Capítulo 12
He Escaped Again
13 de Julho de 2000
A briga tinha sido muito feia. Estava sentada no sofá, tomando uma taça de vinho, emburrada, mudando constantemente o canal da televisão. Detestava que Guy estivesse tão obstinado em querer se colocar contrário ao seu trabalho. Viera com aquele discurso de que lhe arrumara um excelente emprego em Metrópolis, num renomado hospital psiquiátrico. Que tinha usado todas as conexões da família para conseguir, e que agora ela poderia ter certeza de que teria um bom emprego na nova cidade onde ele queria começar uma nova vida.
Ficou tão nervosa por ele nem sequer ter se dado ao trabalho de perguntar o que ela queria que não conseguiu esconder a raiva. Discutiram, gritaram e no final ele jogou seu jarro de violetas no chão, antes de sair e lhe deixar sozinha. Suspirou e encheu a taça de vinho, trocando mais uma vez o canal da televisão.
-A próxima vez que ele quebrar alguma coisa minha, eu irei usar aquele golpe do Krav Magá no nariz dele. Ah, como vou. – Resmungou mudando para o Discovery Channel, onde se passava um documentário sobre hienas.
Soltou um muxoxo e começou a assistir, sem prestar realmente atenção. Em algum momento viu fofos filhotes escuros, então uma leoa indo para uma caverna para ter filhotes. Uma cobra matou os filhotes, mordeu a leoa e Harley cansou da vida selvagem. Mudou de canal e viu que Batman estava perseguindo o Bane, sendo filmado por um helicóptero. Mudou de canal novamente e se viu num canal de culinária, onde uma senhora ensinava como fazer um pudim. Acabou assistindo e dormindo em frente à televisão.
A ressaca e a noite mal dormida cobraram seu preço e Harley foi trabalhar com óculos escuros. A dor de cabeça lhe acompanhou por quase todo expediente, até o horário do almoço. Estava comendo no refeitório dos médicos, quando Dr. Hugo Strange entrou. Não deu muita bola e continuou comendo seu almoço, mas quando o chefe do departamento parou à sua frente, o olhou curiosa.
-Dra. Quinzel. Eu li seus relatórios e observei uma grande melhora no paciente 4479. – Disse ele parecendo mirar seus relatórios sobre o Coringa – Parabéns pelo bom trabalho. O Diretor Arkham está muito satisfeito. – Disse ele e Harley ficou de pé, muito cheia de si – Ninguém esperava uma melhora tão rápida, nem mesmo eu.
-Eu estou fazendo o meu melhor para... – Mas o médico o cortou.
-No entanto achamos que você não está tão bem. O paciente certamente a está sugando demasiado. – Harley piscou, ficando alerta e, sem mudar de tom ou de expressão, Strange continuou – Para sua própria segurança eu estarei assumindo o 4479 daqui para a frente.
-O QUE?! – Perguntou, furiosa – Como assim?! Eu estou tendo progresso! Nenhuma queixa de comportamento no último mês . Nenhuma! Ele não está nem mesmo implicando com os guardas. Não precisou mais ir para a solitária! Isso não é justo! – Ralhou.
-Não é sobre o 4479, é sobre a sua... – Começou Strange, mas o cirurgião chefe do Arkham o cortou.
-É sobre a entrevista do Gotham Insider, não é, Strange? – Perguntou ele com um sorriso perspicaz. Strange o olhou parecendo apenas levemente incomodado – Por que deixar a garota novinha levar o crédito no seu lugar, não é? Afinal, o simples fato dela ter se arriscado para fazer isso não deve pesar em nada.
-Não se meta, Elliot. – Ralhou ele e o cirurgião levantou a caneca de café em sua direção, como se estivesse brindando.
-Não se engane, Dra. Quinzel. Ele só quer surfar no SEU sucesso. Não é a primeira vez que ele faz isso.
-Não tem nada a ver com isso, Dra. Quinzel. Apenas olhe pra você. Parece que não pregou o olho a noite toda. – Ralhou Strange – E ainda recebi queixas do seu noivo falando que você está trabalhando demais. E levando em consideração que irá se mudar para Metrópolis em pouco tempo, o melhor será se afastar de seus pacientes mais dependentes antes que eles fiquem ainda mais dependentes. – Disse ele.
-Eu não aceito isso! – Disse, zangada. Strange lhe deu as costas e foi até a porta.
-Não é como se você tivesse poder para mudar alguma coisa, garota. Ponha-se no seu lugar. Você não passa de uma residente. – E então ele saiu. Harley sentiu o rosto ferver. Só lhe faltavam três meses de residência e ela pretendia que o caso do Coringa fosse sua tese de mestrado. Mas ele lhe roubara aquilo!
