Kaigaku ouviu o som tensionado do Kiwa uma, duas vezes e, quando ele piscou, o mundo louco de escadas, portas rolantes e luzes multicoloridas, todos infinitos, fez-se material.
Seu corpo todo tremia, olhos movendo-se ao redor enquanto mais acordes tensionados ecoavam através do ar parado e estranho do espaço infinito. Há cada acorde, outra Lua Inferior surgia, olhos confusos tentando entender os seus arredores.
Engolindo em seco, ele apertou o pedaço de carne em sua mão.
Outro acorde tensionado.
“Que lugar é esse?” Uma das Luas mais novas, uma garota, perguntou complexada com a atmosfera.
E um último acorde.
Mas esse sentiu-se diferente.
De repente, a atmosfera era sufocante. Tentar respirar e manter a Concentração Total Constante foi uma tarefa praticamente impossível quando o próprio ar ameaçava esmagá-lo.
À frente da Lua Superior sentada em um estilo tradicional estava uma mulher vestindo um belo yukata, batom vermelho provocante destacando-se em um rosto pálido de nariz pontudo e queixo angulado, cabelos bem engomados e luxuriosos, sua aparição mais rápida do que um pensamento. Ela era uma prostituta, claramente… Mas apenas olhar para ela, entender o fato dela existir no mesmo cômodo que ele; tudo isso encheu-o de um terror primitivo. Foi pior do que qualquer Hashira ou o Sol nascente da manhã…
Ele estava aqui.
Não protelando mais um momento, Kaigaku prostrou-se humildemente no chão, a testa contra o tatâmi e a postura submissa aos desejos do Mestre.
O que não se prostrou, a Lua Inferior 6°, virou uma polpa de sangue.
Mas Kaigaku não levantou sua cabeça para olhar.
– Convoquei vocês hoje, Luas Inferiores, pois vejo que eu estava errado. – Ele proferiu lentamente e quase que sem interesse nas próprias palavras, a mente de Kaigaku repetindo incessantemente que, se ele não prestasse completamente atenção às palavras do Mestre, ele seria uma massa disforme de carne sangrenta, assim como a implorante e chorosa Lua Inferior 4. – O objetivo de vocês é matar caçadores, controlar seus números; o das Luas Superiores, matar os Hashira… Mas Rui, o quinto, está morto. As mãos de uma criança tiraram sua vida.
Ele manteve o silêncio depois disso, olhos passando através das massas pulsantes que não se regeneravam. Até agora, Kaigaku não levantou sua cabeça.
– Estou desfazendo as Luas Inferiores. Vocês não são mais de uso para mim.
Alguém tentou fugir.
O som de gotas de sangue contra o assoalho agora também estava ao lado do Mestre.
– Kaigaku.
Seu corpo inteiro tremeu e, engolindo em seco, ele levantou sua cabeça para encarar o Mestre, não cometendo o pecado de desviar os olhos. Sem palavras e lutando para não deixar o pedaço de carne escorregar de sua mão suada, Kaigaku estendeu ao seu Senhor a orelha decepada e suja de sangue seco, ainda com o brinco Hanafuda preso em seu lóbulo.
– Dois Hashiras apareceram na Montanha, Mestre. Foi tudo que eu consegui— Foi difícil não gaguejar, suas palavras sendo cortadas imediatamente quando seu cérebro percebeu o pequeno franzir dos olhos do Mestre, a atmosfera esmagando seus pulmões.
– Eu vejo.
Antes que ele pudesse continuar explicando, a orelha desapareceu de sua mão.
O Mestre observou o pedaço cartilaginoso em seus delicados dedos com certo interesse, talvez até mesmerizado por alguma coisa… E então ele comeu-o, como um aperitivo, o brinco indo junto.
O silêncio de seu Mestre fez seu coração bater fortemente, imagens de seu sangue e seu corpo desmontado, desfigurado, transesterificado pelo poder superior do Mestre inundando sua mente e fazendo-o querer vomitar continuadamente, loucura matando os neurônios diante da falta de palavras do seu Mestre. Não havia modo de fugir. Se seu Mestre quisesse, ele morreria.
A boca do Mestre então sorriu, apreciativa de alguma coisa além dele.
– Você tem minha permissão para desafiar uma Lua Superior, Kaigaku. – Ele não pressionou nada além, desviando o olhar de Kaigaku como se ele não significasse mais do que o inseto que se pisoteia ao sair pela porta de casa. – Agora, você… – Ele olhou para a Lua ao seu lado, 2° Inferior, a mão esquisita com uma boca parecendo sorrir em alívio.
Mas Kaigaku não teve tempo de raciocinar ou acompanhar o resto da conversa.
Notas tensionadas sinfonizaram dentro de sua cabeça duas, três vezes e, no próximo momento, ele despencou no abismo—
… Caindo na frente de uma plantação de pêssego familiar, a Lua de Prata o observando.
—Tanjiro—
Rengoku o observava com olhos cheios de entretenimento mórbido, sua mão forte dando tapinhas em suas costas repetidas vezes. Talvez ele tenha exagerado demais lá atrás durante seu momento de empolgação, a boca pingando os restos do vômito dentro da lixeira de um dos corredores da Sede dos Caçadores de Oni.
– Você está prestes a se encontrar com os outros hashiras, moleque, se porte decentemente! – o kakushi que os liderava até a reunião gritou, exasperado.
