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História In Q - Dois.


Escrita por: afternine

Capítulo 2 - Dois.


 

A boa notícia daquela noite é que ele não mentiu sobre a distância. Não contei quantos passos demos, mas o caminho foi surpreendentemente curto até que parássemos e a mão na minha cintura diminuísse a pressão como se me avisasse que ele estava prestes a me soltar. Coloquei o máximo de força que pude nos joelhos e abri os olhos, dando de cara com uma porta de metal que me parecia a fachada de uma loja fechada. Olhei para cima, até o rolamento, depois para baixo, até a fechadura cravada no chão, a confusão unindo minhas sobrancelhas quando franzi o cenho. Quando ele falou sobre me levar até o lugar onde morava, imaginei um apartamento pequeno, bagunçado e sujo, o que era muito a cara dele, mas ao invés disso estávamos de frente para qualquer coisa que definitivamente não se parecia com uma residência.

Então ele mexeu nos bolsos por um instante e tirou um molho de chaves barulhento, tão cheio de chaveiros que eu nem conseguia ver as próprias chaves. E nem ele, porque ficou mexendo naquilo e xingando baixinho a confusão de cacarecos até finalmente segurar firme a opção certa e se abaixar diante da fechadura. Pela maior parte do tempo eu o ouvia murmurar e conversar sozinho, propositalmente baixo para que eu não escutasse. Ouvi o click metálico da porta e fiquei parado, meio incrédulo, observando quando ele enfiou as mãos em dois apoios de ferro e ergueu a porta com tanta força tive medo que aquele troço caísse em cima dele. O barulho foi quase ensurdecedor no silêncio da rua vazia quando o rolamento engoliu a porta praticamente inteira.

Tive um mini ataque de pânico quando espiei para dentro e não vi nada. Literalmente nada. A única diferença de antes para o depois é que agora estávamos parados em frente a um buraco escuro. Ele estava segurando a porta apoiada no ombro, porque de certo o rolamento velho não exercia mais a função de rolamento, sorrindo para mim de um jeito tão genuíno que só por um segundo consegui acreditar que alguém com um sorriso tão doce não seria um psicopata. Seu sorriso morreu aos poucos quando viu meus olhos arregalados e minha expressão mista de susto, confusão e incredulidade, e só então percebi que eu poderia estar o ofendendo. Eu não queria ofendê-lo, mas tampouco queria arriscar entrar num lugar daqueles.

– Deixa só eu avisar que enquanto você reflete sobre isso ser ou não uma boa ideia, essa porta está prestes a esmagar meu ombro. – sua voz estava meio falha por causa do esforço.

A expressão dele me deixou nervoso, principalmente quando me dei conta de que ele também havia se machucado e seus dois joelhos estavam jorrando sangue pelo jeans escuro. Sem saber muito bem o que fazer, assenti rápido e me abaixei um pouco para passar pela porta sem bater a cabeça. Quando eu estava inclinado e senti o metal tocando minhas costas, ele me segurou pelo ombro e olhou para o meu rosto.

– Antes de entrar, existe uma regra. – ele disse. Acho que não viu minha sobrancelha erguida, porque eu não estava em uma posição muito agradável. – Essa porta só deixa você passar se me disser o seu nome. Caso contrário, um campo de força vai te jogar para fora.

Era realmente necessário toda essa introdução literária para perguntar o meu nome?

– Min Yoongi. – murmurei, apoiando minhas mãos nos joelhos. – Acho que a porta não vai te jogar longe, mas mesmo assim seria legal você me dizer seu nome, já que, sabe, não é o lugar mais convidativo onde fui me enfiar.

Ele ignorou o que eu disse e eu o ouvi sorrindo.

– Jung Hoseok.

Quando minha entrada foi autorizada pela porta mágica de Hoseok, endireitei minha postura e esperei até que ele passasse também. O negócio correu pelo ex-rolamento e atingiu o chão com uma força assustadora, e me senti automaticamente culpado por tê-lo feito segurar aquilo por tanto tempo. O baque do metal fez um som tão alto que o eco reverberou até mesmo pela rua do lado de fora, e o pouco de luz que vinha dos postes desapareceu uma vez que estávamos literalmente lacrados do lado de dentro. Esperei por cinco segundos, esperei por dez, vinte segundos. Ouvi a respiração dele. De qualquer forma, eu sentia seu cheiro e era fácil notar sua presença bem diante de mim. Então eu comecei a ficar não nervoso, mas desesperado, e minhas palmas começaram a suar, minha tontura aumentou, e os segundos que esperei pela voz dele pareceram durar o tempo de uma porra de vida inteira. Tive medo de me mexer, constatei que aquela foi a pior decisão que já tomei e esperei mais um pouco. Eu simplesmente odiava escuro.