Sentiu a mão de Elliot em seu combro e ele suspirou com cumplicidade.
-Não fique assim, Dra. Quinzel. Se tentar arrumar problemas pra ele, Strange pode destruir sua carreira. Talvez seja melhor se mudar para Metrópolis.
-Não vou me mudar para Metrópolis. Nem agora e nem nunca! De onde Strange tirou isso? – Perguntou furiosa e Leland foi quem lhe deu a resposta.
-Foi seu noivo. Ele veio aqui hoje de manhã. – Respondeu ela a olhando como se sentisse muito – Strange pareceu absolutamente feliz depois da reunião dos dois.
**
19 de Junho de 2000
Harley guardou suas coisas e suspirou, triste. A oportunidade de sua vida fora roubada sem que nada pudesse fazer. Suspirou mirando o dedo sem aliança e sentiu-se confortada com isso. O noivado estava acabado. E ficou satisfeita de ter feito isso durante um jantar com a família do prefeito. Guy a olhou quase desesperado quando ela terminou o relacionamento pouco depois da sobremesa, quando seu táxi chegou.
Era mais uma terça feira e dessa vez sairia no horário normal, às 18h. Strange cuidaria do Coringa dali pra frente. E as palavras de Thomas Elliot não saiam de sua cabeça. Strange iria ficar com todos os louros de seus esforços. Mas ao menos teve uma coisa que ele não pode arrancar dela. As histórias do Coringa. Seus relatórios não continham nomes ou detalhes, apenas diagnósticos e algumas estratégias – algumas que ela nem chegara a usar – anotadas. Nada que fosse realmente ajudar Strange a entrar na mente do Coringa. Tinha certeza de que não daria em nada, além de uma entrevista para a televisão.
Com um suspiro aborrecido, pegou sua bolsa e a abriu, tirando de lá a foto da garotinha. Será que jamais descobriria sobre aquela questão? O Batman nunca abrira o bico sobre aquilo, no fim das contas. Por mais que ela tivesse insistido.
Mirou a garotinha com a atenção, a achando uma criança bonita. Se perguntava de quando seria aquilo. Com quantos anos ela estaria naquele momento? Bufou e guardou a foto novamente. Finalmente saiu de seu escritório e fechou a porta com a chave. Deixou o asilo e voltou de táxi para casa. Estava procurando as chaves para abrir a porta, sem sucesso, acabando por se irritar de leve.
-Harley, está na hora de comprar um carro. Ir e voltar de táxi para o trabalho está ficando muito caro. – Resmungou finalmente achando a chave de casa. Abriu a porta e entrou, fechou a porta e a trancou, deixando o trinco na porta, afinal aquilo era Gotham. Jogou a bolsa sobre o sofá e largou os sapatos por ali mesmo. Foi direto para o banheiro tomar um banho. Banho tomado, cabelos lavados, um creme hidratante. Serviço completo. Foi para o quarto se vestir e então foi assistir ao noticiário. Nada interessante na televisão, além de a Mulher Gato ter roubado um diamante azul que estava em exposição no museu – Que fiasco, Harley...
Foi dormir mais cedo que o normal. Teve sonhos bobos, onde brigava com Guy por ele ter feito com que ela fosse transferida para Metrópolis. Só acordou no outro dia ao som do despertador. Precisava ir trabalhar, mas a empolgação tinha sumido. Não ter que tratar o Coringa semanalmente parecia ter tirado um pouco da emoção do trabalho.
Estava fadada a ouvir coisas enfadonhas de esquizofrênicos, mentes bipolares e alguns distúrbios que seriam facilmente tratados com a administração de pílulas. Se fosse para trabalhar com casos toscos, preferiria estar em qualquer outro lugar além do Arkham. Certamente o contracheque seria muito melhor.
Cogitou seriamente faltar ao trabalho e fazer algo fútil como ir ao salão, ou sair para fazer compras. Estava mesmo querendo um par de sapatos novos. Mas ela já não era mais a futura sra. Dickerson, então não poderia se dar ao luxo de perder o emprego no Arkham. Principalmente porque só faltavam mais três meses para concluir seu período de residência. Praguejando, se levantou e se preparou para um dia monótono ouvindo o Sr. Vizzer contando como as sombras estavam pedindo que ele fizesse coisas ruins.
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20 de Julho de 2000
E o Arkham parecia estar de cabeça para baixo. Harley sentia que todos pareciam absolutamente exaltados e ariscos. Foi até a cafeteria para tomar uma caneca de café antes do primeiro paciente chegar e foi recebida com olhares esbugalhados. Se perguntou se tinha esquecido de alguma coisa, ou se tinha maquiado apenas um olho, mas conseguiu suas respostas somente quando Thomas Elliot veio parabenizá-la.