– Vai com calma! Eu tenho confiança de que meu tsuguko se portará bem nessa importante reunião! – o sorriso do Pilar pareceu brilhar enquanto que, limpando a boca nas costas do uniforme e mantendo um rosto caído, Tanjiro dava um joinha com a mão direita e puxava o ar para dentro dos pulmões com força;
– EU ESTOU BEM!! – ele não estava, mas gritar o fez sentir menos tonto.
– ESTOU ORGULHOSO DE VOCÊ, MEU TSUGOKU! VAMOS, COMIGO! WASHOI! WASHOI!
– COM CERTEZA, RENGOKU-SAN!! WASHOI! WASHOI!
– Que desgraça, eu sabia que devia ter continuado como um caçador… – o kakushi exasperou, ouvidos zunindo pelos gritos contínuos do Hashira e do moleque. E assim continuou pelo resto do caminho até o pátio de fora onde a maioria dos Hashira—ainda com a falta do nono—, já se encontravam, faltando apenas o mestre Ubuyashiki para dar início ao julgamento. Enquanto os três se aproximavam, Uzui observou a comoção de olhos arregalados, um brilho selvagem surgindo em seu sorriso.
– Impressionante! Eles estão prontos para serem julgados por um crime milenar e a sua entrada, a quebra de tensão, é inerentemente cômica e animada! Devo me juntar imediatamente.
E então, enquanto o Pilar das Chamas se aproximava com seu protegido, Uzui tossiu algumas vezes em sua mão, juntando-se à sublime gritaria—WASHOI, FABULOSAMENTE… WASHOI!!—, olhares mistos dos outros pilares.
– Rengoku-san e Uzui-san são tão lindos gritando… – a Pilar do Amor murmurou e, ainda suada de toda a tensão que até então estava cobrindo os Pilares diante de tal julgamento, ela também decidiu estravazar um pouco e rapidamente juntou-se a comoção, muito mais reservada enquanto batia palminhas e repetia “Washoi! Washoi!”, um sorriso grande e cheio de vida, bochechas coradas em um profundo vermelho envergonhado.
Obanai observou tudo de olhos arregalados, desacreditado. Aquele era o filho do homem que, certo dia, cruzou a noite como um furacão e destruiu os seus pesadelos num êxodo de labaredas?… Kaburamaru, a cobra amiga, dançava ao ritmo dos gritos e palmas.
– Buda, por favor, perdoe as pobres almas deles. O stress intenso e suas sequelas o deixaram loucos. Oh, Buda. – com lágrimas singelas, Himejima começou a rezar pelas almas caídas daqueles que ergueram-se uma vez como bastiões de pureza, características arrancadas deles por situações incríveis e pobres respostas aos problemas da mente. Tanta tristeza, tanta dor.
Muichirou deu à gritaria um momento de sua atenção. No outro, eles perderam-na.
Giyu, por sua vez, franziu o cenho pensativo; será que ele devia se juntar a essa gritaria? Ele também vai ter que se matar caso esse julgamento termine do modo esperado, então sua expectativa de vida pode ser medida em alguns minutos partindo de agora.
Bem…
Escondendo as mãos em seu haori e tendo total certeza de que nenhum olhar estava sobre ele, ele bateu pequenas palmas e sussurrou, em pensamentos, “washoi” uma só vez. E então outra, ao ver que era seguro. E outra. E, antes que ele percebesse, sua boca falava a mesma palavra repetidamente—baixinho—, um fantasma de sorriso preso ali.
Shinobu encarou principalmente Rengoku, o sorriso perpétuo em seu rosto traindo os sentimentos venenosos que escoavam do seu coração. Tão perto de dar um fim nesse ódio que a esteve comendo por dentro como a Serpente do Mundo e, de repente, a situação toma uma guinada atordoadora. Uma oni—uma oni capaz de curar com sangue… A fonte do veneno, entretanto, residia no que sua mente imaginou quando a viu pairando sobre Rengoku e derramando seu sangue nele; ela estava tentando transformá-lo em um oni.
E ela avançou… Não focada em matar a oni.
Mas em proteger Rengoku de tal destino.
E então lá estava ele, defendendo sua lâmina, chamando uma oni de “filha”, tão humano como no dia em que ele nasceu… E sua fúria não conhecia mais bordas.
Piscando a modo de afastar os pensamentos que vão e vem nas suas noites cheias de álcool caro, ela suavizou seu sorriso antes de adentrar na brincadeira, batendo mãos e falando suavemente “washoi, washoi”, no ritmo dos colegas.
O kakushi, observando tudo isso pávido, preparou-se mentalmente para uma noite de muitas cervejas que exagerariam essas imagens o suficientemente para que os seus amigos o carregassem de volta para cama todo arrasado. Não é todo dia que se vê os Hashiras todos gritando como crianças e batendo palmas, tudo antes de um julgamento que conta com a vida de ao menos quatro pessoas.
Finalmente parando na frente de todos os Hashira com seu pupilo tremendo de ansiosidade e medo ao seu lado, mas sendo forte o suficiente para manter-se ereto, Rengoku bateu uma forte palma, dando um fim aos gritos com um poderoso sorriso em seu rosto.
– Yo!
E o vento sibilou. Silêncio.
…
… Até.
– Oi. – Mitsuri balançou a mão, suor acumulando-se em sua testa.
– Meu voto é que a gente mate eles. Tipo, agora mesmo. – Obanai proferiu do alto da árvore e, de fato, assustou o ex-queimador de carvão. Tão direto!
