Em uma clichê cena cinematográfica, Kuroko acordou com o som de água pingando. Seu corpo doía, sua mente estava nublada, e ele não sabia onde estava.
Fez um esforço colossal e levantou a cabeça do travesseiro fino no qual tinha sido apoiado, e olhou em volta, forçando os olhos para ver algo na penumbra. Aparentemente, estava em algum tipo d quarto sem janelas, sujo, escuro, e com alguns milhares de pontos de infiltração de água no teto. Duas portas, trancadas, sendo uma delas levando para fora dali.
O colchão em que estava deitado parecia ter sido colocado ali às pressas a julgar pela posição nada cuidadosa e com a ponta a pegar bem embaixo de uma goteira.
Como havia chegado naquele lugar? Ele não estava saindo de casa a pouco, indo com o Mibuchi-san para a casa de Akashi? Sim, era isso que acontecia. O motorista estava para colocar suas malas no carro, mas então Shirogane-sensei aparecera...
Kuroko arregalou os olhos e lutou para se sentar, o corpo ainda dopado demais para mover-se sem que cada gesto exigisse um bom tanto de esforço. Por mais que sua cabeça latejasse um pouco, agora ele lembrava de (quase) tudo que havia acontecido.
Seu treinador o havia sequestrado junto com um outro homem desconhecido. Mas por quê? Ele não fizera nada de errado. Sua mãe também não. As vidas deles podiam até estar andando por caminhos tortuosos nos últimos tempos, mas eram normais.
Por fim, colocou-se sentado. Por quanto tempo havia estado apagado? Seus músculos protestavam pela posição e pelo colchão fino, que o deixava praticamente dormindo no chão, então devia ter sido algum tempo considerável.
E Shiori? Onde estava sua okaa-san? E Mibuchi-san? Eles estavam consigo quando tudo aconteceu, e Tetsuya não conseguia imaginar alguém que fizera aquilo consigo deixar aqueles dois irem embora ilesos e sem pelo menos um aviso para manter a boca fechada. Queria acreditar que sim com todo seu ser, mas a porta racional de seu cérebro tornava aquilo impossível.
Engoliu o bolo que formou-se em sua garganta e tentou se acalmar. Se Shirogane-sensei queria a ele, a possibilidade de ter deixado sua mãe e o motorista livres, apenas incapacitados de agir imediatamente, também não era nula.
Então Kuroko agarrou-se a essa esperança frágil e forçou seu coração à calma.
Ele não sabia por que Shirogane-sensei o havia sequestrado, e preocupar-se com como seus amigos e Akashi-kun estavam só bagunçaria ainda mais seus sentimentos. Dito isso, a primeira coisa a fazer era se colocar em pé e descobrir um jeito de sair de onde quer que estivesse.
Engoliu um seco e começou o lento processo de limpar a névoa de sua mente, e tirar o bloqueio que impedia seus membros de obedecerem normalmente. Aquele pano que haviam pressionado contra sua boca e nariz o fizera desmaiar, e pelo sistema imunológico mais fraco que os demais, Kuroko demorava mais tempo para processá-lo e eliminá-lo de seu organismo.
E acima d tudo, estava sem os seus remédios. Tinha tomado-os antes de sair de casa, mas estaria em sérios problemas senão conseguisse-os de volta logo. Só esperava que não houvesse se passado muito tempo desde o momento em que Mibuchi Rensou fora busca-lo.
Se colocou de joelhos, mas antes que pudesse fazer qualquer outro movimento a porta abriu-se e ele fechou os olhos pela claridade repentina.
-Oh, Shirogane! Ele está acordado – resmungou alguém. Era a voz da mesma pessoa que estava com seu treinador, aquela que o fizera desmaiar. Kuroko não sabia quem ele era – Demorou mais do que eu esperava. Essa é a terceira vez que venho aqui.
Tetsuya se sentiu encolher. Aos poucos, enquanto o homem adentrava mais o quarto, era mais possível distinguir suas feições.
