Eu queria que o amor fosse perfeito por si só
Queria que todas minhas fraquezas pudessem ser escondidas
Eu plantei uma flor que não pode florescer
Em um sonho que não pode se tornar real
Eu estou tão cansado desse amor falso
— Fake Love, BTS
—Capítulo VII–
Migalhas sob meus pés, mas eu sou a única que domina esses passos
Naquele fim de semana, Hinata sentiu que pode, finalmente, descansar. Estar na casa de Shion era estranho, mas era sempre bom. A loira, apesar de sua personalidade forte e caráter duvidoso, se dedicava para cuidar da morena – eles eram a única coisa que restara uma a outra –. Durante o sábado e o domingo, Shion aplicou compressas quentes no rosto de Hinata, na esperança de diminuir o inchaço. Obteve um resultado considerável para apenas algumas horas, mas, infelizmente, a coloração arroxeada não desaparecia com tanta facilidade, e, com sorte, a Hyuuga conseguiria cobrir com muita maquiagem e passar os primeiros dias de aulas tranquilamente.
Não sabia se estava pronta para voltar. Não mantinha muitos vínculos com sua turma – apenas uma convivência agradável para realizarem todos os trabalhos propostos –, uma vez que seus únicos amigos, aqueles que podia se referir daquela maneira, não cursavam a UK. De qualquer maneira, era doloroso olhar para os mesmos rostos todos os dias. A maioria dos cursos se cruzavam ao longo do dia, dividindo salas ou nas bibliotecas. Hinata pensava que seria incontavelmente mais fácil se a encarassem com desprezo e repugnância – mas os olhares preocupados e complacentes sempre encontravam uma forma de desarmá-la.
Quando mais nova, Hinata costumava pensar que a universidade seria o lugar no qual pensaria com exultação – ainda na época em passava noites a fios catalogando astros e resolvendo equações complicadas –. Hinata odiava seu curso. Odiava, com um fervor digno, cada minuto que passava trancafiada naqueles escritórios, com planilhas a serem preenchidas, estatísticas para serem analisadas, organização de arquivos. Hinata sentia falta da emoção, de sentir a pele se arrepiar diante de um desafio, de maravilhar-se admirando as grandezas do universo e tudo que ele podia oferecer, o conhecido e o desconhecido. Ela não queria passar seus dias dentro de uma sala onde tudo que podia enxergar estava na distância do olhar – ela queria sentir novamente a empolgação de alguém que encara a vastidão e não teme. Mas aquele era só mais sonho antigo. Administração era o curso coringa de qualquer um que, em sua condição, se prezasse.
Hinata não tinha nada – não tinha mais nada. Não tinha família com a qual contar, dinheiro ou segurança. O número de pessoas em que confiava podia citar com os dedos de uma mão. Era uma viciada de merda, perigosamente alcoólatra, com o pulmão provavelmente fodido e sem quaisquer perspectivas para um futuro promissor. Hinata sabia onde aquela estrada acabava – ela dependia do emprego no setor organizacional de uma das filias milionárias dos Inuzuka. Apenas mais uma das milhares de maneiras que Kiba encontrou de controlá-la, e ela preferia ficar dopada a ter de encarar isso – só mais uma realidade que se recusava a aceitar.
Suspirou. Jogou os pés para cima, virando noventa graus enquanto fitava Shion, na poltrona do lado oposto, lendo algo que parecia muito denso, porque suas sobrancelhas estavam franzidas e havia um vinco profundo em sua testa. Concentrada, a garota parecia somente mais uma universitária cuja qual a única preocupação era orgulhar os pais com boas notas e honra ao mérito. Não havia uma única vez em que Hinata colava seus olhos sobre a mulher e não pensava em como o destino havia sido um desgraçado com ela. Shion carregava mais cicatrizes do que os olhos poderiam ver, mas seus ombros nunca deixavam de estar eretos – impor sua presença era apenas um dos diversos talentos que ela acumulava.
— Você vai envelhecer antes do tempo, suspirando desse jeito. – a loira comentou, assustando Hinata e despertando-a de seus rápidos devaneios.
— Estava pensando. – justificou, sentindo a franja escorregar para todos os lados.
— Já disse para esquecer a existência de Naruto. – ela desviou os olhos do livro por um instante, encarando a Hyuuga com voracidade demasiada. Hinata soltou um resmungo.
— Não era sobre isso, mas muito obrigada por me lembrar. – Shion deu de ombros e voltou as suas atividades, deixando Hinata novamente reflexiva.
No dia anterior, Shion chegara elétrica do mercado, onde tinha ido encontrar algo para ambas almoçarem – depois da tentativa desastrosa de café da manhã –. Hinata ficara esperando na casa, arrumando a bagunça e ocupando a cabeça de qualquer coisa que a distraísse dos últimos dias. Doce ilusão – a primeira coisa que a loira disse ao chegar fora sobre o Uzumaki. Claro que Hinata teve uma reação exagerada no momento, mas não era como se fosse realmente surpreendente – aquela era uma cidade pequena, afinal.
Ainda assim, Shion sabia como deixar uma pessoa inquieta. Seu relato foi, no mínimo, curioso. A garota era observadora e suas opiniões costumavam ser minuciosas quando queria. Que Naruto estava realmente bonito, ninguém precisava lhe falar – mesmo que a loira tenha sido desnecessariamente insistente nessa questão. Ela falou também do olho inchado, e Hinata sentiu-se piedosa por um instante – e secretamente orgulhosa –. Comprava muita comida, e a morena tampouco se surpreendeu, era óbvio que os amigos estavam com ele. Nesse momento, sentiu uma pontada incômoda de inveja e nostalgia, mas a ignorou veementemente. Mesmo com poucos minutos de conversa, Shion afirmou com total certeza que ele parecia diferente. Havia uma sombra estranha em seus olhos, com o brilho apagado, e, ainda que atônito, ele parecia abatido. Hinata não fazia ideia do que aquilo significava, mas precisava se convencer urgentemente de que não era da sua conta.