Engolindo em seco, Tanjiro passou seus olhos através das várias pessoas a sua frente, reconhecendo apenas três delas. Surpreendentemente, havia a médica que cuidou dele e fez sua bateria de exames. Foi difícil acreditar que alguém com um corpo tão pequeno e aparentemente frágil podia se tornar a alta definição de “Mais Forte” do seu estilo próprio de Respiração; Giyu, corado por algum motivo e um pouco mais afastado do resto dos Hashira… E ele esqueceu o nome dela, mas ele tem certeza que a viu em algumas fotos na casa de Rengoku quando eles foram visitar Senjurou-kun e Shinjurou-san pela primeira vez. Suando balas e rígido como um castelo diante dos pilares, Tanjiro engoliu o caroço em sua garganta quando, colocando a mão sob seu cabelo, Rengoku o guiou para fazer uma mesura diante deles.
– Meus amigos Pilares, este é Tanjiro Kamado-Rengoku. – A adição do nome final surpreendeu o tsuguko e trouxe alguns leves suspiros, especialmente da mulher de cabelos rosas que cheirava agora a rosas e excitamento intenso. Normalmente, o fato dele e Nezuko serem adotado na linhagem da família do seu mestre é um segredo bem guardado. – O mais promissor dessa geração—sem ofensas, Muichirou-san—, meu Tsuguko e filho adotivo.
– Hã? – Muichirou, o Pilar que parecia tão jovem quanto ele, encarou Rengoku como se ele não tivesse ouvido nada nos últimos dois minutos inteiros.
– Uau, ele é tão fofo, Rengoku-senpai! Meus parabéns! – A mulher de cabelos rosas aproximou-se, Tanjiro não perdendo o enorme busto dela que quase pulava para fora do uniforme indecentemente aberto. Como Rengoku-san conseguia olhar direto o rosto dela, ele não tinha nenhuma maldita ideia… Se bem que o cheiro que emanava agora dele era um de forte concentração, uma veia minúscula ao lado de sua testa.
– Esta é Misturi Kanroji, minha primeira aprendiz e agora a Pilar do Amor!
– … do amor?
– Sempre me perguntam sobre isso! – Ela riu vivamente ao chegar perto o suficiente para fazer um cafuné feroz no ex-queimador de carvão, apenas aumentando o rubor intenso dele. Estar ao redor dessa moça era um treino por si só. – Se algum dia lutarmos ou fazermos uma missão juntos, eu te mostro os segredos da minha Respiração e suas capacidades. O nome pode não mostrar, mas há muito poder por trás das técnicas da irmãzona aqui!
– Eu confiantemente digo que Tanjiro aqui pode te aguentar num combate sem pestanejar, Mitsuri! – As palavras do mais velho fizeram os olhos do tsuguko quase saltarem para fora. – Você já deve estar a par de como ele conseguiu matar a Lua Inferior 5 e sobreviver a um encontro com a Lua Inferior 1, imagino. Incrível, não é?! Nem mesmo nós dois conseguimos um resultado tão bom na nossa primeira luta contra uma Lua, hahaha!!
– Rengoku-san, pare com isso, por—
– Verdade… Eu fiz uma missão em Tóquio, recentemente. Há um memorial para as pessoas que morreram naquela explosão. – o rosto dela foi tomado por uma ansiosidade honesta.
– Sério? Farei questão de visitar a área e dar os meus pêsames! – ele então virou-se para o Hashira da água que, imediatamente, exalou um odor de tensão. – Agora, você já conhece Giyu Tomioka, nosso Pilar da Água! Ei, Tomioka-kun, venha cumprimentar meu tsuguko! – ele gritou, mas o homem de haori dupla cor fez de tudo para ignorar ambos, a tensão mesclando-se com um medo de… socialização? Ele não entendeu bem, mas era um cheiro definitivamente perturbador. Um calafrio correu por Giyu, entretanto, quando Rengoku preparava-se para chamá-lo ainda mais alto, sua mente rápida decidindo que era muito melhor usar o máximo de suas habilidades de conversação para difundir tal bomba;
– Olá. – seu tom era baixo, quase inaudível.
…
– Aquele ali é Uzui Tengen, o Pilar do Som!
– É um prazer, pirralho! Devo dizer, eu esperava que Kyojuro escolhesse um aprendiz mais impressionante fisicamente, alguém mais como eu—ou até mesmo alguém como Muichirou, para um efeito dramático; a imagem de poderio másculo treinando um garotinho que é fraco como um graveto—, isso seria interessante. Mas você tem o estilo, a presença, especialmente essa marca ai na sua cabeça; “olhem para mim, eu uso a Respiração das Chamas e tenho uma cicatriz vermelha em formato de chama”. – sorrindo, ele apontou o dedão para o mais jovem, confuso com os termos e todas as palavras estranhas e definições que, simplesmente, entraram por um ouvido e saíram no outro. – Gostei.
– Tão legal… – a rosada ao seu lado comentou.
– É um grande elogio da parte dele. – Rengoku o deu alguns tapinhas nas costas, Tanjiro mesurando-se em agradecimento antes de seguir o dedo apontado de Rengoku para o próximo pilar da fila diagonal, o garoto Muichirou… que parecia desconexo com o mundo, algo que pouco importou ao Pilar das Chamas. – Ele é Muichirou Tokito, o Pilar da Névoa. Ele é normalmente desligado das coisas, mas esforce-se por ele quando vocês forem colegas pilares no futuro.
– Ele é tão fofo, sempre perdido em seus pensamentos, nenhum grão de importância para o mundo exterior… – isso não soava como algo exatamente bom para alguém que vive de lutar contra monstros assassinos super-humanos.
Com uma gota de suor na testa, Tanjiro juntou determinação na face e gritou.
