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História Hipocentro - Insuspeição


Escrita por: yugensouls

Capítulo 3 - Insuspeição


Ninguém conhece tão mal os servos como o amo.

Francesco Guicciardini

 

É dia de gravação. Eles estão sentados ao lado de fora, numa ala externa. Há movimento da equipe de apoio dentro do set onde se gravam as internas da Casa da Moeda; todos os detalhes estão sendo conferidos, restando aos profissionais de continuidade dar seu aval para continuar as gravações. Paco toca seu violão, entretém seus colegas; dedilha as cordas do instrumento com paixão, a melodia os embala de maneira suave e elegante. Parte deles está conversando em um tom médio, a outra parte relendo suas falas mentalmente, as mãos em suas cópias do roteiro.

Pedro está dançando com Alba, ambos rodopiam no meio do pátio, rindo com os braços abertos, as palmas vez ou outra ecoando pelo set. Eles se adoram. Apesar da relação conturbada entre seus personagens, a identificação entre os mesmos fora quase instantânea. É uma amizade bonita de se assistir. Suspira, pensativa, até que Álvaro senta-se ao seu lado. Depois de tanto tempo, eles sentem-se completamente confortáveis um com o outro. Já conversaram sobre tudo que envolve suas vidas; sobre suas carreiras, sobre seus relacionamentos, sobre seus gostos. “Oi, Itzi.” Diz ele. Parece sereno.

“Oi.”

Em silêncio, ambos assistem aos colegas dançando. Úrsula e Miguel levantam-se, sorrindo, e se juntam ao corpo dançante; assim como Jaime e Esther. Paco levanta-se, e começa a dançar com eles enquanto toca o violão. Todos estão felizes. Há uma energia gostosa que os ronda, como se não fosse um trabalho que os reunisse, apenas uma reunião de velhos amigos. Ela levanta os olhos. Há uma mão estendida para ele, e ela percebe ser de Álvaro. “Vamos?”

Não há porquê dizer não. Escuta o coro que começa a cantarolar Bella Ciao, a música que os conecta aos personagens. Ela coloca a mão sobre a dele, levanta-se; ele a guia, e eles estão no meio da roda, dançando, as vozes unidas e sincronizadas. Não demora para que todos ali se juntem ao grande grupo, rodopiando e dançando ao som da canção italiana.


O partigiano, portami via
O bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciao...



***

 

Itziar está aquecendo-se para entrar em cena. Costuma recitar um mantra em latim, repeti-lo como sua oração pessoal. É neste momento, enquanto caminha de um lado para outro, que Mario entra em seu caminho e ela tromba com ele.

“Me desculpe, Itziar.” Brinca ele, e sorri.

“Não se preocupe. Eu estava mesmo distraída.”

Mas ele não se move. Seu rosto está fixo nela; os olhos a estudam; o sorriso se alarga. Ela sabe o que isso quer dizer. Sabe identificar quando um homem demonstra interesse, e é exatamente isso que ele está fazendo agora. Mas ele sabe que ela é casada. Todos sabem.

“Como tem sido fazer a inspetora? Você tem feito um trabalho incrível.” Ele está encostado no batente; não parece ter pressa em deixa-la. Os braços cruzados denunciam os músculos. Mario é um homem atraente, tem um corpo bem marcante, o rosto de traços fortes que lhe dá um aspecto de homem sério. Faria sucesso com alguém que, eventualmente, estivesse interessada.

“Tem me ensinado muito. Temos essa ideia de que uma mulher forte é uma fortaleza impenetrável. Eu mesma pensava isto. Mas Raquel mostra que uma pessoa forte como ela também pode ter vulnerabilidades.” Responde sorrindo, mas evita manter contato visual com ele. Não quer que ele pense que o está encorajando.

“Ela é mesmo uma mulher fascinante...” Diz ele, mas não recebe nenhuma resposta. Alguns segundos depois, volta a se movimentar, dando a entender que continuaria seu caminho, mas não sai do lugar. “Sobre a nossa cena na tenda policial.” Mario começa a falar, e captura a atenção dela. “Espero que não tenha sido rude demais. Você sabe, é o roteiro.”

“Não se preocupe, amigo. Somos atores. Faz parte do trabalho.”

Ele sorri, balança a cabeça como se estivesse repentinamente envergonhado. “Mesmo assim, as vezes é desconfortável ter que agir como um completo babaca com uma mulher.” Há mais silêncio entre eles. Ela pede aos céus que alguém os interrompa. “Bem, eu a vejo depois.” Diz ele, e logo se afasta, deixando-a confusa.

