Capítulo 9 – Caminhos cruzados
24 de Setembro de 1943
Pov Jonathan
Impotência. Essa seria a palavra exata para explicar o que estava sentindo ao ver aquele cretino filho de uma puta agredindo meu melhor amigo. Ele não tinha o direito de fazer aquilo, aliás, não ele não tinha o direito de nos manter presos nesse lugar para início de conversa.
Fechei os punhos com força, tentando me acalmar enquanto lançava um olhar pesaroso à Matthew, que retribuiu com um sorriso discreto. “Droga” pensei derrotado, enquanto via meu amigo sendo cruelmente espancado por aquele japonês metido a besta.
Após o acidente com a aeronave, tudo aconteceu muito rápido. O encarceramento na base de Okinawa, fora de longe os piores dias da minha vida e minhas costelas doíam somente em lembrar das surras que levei e levo até hoje desde que viemos parar nesse lugar.
Depois das apresentações, fomos dispensados, e seguimos em direção aos alojamentos, onde avistei Matt conversando com um rapaz baixinho deitado no último colchão encostado na parede. Fui em direção a eles, porém, a voz do comandante do pavilhão, se fez presente.
- Matthew Collins, se apresente em frente ao alojamento agora. – Ouvi o homem gritar do lado de fora e Matthew sair apressado, sem ao menos me ver.
Segui em direção ao baixinho que estava arrumando a mochila gasta embaixo da cabeça e me sentei no colchão improvisado ao lado do mesmo. O moreno percebendo minha presença virou a cabeça em minha direção e sorriu.
- Mais um novato pro pelotão. – Disse com ironia – Seja bem vindo, meu nome é Dylan. Dylan Smith. E o seu soldado?
- Hughes. Jonathan Hughes – Estendi a mão, sendo prontamente atendida pelo outro.
- Inglês? – Perguntou com o dedo indicador abaixo do queixo – Não, ruivo desse jeito com certeza não...hum...talvez seja dinamarquês...– Disse pensativo.
- Sou irlandês, da cidade de Mullingar no Condado de Westmeath – Eu disse rindo da expressão de espanto de Dylan.
- Sério? Nossa você nem tem sotaque - - O garoto de aparência franzina e grandes olhos castanhos perguntou olhando pra mim interessado.
– Meus pais foram para América quando eu ainda era criança. Em busca de uma vida melhor para eu e meus dois irmãos caçulas. – Falei sentindo o coração apertado ao me lembrar de minha família. – Eu tinha apenas 8 anos, mais já trabalhava ajudando meu pai na lavoura e a sustentar a casa, além de auxiliar mamãe nos cuidados de Frigga e Georg. – Contei me lembrando dos momentos complicados que passamos e continuei – Eram tempos difíceis, vivíamos com o pouco dinheiro que ganhávamos vendendo milho e sorgo* nas cidades vizinhas, e às vezes conseguiamos o suficiente para alimentar somente os mais novos já que mamãe não podia trabalhar porque ficara cega quando ainda era muito jovem.
– Percebi que Dylan ouvia atentamente e iria perguntar algo, porém o interrompi. – Vítima de um acidente de trabalho aos 9 anos. Trabalhava em uma fábrica de engrenagens, quando por descuido de um dos operadores das máquinas que soprou a fuligem metálica em seus olhos, causando cegueira irreversível. – Falei observando o garoto abrir e fechar a boca diversas vezes sem saber o que dizer. – Apesar dessa fatalidade, ela nunca deixou de fazer o que qualquer pessoa com um par de olhos saudáveis faz – Comentei sorrindo – Se casou, teve três filhos, cuida da casa e do marido com maestria, você precisa ver – Continuei falando, estudando o peito com orgulho – Apesar de nunca ter saído de Mullingar, jamais teve medo do desconhecido. E foi por isso que ela não pensou duas vezes antes de concordar em ir para os Estados Unidos em busca de algo melhor para todos nós. – Terminei sentindo uma lágrima escorrer de meus olhos.
– Você acredita que eu sou o único que se parece com ela? Digo, em questão de gênio é claro – Dei uma risada
– Mamãe nunca foi de levar desaforo pra casa e eu não sou diferente. – Fechei os olhos.
- Faz quanto tempo que vocês moram lá? – Dylan perguntou interessado
- Estamos lá a pouco mais de uma década. Eu tinha 8 anos, enquanto Georg tinha 2 e Frigga 6 meses quando partimos – Respondi fazendo as contas ao tentar me lembrar das idades corretamente. – Hoje eles nem se lembram do lugar onde nasceram, são praticamente cidadãos americanos – Falei pensativo
– Minha mãe planejava viajar com toda a família para Irlanda e levar os caçulas para conhecer nossas raízes. Porém a guerra alterou o ciclo natural das coisas e cá estou eu longe de todos, do outro lado do mundo e conversando com um garoto que nunca vi na minha vida – Dei uma risada empolgada e suspirei – Como as coisa mudam de uma hora pra outra você não acha? – Perguntei encarando o garoto olhudo do meu lado.
- Nem me fale – Dylan disse me acompanhando no riso – Uma hora estava brincando de carrinho com meus amigos e de repente estava com um rifle nas mãos– O garoto disse ainda dando risada.