– Eu vou tentar! Prazer, Muichirou-san, eu sou Tanjiro Kamado!
O pilar o ignorou.
– O PRAZER É TODO MEU! – ele respondeu a si mesmo. Ao longe, Obanai bateu na própria face com a mão, Mitsuri segurando a risadinha com o máximo de suas forças ao seu lado.
– Este é o espírito! Do lado dele está Shinobu Kocho, que eu acho que você já teve contato na enfermaria—ela é nossa Pilar do Inseto!
– Foi uma verdadeira surpresa saber que você é a Shinobu Kocho que meu mestre tanto fala. – fazendo uma mesura de respeito a alguém que aparentava ser relativamente normal, o avermelhado sorriu docemente para ela, imaginando que as palavras de seu mestre foram só exagero em respeito ao temperamento inócuo e direto dela.
– Oh, espero que ele não esconda detalhes, como ele o fez ao não falar que, se não fosse a minha tsuguko, você estaria morto nas mãos dessa Lua. É um prazer te conhecer também, é claro!
… Ou talvez ele esteja certo. Ainda sim, ele resguardou o curioso cheiro dela ao proferir todas essas palavras; cada uma foi banhada de um ódio eletrizante e cego que, ao contrário de enfurecê-lo, o entristecia, sua fonte sendo bem conhecida. Lado a lado e um lutando contra o outro, o ódio, repúdio próprio e uma tristeza profunda como um poço se faziam, ferozmente buscando um lugar dentro do pequeno quadro da Hashira. Durou tão pouco e ainda foi tanto de cada dose… Ele imaginou se ela tem vivido assim desde a morte de sua irmã, sentimentos tão drásticos para com o homem tão bom ao seu lado.
Que existência dolorosa.
– Eu não a esqueci. Diga à sua namorada que eu a dou os parabéns, Tanjiro. – ele deu alguns tapinhas nas costas de Tanjiro, a vermelhidão com o termo usado publicamente—mesmo que no intuito de provocar Shinobu—, vindo em lotes.
Mas…
Ele não conseguiu rir ou falar.
Os cheiros que se conflitaram, o choque entre duas árvores que produziam e trocavam sentimentos tão dominantemente negativos entre si sendo quase insuportável. Do seu lado, Rengoku escondeu uma raiva que vinha bem do fundo por essa mulher… Mas também havia uma culpa estranha, diferente da culpa que ele sentia pela morte de Kanae; era resignada, como se ele a tivesse aceitado e tentasse conviver com essa culpa. Misturada à raiva e o ódio dele, também havia esse cheiro adocicado e exótico de… algo que ele não conseguia definir. Era florido e um alvo cego dos sentimentos negros abundantes dentro do seu mestre.
Do lado de Shinobu os almiscares eram similares, o ódio próprio e o veneno corrosivo sendo produzido em massa e, nas sombras da mente dela, cavando um poço ainda mais profundo para encher de tristeza e remorso, seja por palavras ou atos—!!
POR QUÊ?! Ele quase deixou sua raiva desesperada fugir de si.
Por que esses dois são assim?! Está quase o sufocando ficar entre esses cheiros tão intensos que misturavam sentimentos tão diferentes e opostos, escondidos sobre camadas e camadas infindáveis e velhas de ódio sem pé nem cabeça e culpa cega, a complicação extrema machucando sua mente exausta.
Felizmente, Rengoku prosseguiu com as apresentações, não deixando de perceber o suor acumulado na testa do tsuguko e o olhar arregalado que ele deu em sua direção.
– Está tudo bem, Tanjiro?
–… Sim, estou bem—Estou bem! – Ele corrigiu-se, falando com firmeza e retomando sua postura forte e decidida ao ver que tinha a relaxado.
– Ótimo. O cara na árvore, o que nos queria morto—
– Quero. Você é uma desgraça para o nome já sujo do seu pai, Kyojuro.
– Corrigindo, que nos quer mortos é Obanai Iguro, o Hashira da Serpente. – Tanjiro cerrou as sobrancelhas. Respiração da Serpente… Isso soa muito idiota e desconexo com a realidade, mas o olhar heterocromático venenoso e perfurante do homem à distância o impediu de soltar uma risada ou algum comentário, mas não quebrou sua resolução de força.
– Obanai-kun pode ser um pouco rígido, mas ele é um cara muito legal quando você o conhece—
– Ei. – ele falou lá de cima, apontando para a Pilar do Amor. – Obrigado, eu aprecio isso… Mas eu não vou ser legal com você, garoto. – a voz do homem quase fez um calafrio correr o avermelhado.
– Ele é tão legal, né?
– Sim… Sim! Com certeza, muito legal!
– Agora, onde estaria—
– Yo, deixando o seu amigo aqui pro final, Kyojuro?! – uma voz ríspida e com tons estranhos de violência ecoou através do ar, chamando a atenção para o portão.
E, de olhos arregalados, ele viu nas mãos daquele homem com os olhos adoidados e de peito aberto, cicatrizes assustadoras de tão profundas e longas marcando centenas de batalhas na fortaleza massiva de puro poder que ele chamava de corpo, a caixa de Nezuko… E o cheiro deixava intrépido; ela estava lá dentro. Tanjiro tremeu de ansiosidade e até certo medo ao ver a caixa onde sua irmã estava nas mãos de outra pessoa que tinha olhos tão selvagens, debaixo do Sol forte, para completar a desgraça.
Rengoku pareceu gostar ainda menos dessa situação.