Hinata gastou muito tempo e energia tentando expulsar Naruto de todos os aspectos de sua vida, depois de tudo que acontecera. Ela costumava usar aquela dor incessante como combustível, mas, com o passar dos anos, a mágoa e o ressentimento se tornaram bons substitutos. Apesar de ter sacrificado absolutamente todas as minúcias que a compunham como pessoa, para se reconstruir, bastava um olhar, a simples menção de sua presença, e vinha tudo a tona. Era como se ela apenas não tivesse se esforçado o suficiente para esquecê-lo – para superá-lo. Era irritante, mas, acima de tudo, era doloroso. Hinata não gostava da maneira que sua vida, tão cuidadosamente planejada, de repente se tornara instável daquela maneira.
Estava pronta para esbravejar em voz alta quando ouviu batidas fortes na porta. Assustada, sentou-se em um ímpeto, e Shion desviou do livro, alerta, fitando a garota. Ambas tinham uma boa noção de quem poderia ser, mas não estavam prontas para aquela visita – cada uma por seu próprio motivo.
Shion pretendia ignorá-lo até que ele se cansasse e fosse embora, mas as batidas ficaram mais barulhentas e desesperadas, e ela sabia que, se prolongasse, receberia reclamações de seus vizinhos. Bufando, levantou-se, caminhando em passos furiosos para a porta. Hinata a fitava sem reação, o coração batendo rapidamente, e suando no pescoço. Entrelaçou os dedos, pensando em possíveis diálogos que teria que enfrentar, mas nenhum deles fariam sentido. Suas palmas estavam vergonhosamente molhadas, e ela tentava desesperadamente limpá-las contra sua blusa de linho.
— O que você quer, cachorro? – Shion recepcionou com a voz dura, e Hinata engoliu em seco, sem se virar. Da entrada, sabia que havia visão para o sofá onde estava.
— Por favor, Shion, eu preciso falar com ela! – sua voz estava dolorosamente cortada, e rouca, da maneira que a arrepiava todas as vezes. Manteve seus olhos baixos, apertando os punhos.
— O que você precisa é parar de ser um maldito babaca, animal. – vociferou. Hinata admirava a coragem de Shion, e a maneira que ela a defendia tão enfaticamente. Mesmo que não merecesse.
Ele disse mais alguma coisa que Hinata não conseguiu escutar. Dentro de si, uma batalha silenciosa estava sendo travada. Ela esperava por aquele momento, talvez desde o dia anterior. Era a mesma cena, repetidas e repetidas vezes. Ela também sabia que não adiantaria ignorá-lo – ele voltaria de novo, e mais uma vez, até que ela cedesse. E Hinata sempre cedia. Aquilo era algo que ela simplesmente não conseguia fugir – estava cansada de correr em círculos, quando parecia que sempre a alcançaria, não importava quantas vezes renunciasse.
Resolveu parar de adiar o inevitável e se levantou, aprumando a postura e alisando as roupas, as mesmas com as quais dormira na noite anterior. As roupas da festa estavam na lavanderia, de molho, para que as manchas de sangue saíssem. Em seus braços, alguns hematomas de apertões e das quedas. Seu rosto continuava a latejar, atrapalhando ligeiramente seu campo de visão. Hinata estava acabada, destruída – mas nada era pior que um coração partido, e o dela mal se segurava com band-aid. Ela só teve de escolher entre qual das dores ela podia conviver.
Andou rapidamente e colocou o braço no ombro de Shion, que se curvava ferozmente. Ambas também esperavam por isso. A loira se acalmou, suspirando pesadamente, e voltando seu rosto para o da Hyuuga. Seus olhos eram furiosos, incendiantes, e os de Hinata eram suplicantes. Ela encarou toda a raiva de Shion, todos os alertas silenciosos e as recomendações. Toda a decepção, e, lentamente, a compreensão e o apoio, mesmo que a contragosto. Ela se afastou do batente, dando espaço para Hinata, e foi para o quarto, no outro cômodo.
Hinata respirou fundo e ergueu os olhos. Esperava que fosse ainda pior encará-lo de frente, mas não foi tão agonizante. Seu rosto tinha a barba por fazer, bolsões arroxeados embaixo dos olhos e expressão apática. Usava uma camiseta regata e calça de moletom colocadas ao contrário. Seus braços estavam trêmulos, e chacoalhavam um ramalhete de rosas vermelhas formosas. Hinata deixou-se levar uma das mãos à boca, surpresa. Seus olhos esquadrinharam-no e pararam em seus olhos castanhos, intensamente desesperados. Usualmente, era nesse momento em que sentia seu coração derreter – quando encarava aquele arrependimento genuíno, a agonia fervorosa. Hinata chegava até mesmo a acreditar que ele estava compungido. De novo.
— Princesa, eu... – sua voz estava rouquida e trêmula, e ele gaguejava bastante – Eu sinto muito. Por favor, me perdoa. Eu nunca... merda, eu nunca tive a intenção de fazer isso. Nunca. Eu te amo, mais que tudo. Por favor, me perdoa. – estava a beira do choro. Hinata não conseguia permanecer impassiva, e abraçou o próprio corpo, insegura – Por favor, por favor. – choramingou – Tente se por no meu lugar. Eu tenho tanto medo de te perder, e ver aquele cara te segurando, eu fiquei louco, eu... eu não... eu perdi o controle. Por favor, princesa.
Ali estava. O remorso disfarçado. A motivação ingênua. O sentimento que fazia Hinata enjoar, com o estômago embrulhado, pesado. Ela sabia – sabia que era sua culpa. Ela não devia ter deixado Naruto lhe tocar daquela maneira, mas não o afastou, em nenhum momento. Ela gostou de sentir suas mãos contra sua cintura. Foi descuidada, egoísta, infiel. Como poderia, sequer, cobrar algo de Kiba, quando ela mesma era uma vagabunda? Ele estava em sua frente, se humilhando, pedindo pelo perdão, desolado e arrependido. Como poderia levar em conta os hematomas, as ofensas, e não lhe dar outra chance, quando ele já o fazia, incontáveis vezes, sem nunca cobrar? Que tipo de pessoa ela seria, então, se ignorasse anos de namoro por algo tão trivial?
