Os nós que brotaram começaram a se multiplicar em escala industrial. Parti da sensação de querer vomitar para a de querer sair correndo pelo meu apartamento como uma lunática.
Estava exagerando, eu sei.
De acordo com Jungkook, aquele não seria um encontro. Apenas dois amigos fazendo uma refeição. Nada de mais, nada que merecesse muita atenção. Também não era a primeira vez que nós nos encontrávamos. Seria só a primeira vez que ele pediu antes de vir. Tomei um banho — o segundo do dia. Limpei o apartamento e troquei três vezes de roupa, o que foi uma idiotice, porque acabei escolhendo uma calça de ginástica e uma camisa de manga comprida. Então gastei um tempo absurdo tentando domar meu cabelo de forma a cair ondulado pelo meio das costas. Passei um pouco de maquiagem, limpei o rosto e passei tudo de novo.
Na hora em que ouvi uma batida na porta, quis jogar a cabeça contra a parede.
Jungkook estava do mesmo jeito de sempre ao entrar no meu apartamento —presunçosa e absolutamente divino. Usava um jeans desgastado e uma camiseta de uma banda de rock antiga, além de seu típico boné de beisebol. Em uma mão estava uma pilha de DVDs e na outra um saco de onde exalava cheiro de comida chinesa.
Meu estômago roncou.
— Nossa! O que tem aí?
— Nossos sonhos realizados.
Sorri, fazendo um gesto de agarrar.
— Camarão salteado?
— Isso aí! — Ele me entregou o saco de papel e corri para a cozinha como uma criança esfomeada. — Também trouxe alguns filmes. Não tinha ideia do que você estaria a fim de ver.
Tirando pratos do armário, olhei para ele por cima do meu ombro. Kook tirou o boné e passou a mão no cabelo. Seus cabelo escuros, como sempre estavam lindamente bagunçados. Ele me viu olhando e seus lábios formaram um sorriso. Disfarcei, ficando vermelha.
— Então, o que trouxe?
— Vejamos... Temos uma boa seleção aqui. No gênero terror, trouxe os dois últimos Resident Evil.
— Dois filmes? — Apoiei os pratos no balcão.
Ele riu e disse:
— Você não vai se ver livre de mim tão facilmente.
— Que saco. O que mais você trouxe?
— No departamento de comédias, tenho os últimos filmes de Vince Vaughn e Will Ferrel. Quanto aos de ação, tenho um James Bond e outro em que um monte de coisa sai explodindo pelos ares. E trouxe também Diário de uma Paixão.
Virei-me de supetão, quase deixando cair os talheres.
— Diário de uma Paixão? Você tem o DVD de Diário de uma Paixão?
Kook olhou chocado para mim.
— Qual é o problema?
— Ah, não tem nenhum problema. É que meio que... sei lá... um filme de menina.
— Tenho confiança suficiente na minha masculinidade e na minha sexualidade para dizer que Ry an Gosling está simplesmente um sonho nesse filme.
Meu queixo foi ao chão. A expressão de seriedade sumiu de seu rosto e ele começou a gargalhar.
— Estou brincando. Eu não tenho Diário de uma Paixão. Nunca assisti. Não trouxe nenhum filme de romance.
Revirei os olhos.
— Besta.
Ele riu de novo.
— Também nunca vi Diário de uma Paixão. Não sou muito fã de filmes românticos — admiti, abrindo as caixas com comida.
— Sério? Achava que todas as garotas já tinham visto esse filme a ponto de decorar cada fala.
— Não.
— Interessante.
— Não muito. — Peguei uma colher. — Quanto você quer?
— Pegue o quanto quiser e eu me viro com o que sobrar. — Ele caminhou por trás de mim e eu enrijeci. Os pelos da minha nuca ficaram eriçados. Mudei de posição, ficando meio de lado. Ele inclinou a cabeça de lado. — Você está tão inquieta
— Não estou inquieta.
— É maneira de dizer.
Servi um punhado de arroz frito e camarão no meu prato.
— É uma maneira de dizer bem boba.
Jungkook parecia querer dizer outra coisa, mas mudou de ideia.
— Que filme vai querer ver?
— Vamos de Resident Evil.
— Uma garota que combina comigo. — Ele pegou dois DVDs e foi para a sala. Meu olhar o acompanhou. — Vamos de zumbis.
Suspirando, balancei a cabeça. Despejei a maior parte do refogado no prato dele e levei nossa comida para a sala, apoiando os pratos na mesa de centro.
Ele estava próximo da televisão, mexendo no aparelho de DVD. Acendi a luminária para clarear um pouco a sala escura.
— O que quer para beber?
— Você tem leite?
— Você quer leite com comida chinesa?
Ele consentiu.
— Preciso da minha dose de cálcio.