-Parabéns, Harley. Caso alguém consiga capturar o palhaço, provavelmente ele vai ser todo seu novamente. – Disse o cirurgião e Harley sentiu o coração apertar.
-O que? Ele fugiu?
-Você deveria ter visto... Ele ficou furioso. – Disse Leland, também tomando café – Mas não tanto quanto Strange.
-Oh, ele perdeu totalmente as estribeiras. Não sei como o Diretor não mandou ele embora na hora. – Disse Elliot parecendo verdadeiramente animado.
-Do que vocês estão falando? – Perguntou, chocada.
-Não assistiu o jornal ontem à noite? – Perguntou Dra. Young.
-Sinceramente não... eu fui dormir cedo. – Disse ligeiramente nervosa.
-O Palhaço fugiu. – Resumiu Dr. Elliot – Fez Strange perder a cabeça e bater nele até ficar roxo. Mas quando o levaram para a cela, acharam que ele estava desmaiado e ele se aproveitou para fugir. – Elliot respirou fundo – Chamaram a polícia e o Batman, mas ninguém pensou em procurar no carro do Dr. Arkham. – Riu ele.
-No carro? – Perguntou Harley, chocada.
-Sim. Ele sequestrou o Dr. Arkham e fez com que ele retirasse a tornozeleira dele. Depois foi até a casa dele, aterrorizou a sra. Arkham e então deu no pé. – Disse Dra. Leland – Ninguém sabe dele desde então.
-Se eu fosse você, trocaria de fechadura, ou iria dormir na casa de alguém. – Disse Dr. Elliot – Ele pode ir atrás de você, ou qualquer coisa assim. – Agora ele não parecia animado, mas a olhava com alguma cordialidade, como se lhe desse um conselho sensato.
Harley engoliu em seco e concordou. O dia não foi entediante no fim das contas. Se perguntava se ele estava bem. Estaria roubando um banco? Estaria matando pessoas? Estaria zangado por ela não ter aparecido para a sessão de terça? Ele precisava entender que ela não podia fazer nada sobre aquilo.
Será que o Batman iria bater muito nele caso o achasse? Estava numa angústia sem fim quando o horário do almoço finalmente chegou. Não conseguiu comer, preocupada com seu paciente 4479. O Coringa. O Príncipe Palhaço do Crime de Gotham. Sentia que ele estava progredindo nas consultas, mas ainda era muito cedo para que ele experimentasse convívio social. Ele ainda era absolutamente instável.
-Dra. Quinzel. – A voz grave do Diretor a fez pular de susto na mesa. Se levantou e olhou para ele, se perguntando o que viria a seguir. Os cabelos castanhos dele não estavam tão bem penteados e ele não tinha feito a barba. O lábio dele estava cortado e olheiras roxeadas sombreavam seus olhos.
-Diretor... Ouvi que o senhor teve uma noite difícil. – Murmurou, aflita. Será que levaria algum tipo de culpa pelo que tinha acontecido?
-Quero conversar com você no meu escritório. – Disse o doutor Arkham e Harley engoliu em seco – Você vai ter algum tempo livre hoje?
-Agora mesmo, senhor. Não estou com fome. – Disse Harley, sentindo o coração bater mais rápido. O doutor Arkham concordou e acenou com a cabeça, convidando-a a segui-lo. O fez. Andaram rápido em direção ao escritório do diretor e o homem abriu a porta, esperando que ela entrasse. Sem esperar por convite, Harley se sentou na cadeira em frente à mesa do dr. Arkham. O diretor fechou a porta, deu a volta na mesa e se sentou – Tivemos alguma notícia do 4479? – Perguntou torcendo as mãos sobre o colo, escondida pela mesa. O diretor negou com a cabeça – O que aconteceu realmente ontem à noite, diretor? Onde está o dr. Strange?
-Eu insisti que ele tirasse as férias dele. – Disse Jeremiah – Para deixar que os ânimos baixem... – O diretor soltou um longo suspiro, parecendo sentir muito por tudo aquilo que estava acontecendo – Dra. Quinzel... Como o Palhaço costuma se comportar durante suas consultas? – Perguntou ele. Harley não viu motivos para mentir.
-Um pouco mais teatral do que a maioria, mas normalmente bem... Principalmente se levado em conta todo o tipo de coisa que ele passou.
-Por exemplo?
-Infância conturbada, pai violento, tutores irresponsáveis e abusivos. Muita violência durante a infância. – Disse sendo bem geral sobre os tópicos – Ele é um homem que sofreu muito. Ainda estávamos trabalhando a infância dele. – Disse Harley ajeitando os óculos sobre o rosto – Ele disse em vários momentos que já havia se esquecido de alguns episódios da infância. Episódios bons. A terapia o está ajudando a se lembrar das coisas boas, além de me ajudar a entender todo o processo que o levou à instabilidade.