Ela relaxou os ombros, sentindo vontade de chorar. Não o fez. Mas, não encontrando as palavras em sua garganta, apenas balançou a cabeça, o suficiente para que Kiba visse. Ele exultou, e, no segundo seguinte, jogava seus braços contra a cintura da garota, puxando-a para dentro de um abraço apertado, afundando a cabeça na curvatura de seu pescoço. Hinata baixou os braços, agarrando-se em suas costas e soluçando, inspirando o velho perfume que ela adorava. Com os olhos fechados, apoiou em seu peitoral, escutando as batidas irregulares de seu coração – será que estariam como as dela?
— Eu te amo, eu te amo, obrigado, eu te amo. – ele sussurrou com efervescência, com tanta intensidade que Hinata deixou escapar uma lágrima. Permaneceram abraçados por incontáveis minutos, e estavam tão unidos que Hinata conseguiu até pensar que suas partes estavam se unindo novamente.
Se afastaram lentamente, e Kiba passou o dedo suavemente por seu rosto molhado, acariciando suas maçãs antes de se aproximar, devagar. Hinata esperou pelo toque, e, quando seus lábios colaram, iniciaram um beijo doce, deslocado. A garota levou uma das mãos até seu cabelo, embrenhando entre os fios, e suspirou. O cuidado, a delicadeza – era como Kiba costumava beijá-la quando começaram a namorar. Ela sentia tanta falta daquele toque, mas ele sempre aparecia naqueles dias. Os dias depois dos dias ruins.
Suas línguas se tocavam, ásperas, e era um beijo molhado. Quando o ar começou a se esgotar, afastaram-se, mas Kiba manteve a mão sobre o rosto de Hinata, afastando alguns fios de cabelo para trás da orelha. Cada contato era cuidadoso, como se ela pudesse quebrar. Fechou os olhos, aproveitando o carinho, e Kiba beijou o alto de sua testa amorosamente.
— Vamos para casa. – ele sussurrou, suave. Hinata abriu os olhos, fitando o brilho felino em suas íris. Com um sorriso contido, assentiu. Casa. Sua casa.
Deu as costas, encostando a porta e indo pegar suas coisas – Shion não deixava que Kiba entrasse em sua casa. A loira estava na poltrona, com o livro no colo, mas sua mão massageava a têmpora e havia um vinco marcado em sua testa. Ela acompanhou o movimento de Hinata, que, de cabeça baixa, foi pegar seu celular e a carteira, as únicas coisas intactas que trouxera – não se daria de pegar as roupas, porque sabia que, logo, voltaria para aquela casa. Em seu âmago, a verdade fomentava, tentando se fazer aceita, porque, assim como todo o resto da peça, era inevitável.
Hinata voltou, lamentando não poder fumar um último cigarro. Abandonou o canteiro de flores e a sacada aberta, o quarto confortável e acolhedor. Mas não conseguiria abandonar Shion. Desviou da linha reta, indo até a poltrona, e se abaixou devagar. Com uma das mãos, apoiou no ombro da loira, pressionando suave, mas carinhosamente, no lugar. Depositou um beijo no alto de sua testa. Era carregado de sentimentos duros e intragáveis, mas, se fossem lágrimas, não soariam tão frágeis. Demorou os lábios em sua pele, e, quando se afastou, encarou, momentaneamente, uma face de Shion que poucas vezes se deixava aparecer. Os olhos marejados e boquiaberta, sem nenhuma ruga ou expressão – ela era apenas jovem demais para aquilo. A preocupação de uma mãe, uma irmã e uma amiga. Nenhuma delas queria admitir sua fragilidade, mas as despedidas eram sempre sentimentais.
— Não volte aqui nunca mais. – Shion sussurrou, em um tom dolorosamente amargo. Hinata reprimiu um soluço, assentindo. Deslizou os dedos devagar por seu braço, até se afastar totalmente. Naquele momento, não havia nenhuma represália ou acusação. Elas não se permitiriam isso.
— Espero poder não te ver por um longo tempo. – Hinata até mesmo sorriu de canto, porque era uma boa piada.
Ela caminhou para a entrada, pegando na mão estendida de Kiba e fechando a porta atrás de si. O sol estava ao pino, caloroso, e a calçada sob seu chinelo velho queimava seus pés. Os dedos ásperos do namorado apertavam sua mão com convicção e segurança. Estavam vestidos como dois mendigos, mas, em muito tempo, eram apenas um casal caminhando juntos em uma manhã de domingo. Hinata queria se sentir leve, mas um peso, pequeno, ínfimo, a prendia no chão. Sabia que, no fim, era sua própria consciência alertando-a, e ela seria grata, mais tarde.
Eram apenas algumas quadras de distância, e logo avistou o prédio se erguendo sobre eles. O porteiro lhes cumprimentou, ignorando educadamente os hematomas visíveis no rosto de Hinata e a cara inchada de Kiba. Subiram de elevador, e Kiba passou o braço por seus ombros, abraçando-a confortavelmente. Hinata descansou em seu ombro, se lembrando da última vez que encarara seu reflexo contra aquele vidro espelhado – parecia tão longe, mas fora no dia anterior. Não usava suas melhores roupas, e seu rosto parecia feio, mas seus olhos não estavam nublados, o cabelo não estava desalinhado e ela não sangrava.
Em seu andar, Kiba puxou as chaves da porta e destrancou. As janelas estavam abertas – foi a primeira coisa que constatou. O ambiente estava iluminado, e tudo se encaixava. Mas havia cacos pelo chão, e a mesa de centro estava quase perto da parede. Da mesma maneira que na noite anterior. Hinata engoliu em seco, fazendo menção de buscar uma pá para limpar aquilo, mas sentiu Kiba segurar em seu pulso. Ela se virou, surpresa, e seu rosto estava tranquilo. Ele fechou a porta, ainda a segurando, e se aproximou em passos hesitantes. Abraçou sua cintura, medindo cada movimento, e Hinata arfou silenciosamente. Quando voltou a colar seus lábios, havia um gosto diferente. Segurando a base de suas costas com firmeza, Hinata sentiu-se sem fôlego quando o abraçou pelo pescoço, ficando na ponta dos pés.