Meu estômago se contorceu, mas fui buscar para ele um copo de leite e, para mim, uma lata de Pepsi.
— É meio nojento, sabia? — Sentei-me no sofá, enfiando as pernas embaixo de mim. — Combinação estranha.
Ele se sentou ao meu lado com o controle remoto na mão.
— Você já experimentou?
— Não.
— Então, como sabe que é nojento?
Dei de ombros e peguei meu prato.
— Presumo que seja.
Ele me olhou longamente e disse:
— Até o fim do ano vou convencê-la a experimentar leite com comida chinesa.
Sem me preocupar em responder àquilo, encostei no sofá e me concentrei na comida. Kook pôs o filme e se acomodou no sofá, com a coxa tocando meu joelho. Haviam passado dez minutos quando ele falou:
— Pergunta?
— Manda.
— Então, estamos num apocalipse zumbi, certo? Os zumbis surgem de todas as partes, correndo raivosos nos prédios e nas ruas. Você já quase morreu três vezes a esta altura e sofreu duas vezes a mutação pelo vírus T, o que parece ser algo bem doloroso. Você encontraria tempo em sua rotina diária obviamente agitada para arrumar o cabelo e colocar maquiagem?
Soltei uma gargalhada com aquela pergunta absurda.
— Não, de jeito nenhum. Não sei nem se me preocuparia em escovar o cabelo. E outra coisa. Já notou como todo mundo tem dentes tão brancos que chegam a cegar o outro? A sociedade já entrou em colapso há seis anos. Ninguém vai ao dentista. Amarelem os dentes desses caras!
Kook terminou seu prato.
— Ou como a mulher troca a cor do cabelo de filme para filme.
— Sim, porque, num apocalipse zumbi, as pessoas têm muito tempo para pintar o cabelo.
Ele riu e continuou:
— Ainda assim adoro esses filmes.
— Eu também — admiti. — É basicamente a mesma coisa em todos os filmes, mas sei lá. Tem alguma coisa de viciante nessa coisa de Alice matando esse monte de zumbis. E espero que, quando houver esse surto de zumbis, eu fique como ela, dando uns chutes nas caras desses bichos.
Rindo, ele recolheu os pratos então vazios e os levou para a cozinha. Voltou com outro copo de leite e mais uma lata de refrigerante para mim.
— Obrigada — eu disse.
Ele se sentou de novo e o sofá afundou um pouquinho, fazendo-me escorregar para perto dele.
— Eu vivo para servi-la.
Eu sorri.
Durante a maior parte do primeiro filme, continuamos a denegrir todos os momentos ridículos, rindo dos nossos próprios comentários idiotas. Bem quando Alice estava prestes a dar uma de boazona para cima de Rain, meu telefone tocou. Pensando que fosse Dahyun ou Hoseok já entediados em casa, eu me curvei para atender. Uma sensação de inquietude subiu pela minha coluna quando vi NÚMERO DESCONHECIDO na tela. Rapidamente, mandei a ligação para a caixa postal.
— Não vai atender? — perguntou Kook, levantando as sobrancelhas.
Balancei a cabeça, desligando discretamente o telefone e colocando-o de volta na mesa de centro, com a tela para baixo.
— Acho falta de educação atender o telefone quando se está com visitas.
— Eu não ligo.
Sentando-me novamente, comecei a roer a unha do meu dedão, concentrada na TV. Não estava exatamente prestando atenção ao que passava, só me dando conta de que o filme havia acabado quando Kook levantou para colocar o outro. Disse a mim mesma para não pensar no telefonema ou na mensagem que, eu sabia, estaria esperando por mim. Depois da primeira ligação, vinha deletando o Todas as mensagens sem ouvi-las. Mais uma vez, considerei ir à loja de telefones e trocar meu número, mas, para mim, parecia que eu estava deixando o filho da mãe ganhar. Eu ainda não tinha ideia de quem pudesse ser. Não podia ser Mark,mas que é que eu sabia? Quem quer que fosse, eu o tratava como um troll de internet. Melhor ignorar.
Os dedos de Jungkook, de repente, envolveram meu punho, fazendo-me erguer acabeça de repente. Ele estava me observando em vez do filme.
— Que foi? — perguntei, baixando o olhar para sua mão. Ela dava a volta completa em torno do meu punho.
— Você está mordendo a unha há dez minutos.
Tudo isso? Bem, era meio que nojento.
Ele baixou meu braço até minha coxa, mas não me soltou.
— O que houve?
— Nada. Estou assistindo ao filme.
— Acho que você não está vendo filme nenhum. — Nossos olhos se encontraram e meu coração acelerou. — O que está acontecendo?
Puxei o braço e ele me largou.
— Nada está acontecendo. Assista ao filme.