“O que foi isso?”

Ao virar-se, ela se depara com Álvaro. “Há quanto tempo está aí?”

“O suficiente.” Ri ele, os olhos fixos nos olhos dela. “Parece que Mario gosta de você.”

Ela sorri, mas não responde. E ele não se importa em continuar no assunto. Coloca as mãos nos bolsos da calça preta, e ela repara o quanto o visual do Professor fica bem nele. “Eu tenho umas ideias sobre a nossa próxima cena. Se estiver livre à tarde, poderíamos pegar um café e discutir sobre isso.”

“Com certeza.”

Alex entra na sala, o set está pronto. É hora de gravar. “Vejo-o mais tarde então.”

 

***

 

Sentados a mesa de madeira escura de um pequeno café nos arredores do set de filmagem, eles conversam. Itziar tem os cabelos soltos, as madeixas loiras brilhando sob o sol ameno da tarde. Ela bebe seu chá gelado, e ele seu café escuro. O movimento é pouco, há menos de meia dúzia de clientes ali presentes. “O que você acha até o momento da relação do Professor com ela?”

É uma boa pergunta. É claro que é uma sacada esplendida que ele se apaixone pela inspetora responsável pelo caso; principalmente quando havia planejado destruí-la no processo. Ela ama essa reviravolta. Mas quando se trata da sua personagem – há tantas controvérsias. “O que sinto pelo roteiro é que ela sofreu muito, têm muitos traumas não resolvidos. Ela não se dá tempo ou oportunidades de procurar uma pessoa, pois está soterrada em suas responsabilidades sendo filha e sendo mãe. Sente falta de contato, por isso mergulha de cabeça na relação com esse Professor. Ele a cativa em seu próprio habitat.”

“Acha que ela foi ingênua?”

Ela ri, e o encara. Ele a encara de volta, e abre um sorriso quando ela responde. “Acho que ela foi desconfiada o suficiente.” Dá de ombros. “O que não a ajuda de qualquer forma. Ele tem tudo programado. Tudo sob controle. Não há chances para ela.”

“Eu estive pensando em nossas próximas cenas. Em como fazer o beijo deles funcionar. Você tem alguma ideia?”

“Não pode ser algo morno. Já sabemos.” Ela beberica seu chá, e volta ao contato visual com ele. “É um relacionamento com base na atração, na tensão entre eles, e a tensão deles com suas respectivas personalidades.”

“Você confia em mim?”

Mas é claro que ela sequer precisa responder algo assim. Ela confia nele. É um ótimo parceiro de cena. “Que pergunta é essa?”

“Você sabe como são essas cenas em específico. É preciso confiar. Temos que conversar os pormenores para que eu não decida improvisar, de repente, e você se sinta desconfortável, ou algo assim.” Ele sorri. “Vai que você acha que estou beijando você de verdade.”

O que provoca um riso natural nela. “Não vou pensar isso. Não se preocupe.”

“Pode ser que eu use as mãos, mas vou mantê-las em um nível acima da cintura sempre. A menos que seja necessário descer mais.”

“Combinado.” Ela estica o corpo na cadeira. “Mas também podemos abusar um pouco da respiração e urgência. Certo? Precisa transparecer um pouco de desespero, desejo, vontade. Vai ficar bonito na câmera.”

“Oras, oras.” Sorri ele. “Temos uma especialista aqui.”

“Eu sei quando é necessário performar um beijo com tesão.”

Os dois trocam um sorriso. “Você não me disse como estão as coisas com Roberto desde aquele dia.”

Ela relaxa o corpo e sorri para o amigo. “Acho que ele estava em uma fase ruim. Tudo voltou ao normal. Não posso reclamar dele, sabe? Ele é um pouco fechado, mas comigo, tem sido sempre muito gentil. Carinhoso.”

“Fico feliz por você. Você merece isso.”

“Obrigada.”

“Isso quer dizer que teremos você na próxima reunião de Pedro?”

Ela balança a cabeça positivamente. “Não garanto que ele irá. Mas pelo menos não vai se importar se eu for.”

“Olá meus queridos!” Cumprimenta Fernando. Era normal que o elenco passasse por ali, por ser o estabelecimento mais próximo ao set. “Posso me juntar a vocês?”

“Você deve.” Responde ela, e ele puxa uma cadeira para sentar-se com eles. 



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