Seus pensamentos fugiram quando o chão desapareceu sob seus pés. Kiba a sustentou pela cintura enquanto ela rodeava-o com as coxas, suspensa, sem pararem o beijo. O lugar começou a ficar abafado, e Kiba andou dois passos, afastando-se ligeiramente parar respirar, ofegante. Hinata abriu os olhos o suficiente para admirar seu rosto descompassado, ansioso. Naquele momento, nada mais importava, além do calor latente que subia por sua coluna. Sem espera, o Inuzuka tornou a beijá-la, mais agressivo que antes, mas ainda cauteloso. Andando, abriu a porta do quarto com um chute, mas Hinata mal se importou. Seus dedos percorriam toda a extensão de seu cabelo, puxando, e suas unhas arranhavam o pescoço.
No quarto, Kiba a deitou contra a cama com cuidado, sustentando o peso acima dela. Hinata abriu os olhos, arfante, e encarou o rosto excitado sobre ela. Os traços fortes, quase latinos, tão diferentes dos japoneses. Eram rudes, mas bem desenhados, como se a desordem fosse harmoniosa nele. Hinata vivia a admirá-las, negando a semelhança que insistia em saltar. Naquele momento, tudo que desejava – que implorava — era para que ela pudesse amá-lo, amar Kiba, plenamente, como deveria ser.
Hinata só queria amar Kiba.
Ele se deitou sobre ela, puxando sua blusa sobre a cabeça, e seus seios saltaram para fora, desnudos. Kiba os segurou com as mãos, sem força, apenas graciosamente. Passou os dedos levemente sobre os mamilos entumecidos, e Hinata não evitou um gemido. Procurou por ele, fincando as unhas contra seus braços e erguendo o quadril, inevitavelmente. Kiba retirou a própria camiseta e o short que Hinata usava, junto de sua peça íntima. A beijava em cada pedaço de pele, deixando mordiscadas e chupões. Quando Hinata tentava se mover, ele prendia suas mãos, pressionando seu peso, dominando-a.
Não demorou até que a sentisse úmida, e a penetrou. Hinata sentiu um incômodo, como sempre sentia, e a movimentação incessante acentuava os fisgues, mas ela conseguia se acostumar depois de algum tempo. Tentou pensar no prazer, abraçando Kiba pelas costas largas. A cama balançava, barulhenta, e o ambiente estava quente como o inferno. Poucos minutos depois, a Hyuuga sentiu-o vindo dentro dela, e, em algum lugar dentro de sua mente, fez um lembrete de tomar sua pílula em seguida.
Mesmo sentindo algumas pontadas lancinantes, Hinata não chegou ao orgasmo, efetivamente. Kiba largou-se ao seu lado, acomodando-se no travesseiro enquanto abraçava a garota possessivamente. Aquele era o pedido de desculpas definitivo, e, provavelmente, não tendo dormido bem, cochilou quase instantaneamente. Hinata, por outro lado, tivera uma boa noite de sono, e só lhe restou afundar em pensamentos.
Ela não queria estar consciente. Seus sentidos aguçavam as sensações, e sentia a pele grudenta, suor e fluídos se misturando. Queria tomar um banho, trocar os lençóis, mas o braço pesado de Kiba a prendia na cama. Estava com calor – queria poder ligar o ar-condicionado. O lugar fedia, fazendo arder seu nariz, e ver-se nua era incômodo. Hinata não queria pensar nesses aspectos negativos. Queria estar feliz, porque as coisas estavam bem, e ficariam bem por um tempo. O suficiente para ela voltar a fingir que sua vida não era uma grande merda.
Quantas vezes não havia sido daquela maneira? As brigas, os pedidos de perdão, o arrependimento, as flores. Os beijos cálidos, o sexo romântico, dedicado, as carícias suaves. Aquela era sempre a melhor parte. Hinata se lembrava do começo do relacionamento, quando todas as vezes eram como aquele. Ela não sabia dizer, exatamente, onde se perderam, mas, depois de algum tempo, só podia provar do mel depois de levar todas as ferroadas.
Sua cabeça caminhava para um destino perigoso, mas ela não conseguia adormecer. Lembranças, então, saltavam na frente de seus olhos, mostrando-lhe cada mínima cena, e apontando, como placas de néon, as semelhanças e diferenças que ela procurava desesperadamente ignorar.
A primeira vez – não havia palavras para descrever a sensação. Seu corpo era um receptáculo sensível de percepções, e cada deixava um rastro de fogo invisível, marcando sua extensão. Os beijos eram macios, pretensiosos, e ela ainda conseguia sentir a língua percorrendo suas curvaturas. E, mesmo que fosse a primeira vez, não doeu nada. O carinho, o amor, a devoção, transbordavam, sobrepujando quaisquer outros sentimentos. E, por mais impossível que parecesse, cada vez se tornara melhor que a outra, mais intensa, sedenta. Eram explosões que ela não conseguia controlar, mas nunca fortes demais. Era uma experiência única – de duas pessoas que se entregavam totalmente.
Com Kiba, era diferente. Era rude, grosso. Era guiado pelo instinto cego, que procurava se saciar a qualquer custo. Se antes era fogo brando, que aquecia lentamente, concretizando, com Kiba era fogo de folha seca – se alastrava rapidamente, mas queimava. E machucava.
Suspirou silenciosamente, se movendo milimetricamente para ajeitar sua posição. Hinata não queria se martirizar daquele jeito – não havia objetivo em trazer a tona coisas como aquela. Mas era inevitável, como uma válvula que ela não conseguia fechar. A todo momento, em todos os instantes, ela procura, inconscientemente, aqueles traços. A pele morena, os ombros largos, o cabelo rebelde, os olhos ferozes, os lábios finos. Foi tola ao pensar que ficariam mais juntos, todavia, foi mais tola ao pensar que conseguiria, de fato, apagá-lo.
Estava dolorida, no entanto, pelo lado bom, já não sentia mais o rosto latejar. As compressas quentes de Shion realmente ajudavam – ela sabia bem como lidar com aquilo, mas não era uma habilidade que gostava de ostentar.
