História História 20 - ESCOLHA - Capítulo 7 - INESPERADO

“Há muito mais do que, normalmente, se pode ver”.

Apesar de simples e até um tanto conspiratória, essa era uma frase que o oficial Watanabe Kenjiro levava a sério para a vida. E de fato, havia muitas coisas que não se podia ver, mas que, indubitavelmente, existiam.

Um exemplo? A própria existência.

Como um shinigami, o homem que aparentava algo em torno da meia idade (ainda que a existência dele no mundo espiritual excedesse, e muito, o tempo representado) não podia ser visto pelos humanos ou, pelo menos, pela maioria deles. Então, dizer algo como “a verdade vai muito além do que vemos”, não era necessariamente mera conspiração.

Ainda assim, há um ou outro caso em que, mesmo ele que já possuía uma pequena base psicológica para o inesperado, se surpreendia.

A reviravolta de Aizen, por exemplo, o deixou chocado. Aquele capitão sempre teve uma fachada de homem prestativo e muito gentil e, embora o shinigami não confiasse nele por completo e soubesse do alto nível de inteligência que ele possuía, a traição, todavia, ainda havia sido algo inesperado.

O choque, talvez, tenha se dado não pela pessoa que executou o plano, mas sim pela paciência que ele necessitou ter durante incontáveis anos para finalmente declarar-se como inimigo.

Era verdade que os shinigamis poderiam ter vidas extremamente longas, talvez até milênios se a sorte os abençoasse. Contudo, um ser tão relativamente jovem quanto aquele capitão e com aquela frieza era algo inevitavelmente inesperado.

Um outro caso que deixou o respeitado oficial Watanabe chocado foi a aparição de um humano vivo no mundo espiritual e, como se não fosse o suficiente, havia sido exatamente esse mesmo humano quem derrotou o frio ex-capitão traidor.

Uma alma criada a partir da união de uma quincy e um capitão, algo raro e extremamente poderoso. Entretanto, não era o único existente.

Embora muitos não soubesse, ele, por acidente, acabou por descobrir um dos muitos segredos daquele alternativo universo. Mais um Kurosaki existia e ele, melhor dizendo, ela, não estava muito longe.

Após as várias guerras, muitos shinigamis pereceram e, como resultado, muitas posições ficaram vagas. Ainda por consequência, aqueles que tinham muita experiência, mas pouco poder, acabaram por se tornar oficiais de confiança e sem um posto definido. Servindo onde e quando fosse necessários, os “Watanabes” da Soul Society moviam-se de um lado ao outro, muitas vezes não sendo sequer percebidos por aqueles que realmente possuíam um cargo na divisão em que estavam ajudando.

E foi justamente em uma dessas invisíveis idas e vindas, que Kenjiro ouviu a verdade sobre a identidade da nova recruta da 10ª divisão.

Ao que ele pôde concluir, o capitão da respectiva divisão discutia com o comandante supremo sobre a ordem para que a garota ocupasse, oficialmente, o cargo deixado pela antiga tenente da divisão e que havia subido ao cargo de capitã.

Hitsugaya, no entanto, parecia contrário a idéia, alegando as possíveis represálias que ela muito provavelmente sofreria. Kyouraku, ainda assim, manteve a decisão, deixando claro que só a linhagem da garota já a garantia poder mais do que suficiente para equiparar-se rapidamente a um capitão, tal como o irmão mais velho e que, indiscutivelmente, embora bastante jovem, possuía uma boa experiência em combates e até aquele momento, havia servido de forma bastante eficiente como uma substituta para Matsumoto.

Kenjiro não ficou até o final para escutar a decisão, mas como as notícias se espalhavam rapidamente naquele mundo, foi fácil entender que os dois capitães acabaram concordando quando a nova tenente da 10ª divisão foi anunciada.

Apesar de bastante comentada, o oficial nunca trocara nenhuma palavra com a garota e os caminhos deles, nem mesmo tão cedo se cruzaram.

Mesmo assim, ele não poderia dizer que nunca a havia visto.

Vez ou outra, enquanto trocava de um corredor ao outro, Kenjiro via a jovem presença ao longe. Shiba Karin (ou, como chamada enquanto viva, Kurosaki Karin) era uma alma realmente jovem, animada, e bastante observadora. Embora nunca tenha falado ou se aproximado da morena, o shinigami, de vez em quando, sentia-se ser observado ao passar e, quando finalmente procurava pell observador, podia encontrar o olhar da garota a encará-lo de forma minuciosa a distância. Ele, é claro, não era uma exceção. Karin era atenta e mantinha os sentidos e instintos sempre em alerta. E a culpa disso, talvez, fosse o fato de que ela soubesse bem da atenção que havia ganhado ao ocupar o cargo de tenente, bem como os olhares de descontentamento daqueles que também queriam o cargo e, muitas vezes, nem sequer planejavam ganhá-lo por mérito próprio.

Certa vez, mandado em uma missão mais ao longe, foi quando o caminho dele, literalmente, cruzou-se ao dela (ainda que de forma bastante desagradável).

Enquanto retornava da missão, Watanabe vira um pequeno grupo de pessoas próxima a uma enorme e antiga árvore da região. Curioso, o shinigami parou no local para perguntar o que havia acontecido. Contudo, ninguém parecia saber dizer o que havia acontecido. Ainda assim, todos os olhares se voltavam para o mesmo ponto, o alto da árvore. Impulsionado pela curiosidade, Watanabe também levantou o olhar e, quando o fez, novamente foi pego pelo inesperado. Era ela. Surrada, inconsciente e acorrentada de forma terrivelmente cruel. Ao pé da àrvore, o pequeno emblema da 10ª divisão, ainda que não precisasse, confirmava a identidade.