De repente, não havia mais nenhum sorriso. Não havia mais uma apresentação e até mesmo os animais pareceram calar-se diante do rosto cândido de Rengoku Kyojuro, suas mãos caídas ao lado do corpo numa aparência de normalidade… porém, havia esse choque tenso, esse poder que permeava o ar e fazia-o sentir congelado e sem lugar para onde fugir, que fazia suas pernas latejarem ao entenderem que, acima delas, havia um corpo humano; um saco de ossos, carnes, sangue e um amontoado de gelatina desesperado. E a qualquer momento, Rengoku podia movimentar-se e fazer esse seu corpo, seu precioso corpo, em pedaços flamejantes.
Esse poder tão além de tudo que ele entendia, essa pressão avassaladora… O fazia sentir cada parte do seu corpo completamente, um mecanismo de defesa ativado pelo medo intenso.
Tanjiro não temia Rengoku. Mas seu corpo, sua alma, temia aquele poder puro no ar.
– Shinazugawa.
O homem respondeu com um sorriso nenhum pouco afetado pela pressão, rudemente colocando a caixa no chão sem nenhum cuidado, o metal e a madeira tremendo sob sua força. Com um dos pés pisando no topo dela, o de cabelos brancos olhou dentro dos olhos de Rengoku. O Pilar das Chamas mal se moveu diante do insulto, uma das mãos subindo para descansar no punho de sua Nichirin.
– Uma oni, Kyojuro… O que deu na sua cabeça, em?
– Seu nome é Nezuko, e ela nunca causou mal a ninguém—
– Mentiras! – e, num piscar de olhos, a espada verde penetrou a madeira e saiu pelo outro lado com uma rajada de sangue, um grito abafado e o cheiro de dor de sua irmã traspassando o ar.
– NEZUKO!! – tentando avançar para tirar sua irmã do perigo imediato, Tanjiro encontrou um obstáculo na forma da mão de Rengoku suavemente pousando em seu ombro. Com os olhos arregalados e sentindo uma fúria branca marcando todo o seu rosto, o ex-queimador de carvão estava pronto para começar a gritar sobre o que infernos Rengoku estava fazendo… Até ver os seus olhos.
No escuro, ele teria os confundidos com olhos de oni.
Uma raiva tão profunda, uma vontade de puxar aquela lâmina e simplesmente destroçar o inimigo que ousou machucar algo precioso na mente do seu mestre. Os olhos arregalados, o rosto contorcido no desejo de queimar… E ele controlou toda essa fúria voraz dentro de si.
A verdadeira força.
– É uma oni, não existe essa conversa de que ela não mata, de que ela não segue os seus instintos! O que deu na sua cabeça, Kyojuro?! O que levou você e Tomioka a participarem dessa loucura?
– Você não a conhece, Shinazugawa. – com a mão forte em seu ombro, Tanjiro percebeu o quão rígido Rengoku estava, o cheiro intenso mostrando que seus instintos básicos esperavam a menor deixa para enlouquecer e deixar essa fúria explodir. – Se não fosse por ela, o meu tsuguko não estaria aqui de pé. A tsuguko de Shinobu o mesmo destino, assim como aqueles dois garotos na enfermaria.
… Hã?
Por que ele estava contando Inosuke também? Tanjiro apenas deixou passar, o assunto mais importante agora tendo uma poça de seu sangue manchando o cascalho.
– Um oni que cura com sangue, eu ouvi. Um oni que não come humanos. Um oni bom—um oni que nos engana! – e, sem piedade alguma ou hesitação, uma segunda estocada rachou a madeira e sangue começou a pintar o cinza cada vez mais rápido. A mão de Rengoku fechou, enlouquecida nessa fúria quente, o cheiro sendo de agonia, todo o seu poder concentrado em manter a raiva para si mesmo; atacar Shinazugawa seria como gritar ao mundo que as palavras do Pilar desconhecido eram verdades, que eles haviam sim enlouquecido.
… Mas saber que Nezuko está sofrendo lá dentro…
– Esse julgamento é uma farsa, garoto. – o Pilar estava falando diretamente com ele. – Sua irmã já se foi há muito tempo e, hoje, vamos acabar com a miséria dela. E então vocês três se matarão, vergonhas para o nosso nome—
– VOCÊ ESTÁ ERRADO! – ele gritou, a mão de Rengoku impedindo-o de avançar. – Nezuko viveu no meio de humanos por mais de dois anos e ela nunca, nunca atacou ninguém! Ela até adquiriu um hobby, futebol, depois de jogar com um dos mordomos!… Ela é uma oni capaz de fazer atos bons, ela nunca machucaria um humano… – ele já ia implorar para ele parar de machucá-la, mas palavras de Tomioka ditas há anos atrás ecoaram em sua mente.
Ele não ia implorar.
Ele ia exigir.
– E, por isso, ela vai viver para que um dia ela se torne humana de novo! Toda doença tem uma cura e, para que ela volte a ser humana, eu acharei essa cura, mesmo que custe tudo o que eu tenho! – ele gritou, postura alta e desafiando o homem a tentar contrariá-lo. Mais atrás, com os olhos lacrimejantes e cheia de tensão, Mitsuri segurava no haori de Shinobu.
– Kami-sama, o que você acha que vai acontecer?! – ela apertou com força o tecido muito caro em padrão de borboleta, o sorriso de Shinobu recusando-se a sair. – Ai, que ansiosidade!
– Será um espetáculo de sangue! Ah, a excitação, eu imagino quais técnicas da respiração do vento farão Rengoku sangrar mais, espero fontes altas de sangue! Talvez até algumas queimaduras bem profundas e doloridas, prováveis de literalmente transformar osso em farinha; eu tenho que dizer, estou excitado para o clímax. Comecem a lutar logo, eu ordeno! – Uzui gritou, diante do desenvolvimento da história.