Hinata queria um banho. E um cigarro. Talvez não nessa ordem, mas ambos deixaria seu corpo mais relaxado. Era domingo, pelas tantas da tarde, e, no dia seguinte, toda sua rotina se iniciaria novamente. As aulas começavam um pouco mais tarde que seu estágio, de maneira que podia dormir um pouco mais – não que fosse muito útil, visto que suas noites de sono eram uma droga. Pela tarde, Shizumi certamente se apiedaria de sua feição cansada e deixaria que ela ficasse no almoxarifado. Conseguiria enganá-la por dois ou três dias, mas não tinha fórmula para fugir das pessoas. Sua grade curricular tinha duas matérias avançadas, que conseguira a muito custo – de Kiba –, nos departamentos de cálculo. Agradeceu mentalmente pelo Uzumaki cursar algo que faria com que não cruzassem muito seus caminhos – não que pudesse, realmente, contar com sua sorte.
Lentamente, foi sentindo sua cabeça pesar e os pensamentos se tornarem embaçados. Não demorou até que suas pálpebras caíssem e ela adormecesse em um sono incômodo.
Parecia muito tarde quando Hinata acordou. Primeiro, despertou, abrindo os olhos devagar e piscando algumas vezes. Estava desorientada, e seu corpo, particularmente dormente. Ainda estava nua, como se lembrava antes de pegar no sono. Apoiou contra as mãos e levantou, sentando-se. Olhou em volta, afastando o cabelo embaraçado. O quarto estava escuro demais, e ela sentiu-se confusa. Estava gelado, o ar-condicionado ligado, e, curiosamente, não havia ninguém do seu lado. Parte de si começou a se desesperar, mas, de repente, Kiba abriu a porta encostada, e a luz do corredor iluminou parte do cômodo.
O garoto usava uma bermuda e cheirava a nicotina. Seu rosto parecia satisfeito, e, quando viu Hinata desperta, abriu um sorriso largo, tão genuíno que Hinata surpreendeu-se, tendo vontade de sorrir também.
— Que bom que acordou, princesa. – ele saudou, aproximando-se da cama e beijando o alto de sua testa – Você estava tão linda dormindo que não quis te acordar. – disse com um tom afetuoso, fazendo Hinata corar nas maçãs – São um pouco mais de sete da noite. Eu pedi comi tailandesa daquele restaurante que você adora. Vai tomar um banho para podermos comer. – continuou, ainda amoroso, acariciando sua bochecha, e a morena, sem palavras, apenas assentiu. Kiba lhe deu outro beijo, rapidamente, e saiu, acendendo a luz ao sair. A luminosidade incomodou os olhos de Hinata, que ainda estava um pouco atônita.
Era difícil acreditar que aquela cena realmente acontecera. No entanto, considerando os acontecimentos, era de se esperar. Ainda assim, seu coração falhava algumas batidas ao ser tratada tão carinhosamente. Não estava acostumada. Se levantou, espreguiçando-se e ouvindo algumas juntas estalar. Andou até o banheiro, vendo que até mesmo as roupas sujas estavam no cesto e o vaso, limpo. Com a cabeça martelando, ligou o chuveiro na água quente, soltando um gemido satisfeito involuntário. Deu-se ao luxo de usar seu sabonete especial, esfregando a pele sem pressa. Apesar dos pensamentos conturbados que tivera antes de dormir, não sonhara com nada assustador – não sonhara nada, mas, ainda assim, era melhor que os pesadelos. Mesmo que não totalmente revigorada, sentia-se tranquila pela primeira vez em dois dias.
Saiu, penteando o cabelo ainda molhada e enrolando-se em uma toalha. No guarda-roupa, pegou um conjunto fresco de algodão, cinza e azul. Vestiu, quase rindo do desenho ridículo de ursinhos estampados na frente. De bom humor, passou hidratante e perfume. Saiu do quarto, caminhando até a cozinha, e, atraída pelo cheiro, mal chegou a sala e Kiba a recepcionou com um abraço apertado, erguendo-a do chão. Hinata gritou, apoiando em seus ombros e rindo.
— Que susto. – reclamou, sorrindo, quando foi posta no chão. Kiba beijou sua mandíbula.
— Você está cheirosa. – ele respondeu, apenas. Na maior parte do tempo, o garoto tinha um jeito galanteador que sempre encabulava Hinata. Ela agradeceu, abraçando sua cintura – Vem, vamos comer. Eu coloquei aquela série de policiais que nós começamos a assistir mês passado. – a Hyuuga lutou contra a vontade de abrir a boca, surpresa. Era raro que comecem juntos na mesa, quiçá assistindo algo. O gosto adverso que tinham impedia que encontrassem algo que gostassem em comum.
As surpresas continuaram pelo resto da noite, deixando Hinata verdadeiramente atordoada. Era um de seus pratos preferidos, e todo o tempo Kiba manteve um braço ao seu redor, comentando sobre a série ou sobre a comida, ou até mesmo sobre assuntos aleatórios de seus amigos ou do trabalho. O ambiente não ficou silencioso um momento sequer, e, depois do jantar, Kiba surgiu com uma caixa de morangos, que deixaram Hinata absolutamente pasma – não era época das frutas, e o namorado nunca comprava aquele tipo de coisa. Cobertos com chantilly, ele fez questão de dá-los em sua boca, e ficaram brincando, e se provocando, e se beijando.
Hinata considerou ainda estar dormindo, e aquilo ser um sonho. Aconchegada contra o peito de Kiba, que buscara um cobertor para seus pés, ela simplesmente não conseguia se concentrar no seriado, pensando em como estava feliz. Eram coisas que, como uma romântica incurável e ultrapassada, ansiava por – jantar não-convencional, frutas com cobertura, assistir série abraçados, falar banalidades, troca de carícias? O que era aquilo? Ela não sabia. Poderia ser o céu.
Queria que nunca acabasse. Queria que pudesse ser estável, e sonhar, e esperar que aquilo fosse recorrente. Queria que não tivesse de temer o tempo todo, queria que não tivesse medo de que, no dia seguinte, algo o irritasse e ele decidisse beber. Queria que Kiba fosse daquele jeito o tempo todo. Queria que ainda estivessem no começo do relacionamento. Queria se sentir completa e feliz o tempo todo. Queria não ter que esperar hematomas em seu corpo.
Hinata queria não se sentir estupidamente satisfeita com migalhas de um amor que ela sabia que não era real.