— Sei, sei — murmurou ele, mas deixou o assunto de lado.
Os comentários diminuíram no segundo filme e minhas pálpebras começaram a cair. Toda vez que eu piscava, parecia que meus olhos demoravam mais para reabrir. Kook mudou de posição e eu deslizei mais ainda no sofá, mais para perto dele. A lateral do meu corpo se encontrou com a dele, e achei que deveria me afastar, mas ele estava quente, eu me sentia confortável e preguiçosa demais para fazer aquele esforço. Além do mais, ele não pareceu dar muita importância. Se fosse o caso, ele não teria se afastado ou me empurrado? Devo ter perdido a consciência durante o filme, porque, quando abri os olhos, parecia que a televisão havia mudado de posição. Lentamente fui percebendo que eu tinha mudado de posição e — ah, Santa Mãe de Deus —, como fui parar ali?
Embolado ao meu lado, havia um cobertor, que estava na parte de trás do sofá, estendido sobre mim, e minha cabeça estava pousada no colo de Kook. Na coxa dele, para ser exata.
Fiquei sem fôlego, meu coração deu um salto no peito e meus olhos se arregalaram. Havia um peso leve no meu quadril, a sensação e a forma de uma mão — a mão de Jungkook. Ele estava dormindo? Ai, meu Deus, eu não tinha ideia de como aquilo havia acontecido. Será que eu tinha feito isso enquanto dormia e agora o pobre Kook estava preso ali porque eu havia dormido em cima dele? Pois bem. Eu tinha duas opções àquela altura. Poderia sair rolando do sofá e fazer uma fuga maluca em direção ao meu quarto ou poderia agir como uma adulta de verdade e ver se ele estava acordado. Para minha surpresa, pendi ao lado do agir como uma adulta e, lentamente, virei de barriga para cima. Aquele movimento foi péssimo, porque a mão sobre o meu quadril subiu e ficou pousada na parte mais baixa do meu abdômen.
Ai, Senhor...
Amão dele estava abaixo do meu umbigo, estendendo-se mais ao Sul, os dedos alcançando a cintura da minha calça de ginástica. Estava perto, bem perto de alguns territórios inexplorados. Uma bola de gelo se formou no meu peito, mas lá embaixo, bem lá embaixo, algo completamente diferente estava acontecendo. Eu sentia pontadas na barriga que se espalhavam para baixo em ondas de arrepios. Como era possível sentir frio e calor ao mesmo tempo?
O polegar dele se mexeu, então mordi o lábio. Tinha que ser um acidente ou algum movimento aleatório durante o sono. Então, o polegar se mexeu de novo, mas desta vez em um círculo lento e displicente naquela mesma região. Ai, merda. Minha pulsação acelerou e aquele calor aumentou. O polegar não parou de se mover, pelo menos por mais meio minuto, até eu não suportar mais. Partes do meu corpo ansiavam por aquele toque de um jeito que me era desconhecido, até injusto, e aquilo não deveria estar acontecendo.
Mas estava, ah, como estava.
Inspirei profundamente, mas de nada adiantou para relaxar meus músculos ou aliviar a tensão que só crescia dentro de mim. E eu sabia que, se eu olhasse para baixo, veria meus mamilos rijos através do fino tecido da camiseta. A cada respiração, eu podia senti-los roçando o sutiã. Queria desesperadamente ser aquela garota que saberia como lidar com a situação; o tipo de garota que eu sabia que Jungkook, provavelmente, queria, e com a qual ele estava acostumado.
Porém, eu não era assim.
Virei a cabeça para trás e olhei para Kook. A cabeça dele estava virada para o outro lado, apoiada contra a almofada. Uma leve sombra apareceu em sua mandíbula forte. Havia um sorriso suave no rosto. Filho da puta.
— Kook.
Um olho se abriu.
— Lisa?
— Você não estava dormindo.
— Você estava. — Ele levantou a cabeça, virando-a para um lado e para o outro, estalando o pescoço. — E eu estava dormindo.
E a mão dele continuava sobre minha barriga, incrivelmente pesada. Parte de mim queria mandá-lo tirar as patas de cima de mim, mas não foi o que saiu pela minha boca.
— Desculpe ter dormido em cima de você.
— Eu não liguei.
Umedecendo os lábios ansiosamente, eu não fazia ideia do que dizer numa situação daquelas, então comecei com:
— Que horas são?
Seu olhar focou a minha boca e meu corpo todo ficou tenso de um jeito que não era nada ruim.
— Já passa da meia-noite — respondeu ele.
Meu coração estava pulando.
— Você nem olhou para o relógio.
— Eu simplesmente sei essas coisas.
— Sério?
Ele semicerrou os olhos.
— Sim.
— É um talento incrível. — Minha mão se curvou formando um punho, ao lado da coxa. — Que horas você vai sair amanhã cedo?