- Quantos anos você tem garoto? – Perguntei curioso.
- Vou fazer 14 o ano que vem. – Disse orgulhoso e o olhei espantado – Ah qual é? Vai me dizer que me achava mais novo? – Perguntou arregalando ainda mais os grandes olhos castanhos.
- Você tem o tamanho de um garoto de 10, não imaginava que fosse tão velho – Disse rindo da cara emburrada do outro ouvindo -o resmungar um “idiota” baixinho. – Mais como veio parar aqui? – Perguntei intrigado.
Dylan olhou com tristeza para mim e começou a brincar com os dedos da mão em sinal de nervosismo.
- Bom, eu morava em um orfanato em Michigan, fui abandonado pela minha mãe aos 2 meses de idade e não conheço meu pai. Nunca fui adotado por ser considerado “defeituoso demais” para ter uma família normal. – Disse levantando a perna esquerda, mostrando uma prótese metálica. – Não precisa dizer que sente muito. Eu já nasci assim. – Disse Dylan lendo meus pensamentos rindo do meu constrangimento. – Apesar de ser um perneta de nascença, corro melhor do que muitos por aqui.
- Você ainda não respondeu minha pergunta Dylan – Disse rindo da piadinha infame do garoto.
O garoto de cabelos negros parou de rir e virou de lado apoiando a cabeça no braço ficando de frente pra mim.
- Quando a guerra começou o exército precisava de garotos para ajudar a fazer o carregamento de munições para canhões e armas de fogo. Então as madres do orfanato, fizeram uma seleção entre os garotos, onde pouparam os considerados mais “aptos” a serem adotados enquanto os demais foram para as zonas vermelhas. E claro que fui um dos sorteados para ir ao campo de batalha. – Dylan riu amargo e continuou. – Minha equipe fora capturada por soldados infiltrados na base e o único que saiu vivo dessa história foi eu – Disse pensativo – O que é estranho, pois a base era vigiada dia e noite e não tinha histórico de invasões.
- Sinto muito.– Eu disse imaginando o que aquele garoto passara durante todo esse tempo.
- Não diga isso, estamos no mesmo barco marujo. – Dylan falou revirando os olhos. – Ainda tenho esperança de sair daqui.
- E o que pretende fazer depois?
Perguntei interessado.
- Não sei, arrumar um trabalho, uma casa pra morar e voltar a estudar – Disse sonhador – Ainda vou ser um grande cirurgião. Até nome de doutor eu tenho – Falou mostrando o nome bordado na camisa que vestia.
Sorri concordando. Um silêncio confortável se instalou no ambiente.
– Mais mudando de assunto, você sabe o que aquele japonês queria com o rapaz de cabelo comprido? – Perguntei me lembrando de Matt.
- O garoto com cara de menina? – Perguntou e eu assenti concordando. – Eu não sei, mais boa coisa não deve ser – Disse pensativo – Na última vez que isso aconteceu, eu nunca mais vi o sujeito por aqui. – Falou tranquilo me assustando com a possibilidade de algo ruim ter acontecido com Matt.
- Espero que ele esteja bem... - Eu disse sentindo um nó na garganta.
=//=
A noite havia caído e todos dormiam, porém até aquele momento Matthew não dera as caras por aqui e minha preocupação estava à níveis catastróficos. Não aguentando mais esperar, me levantei decidido a sair em busca de meu amigo, quando o mesmo apareceu na porta do alojamento. Estava pálido, os olhos vermelhos e inchados e andava com certa dificuldade.
- Matt? O que aconteceu? – Perguntei superando a distância que havia entre nós o acolhendo em um abraço apertado.
- Ah...Johnny...foi horrível, ele é um monstro...um monstro – Matthew disse soluçando alto enquanto me abraçava desesperado.
- O que aconteceu gatinho, o que fizeram com você? Lhe agrediram é isso? – Perguntei desesperado, porém assim que tirei uma mecha de cabelo de seu pescoço encontrei um hematoma arroxeado perto da nuca. “Um chupão” pensei concluindo o que de fato havia acontecido, sentindo o sangue borbulhar em minhas veias.
– Quem fez isso? – Perguntei com a voz rouca.
- Não quero falar sobre esse assunto agora Jonathan. – Matt disse limpando as lágrimas ainda me abraçando.
- Foi aquele maldito não foi? – Insisti respirando fundo tentando manter a calma – Fala pra mim, por favor. – Peguei seu rosto em minhas mãos, fazendo-o me encarar
- Não há nada que você possa fazer acredite. – Matthew disse de forma triste – Ele vai matar minha mãe Johnny, e eu não tenho escolha se não, aceitar essa humilhação. Agora vem, vamos dormir, estou exausto. – Matt pegou minha mão e me guiou até os colchões se deitando, onde fiz o mesmo e enlacei sua cintura e fechei os olhos com raiva, pensando em uma maneira de fazer aquele homem pagar por ter tocado em meu amigo daquela forma, porém sabia que não poderia fazer nada a respeito. Pelo menos por enquanto.
- Irá pagar caro por isso Miyazaki, pode apostar que vai... – Disse sentindo o sono me dominar.
Continua...
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