– H-Hoseok...? – chamei baixinho, porque eu sabia que ele estava bem na minha frente e me ouvia perfeitamente. Minha voz estava pateticamente trêmula e aterrorizada.

Outra boa notícia é que eu não estava com vontade de ir ao banheiro, porque o que ouvi a seguir com certeza teria me feito mijar nas calças.

– Que os jogos comecem. – ele sussurrou, e só então percebi que Hoseok não estava na minha frente, mas atrás de mim, falando bem ao pé do meu ouvido.

Pude escutar um sorriso crescendo em seu rosto, e eu estava prestes a começar a gritar como um doido quando o barulho sequencial de um quadro de luzes se acendendo me fez fechar os olhos pela ardência. Esfreguei minhas pálpebras tão rapidamente e com tanto desespero que fiquei aliviado por descobrir que eu ainda conseguia enxergar. Eu esperava encontrar, sei lá, eu não sei o que esperava encontrar, mas o que eu não esperava encontrar era Hoseok escorado ao lado do interruptor, espalmando as mãos sobre a barriga e explodindo em uma risada fina e escandalosa.

Minha visão imediatamente se embaçou e tive que olhar para o lado, porque não queria que Hoseok visse que eu estava prestes a chorar. Levei uma das minhas mãos trêmulas até o rosto e limpei disfarçadamente o canto do olho. Eu estava com muita, muita raiva, e, além disso, eu estava apavorado, aliviado e envergonhado. Pela segunda vez na noite quis enfiar um murro em seu nariz fino, ou chutá-lo bem no meio das pernas para que ele parasse de rir de mim. Coisa que demorou...

– Acho que nunca vi alguém tão apavorado na vida. – ele choramingou, parando de rir aos poucos.

– Sua maturidade é realmente surpreendente. – resmunguei, cruzando os braços.

Logo que a adrenalina passou e meu coração deixou de martelar audível contra as minhas costelas, voltei a me sentir tonto e enjoado. Hoseok me deixou parado ao lado da porta e seguiu adentro sem se importar comigo ali, mesmo que eu não soubesse exatamente porque ele havia me convidado e não soubesse o que fazer; por isso, continuei espremido contra o metal.

Eu não sabia muito bem como definir o lugar onde estávamos, porque se parecia muito com um galpão transformado em casa. Não havia separações, e mesmo dali eu conseguia ver o que deveria ser a cozinha e o que deveria ser um quarto. Havia um sofá encalhado entre a "cozinha" e uma mesa não confiável que aguentava o peso de uma televisão velha. Nenhum móvel combinava com o outro, o que com certeza significava que Hoseok trouxe objetos aleatórios, como se tivesse comprado um em cada loja. Mais adiante vi uma escada em espiral, e logo ao lado um cano de metal igual àqueles que os bombeiros usam para descer de um andar para o outro.

De um jeito meio exótico, agora eu via que aquilo era muito a cara dele. Não sei o motivo, mas depois de alguns minutos de observação silenciosa consegui relacionar Hoseok àquele lugar, àqueles móveis antigos e rústicos, àquela televisão velha cujo botão dos canais era a boa e velha roda, com uma antena gigantesca disposta em cima. Eu conseguia vê-lo pendurando aquele monte de pôsteres de filmes e bandas que cobriam das paredes do "quarto" até as paredes da "cozinha", e se tornou incrivelmente fácil imaginá-lo andando descalço pelos diferentes tapetes que cobriam o chão, ou esparramado no sofá rasgado com os pés para cima, fumando um cigarro e ouvindo um tipo de música que eu com certeza não gostava. O mais surpreendente foi que, apesar da bagunça característica de um homem que mora sozinho, o lugar não era sujo.

– Então você mora numa garagem barra galpão barra depósito. – ele havia sumido por uma porta, mas eu via a luz acesa e sabia que ele conseguia me escutar.

– Eu gosto de chamar de casa. – gritou, e pela acústica eu soube que aquela porta levava ao banheiro. – Mas você pode chamar do que quiser.