Muichirou, silenciosamente, observava tudo.
Rengoku escondeu o seu orgulho o melhor que ele pôde, olhos laranjas focados nos de Shinazugawa e cada e todo movimento do pilar dos ventos, sua face sempre irritada rapidamente tomando um tom de nojo. No Sol assassino, o sangue de Nezuko evaporou da lâmina de espada, a ponta pairando perigosamente perto da madeira.
A tensão continuou a se esticar, o instinto de Rengoku fazendo-o puxar a Nichirin de sua bainha apenas um pouco, o efeito passivo esfumaçante deixando sua resposta mais do que previsível: Por mais que ele tentasse não deixar a raiva dominá-lo, caso Shinazugawa não parasse de maltratar a oni e recuasse, então ele seria obrigado a enfrentar as consequências.
Ambos pilares mantiveram um jogo de encarar por longos segundos, o silêncio avassalador, todas as palavras necessárias estando no olhar que cada um dava ao outro…
Até que então—
– O Mestre da mansão está de volta. – Duas vozes gêmeas sobrepostas ecoaram, rasgando o elástico instantaneamente. Suaves passos contra o assoalho e um cheiro novo deixaram marcas no ar.
Tanjiro já esperava encontrar-se com o mestre da Organização, engolindo em seco enquanto sua mente trabalhava para pensar como a imagem de tal homem lendário seria—
… Frágil, levemente sorridente e, principalmente, cego não foram seus primeiros palpites. Ainda mais surpreendente foi quando a mão quente de Rengoku o puxou para baixo, forçando o ex-queimador de carvão a mesurar-se diante do homem enfermo.
Assim como todos os outros pilares.
Não havia mais tensão, não havia mais discussão. Diante desse homem que sorria leviano, uma das meninas segurando sua mão pálida e o guiando até o assento no chão, os mais fortes abaixaram suas cabeças em reverência.
– Bom dia, crianças. O clima parece tão bom, a brisa carrega o frio do outono, mas a quentura do verão persiste… Imagino se o céu está tão azul quanto eu me lembro, ou se há mais nuvens do que antes. Ouvi dizer que os novos trens criam muitas nuvens. – Seu tom e palavras desconexos passaram despercebidos por Tanjiro, seu foco descansando em como a entonação da voz do homem o fazia sentir… Leve. A falta de uma orelha não doía mais, nenhum machucado recente o puxava para baixo, nem mesmo aquela tontura horrorosa do álcool mais cedo conseguiram lugar em sua mente, tudo enquanto a voz suave dançava no tambor de seu ouvido.
Era quase tão bela quanto a de Kanao.
– Seja bem-vindo, Mestre Ubuyashiki! Aquece nossos corações saber que o senhor encontra-se em uma saúde tão boa. – Rengoku proferiu num tom administrável em uma voz suave e desprovida da excessiva energia que ele sempre colocava em tudo que fazia. A mudança de sua voz, o jeito que ele deu destaque às palavras, falou as mais lentamente… Era como se ele estivesse tornando mais fácil para o homem entender tudo que saia de sua boca.
– Eu agradeço pela cortesia, Kyojuro. Bem, temos hoje um assunto de alto calibre em mãos. Dois pilares esconderam a existência de um oni e não a mataram, assim como três novatos. Deseja dizer algo, Kyojuro?
– Claro, mestre! Antes de dar início ao julgamento, eu desejo elucidar a todos os presentes tudo sobre a oni com quem meu tsuguko tem viajado junto a mais de dois anos.
– Oh, bem direto, como sempre… Imagino que há bastante confusão entre vocês, crianças. Devo dizer, eu ouvi os barulhos lá dos portões. Me alegra que vocês encontram felicidade na companhia um do outro. – ele sorriu docemente antes de, acenando a cabeça por nenhum motivo, se completar. – Mas sim, por favor, dê-nos uma luz sobre a situação além do que podemos julgar com o mero olhar.
– Obrigado, mestre. – Rengoku pausou um momento, seu olhar caindo em Tanjiro e, com confiança, acenando positivamente para ele, um gesto que dizia com todas as palavras; “confie em mim”. Tanjiro não entendeu exatamente o motivo disso, mas seguiu cegamente. – Este garoto, Tanjiro, veio a mim na recomendação de Tomioka, sua carta dizendo coisas que me deixaram cético a princípio. Sua família foi massacrada e sua irmã transformada em oni, preferindo por protegê-lo em vez de comê-lo para recuperar suas forças. Eu o treinei depois de testemunhar cada detalhe com meus próprios olhos e hoje vejo o potencial dos dois refletindo-se em diversos campos. Nezuko é capaz de curar feridas, até as fatais. – um cheiro de culpa profunda irradiou de Shinobu por um momento e, logo depois, sumiu, consumido por rancor desenfreado. – E ela conviveu com diversos outros humanos e os ama como se fossem sua família.
– Hum… – o mestre sorriu calmamente. – Fico feliz em ver que você encontrou felicidade na beleza da vida, Kyojuro. Então, Nezuko pode curar humanos e os ama como família. Nessa época difícil, isto é um sinal que pode ser visto de diversas maneiras, de diversos pontos de vista. Do meu, eu permitirei que Nezuko e Tanjiro sejam livres nas facilidades.
Algumas cabeças se levantaram de confusão, outras foram olhos com raiva e incredulidade. Rengoku, por sua vez, ergueu o queixo satisfeito com os resultados iniciais, olhos recaindo em Shinazugawa com a caixa descansando ao seu lado.