Jeremiah a olhou intensamente por um momento, que se estendeu de forma quase incômoda.
-Você acha que alguma melhora seja possível?
-Eu acredito que sim... Isso é... Caso não tenham destruído tudo o que eu já vinha fazendo. O que Strange aprontou?
Sabia que ela era uma garota jovem, uma reles residente, com nenhum tipo de autoridade para falar daquele jeito sobre Hugo Strange, que já era um dos mais conceituados psiquiatras do Arkham, e de Gotham. Talvez do estado. Mas não se intimidou e mirou o diretor com censura, deixando claro o quanto achava ter sido injustiçada e prejudicada em prol da vaidade de Strange.
Jeremiah teve a decência de parecer sem jeito.
-Não posso entrar em detalhes, mas digo que o Coringa não gostou nada de ver que trocaram seu médico. – Disse Jeremiah – Ele se mostrou ainda mais agressivo e menos cooperativo que o costume...
-Posso ter a certeza de que, caso ele volte ao Asilo Arkham, ele voltará a ser meu paciente e que esse tipo de coisa não voltará a acontecer? – Perguntou cruzando os braços. O diretor pareceu até suar.
-Dra. Quinzel... Se ele voltar, e a senhorita realmente quiser continuar a terapia dele, terá meu consentimento. O bom comportamento dele era algo que todos vinham falando sobre. Ele parecia tão quieto e controlado. Foi um erro de principiante de Strange achar que poderia interromper o seu trabalho e...
-Concordo com isso, senhor. Há mais alguma coisa que precisa falar comigo? – Perguntou satisfeita com o rumo da conversa.
-Dra. Quinzel... Você está bem? – Perguntou ele e ela se espantou com aquela pergunta.
-Estou furiosa e decepcionada com toda essa situação. E é claro, um pouco frustrada com a fuga do meu paciente. Nada mais. Por que a pergunta?
-Como é seu relacionamento com ele? Com o 4479. Eu fiquei preocupado, Dra. Quinzel... Ele... Ele parece muito apegado à senhorita e... – Ele parecia até desconcertado – Bem... Eu teria medo no seu lugar... Do que ele poderia vir a fazer.
-O Coringa não me dá medo. Tanto é que nunca exigi ser vigiada pelos guardas. Sempre o tratei de maneira a incentivar um sentimento de confiança. Ele confia em mim e é por isso que ficou tão zangado e enfurecido quando Strange roubou o meu lugar. – Disse Harley e Arkham suspirou.
-Tome cuidado, Harley. Ele não é como os outros detentos. – Disse ele de maneira sombria – Cuidado para não cavar muito fundo, não tão rápido. Pode ser que não esteja pronta para o que vai vir a encontrar... – Ele baixou o olhar para a mesa – Eu espero que toda essa situação com o Dr. Strange não saia daqui do Asilo. Pode prejudicar não só a reputação do Hugo, como a do Asilo em si. Estamos num momento delicado, Dra. Quinzel. – Ele pareceu ainda mais sombrio.
-Como assim? – Perguntou surpresa.
-O prefeito fez uma coletiva essa manhã, denunciando que nós não conseguimos manter nossos detentos presos. – Explicou ele – E insinuou que talvez o Arkham não funcionasse. Isso acaba afastando o dinheiro dos contribuintes. Se souberem como o Coringa fugiu, bem... Isso pode trazer uma demissão em massa, por falta de verba. – Explicou ele e Harley engoliu em seco. Sabia muito bem quais cabeças seriam cortadas primeiro. As dos mais fracos – Você entende o que eu quero dizer? Eu entendo que está zangada e eu estou disposto a negociar com você algum tipo de compensação. Mas por favor, não leve a público tudo isso que aconteceu.
Ele a olhou longamente e Harley respirou fundo.
-É agora que você me ameaça? – Perguntou na defensiva.
-Não vou ameaçar, apesar de ter poder para tanto, senhorita Quinzel. Eu não estou interessado em intrigas entre minha staff. Você é jovem, mas é absolutamente promissora. Vamos manter nosso bom trabalho aqui, por favor. Veja por esse lado. Se o Arkham fechar, e o Coringa for preso de novo, talvez o mandem para Blackgate. Talvez o transfiram desse estado. Você estaria se sabotando caso tentasse denegrir a reputação do Asilo. – Ele baixou a cabeça – Quando o Palhaço for recapturado, caso você concordar e achar que ele está preparado, gostaríamos que desse uma entrevista, mostrando seus bons resultados. Caso a opinião pública for positiva, podemos até mesmo repensar sua posição aqui dentro.