Quando apareceu novamente, ele estava segurando uma bacia cheia de coisas. Pode entrar, me disse rindo, e eu fui ao seu encontro no sofá. Mas antes que pudesse tomar o lugar ao seu lado, ele gesticulou que eu deveria me sentar no tapete em sua frente e abriu as pernas para que eu me acomodasse ali. Senti suas mãos frias na minha nuca, empurrando delicadamente minha cabeça para que eu olhasse para baixo. Seus joelhos ao lado dos meus ombros ainda sangravam um pouco, terminando de encharcar a calça que ele provavelmente usaria mesmo depois de rasgada.

– Quer ouvir música? – perguntou, a voz grave bem diferente de quando Hoseok falava alto. Parecia concentrado no que quer que estivesse fazendo.

– Hm, não... Nesse momento consigo sentir meu cérebro prestes a explodir.

Depois de rir Hoseok ficou em silêncio. Não demorou até que eu sentisse algo gelado onde bati a cabeça, e logo algo que fez meu machucado arder para cacete. Puxei o ar entre os dentes e o chiado fez Hoseok apertar meu ombro uma vez, como se estivesse me consolando, sua outra mão ainda esfregando o que eu imaginava ser água oxigenada pelo que eu imaginava ser uma ferida aberta. Só tive certeza quando olhei um pouco para o lado e vi algumas gazes descartadas dentro da bacia, sujas de sangue. Normalmente eu entraria em pânico e pediria por uma ambulância, mas algo no jeito como Hoseok trabalhava com tanta calma, murmurando baixinho a melodia de uma música que eu não conhecia, me fez ficar calmo e fechar os olhos. A ardência foi passando aos poucos e meu corpo ficou pesado de sono conforme os dedos dele se enroscavam nos meus cabelos.

Não sei quanto tempo havia passado quando ouvi o barulho de um fósforo se acendendo, o cheiro forte vindo direto até meu nariz, e pouco depois o cheiro nauseante de cigarro.

Acabei me encostando no sofá e esticando as pernas pelo tapete. Sem que eu percebesse, ergui o rosto e só abri os olhos quando o senti deslizar os dedos uma última vez pela lateral da minha cabeça. O encontrei olhando para mim com um cigarro pendido no canto dos lábios, uma sobrancelha erguida e um meio sorriso, provavelmente achando estranha e/ou cômica a maneira como eu me aninhei entre suas pernas. Eu não tinha costume de corar, mas tenho certeza que meu sangue inteiro correu até as minhas bochechas quando voltei a arrumar a postura.

– Olha, se você fosse uma garota eu diria que coisas iriam rolar.

Tentei fingir que aquilo não me afetou tanto quanto verdadeiramente me afetou. Dei de ombros, crispando os lábios.

– Se eu fosse uma garota você definitivamente não seria o meu tipo.

Ele riu e deu um peteleco na parte de trás da minha orelha. Provavelmente meu machucado já estava devidamente limpo, porque Hoseok deu duas palmadinhas no meu ombro sinalizando que eu podia me levantar.

– Se você fosse uma garota já estaria nu usando meu cano de bombeiro para fazer pole dance. – deixei que meu corpo caísse no sofá ao seu lado, observando-o enquanto ele se inclinava para começar a limpar os joelhos. – E essa ideia é baseada em fatos reais. – ele sorriu, indicando o cano de bombeiro com a cabeça.

Hoseok era o tipo de cara que conseguiria convencer uma garota a dançar para ele sem dificuldade nenhuma, então não tive motivo para duvidar de que os fatos eram mesmo reais. Fiquei jogado no sofá enquanto ele ia até o "quarto" trocar a calça rasgada por uma samba canção de personagens de HQ para que conseguisse fazer curativos nos joelhos, e só quando o vi fazer uma careta notei que ele provavelmente estava sentindo mais dor do que eu, porque sua pele estava praticamente em carne viva.

– Foi minha culpa. – sussurrei, me sentindo ligeiramente culpado, ainda mais quando Hoseok soltou um grunhido ao esfregar o machucado com uma gaze molhada de água oxigenada. – Eu deveria ter olhado... Sinto muito.

– Poderia ter sido pior.

– Eu estava com pressa. Desculpe, de verdade.

– A não ser que você estivesse atrasado para um encontro com uma garota realmente gostosa eu jamais vou conseguir te perdoar. – Hoseok riu e virou o rosto para encontrar meus olhos, a cinza morta do cigarro caindo em seu colo com o movimento. – Não tem problema, é sério. Poderia ter sido pior. Poderia ser um carro, ou um ônibus, e você poderia estar morto, mas não está. É isso que importa.