– Oh, mestre. Mesmo que seja você, um antro de pureza, esta é uma ordem que eu me oporei com forças. É nosso dever ter piedade dessa garota condenada e dá-la luz no fim das trevas. – com lágrimas escorrendo pela sua pele morena, o homem gigantesco juntou as mãos.
– Eu também me oporei, Mestre! Um caçador viajando com um oni é inaceitável—assim como é realmente um clichê de romantistas iludidos sobre a realidade. Nada legal!
– Não consigo pensar em nenhum motivo para me opôr às suas palavras, mestre! Eu sei que Rengoku tem bons motivos e fala a verdade sobre essa Nezuko, minha intuição feminina me diz!
Muichirou suspirou alto, dando de ombros.
Shinobu franziu o cenho, olhos movendo-se para encarar os de Rengoku quê, surpreendentemente, também encarava-a. Uma faísca elétrica correu o ar e aquele cheiro doloroso do coquetel de sentimentos venenosos e nublados inundou as narinas de Tanjiro, quase que deixando lágrimas escaparem de seus olhos, segurando-as lá dentro através de pura força de vontade… Mas era um cheiro que o deixava tão, tão furioso, como se ele observasse um lago puro e cristalino qual tivesse sido poluído com os dejetos mais impuros da natureza. Verdadeiramente horrível.
Ela, entretanto, apenas abaixou o rosto.
Giyu cerrou os braços, incapaz de dar sua opinião; ele também estava sendo julgado.
– Anteriormente eu confiava no Rengoku, ele era um cara maneiro… Mas saber que, por dois anos, ele escondeu um oni dentro de sua própria casa? Me deixa doente no estômago. – Obanai proferiu, nenhum escrúpulo em deixar seu desgosto claro pelo Pilar das Chamas, algo muito além do ódio comum por demônios racionalizando seu julgamento.
– Desde os primórdios de nossa Organização, nós caçamos onis. Famílias, clãs inteiros foram construídos ao redor da nossa filosofia e nossas práticas. Por mil anos orgulhosamente caçamos as Luas e o próprio Kibutsuji, lutando contra os monstros no campo deles sob a Lua deles, tudo onde a vantagem está ao lado deles… Um oni andando por nossos jardins, tocando nossa arquitetura, observando indiferentemente nossos costumes; quanto tempo até que ela fique com fome? Minha cabeça lateja de tanto ódio só de ponderar o quão desastroso será quando o momento chegar, meu Mestre! Eu peço, do fundo do meu coração, que Tanjiro Kamado, Rengoku Kyojuro e Giyu Tomioka e qualquer outro envolvido sejam punidos severamente por esse crime tão hediondo.
Houve um silêncio diante desse discurso apaixonado do homem, nenhuma resposta dita forçando as pessoas a criarem suas próprias respostas. Por mais que Tanjiro odiasse de onde ele estava vindo, do que ele pretendia fazer, ele não conseguia não ficar carrancudo de ansiosidade enquanto os lugares mais cínicos de sua mente encontraram razão nessas palavras—!
Entretanto, não só para sua surpresa como para a de seu mestre, um contra-argumento veio do lugar mais inesperado;
– A oni cortou seus pulsos com as próprias garras para fazer o sangue fluir. Seus machucados foram grandes e, ao seu redor estavam, pelo menos, quatro pessoas gravemente feridas, uma dessas sendo minha tsuguko que foi perfurada através do pâncreas e teve o sangue inteiro do abdômen coagulado. Eles não demonstravam nenhuma capacidade de poderem se defender… Mas a oni preferiu cair desmaiada de cansaço ao contrário de alimentar-se da carne. – Shinobu terminou, evitando ao máximo encarar Rengoku ou o garoto. Shinazugawa, de todos os três, foi o que mais ficou afetado com essas palavras dela. Ele sabe muito bem como o relacionamento dos dois funciona, ele viu as demonstrações abertas de ódio, de facadas no escuro… Ela defendê-lo assim não é natural em todo sentido da palavra.
Certamente funcionou para enfurecê-lo ainda mais.
– Isso não garante nenhuma segurança para nós ou qualquer pessoa que trabalhe aqui!
– Ele está certo, mestre. Eu peço que veja a razão. – Himejima implorou. – Uma vida humana que foi perdida é uma vida humana que não pode ser recuperada, um erro que não pode ser desfeito.
Ubuyashiki olhou entre os vários pilares, demorando um pouco em Shinobu, o sorriso simples no rosto dela escondendo o ferrão que pingava líquido corrosivo… Mas parecia que a vespa tinha acertado a si mesma. Foi um bom começo essa indecisão, essa dificuldade de manter a fachada que ele sentiu sua criança usar tanto ao longo dos anos. Os empurrões necessários viriam de diversas direções e como ela terminaria ia depender solenemente dela mesma.
Ele tem um bom pressentimento sobre o futuro, entretanto.
– Vocês todos estão certos. – sua voz trouxe curiosidade em abundância dos pilares, um coração batendo rápido demais para o jovem Tanjiro. – Não podemos garantir que Nezuko seja dócil e mantenha-se pacífica, é um caminho sem volta caso aconteça dela comer um ser humano ou até matar alguém. Dito isso, que jogue a primeira pedra aquele que pode prever o futuro e, com toda certeza, me dizer que Nezuko matará um ser humano.
Essas palavras foram como gongos de esperança para Tanjiro, o Pilar que havia machucado Nezuko engasgando com a lógica apresentada. Ubuyashiki, porém, não havia terminado.
