram tudo – era claro que ele estava drogado.

— Você está louco? Filho da puta! – gritou de volta, sem conseguir se controlar. O garoto rosnou, expondo os dentes, mas Hinata agarrou-se no braço que a segurava. Naruto podia jurar ter visto lágrimas escorrerem por seu rosto, mas ele se escondeu.

— NÃO! Kiba! – chamou sua atenção, e o garoto voltou-se para ela. Com um solavanco rude, a puxou, olhando em seus olhos de maneira intensa. Naruto não entendeu porque Hinata se encolheu.

— Nós conversamos em casa. – sua voz, que antes gritava, agora falava baixa e controladamente. Letal. Naruto quis entrar em seu caminho, impedi-lo de levar Hinata para onde quer que fosse. O garoto se voltou para ele, ainda com os olhos dilatados, cheios de ódio – Está avisado. Se encostar na minha namorada de novo, eu mato você.

O loiro parou, atordoado com a ameaça, e o soco o deixara perplexo. A multidão encarava a cena com profundo interesse, mas, quando o casal desapareceu pelo portão, aos trancos, se dispersaram. Os comentários continuaram entre os alterados. Naruto escorou na árvore, suspirando. Sem a adrenalina, sua cabeça ardia como o inferno. Fechou os olhos, mas sentiu uma mão em seu ombro e abriu, assustado. Deu de cara com um ruivo que pensou ser Gaara, mas parecia mais alto e mais velho.

— Naruto, não é? – ele perguntou, parecendo sagaz – Sou o Sasori. Vem, eu vou te dar um pouco de gelo.

— Obrigado, cara. – Naruto agradeceu, se movendo com dificuldade. As pessoas ignoraram eles, voltando para a festa.

— Foi um soco e tanto. – o ruivo comentou, e Naruto o fitou, prestes a dizer algo, mas ele sorria debochadamente, e soube que estava brincando. Acabou dando de ombros, rindo também.

— Pois é.

— Você teve sorte que foi só um. – ele comentou, se abaixando para pegar uma bolsa térmica – O Inuzuka já fez coisa pior com quem mexeu com a Hinata.

— É? – seu tom soou despretensiosamente desafiador – Eu não tenho medo dele. – Sasori soltou uma risada sonora, que se perdeu na música alta.

— Pois deveria ter. – ele entregou a bolsa de gelo e, quando Naruto encostou contra o rosto, sentiu alívio imediato.

— Qual a pior coisa que ele pode fazer comigo? – retrucou, ainda petulante.

— Acredite, não vai ser você quem vai sofrer as piores consequências. – de repente, o rosto animado se converteu em uma máscara sombria, com os lábios cerrados. Seus glóbulos estavam avermelhados, mas ele parecia tão sóbrio quanto Naruto.

O loiro engoliu em seco, deixado sozinho. Sua cabeça doía com o soco e com os pensamentos que o assolaram de repente. Dando meia volta, caminhou até seu carro, aturdido. Um aperto inexplicável envolveu seu peito, e, pelo resto da madrugada, tudo que Naruto conseguiu visualizar, mais que a pele macia, mais que o rosto corado, mais que os arrepios, foram os olhos amedrontados de Hinata enquanto ela saía.



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