Aquilo era interessante.
-Um aumento seria bom. – Disse calmamente – E quero mais liberdade no tratamento dos meus pacientes.
-Como assim? – Perguntou Arkham.
-Quero que pense no seguinte. Concordo em seguir os seus termos, desde que, quando eu pedir uma coisa ou outra, o senhor me apoie, mesmo se for contra a opinião de Strange, ou de qualquer outro psiquiatra. Nenhum deles conseguiu os avanços que eu consegui.
Ele a encarou longamente e pareceu mais velho do que realmente era. Jeremiah Arkham não tinha mais do que quarenta anos e era muito mais um administrador que um médico. Mas naquele momento ele pareceu muito velho.
-Certo, Dra. Quinzel. Temos um acordo. Você já se provou o bastante pra mim. – Ele suspirou e se sentou de maneira mais confortável – Espero contar com sua cooperação.
-E eu com a sua. – Disse se levantando.
**
Chegar em casa foi exaustivo. Estava se sentindo muito cansada, mesmo que não tivesse trabalhado tanto. Provavelmente por não ter conseguido parar de se preocupar com o Coringa. Ele estava indo tão bem. Era tudo culpa do Strange!
Bufou e chutou os sapatos para fora do pé, fechando a porta e a trancando. Largou a bolsa em cima do sofá e foi tomar um banho. Seu pequeno apartamento estava silencioso como de costume e ela notou que isso a desagradava. Era isso que mais sentia falta em um relacionamento. Gostava quando chegava em casa e Guy estava lá. Gostava de ser recebida no lar.
Bufou afastando aquele pensamento e tirou a roupa para se banhar. Um banho quente que parecia massagear seus músculos tensos. Saiu do banho e foi fazer sua hidratação rotineira. Notou que precisava refazer a sobrancelha e decidiu que naquele sábado iria a um salão. Saiu do banheiro, enrolada na toalha e foi até o quarto para se vestir, sem muita pressa. Procurou a agenda no armário de cabeceira e procurou o número do salão, para marcar um horário. Detestava ficar esperando um encaixe.
Depois de um telefonema, agendou seu horário para o sábado às 10h, assim poderia dormir até mais tarde. Se vestiu, colocando uma camisola e soltou os cabelos, para penteá-los. Foi quando ouviu um barulho vindo da sala. Piscou, preocupada e sentiu o coração acelerar.
Se levantou e foi até o armário pegar um bastão de baseball que guardara desde o ensino médio. Tinha sido um presente de um ex-namorado de quando era líder de torcida. Estava grata por nunca ter jogado fora e por ter levado consigo quando saiu da casa da mãe. Andou com o bastão bem firme entre os dedos e caminhou na ponta dos pés até a porta. Por um momento se lembrou de Thomas Elliot sugerindo que deveria ir para a casa de alguém.
-Coringa? – Sussurrou para si mesma. Engoliu em seco. O que faria se fosse? Estaria em perigo? Ele estaria zangado com ela? Não tinha tido culpa!
-Doutora Quinzeeeel! – Disse uma voz infantil e Harley piscou, a reconhecendo. Abriu a porta de uma vez e saiu para a sala. Lá estava o garoto que a ajudara na noite em que o Arkham fora atacado.
-Robin? – Ela piscou, chocada. O menino estava de pé, ao lado do Batman – Batman?
-Há! Ela estava mesmo em casa. – Disse o garoto parecendo satisfeito. Harley engoliu em seco e mirou os dois.
-O que estão fazendo aqui? – Perguntou abaixando o bastão.
-Você é a médica dele. Pelo que Arkham e Strange disseram, ele ficou muito nervoso quando trocaram os médicos. – Batman andou um passo em sua direção e Harley suspirou – Você tem alguma ideia do que ele pode ter ido fazer?
Harley se recostou na parede por um momento, pensando a respeito.
-Quem é a menina da foto? – Perguntou olhando para ele e o vigilante ficou em silêncio – Não sei pra onde ele pode ter ido. – Disse simplesmente, dando de ombros. Batman a encarou com aqueles frios olhos brancos.
-Vamos, moça. Você precisa nos ajudar. – Pediu o garoto.
-Vamos, Robin. Ela ajudou. – Disse Batman andando até a janela – Tome cuidado, Dra. Quinzel. Mantenha o bastão por perto, procure um amigo que concorde em te deixar passar alguns dias na casa...
-Eu sei me defender sozinha, obrigada. – Disse simplesmente.
Ele não pareceu ligar, mas o garoto parecia preocupado. No entanto, quando Batman saiu pela janela, ele não se demorou ali. Andou até o lugar por onde eles saíram e fechou a janela, a trancando.