– O que sabemos através de fatos é que, por dois anos inteiros, Nezuko andou pela casa de Rengoku e teve contato com diversas pessoas diferentes, adquiriu humanidade em um hobby; sabemos também que ela prefere curar do que matar, mesmo que isso desgaste-a. Na linha, há cinco vidas humanas; Rengoku Kyojuro, Tomioka Giyu, Tanjiro Kamado, Inosuke Hashibira, Zenitsu Agatsuma. Essas vidas serão desperdiçadas caso a inocência de Nezuko Kamado seja negada. Caso alguém tenha algum argumento convincente a adicionar, a hora é agora.
Shinazugawa bateu os dentes, nada vindo a mente. Himejima manteve-se silencioso e parado, como uma pedra. Obanai exalou um cheiro estressante enquanto pensava sobre aquelas palavras do Mestre e Tanjiro, realmente, quis chorar… Mas ele era forte.
Ele nunca vai mostrar suas fraquezas diante dos outros, muito menos quando era a vida de sua irmã e de outros na linha.
– E há mais uma coisa… – Ubuyashiki moveu os olhos para encarar diretamente Tanjiro, o que confundiu o ex-queimador de carvão. Se o homem era cego, como ele sabia exatamente onde ele estava? – Tanjiro encontrou-se com Kibutsuji Muzan.
De repente, o cheiro ao seu lado tornou-se irreconhecível.
Todos os pilares tiveram reações próprias de incredulidade, o próprio Muichirou de olhos arregalados encarando o menino com a cicatriz na testa. A de Rengoku, porém..
Medo…
Ele nunca, jamais imaginou que o seu atual e único ídolo de força em sua mente pudesse cheirar tão avassaladoramente a medo, nu e cru. A compostura do homem caiu, seus olhos abriram-se e suas sobrancelhas caíram em desgraça, subitamente virando-se para Tanjiro e agarrando ambos os ombros do garoto, o fazendo virar para encará-lo. Ele estava suando, ele estava desesperado…
Rengoku Kyojuro estava com medo.
– Tanjiro, isso é real?! Isso é verdade?! Por que você não voltou para casa?! – sua voz tremeu e houve uma oscilação tão forte em seus músculos, a pele perdendo a cor num ritmo doentio.
– Eu… Ren—
– Não! NÃO HÁ DESCULPAS! VOCÊ DEVIA TER VOLTADO! Tanjiro, você devia ter me comunicado… E-e saído de longe dele o mais rápido possível, voltado para segurança!… Se Muzan tivesse pego você ou sua irmã—
– Kyojuro. – Ubuyashiki chamou e, instantaneamente, o pilar das chamas cortou suas palavras mal conectadas e ruminações preocupadas, mal conseguindo levantar um sorriso enquanto endireitava-se, trêmulo diante de uma notícia tão avassaladora.
A explosão repentina do homem de cabelos loiros pairou no ar e deixou Tanjiro atônito, sua mente nunca realmente tendo parado para pensar sobre o que Muzan poderia ter feito a ele depois que ele foi atacado pelos onis das bolas e das setas. E, enquanto sua mente digeria as palavras de Rengoku, ele também percebia o quão tolo havia sido de não comunicar aos Caçadores; ele sabia a localização de Muzan, sua aparência! Isso foi há quase um mês agora.
– Perdão pelo meu desrespeito, Mestre… – o olhar que Tanjiro recebeu de canto do mais velho trouxe calafrios a sua espinha. Rengoku estava irritado e, acima de tudo, envergonhado e decepcionado com ele. O clima estranho depois da quebra violenta da serenidade impediu que qualquer Pilar pudesse matar a curiosidade lacerante dentro de seus corações…
Ninguém das últimas cinco gerações, pessoalmente, encontrara Kibutsuji Muzan ou lutou com ele. Alguns até eram céticos de se esse tal oni milenar realmente ainda estava andando pelo mundo.
– E falando no demônio. – o Mestre riu levemente de seu trocadilho, totalmente traindo o clima tenso que pendurava-se entre os pilares. – Sei também que capangas têm sido enviados atrás de Tanjiro e Nezuko, seu confronto com duas Luas Inferiores deixa isso claro. O garoto está sendo caçado por Kibutsuji, por algum motivo… Assim como eu creio que há algo sobre Nezuko, algo no fundo do coração dela, que nem mesmo ele, o Rei dos Demônios, pôde imaginar se tornando real.
As palavras do mestre trouxeram silêncio, trouxeram contemplação.
Não para Shinazugawa Sanemi.
– Mestre, perdão minha insensividade… Mas eu me recuso a ceder a isso. Quantos de nós já morreram nas mãos dos onis, quantos deles a gente já matou—quanto sofrimento todos envolvidos, por gerações, aguentaram?! – E então, num olhar alucinado e cheio de fúria justa, a sua espada verde estava para fora da bainha, tensão enrijecendo a pele de Tanjiro—
Mas, ao contrário de machucar Nezuko, ele machucou a si mesmo.
Sangue pingou na caixa de madeira… Um sangue de cheiro esquisito, mais atenuado—!! Porém que, para o terror de Tanjiro, enlouqueceu Nezuko lá dentro da caixa de um segundo para o outro. Por que ela estava assim?! Ela já teve contato com sangue humano antes e tudo que ela foi salivar e então negá-lo…
Ela estava se contorcendo e cheirando a uma louca vontade de matar e comer.
– Eu vou mostrar, aqui e agora, como tudo isso é ladainha… Que não existe um oni bom!
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