Em sua mente, ela sabia que vivia em uma ilusão criada por ela para as coisas correrem bem. Seria hipocrisia acreditar que não estavam juntos por conveniência. Hinata era dedicada, atenciosa e boa com rotinas. E Kiba – bem, Kiba era uma boa distração.
Subitamente triste, abraçou o namorado mais forte, e ele acariciou seu braço, atento a alguma cena que passava no momento. A morena procurou prestar atenção, ignorando aqueles raciocínios incômodos. Era boa em desconsiderar sua própria personalidade irritante, e, enquanto continuasse fingindo, as coisas ficariam bem.
Tarde da noite, pela madrugada, terminaram a primeira temporada, e Hinata já cochilava no sofá. Sentia-se exausta, e quase não percebeu quando Kiba a carregou no colo de volta para o quarto. Aconchegou-se em seus lençóis e, com todas as luzes apagadas, sentiu o garoto abraçar sua cintura e respirar contra seu pescoço, depositando um beijo cálido. Seu corpo era quente, e a Hyuuga voltou a dormir, realizada.
Naquela manhã, acordou com o barulho irritante do despertador em seu ouvido. Resmungando, tateou cegamente para desligá-lo. Puxou seu celular e viu, surpresa, que estava dentro do horário, e não atrasada, como costumeiro. Coçou os olhos, espreguiçando-se preguiçosamente. O quarto estava claro, com as cortinas abertas, e Hinata bocejou, sem procurar por Kiba – provavelmente ele já tinha saído. Tomando coragem, ela se levantou, rastejando para o banheiro. Lavou o rosto, despertando com a água gelada, e fitou o espelho, a contragosto.
Não estava tão ruim. As olheiras estavam quase imperceptíveis e, apesar da maior parte do arroxeado doentio continuar em volta de seus olhos, o inchado quase desaparecera, e, com certo trabalho, conseguiria escondê-lo por completo. Provavelmente teria de retocar a maquiagem ao longo do dia, mas, enquanto trabalhasse na parte interna da secretaria, estaria tudo bem. Voltou para o quarto, arrumando a cama enquanto cantarolava uma melodia que ouvira outro dia na televisão – aturdindo a si mesma –.
Estava com tempo de se trocar e tomar café da manhã em casa, mas, quando abriu seu guarda-roupa, seu bom humor se esvaiu um pouco. Encarou todas aquelas roupas escuras, rasgadas e ameaçadoras. Com um suspiro, escolheu uma calça jeans quase inteira e uma das poucas blusas claras que tinha. Pegou suas botas surradas e a velha bolsa carteiro. No banheiro, conseguiu esconder a maior parte dos hematomas com corretivo e delineador, parecendo aceitável. Passou um batom escuro, um dos seus preferidos, mas, quando voltou para o quarto e fitou-se no espelho, não evitou um suspiro – continuava com a aparência de feroz, de qualquer maneira –. Desistiu, saindo do cômodo e fechando a porta atrás de si depois de verificar se tinha pegado tudo. Na cozinha, deixou a bolsa sobre a bancada e foi até a geladeira, na esperança de encontrar algo prático para comer. Mas, quando abriu, espantou-se mais uma vez – havia uma bandeja cuidadosamente montada, com mais frutas, suco e um pedaço de torta coberto com plástico.
Hinata puxou devagar, perguntando-se se seus olhos estavam brilhando da maneira que ela imaginava. Há muito não comia todas aquelas coisas no café da manhã. Apoiado contra o prato, um bilhete dobrado em letras garranchosas. Se alimente bem. Amo você, K. A Hyuuga soltou um riso nervoso, sozinha, enquanto sentava na mesa, um pouco sem reação. Sentiu vontade de chorar, e sentia-se aquecida, como uma brasa acalorada. Em tantos anos, ela mal conseguia se lembrar de quando Kiba deixara seu café pronto. Aquilo a fazia se sentir mal – enquanto ela pensava sobre coisas sem sentido, o Inuzuka se esforçava para mostrar como a amava. Ela era, realmente, uma vadia egoísta.
Engoliu rapidamente um pouco de cada coisa, mas sua garganta parecia seca. Terminou, lavando os pratos e guardando o que tinha sobrado. Reparou, também, que a sala estava arrumada, sem vidro quebrado pelo chão. De repente, o apartamento se tornou sufocante demais. Hinata puxou sua bolsa e os óculos escuros, alisando o cabelo com os dedos e colocando a carteira no bolso de trás. Esqueceu-se de pegar uma troca de roupa, mas não voltaria para isso. Bateu a porta atrás de si com pressa, e se sentiu ridícula por estar fugindo da própria casa.
Enquanto descia pelas escadas, puxou algumas moedas da bolsa para ver se conseguia comprar um maço de cigarros antes do primeiro período – não gostava de fumar pela manhã, mas estava ansiosa. Apertava os dedos enquanto alcançava o térreo, cumprimento o porteiro, que respondeu polido como sempre. O dia mal amanhecera e já estava insuportavelmente quente, sem sinais da chuva torrencial de dias atrás. Hinata fez o mesmo trajeto usual, aprumando a postura para que ninguém cruzasse sem caminho. De certa forma, gostava da maneira que as pessoas a encaravam de soslaio, estabelecendo uma distância segura entre elas. Hinata não sabia quando se tornara o tipo “perigoso” – mal podia se lembrar da época em que cumprimentava as pessoas na rua, pela manhã.
Seus ônibus já virava a esquina, e ela agradeceu ter comido em casa, mas sentiu falta de passar na cafeteria para saudar seu atendente preferido. No embalo da fila, subiu pela entrada da frente, passando seu cartão na catraca. O trajeto era tediosamente longo, e ela via a cidade passar ponto após ponto, enquanto ganhava velocidade na velha rodovia. Sozinha em seu banco, como sempre, Hinata procurava não pensar demais. Observou as campinas e a maneira que os carros ultrapassavam o veículo, afastando-se.
Devagar demais, chegou na universidade, e ela e mais algumas dezenas de alunos desceram no último ponto da linha, na esquina da entrada principal. Hinata evitou contato com os demais estudantes, mesmo reconhecendo alguns colegas da sua sala. Os óculos escuros eram bons para afastar os amigáveis, e as roupas em farrapos também lhe eram úteis – até o momento em que sua chefe lhe olhasse de translado –.