Seus cabelos eram de um azul bem escuro, como os de Aomine, mas um pouco mais compridos, na altura do queixo. Olhos amendoados e estreitos como os de uma cobra, e sobrancelhas. Ele passava uma aura perigosa e esguia, e era alguém de quem o azulado queria distância.
- Você... Onde eu estou? – gaguejou, sua voz saindo rouca.
O homem riu, mostrando a língua em seguida, se aproximado dele e estendendo a mão para o seu rosto. Kuroko tentou se afastar e manter longe, mas o máximo que conseguiu foi atrasar a ação. A palma do homem enroscou-se em seu pescoço, apertando levemente.
- Ah, esse é um lugar bem divertido – a garganta do adolescente soltou um som estrangulado quando a força que o desconhecido fazia aumentou, mas ele não parou – Tenho certeza de que vai achar também.
- Makoto? – interrompeu a voz do treinador quando este entrou na sala – Disse para ficar longe dele. Kuroko-kun é um brinquedo que eu não quero dividir.
Arregalou os olhos. Brinquedo?
Hanamiya bufou em desgosto, mas se afastou do menor.
- Você não manda em mim, velho – respondeu em deboche – Estou fazendo isso pelo meu próprio interesse.
Kouzou franziu o cenho na direção de seu cúmplice, mas não comentou. Hanamiya nãoo contara por que estava fazendo aquilo, e ele também não perguntou. Não lhe importava. A única coisa capaz de captar seu interesse era o corpo pequeno e terrivelmente delicioso do aluno que ele cobiçara por anos, e que finalmente tinha ao alcance da mão. E de outras coisas, também.
- Que bom que está acordado, Kuroko-kun – forçou-se a permanecer com uma expressão gentil. Ah, Tetsuya com certeza estava provocando-o de propósito. De joelhos e com as mãos no colchão a sua frente. Os cabelos desordenados e o rosto corado, os olhos medrosos e lacrimejando. Queria tanto que ele mantivesse aquele semblante quando estivesse a invadi-lo sem delicadeza, ansiando deliciar-se com os gritos e lágrimas que o azulado deixasse escapar.
Porque ele já esperara demais. Já era tempo de ele ter suas mãos sobre o corpo e a pele leitosa, marcando como e onde quisesse. Esperara demais. Aquilo já era quase seu direito.
- Shirogane-sensei, por-por que você...? Eu não entendo – gaguejou com a garganta arranhando Precisava de seu remédio – Eu... Nunca...
O treinador fez um rosto penoso.
- Ora, Kuroko-kun nunca notou? Sinto muito ter que ser assim – agachou-se perto do adolescente, onde Hanamiya estava antes, e que agora observava a interação recostado na parede e com os olhos insondáveis – É triste que Kuroko-kun esteja sofrendo, mas tudo isso foi necessário.
O menor comprimiu os lábios, o rosto voltando ao normal inexpressivo. Isso levantou o canto direito da boca do treinador. Quebrar aquela máscara a gritos ia ser divertido.
- Necessário? Como pode isso ser necessário? Me tirou da minha família! E onde está a minha mãe? Ela...
Um estalo e o rosto do azulado saltou para o lado, por pouco não levando o corpo com ele.
- Não seja um cachorrinho mal-educado, Kuroko-kun – disse sério. Sim, era aquela expressão que ele queria manter no rosto de Kuroko. Medo e pavor, e lágrimas escando e correndo pelas bochechas. Ele só lamentava estragar a visão com os seus dedos bem marcados na lateral daquela face tão bonita. Preferia aquilo em outros lugares, então torcia para a vermelhidão sumir logo – Makoto, não ligo se for assistir. Tenho que ensinar bons modos a essa criancinha malcriada.
Hanamiya riu e cruzou os braços.
- Vou aproveitar o show daqui, Shirogane.
***
- O que infernos ele faz aqui? – gritou Kise com os olhos arregalados e levantando-se de supetão do sofá.
Nijimura engoliu um seco, ainda mantendo um braço na frente do corpo de Haizaki, temendo que o platinado pudesse atacar Kise repentinamente. Se bem que, pelo que se podia perceber, o contrário era muito mais provável.
