26 de Julho de 1943 - O início do fim
“Tudo pronto”. Pensou enquanto encarava a mochila devidamente arrumada em cima da cama.
Olhou em volta do quarto pela milésima vez naquele dia com o intuito de gravar cada detalhe do lugar onde dormiu a sua vida inteira. O cômodo de aparência simples exalava nostalgia, a cama de madeira envelhecida no canto esquerdo, o guarda roupas rústico ao lado, cujo móvel já havia servido diversas vezes como esconderijo nas brincadeiras de esconde - esconde com seu melhor amigo, as paredes de cor creme já desgastada pelo tempo, a estante pequena com alguns livros surrados ganhos de seu já falecido avô, e sua tão amada mesa de estudos decorada com pequenos soldadinhos de chumbo e uma luminária.
Percebeu que cada canto daquele quarto lhe acometia à lembranças tanto ruins quanto boas, porém fora tirado de suas divagações com a voz de sua mãe dizendo para descer. Soltou um suspiro pesaroso e seguiu rumo a porta, não sem antes pegar seu livro favorito, cujo objeto lhe acompanhara desde a infância, e desceu as escadas lentamente como se o ato pudesse atrasar o inevitável.
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- Promete que vai se cuidar filho? - Perguntou Anne ajustando o colarinho da camisa do filho.
- Eu sempre me cuido mãe, pode ficar tranquila.- Disse Matthew segurando sua mão tentando passar uma confiança que não convenceu nem a si mesmo.
- Por mim pegaria nossas coisas e iríamos para bem longe desse lugar … - Confessou sua mãe com a voz embargada.
- Não diga algo que não pode cumprir Dona Anne.- Deu uma risada sem humor.
Mal terminou a frase quando sentiu um par de braços finos lhe envolver em um abraço caloroso que o aqueceria sempre nas noites frias que passaria dali pra frente. Retribuiu o gesto de maneira carinhosa e deixou um beijo terno em cada lado do rosto da mulher que havia lhe dado a vida.
- Promete que vai escrever toda semana filho? - Anne perguntou soltando um suspiro sofrido.
- Eu prometo mãe, sempre terá notícias minhas. - Disse com a voz mansa. - Eu te amo..
- Eu também te amo meu filho, que Deus lhe proteja - Anne disse em tom maternal.
Quando ia dizer algo a mãe, fora interrompido por uma cabeleira ruiva que entrara naquele momento de maneira afoita na sala da pequena casa.
- Matt ta na hora, o caminhão já está esperando. - Matthew encontrou o olhar aflito do amigo segurando sua mochila verde musgo em um dos ombros.
O castanho acenou em concordância e deu um último abraço na mãe, segurando fortemente as lágrimas que teimavam em escapar dos seus olhos.
- Vá com cuidado meus filhos, e voltem inteiros pra casa - Anne finalizou dando um abraço longo nos mais novos e um cafuné em cada um.
Assim que ouviu o trinco da porta se fechar, a mulher de expressão forte sentiu seus joelhos fraquejarem e deixou-se cair no chão de carpete vermelho e chorou, como se o ato pudesse trazer seu menino de volta.
E antes de cair no sono , uma última imagem de seu filho lhe veio à mente; E com um último lampejo de consciência fez uma curta prece ao filho.
“Fiquei bem filho, e não deixe que corrompam sua alma e sua mente das maleficências do homem, eu te amo.”
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Já dentro da carroceria do caminhão Matthew observou com olhos tristes a cidade onde cresceu ficar cada vez mais distante até não se ver mais nada além da estrada esburacada. Olhou a sua volta e percebeu os jovens ali presentes, o mesmo olhar de tristeza estampado nas faces joviais, o medo latente do que viria, a incerteza de um futuro próspero; E pensou que muitos daqueles jovens talvez jamais voltariam para suas casas, pra suas famílias ou suas namoradas. A guerra ceifaria suas vidas, como uma foice ceifa o trigo e nada mais restaria para contar sua existência. Triste, porém, inevitável "Tudo pelo bem da pátria" lembrou-se de maneira amarga a frase que seu avô sempre lhe falava.
Segurou a mão do amigo que estava quieto até o momento e encostou a cabeça nos ombros largos do ruivo.
- Vai ficar tudo bem, estamos juntos nessa, eu prometo. - Jonathan sussurrou suavemente no ouvido de Matt fazendo um carinho nas mãos pálidas e macias do outro.
"Estou cansado de promessas que não poderão ser cumpridas" pensou irônico, porém se limitou apenas a dar um aceno em concordância.
Dali pra frente nada seria como antes, teriam que se acostumar com a nova realidade imposta a eles.
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