A primeira aula do semestre costumava ser entediante, no segundo piso. Era uma matéria regular, então apenas a turma do segundo ano cursaria aquele horário. Preguiçosa, subiu pelas escadas da direita, deixando o caminho vago para passarem. Seus olhos percorriam a cena, vendo amigos se cumprimentando, rindo, entre abraços, depois de um longo período de recesso. Não deixou que aquela melosidade a abatesse, e, quando chegou na sala, sentou-se nas cadeiras do fundo, puxando seu caderno e algumas canetas. Foi uma das primeiras, e nem mesmo o professor tinha chego. O sol vinha do lado contrário, e, se sentasse um pouco para o lado, poderia ter ficado nas janelas, olhando o movimento – era uma ótima distração para as matérias chatas. Mesmo assim, permaneceu no lugar, com os braços cruzados, sabendo que estava de cara amarrada. Ela não se importava, de qualquer maneira.
Dizer que a manhã passou lenta era menosprezar a situação. Foi simplesmente maçante. Os quatro créditos obrigatórios foram preenchidos de um discurso motivador barato que, honestamente, Hinata já tinha ouvido antes. O professor andava de um lado a outro, falando sobre suas incríveis experiências administrativas em uma nova empresa em Tóquio, e sua voz era apenas um sonífero mortal. Hinata lutou para prestar atenção, ou, ao menos, fingir, mas, em algum momento entre as dez e as onze da manhã, ela apenas desistiu, e puxou o livro de cálculo, resolvendo os exercícios avançados para complementar seu relatório requisitório do projeto complementar que ainda não tinha contado a Kiba – uma feliz coincidência. Já tinha resolvido quatro páginas quando o professor os liberou, já pedindo para que lessem seu novo livro publicado – Hinata realmente odiava aquela parte da graduação. Ao menos, pode ficar de óculos o tempo todo, e até acreditou que estava com sorte ao passar despercebida.
Juntou suas coisas, esperando o aglomerado se dissipar para ir almoçar. Comeria qualquer coisa orgânica e iria direto para a secretaria – se chegasse rápido, poderia se instalar no almoxarifado antes de outra pessoa. Caminhou com pressa, desviando os engraçadinhos que paravam no meio do corredor. Amaldiçoou o prédio B enquanto andava até o refeitório de baixo.
A fila estava consideravelmente curta, e ela esperou impacientemente sua vez, a garganta seca por um cigarro e uma dor de cabeça a caminho. Tinha andado gloriosos três passos quando alguém atrás de si a chamou.
— Hinata? – ela se virou, assustada – Oi! Não te vi na sala. Como foram suas férias? – relaxou. Era apenas uma garota com quem fazia alguns trabalhos, de cabelo cor de cobre e aparelho, mas ela não lembrava seu nome. Sorriu amarelo.
— Oi! Quanto tempo. Foram boas, e as suas? – forçou-se a ser simpática, e a garota não pareceu ter percebido sua falta de entusiasmo.
— Ótimas! Fiquei estudando para conseguir entrar no projeto do professor Asuma, fiquei sabendo que você entrou com recomendações! – Hinata gemeu internamente – Parabéns! Você é realmente inteligente, todos os professores te querem em uma iniciação.
— Obrigada, mas foi sorte. – sorriu, agora envergonhada – Ainda não sei se vou fazer mesmo, não dei a resposta.
— Como assim? Você tem que fazer! – a garota retrucou, com o rosto pequeno chocado – É a melhor iniciação de cálculo avançado do programa, você ganharia várias indicações para congressos internacionais! Que motivo você teria para não fazer? – Hinata se calou subitamente, sem saber o que responder. Ela não poderia simplesmente falar a verdade. As pessoas não entenderiam como ela – Olha, sua vez. – salva pelo gongo, ela agradeceu e se virou, um pouco enjoada. Pediu uma porção de salada fria e um chá, se despedindo da garota faladeira, e não se sentiu em uma das mesas. Passou direto, indo comer na secretaria, para não ter que falar com mais ninguém.
Por que aquilo só acontecia com ela? Com as mãos tremendo um pouco, passou seu crachá e bateu ponto mais cedo – as horas extras seriam boas no fim do mês, de qualquer maneira –. Cumprimentou o estagiário da manhã e foi direto para o almoxarife, passando pela sala interna. O lugar era calmo e pequeno, e geralmente apenas pessoas que precisavam de cópias ou assinaturas iam até lá. Deixou sua bolsa e os óculos no canto, sentindo a maquiagem escorrer com o suor que brotava de sua testa. Largou-se em uma das cadeiras, mordiscando sua salada, sem apetite. Resmungou sozinha. Aquela garota era mesmo uma intrometida. Porém, não conseguia tirar a iniciação da cabeça. O prazo estava acabando, e era uma ótima oportunidade de trabalhar com um de seus professores preferidos. Mas, há muito tempo não mexia com matemática e física, e sequer tinha falado com Kiba. Ele surtaria quando soubesse.
Gemeu. Guardou a salada e o chá, intocado. Mais tarde teria fome. Morreria por um cigarro naquele momento, mas, antes que percebesse, Shizumi chegou, deixando algumas pilhas de papéis para grampear, e Hinata decidiu ocupar a cabeça. Seu expediente começava somente dali meia hora, mas ela não se importava.
Assinava e carimbava papéis distraidamente, escutando a conversa dos outros funcionários, na sala da frente, e alguns alunos que chegavam para pedir informação, ou alguma declaração. Trabalhar nos fundos era silencioso e solitário, mas Hinata não se importava. A copiadora não tinha sido ligada ainda, mas, em determinado momento – não parecia ser nem duas da tarde –, Shizumi entrou, com seus óculos escorregando e pastas na mão.
— Hinata, querida, enviei dois documentos de transferência, você imprime para mim e carimba? O aluno vai entrar aqui pegar em um minuto. – sua voz estava esbaforida, e a Hyuuga assentiu rapidamente, agradecendo que a mulher não tivesse notado seu rosto ou suas roupas.
Ligou o computador, esperando ligar, e puxou duas folhas em branco. Se perguntou quem seria o aluno transferido, mas, antes que pudesse ver o nome, o mesmo entrou no cômodo, soltando um assovio.