— Vai sentir a minha falta?
Fiz uma careta.
— Não foi por isso que perguntei. Só estava curiosa.
— Disse aos meus pais que estaria em casa por volta da hora do almoço. — Com a outra mão, ele tirou algumas mechas do meu rosto, e essa mesma mão ficou pousada em meu cabelo. — Então eu tenho que sair, mais ou menos, entre oito e nove.
— É bem cedo.
— É, sim. — Sua mão acariciou minha cabeça, e meus olhos se fecharam novamente, relaxando, apesar de tudo. — Mas a estrada é tranquila.
— E você não vai voltar até domingo à noite?
— Exato — murmurou ele, e senti seu peito mover-se respirando fundo. — Tem certeza que não vai sentir minha falta?
Meus lábios formaram um sorrisinho.
— Vai ser uma espécie de folga para mim.
Ele riu.
— Isso foi muito maldoso.
— Foi?
— Mas sei que você está mentindo.
— Sabe?
— Sei. — Amão dele se moveu, e senti a ponta dos dedos acariciar meu rosto. Meus olhos se abriram. Ele estava sorrindo para mim. Mas não um sorriso grande, que mostrava sua covinha. — Você vai sentir minha falta, mas não vai ter coragem de admitir.
Eu não disse nada, porque estava tentando não pensar nos próximos quatro dias. Então, senti seus dedos trilhando a curva das minhas maçãs do rosto e preferi não pensar em mais nada. Eles continuaram pela minha mandíbula, e um dos dedos seguiu até o queixo. O ar saiu lentamente dos meus pulmões, quando ele acariciou perto do meu lábio inferior.
Ele inclinou a cabeça para o lado e disse:
— Eu vou sentir sua falta.
— Sério? — Meus lábios se abriram.
— Sério.
Fechei os olhos para lutar contra um súbito ímpeto de chorar. Eu não fazia ideia de por que aquelas palavras me afetaram tanto, mas aconteceu, e, por um tempo curtíssimo, cheguei a admitir para mim mesma que não queria que ele fosse embora. Aquilo tornou o ímpeto ainda mais intenso.
Vários minutos se passaram e o único som presente era o zunido da televisão. Ele continuou acompanhando a linha do meu lábio, nunca chegando a tocá-lo, mas se aproximando a cada instante. Fiquei me perguntando se ele tocaria meu lábio e se eu queria isso.
Acho que eu meio que queria.
— Você fala dormindo — disse ele.
Meus olhos se abriram de uma vez. Que se dane o toque no lábio.
— Falo?
Ele confirmou com a cabeça.
Meu Deus. Senti um frio na barriga.
— Você está me sacaneando? Porque, juro por Deus, se estiver me sacaneando, vou causar muita dor em você.
— Não estou sacaneando você, meu anjo.
Assim que me sentei, as mãos de Jungkook saíram de cima de mim. Virei-me no sofá para ficar de frente para ele. Minha pulsação estava acelerada, mas agora por outro motivo totalmente diferente.
— O que eu disse?
— Nada exatamente.
— Sério?
Inclinando-se para a frente, ele esfregou o rosto com as mãos.
— Você só estava murmurando algumas coisas. Não consegui entender direito o que estava dizendo. — Ele levantou a cabeça. — Foi uma gracinha.
Meu coração se acalmou conforme o medo foi cedendo no meu peito. Só Deus sabia o que eu poderia dizer enquanto dormia. Olhando para o relógio, vi que já passava das três da manhã.
— Caramba, seu talento especial de adivinhar a hora não funciona direito.
Kook deu de ombros, deslizando para a frente.
— Acho que é melhor eu ir para casa.
Abri a boca e fechei logo em seguida. O que eu ia fazer? Pedir que ele ficasse? Tipo, fazer uma festa do pijama no meu sofá? Muito sutil. Duvido que ele estivesse interessado em uma festa para adolescentes de treze anos no meu sofá.
— Tenha cuidado na estrada — eu disse finalmente.
Ele se levantou e fiquei olhando para o lugar onde ele estivera.
— Pode deixar. — Então ele se curvou, movendo-se mais rápido do que eu podia acompanhar. Encostou os lábios na minha testa. — Boa noite, Lisa.
Fechei os olhos e cerrei as mãos em punhos.
— Boa noite, Kook. — Ele chegou à porta antes que eu pudesse me levantar, então, apoiei-me no encosto do sofá. — Jungkook?
Ele parou.
— Fala.
Inspirei com dificuldade e forcei as palavras a saírem.
— Eu me diverti muito esta noite.
Ele olhou para mim por um instante e, então, sorriu. A covinha apareceu em sua bochecha esquerda, e meus lábios responderam da mesma forma.
— Eu sei.
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