- Nós estávamos, hum, juntos quando vocês ligaram – respondeu levianamente, sem entrar em muitos detalhes.
- Juntos? – interviu Aomine também aos berros, colocando-se ao lado do loiro – Por que diabos você estaria sequer respirando o mesmo ar que esse shotacon psicopata? Esqueceu o que ele fez com o Kise e com o Tetsu?
Bem, Kise iria perdoá-lo pelo “shotacon” daquela vez porque Daiki o estava defendendo, mas só daquela vez.
- É complicado, mas eu, bem... – gaguejou, sem saber como contar. Como ele diria que estava saindo com o cara que uma vez tentou estuprar Ryouta, e fora o motivo de Kuroko ter quebrado duas costelas e faltado aula por duas semanas?
Shougo bufou, afastando a mão do moreno com um safanão. Se era tão difícil para o outro falar, diria ele então.
- Ele é meu namorado – frisou cruzando os braços e com uma cara de poucos amigos.
O choque foi geral. Kise perdeu a fala e deixou-se cair sentado no sofá. As sobrancelhas de Murasakibara ergueram-se e seus olhos violetas relampejaram. Seu capitão ou não, ele não perdoaria Nijimura por envolver-se e trazer até ali alguém que causara tanta dor nos seus amigos.
- Haizaki-kun, então você gosta de homens pra valer? – surpreendeu-se Himuro – Eu achava que era apenas um fetiche.
O platinado trincou os dentes e ameaçou partir pra cima do colega de time, e teria feito isso se não fossem as mãos de Nijimura em seus ombros.
- Kise-kun, Aomine-kun, eu entendo suas reações, mas acho que essa não é a prioridade aqui.
Ryouta arregalou os olhos, recriminando-se mentalmente. O que estava fazendo? Seu problema com Haizaki pouco importava no momento, não quando seu Kurokocchi estava desaparecido e sabe-se lá pelo que passando. Ao seu lado, Aomine passava pelo mesmo. Kise era importante para si, mas quem estava mesmo precisando de ajuda era seu pequeno, frágil e adorável melhor amigo.
Shintarou suspirou e arrumou os óculos. Aquele dia estava se tornando cada vez mais problemático.
- Bem, eu acho que se ele não causar desavenças, não tem porque expulsá-lo, nanodayo.
Nijimura concordou freneticamente com a cabeça.
- Ele vai se comportar, eu prometo.
Haizaki estalou a língua e olhou em volta. Como se ele quisesse estar ali. Estavam muito bem quase comendo-se na entrada da casa de Nijimura, mas o maldito garoto tinha que ser sequestrado. Não podiam ter esperado mais algumas horas, pelo menos?
Então sua análise do ambiente foi interrompida por um par de olhos dicromáticos e um sorrisinho sarcástico, e ele segurou-se para não tremer na base – o que era quase impossível com as memórias do seu último encontro com Akashi Seijuurou ainda bem vívidas em sua mente.
“Akashi olhou com nojo para o rosto por pouco não disforme de Haizaki Shougo, com hematomas, inchaços, um nariz quebrado e um lábio aberto.
“E abriu um sorrisinho de satisfação antes de desdobras as mangas da camisa e começar a andar para longe, apanhando a mochila no caminho. Certamente valera a pena faltar a última aula na Teiko e vir até ali para literalmente ‘pegar o outro na saída’.
“- Eu espero que isso o ensine a ficar longe do meu Tetsu-chan, Haizaki Shougo – parou e virou o rosto pra trás de modo que apenas seu olho dourado e brilhante encarasse o platinado – Aproxime-se dele novamente, e eu o mato.
“E Deus sabia, ele não duvidou nem um pouco daquelas palavras”.
A boca do ruivo mexeu-se, e ele disse sem fazer som:
- Olá, Shou-go-chan.
Ah, ele estava tão ferrado.
Então Izuki Shun entrou na sala, dispensando olhares na direção dos convidados, dando toda a atenção ao seu patrão.
- Akashi-sama, estamos prontos.
Estava na hora dos preparativos finais.
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