Sem dúvida alguma, era Karin.

Sem saber necessariamente se deveria ou não tentar removê-la de lá sozinho, o homem de meia idade apenas emitiu o alerta aos superiores e cuidou para que o ocorrido não se alastrasse, enquanto, simultaneamente, discutia consigo mesmo se o indivíduo que fizera aquilo à garota ao menos teria consciência da verdadeira guerra que acabava de comprar.

Até onde havia ouvido, Karin era tenente por mérito próprio e isso, de certa forma, ajudava para que Watanabe tivesse algum respeito pela jovem. Contudo, isso não mudava o fato de quem ela realmente era, bem como o poder que exercia nas camadas mais acima da cadeia de comando.

Um atentado contra um tenente era algo grave. Um atentado contra um nobre era praticamente imperdoável, mas um atentado contra a irmã do salvador daquele mundo, sendo ela a filha de um dos capitães… Bem, o homem ainda tentava imaginar o quão insano aquilo poderia ser, embora estivesse profundamente aliviado por nunca ter nutrido qualquer sentimento negativo sequer contra ela.

Como shinigami, Karin era nitidamente poderosa, mas nada comparado ao oculto poder político que ela possuía.

O bem-estar da jovem, sem dúvida alguma, valeria uma nova guerra que poderia começar a qualquer minuto. A força de Kurosaki Ichigo era conhecida, bem como a do próprio pai. E caso eles, um dia, viessem a declarar guerra contra o mundo das almas, a Gotei 13 certamente passaria por um novo caos, até porque, o homem ainda se lembrava bem, o que ainda mantinha o laço da organização shinigami e os ex-capitães habitantes na terra, sempre havia sido justamente aquela família.

E foi justamente em meio a tais pensamentos que o primeiro superior chegou. E a repentina baixa na temperatura já anunciava com clareza quem havia se apressado: Hitsugaya Toushirou, o capitão da 10ª divisão.

Por um breve instante, Kenjiro manteve o olhar no símbolo de madeira que carregava nas mãos enquanto, simultaneamente, ganhava coragem e organizava os pensamentos sobre como deveria explicar a situação. Pronto e determinado (isto é, o quanto a situação permitia), o oficial se apresentou frente ao capitão, curvando-se e o cumprimentando antes que iniciasse qualquer detalhe. A reação dele, porém, foi um pouco diferente do inesperado. A pergunta foi clara, embora, nitidamente em choque.

Hitsugaya apenas queria ir direto ao ponto. E ao encarar o capitão, acabou por vislumbrar algo extremamente raro: perplexidade e terror.

Por um instante, a mente do homem voltou nos próprios pensamentos, enxergando o nítido erro que havia cometido. A guerra que ele antes imaginara, talvez não seria iniciada apenas por aqueles que estavam na terra, havia quem se importava com ela profundamente na própria cadeia de comando (o quê, obviamente, tornava a situação ainda mais caótica).

Ainda assim, voltando à realidade, Kenjiro decidiu apenas manter-se nos planos originais: entregaria o emblema da garota e explicaria o que podia explicar. Dessa forma, estendeu o pequeno objeto de madeira para o capitão, mas foi o comandante supremo, que havia acabado de chegar, quem se responsabilizou por ficar com a identificação. Logo após, Hitsugaya pareceu ignorar toda e qualquer existência ao redor dele. E enquanto passava, o ar esfriava e o chão congelava ao mesmo passo em que algo se quebrava acima dos céus.

Em instantes, as correntes no alto da árvore eram pulverizadas e a jovem retirada, ainda em consciente.

Já no chão, o capitão que apenas refazia o caminho, subitamente, parou. A voz grave ecoou exibindo uma nítida ira contida. Kenjiro, é claro, não possuía qualquer culpa, mas foi inevitável não ter os batimentos acelerados pelo medo durante um breve instante. Até que, finalmente, o capitão finalmente direcionou-se a um grupo de crianças por perto. Era com elas que ele falava e, obviamente, sem qualquer controle sobre o próprio tom (algo tão raro quanto a expressão facial inicial).

A garota, no entanto, pareceu despertar por alguns instantes. O tom era baixo e fraco, o suficiente para que apenas o capitão escutasse. Ele, por sua vez, logo respondeu. Preocupado e zeloso, o jovem de cabelos brancos parecia carregar nos braços algo tão frágil quanto cristal e tão valioso quanto o diamante.

Karin, entretanto, logo voltou a dormir e  finalmente foi colocada na maca da 4ª divisão. De longe, o shinigami viu o jovem capitão e o supremo comandante fazerem uma pequena troca palavras, na qual nenhum dos dois parecia muito feliz. Hitsugaya desapareceu e, junto com ele, também se foi a  existência daquela mesma árvore que até  instantes atrás mantinha a tenente suspensa.

Mais tarde, boatos ecoaram de um canto à outro sobre uma punição qualquer e almas desaparecendo.

Kenjiro não comentou qualquer coisa, apenas ficava com os próprios pensamentos guardados para ele mesmo. Não sabia exatamente quem estava julgando (afinal, o número de pessoas que poderiam estar envolvidas era incontável), mas sabia bem o motivo do julgamento, bem como a pena que eles, os culpados, certamente devem ter recebido. Afinal, o desaparecer de uma alma de família nobre, normalmente, não era algo ignorado, mas, daquela vez, por algum motivo (um muito específico até), não foram feitos muitos esforços para encontrá-las.

No fim, depois de algum tempo passado, em uma noite qualquer, o “juiz” tornou-se muito mais óbvio do que o esperado, bastando apenas que se soubesse da verdade.

De toda ela…