-Eu moro no nono andar. Será que vou ter que colocar grades nas janelas agora? Que nem uma dona de gatos? – Perguntou fazendo careta.
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29 de Julho de 2000
Dick soltou um muxoxo, vendo os prédios altos de Central City passarem rapidamente pela janela. Depois mirou seu tutor, que lia o jornal de maneira concentrada. Alfred dirigia o carro alugado em silêncio. Aquela caçada parecia menos emocionante do que tinha imaginado que seria. Era a primeira vez que lidaria com o Coringa e estava animado para encontrá-lo, mas o cara parecia simplesmente ter desaparecido. E agora o Batman parecia achar que ele tinha deixado Gotham para ir para Central City.
-De que garota a Dra. Quinzel estava falando? – Perguntou novamente. Viu as sobrancelhas de Bruce franzirem, deixando claro que mais uma vez não obteria respostas – Custa responder? – Reclamou, mas Bruce manteve o silêncio e ele revirou os olhos.
Quando finalmente chegaram ao hotel e se instalaram na suíte, Bruce sugeriu que fosse descansar.
-Posso ao menos dar uma volta pela cidade? – Resmungou – Prometo não ficar muito tempo na rua.
Bruce o olhou com intensidade, mas então sorriu.
-Certo, mas não demore demais. Temos coisas a resolver durante a noite. – Disse ele.
-Fique com o cartão do quarto, Mestre Dick. Eu vou acompanhar Mestre Bruce na reunião com a S.T.A.R. Labs. – Disse Alfred e Dick concordou, colocando o cartão do quarto no bolso da jaqueta.
Saiu para a rua assim que conseguiu. Seus cabelos lisos e negros balançaram ao vento. O fim das férias de verão trazia muitos jovens para as ruas, provavelmente para o parque. Daria uma olhada por lá. Colocou as mãos nos bolsos da jaqueta e começou a andar pela cidade.
Central City era bem diferente de Gotham. O ar tinha um cheiro melhor, a cidade parecia mais iluminada e bem mais limpa também. Estava andando pela calçada em direção ao Parque quando testemunhou uma fuga da polícia. Do outro lado da rua, o que parecia ser um batedor de carteira passou correndo, fugindo de um policial, mas antes que Dick pudesse agir, um raio vermelho passou e no segundo seguinte o ladrão estava no chão.
-Precisa de ajuda, oficial? – Perguntou um homem de uniforme vermelho, com um raio no peito. Deveria ser o tal Flash. Bruce falara brevemente dele.
-Obrigado, Flash. – Agradeceu o policial, que ofegava cansado de perseguir o batedor de carteira.
-Tamos aí! – Disse o homem, com um sorriso divertido. No segundo seguinte ele desapareceu num raio vermelho, cruzando a esquina. Assoviou e voltou a andar pela rua, até finalmente alcançar o parque.
Vários jovens pareciam se divertir ali. Dick os observou de longe. Alguns faziam piqueniques, outros brincavam com cachorros. Um grupinho jogava baseball numa quadra ali perto. Algumas pessoas simplesmente passeavam. Ficou andando pela calçada até que viu duas mulheres num banquinho. Uma delas, a mais velha, provavelmente a mãe da outra, estava passando mal, com a mão sobre a testa. A filha dela, que não deveria ter mais do que doze anos, segurava a mão livre dela, parecendo preocupada. Ela usava um vestidinho cor de rosa, com uma mochila azul bebê nas costas. Preso na mochila, podia ver um palhacinho de pelúcia com um terninho roxo e os cabelos esverdeados.
Dick mirou as duas por um momento. Eram bem parecidas. Ambas muito loiras, esbeltas. O rosto de quem ele imaginava ser a mãe era mais redondo, em forma de coração, enquanto a filha tinha um rosto fino. Se aproximou das duas, preocupado, se perguntando o que teria acontecido.
-Olá. Tudo bem? – Perguntou se aproximando de vez – Está tudo bem?
-Oh, não se preocupe, querido. Foi apenas uma queda de pressão. – Murmurou a mulher, que parecia muito fraca. A menina parecia prestes a chorar.
-Mamãe. Vou procurar um telefone e ligar para casa. O vovô deve mandar um carro pra nos buscar. – Disse ela.
-Pode ir. Eu fico de olho nela. – Disse gentilmente e a menina lhe lançou um sorriso agradecido. Os olhos dela eram azuis brilhantes enfeitados com longas pestanas douradas.
-Obrigada, eu já volto. – Disse ela antes de sair correndo. Dick mirou a mulher e suspirou, se perguntando o que ela tinha. Ela não parecia ter muito mais do que trinta e poucos anos. Era pálida e seus cabelos dourados não aparentavam ter fios brancos. Mas ela tinha olheiras e olhos cansados, com rugas que ele acreditava que sumiriam com uma boa noite de sono.