— Acho que só pode ser o destino. – disse, tranquila e divertidamente.
Hinata, de costas, gelou.
Que tipo de maldição ela tinha?
Claro que reconheceria aquela voz em todo lugar – passara o último fim de semana fugindo dela em seus pensamentos. Mas, obviamente, era pedir muito que seus caminhos apenas não se cruzassem a cada oportunidade que surgisse.
Sabia que, provavelmente, ele estaria sorrindo. Aquele sorriso divertido e provocador, com dentes brancos, sua marca registrada. Era tudo uma grande comédia, mas Hinata não podia se virar, ou a situação se complicaria – de todas as maneiras possíveis. Não era somente com sua capacidade de resistir àquele charme com que ela se preocupava, mas sim com o corretivo que escorrera de seu rosto, e ela ainda não tinha retocado.
— Não ganho nem um oi? – ele continuou, alegre. Hinata apertou as mãos, puxando os documentos assim que saíram e entregando-os de costas, estendendo cegamente – Ora, que isso. – ele puxou ao mesmo tempo que pousou a outra mão em seu ombro.
Uma cadeia de reações se seguiu a partir deste ponto. Foi como um choque elétrico que percorreu dos dedos até sua pele exposta, e, involuntariamente, virou-se com rapidez, com um tapa em seu braço, afastando-se dois passos. Parou com a mão no ar, sem fôlego. Percebeu o que tinha feito tarde demais – apenas quando seus olhos cruzaram com os dele mais uma vez.
Seu rosto despreocupado modificou-se em diversas feições. Demorou-se dois segundos em um sorriso, depois em uma expressão confusa, até que, quando alcançou a altura de suas maçãs, converteu-se lentamente em entendimento, raiva e fúria. Seus belos traços uniram-se em vincos desiguais, a mandíbula se apertando e os olhos, claros e mornos, escurecendo. Tudo isso aconteceu na fração de poucos segundos, mas foi o suficiente para Hinata se encolher, amaldiçoando-se. Era tarde demais para esconder-se, e aquele rosto – tão simétrico e harmonioso – ensandecido era prova disso.
— O que... – até mesmo sua voz mudara, carregada – O que é isso? – ele ergueu a mão, querendo tocá-la, mas, de novo por reflexo, Hinata se afastou para trás, assustada e na defensiva. Foi ele que permaneceu com a mão no alto, deixando caí-la devagar.
— Não é nada. – Hinata soava desesperadamente aflita – Pegue seus papéis e saía daqui. – em um ímpeto de coragem, se virou de costas, a respiração pesada e os pulmões queimando. A presença dele preenchia todo o ambiente. Uma nova atmosfera, carregada da sua ira, amedrontando-a. Queria soar firme e decidida, como da última vez, entretanto, tudo que conseguia pensar era acalmar seu próprio coração.
Naruto foi mais rápido. Com um gesto bruto e doloroso, a puxou pelos ombros, obrigando-a a se virar novamente para encará-lo. Hinata perdeu o equilíbrio, trombando contra a mesa, e soltou um arfar medroso. Seu corpo se tornou mole diante do aperto do garoto, e, mesmo depois que ela já tinha voltado a encará-lo, suas mãos baixaram. Continuaram segurando seu ombro, de maneira rude, com os dedos encaixados em suas omoplatas. A alça de sua blusa escorregou, revelando o sutiã rendado. Ele se aproximou, e, conforme a distância diminuía, o ar se tornava mais rarefeito, de maneira que Hinata começou a ofegar. Naruto abaixou, deixando o rosto na altura da Hyuuga, olhando fixamente para ela. Seus olhos furiosos tinham um azul tempestuoso, e os dentes continuavam trincados. Hinata não se moveu um centímetro sequer.
Era óbvio para onde ele olhava. Sua análise minuciosa não demorou um minuto, mas pareceu uma eternidade Hinata sabia que a maquiagem tinha se desfeito, por conta do suor, e, mesmo que imperceptivelmente, parte dos bolsões arroxeados eram visíveis – talvez não de longe, mas, da maneira que Naruto a segurava próxima de si, era olhar com uma lupa.
Hinata não sabia o que doía mais – o aperto em seu ombro ou seu peito, dolorido de ansiedade e desespero. Formigava de um jeito anormal, apertado, sufocante. Tampouco teve coragem para desviar o olhar, sustentando os topázios contra seu rosto.
— Me diga que isso não é o que eu estou pensando. – sua voz era entrecortada, mesmo que aveludada. Assoviava entre os dentes, e ele tremia um pouco. Hinata nunca o vira daquele jeito, e a vergonha e intimidação deixaram-na sem reação.
— E-eu não preciso dizer nada para você. – a frase teria soado melhor se seguisse uma pose altiva, de olhos estreitos e firmes. Mas tudo que Hinata fez foi gaguejar, sentindo os olhos queimarem e o choro se instalar em sua garganta. Seria o medo ou a humilhação?
Naruto não parecia saber o que fazer em seguida. Abriu e fechou a boca várias vezes, mas, da recepção, escutaram Shizumi chamando-o, e, sem escolha, ele a soltou. Quando suas mãos se afastaram, Hinata sentiu o sangue voltar a circular naquele lugar. Soltou o ar que não sabia ter prendido. Ainda apoiada contra a mesa, ergueu uma das mãos, escondendo o rosto parcialmente. Enquanto abaixava o olhar, conseguiu visualizar Naruto uma última vez, de forma perturbadora. A determinação em sua pose deixava claro que aquele assunto não seria esquecido. Seus punhos apertavam os dedos, e as folhas estavam prestes a rasgar, tamanha a força.
Mas Hinata preferia ter aqueles punhos contra seu rosto em vez do olhar que recebeu antes que Naruto saísse. Não haviam palavras que descrevessem aquele sentimento. Decepção? Nojo? Repugnância? Não chegavam nem perto. Quando tornou a ficar sozinha, a Hyuuga desabou na cadeira mais próxima, tremendo, e o rosto contra as mãos sustentavam um possível ataque de pânico. Não soube quando as lágrimas vieram a tona, mas sabia, tão claramente, que, naquele momento, seu coração sangrou como nunca antes.
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