-A senhora está bem? – Perguntou a segurando no pulso para sentir a pressão dela – O que está sentindo?
-Não se preocupe. Foi apenas a pressão. Ela tem essas quedas e eu fico assim. Mas logo eu devo estar melhor. – Ela suspirou parecendo triste e se sentou de maneira mais ereta – Que fiasco... Eu queria que nosso último dia em Central City fosse melhor do que isso...
-Estão de mudança? – Perguntou Dick, curioso. Ela negou com um aceno de cabeça.
-Era pra ser uma viagem... Mas parece que estamos fugindo e não viajando. – Disse ela parecendo cansada e quase sem ar. Dick tirou a jaqueta e a abanou para ajudar a mulher a ventilar – Você é um garoto muito gentil. – Murmurou ela e Dick sentiu as orelhas ferverem de leve. A mulher sorriu gentil e fechou os olhos. Olhos azuis brilhantes de um jeito que ele nunca tinha visto antes.
Alguns poucos minutos depois a menina voltou e o olhou agradecido.
-Obrigada. Nós nos viramos daqui. – Disse ela.
-Está tudo bem. Não me importo em ficar até o carro de vocês chegarem. – Disse calmamente e a menina sorriu.
-Obrigada. – Disse ela, simplesmente. Ela se sentou ao lado da mãe, que parecia que desmaiaria a qualquer momento. Dick ficou ali, cuidando das duas, apesar de que Central City nem de longe parecia tão difícil quanto Gotham. Os minutos se arrastaram enquanto a menina e a mãe trocavam olhares intensos e demorados, apesar de vez ou outra sorrirem para ele. Era como se conversassem uma com a outra apenas pelo olhar. Minutos depois um rapaz apareceu. Cabelos cor de palha e sardento – Mamãe. É o Kevin. Vamos. – Disse ela. Dick ajudou a menina a levantar a mãe e depois Kevin o ajudou a levar a senhora até um carro elegante, daqueles que Alfred usava para levar ele ou Bruce para algum lugar. Colocaram a mulher no banco de trás e então a menina sorriu para ele – Mais uma vez, muito obrigada.
-Não precisa agradecer. – Disse ele, calmamente. A menina sorriu novamente e ele escutou o rapaz murmurar.
-Acho que vamos acabar cancelando a viagem de vocês. A senhora Jeannie não parece nada bem. – Lamentou ele e a menina loira concordou entrando no carro. Dick viu o rapaz dar partida e logo o carro se distanciou até sumir de vista.
Soltou um suspiro e voltou a andar pela cidade. Mas logo estava quente demais e ele resolveu voltar para o hotel.
**
Batman e Robin se esgueiraram por sobre o grande portão. Ainda não sabia onde estavam e nem o motivo de Bruce não lhe explicar as coisas. Aquilo não era o normal dele. Bruce normalmente sempre o deixava a par das situações.
-Robin. – Disse ele num sussurro baixo. O olhou esperando instruções – Eu quero que me espere aqui. – Disse ele sem delongas e Dick o olhou zangado.
-Mas, Batman! – Ralhou.
-Sem “mas”. – Disse ele – Eu acho que estamos lidando com meta-humanos aqui. Se eu precisar de ajuda, vou chamar por você e você deve vir o mais silenciosamente possível, entendido? – Perguntou ele e Dick concordou com um muxoxo. Batman lhe entregou uma pequena pistola – Aqui tem três dardos com um tranquilizante potente. Caso você se depare com meta-humanos, não hesite em atirar. – Explicou ele e Dick se sentiu ligeiramente menos irritado por ficar pra trás. Seria a cavalaria caso algo desse errado – Fique atento.
E então seu tutor foi se esgueirando em direção à mansão. Anos antes a acharia um prédio imenso e imponente, mas agora, já há anos vivendo na Mansão Wayne, aquela ali parecia bem menos impressionante. Mas daria o braço a torcer em concordar que parecia mais nova e com uma área verde mais bonita. Bruce, por sua identidade secreta, era muito avesso a contratar empregados. Alfred vez ou outra chamava uma empresa de limpeza para ajudá-lo com a mansão, mas simplesmente não era o suficiente e isso dava um ar ligeiramente malcuidado e velho à Mansão Wayne.
Mas aquela ali era bem cuidada, harmoniosa, com um belo jardim e um pequeno lago. Via pequenas casas mais ao fundo, onde imaginava que os empregados moravam, mas poderiam ser apenas pequenos depósitos e não casas.
Robin subiu em uma árvore e suspirou, analisando o lugar. Mas ninguém saiu ou entrou por longos minutos. Impaciente, estava para descer de seu lugar de vigília, quando viu o brilho dos faróis. Ficou muito quieto, analisando, e quatro carros pararam a frente dos portões. Um homem de porte grande saiu de dentro de um dos carros com um grande alicate. Aquilo seria um roubo? O marmanjo cortou a corrente que prendia o portão e depois perdeu mais alguns minutos tentando arrombar a fechadura.
-Batman. Temos homens invadindo a casa. – Disse pelo comunicador. A resposta veio em pouco tempo.
-Fique de olho e me avise se é algum conhecido.
-Certo. – Murmurou. Será que ele esperava por aquilo?
O portão foi vencido e o marmanjo voltou para o carro, que apagou os faróis e entrou sem cerimônia. De dentro dos veículos, homens armados com semiautomáticas saíram. O último a sair usava o característico sobretudo roxo. Robin engoliu em seco e sussurrou no comunicador.
-É o Coringa mesmo. – Disse impressionado com Bruce. Era impressionante como ele sabia das coisas com tão poucas pistas. Claro, ele tinha mais informações. Se tivesse a par das coisas que Bruce sabia, talvez também tivesse chegado a aquele lugar.
-Fique a postos. Ele vai entrar na casa. Quantos homens? – Perguntou Batman pelo comunicador.
-Quatro carros. Pelo menos quinze capangas. Os motoristas ficaram nos carros. – Sussurrou prestando atenção. Aquilo seria perigoso.
-Vamos encurralar a gangue dentro da casa. Você cuida dos motoristas e depois venha me ajudar aqui dentro. Tome cuidado. – Sussurrou seu tutor e Robin respirou fundo.
-Certo.
Quando os homens entraram na casa, Robin desceu da árvore e foi até o primeiro carro. Como todos tinham deixado as portas abertas, foi fácil se esgueirar para o banco de trás e acertar o homem na cabeça, de maneira que desmaiasse. Retirou as armas dele e o amarrou com a gravata que ele usava. Pegou uma flanela daquelas de desembaçar o vidro e a enfiou na boca dele, pro caso dele acordar e começar a gritar. Repetiu o procedimento com os outros três caras, mas o terceiro o viu. Não que tivesse dado trabalho. Alguns golpes e ele estava desacordado no chão, como os outros. O amarrou e amordaçou, para em seguida se esgueirar pela casa.
Estava tudo escuro, com panos brancos sobre os móveis. Havia um ar triste ali, além de fantasmagórico. Pisou depressa, sem fazer barulho e encontrou dois capangas. Eles pareciam estar vigiando um salão com escadas e várias portas e corredores. O salão de entrada. Se escondeu nas sombras e pegou um de seus bumerangues. Mais homens pareciam voltar e se reunir ali no saguão.
-Algum sinal delas? – Perguntou um dos capangas.
-A casa parece vazia. – Respondeu um dos que parecia ter retornado.
- Gainsborough fugiu de novo? – Perguntou o outro capanga que tinha ficado de guarda.
-A mansão parece abandonada. Não tem ninguém aqui. – Disse um deles.
-Onde está o chefe?
-Subiu as escadas. Foi procurar lá em cima. – Resmungou um dos capangas – Queria sair daqui logo. Estou com um mau pressentimento.
-Pelo menos estamos bem longe do Morcego e do ajudante dele. – Resmungou um capanga olhando ao redor.
-É, mas aqui tem um cara que corre mais rápido do que balas. Acho que eu prefiro enfrentar o Morcego.
-Como se alguma vez já tivesse adiantado atirar nele. – Um dos homens andou até uma parede com vários retratos – Talvez ele seja como aquele tal de Superman. Talvez seja à prova de balas. – Lamentou o sujeito e Dick quase sorriu – Olhe esse quadro aqui. Eles devem ser os Wayne de Central City. – Disse o capanga apontando para um quadro grande. Um senhor mais velho estava sentado numa poltrona, com a mulher do parque de pé ao seu lado. Sentada no chão estava a garota que também vira no parque. Piscou, achando a coincidência fantástica – Odeio esses ricaços.
-Tem inveja deles, isso sim.
-Ela é bonita, essa mulher. Eu daria uns tratos nela. – Riu o cara – Você sabe o que o chefe quer com ela?
-Não. Sei o que eu gostaria de fazer com ela. – Ele deu uma gargalhada – Mas onde será que estão os outros? Estão demorando. – Resmungou ele.
-Eu vou dar uma olhada na cozinha. Quem sabe ainda não faturo um lanche.
-Você só pensa em comida, Buck. – Ralhou o cara que olhava o retrato.
-Eu já volto.
Dick contou os homens no saguão. Quatro caras armados. Iria começar pela cozinha. Sairia e pularia a janela.
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