Mordi o lábio e assenti devagar com a cabeça, meio constrangido por ele ter parado o que estava fazendo para ficar me olhando. Odiei não saber como ajudá-lo e odiei ficar parado com cara de paisagem, sem saber o que dizer para extrair aquela culpa. Não acho que as coisas sejam tão simples assim, como Hoseok dizia. Eu não estava morto, mas isso não amenizava o fato da minha falta de atenção ter estragado uma moto e feito outra pessoa se machucar. Poderia ter sido pior, mas não foi. Mesmo assim, foi ruim do mesmo jeito.

– Ei. – os mesmos dedos frios que antes senti na minha nuca tocaram minha bochecha e me fizeram virar o rosto. Hoseok estava mais perto, sentado no lugar do meio, os joelhos cobertos por várias camadas de gaze. – Eu sei no que você está pensando. – achei levemente desconfortável o jeito como ele olhava fixamente nos meus olhos, porque eu não estava acostumado com ninguém fazendo isso. – Sabe no que eu estou pensando? – sacudi a cabeça, fazendo que não. – Estou pensando em como seria trabalhoso ter que chamar a polícia para recolher seu corpo do meio da rua, e como seria nojento ter que procurar pela sua cabeça que voou para algum lugar.

Não consegui segurar uma risada tímida e dei um empurrão em seu peito, Hoseok riu junto, mas voltou a ficar sério logo em seguida.

– Eu também não gosto de viver pensando em coisas que poderiam ter acontecido. Mas nesse caso é diferente, não é?

– Acho que sim...

– Então desamarra essa cara. – ele cambaleou para fora do sofá depois de empurrar o corpo, dobrando os joelhos o mínimo possível. – Acho que vou pedir pizza. Você está com fome?

Eu disse que era melhor ir para casa, e Hoseok disse que eu deveria comer alguma coisa antes de ir. Eu disse que não estava com fome e, na verdade, ainda estava enjoado, e Hoseok disse que eu não podia ficar de estômago vazio. Então eu disse que realmente não estava no clima de comer nada, e Hoseok disse que depois de eu ter arruinado o encontro dele o mínimo que eu poderia fazer seria aceitar um jantar romântico no terraço. E por falar em encontro, assim que ele desligou o celular depois de falar com o cara da pizzaria, uma garota ligou aos berros. Aos berros mesmo, tipo, eu conseguia ouvi-la gritando quando Hoseok afastou o aparelho do ouvido e começou a fazer caretas e engolir uma risada.

– Pelo visto nenhum de nós vai transar hoje. – ele disse quando a ligação acabou.

Não adiantou muito insistir. Hoseok acabou me vencendo pela curiosidade e me convenceu a ajudá-lo a carregar para o terraço:

Um cobertor velho para cobrir o chão.

Um cobertor novo para cobrir nossas pernas.

Duas almofadas.

Dois copos.

Aproximadamente 800 ml de um refrigerante aberto.

Um fardo pequeno com seis latas de cerveja.

Conseguimos levar tudo em uma viagem só, e não me pergunte como. A escada era instável, como eu imaginava ser, porque uma escada em perfeito estado não faria sentido. Subi todos os degraus com o corpo chacoalhando e o coração na boca, meio que intimamente esperando o momento em que os parafusos enferrujados se soltariam e nós despencaríamos dali. Mas assim como das outras vezes, Hoseok conseguiu me acalmar com apenas um sorriso aberto e uma cara de vai ficar tudo bem. Mesmo hoje quando me lembro, é quase ridículo a forma como ele sempre conseguia me persuadir sem muito esforço. É uma das coisas que eu nunca vou conseguir esquecer; a facilidade que Hoseok tinha em varrer o pior dos cenários da frente dos meus olhos.

Quando me dei conta, estávamos deitados sobre o chão duro com nossas cabeças apoiadas em almofadas. Bem, ele estava de barriga para cima, e eu de lado, sabe, por causa do machucado na minha cabeça, então na maior parte do tempo não me restava alternativa se não ficar observando o perfil de Hoseok, prestando atenção na maneira como os lábios dele se moviam quando ele não parava de falar nem por um segundo, muito embora eu conseguisse ver o céu estrelado caso inclinasse um pouco a cabeça e olhasse para o canto direito. Não havia vento, o tempo estava estagnado, mas frio o suficiente para que eu enfiasse as mãos no bolso do moletom por baixo do cobertor.

É engraçado pensar em como as coisas acontecem sem que nós tenhamos controle sobre elas. Eu deveria estar em casa, longe do sereno que me deixaria resfriado. Eu não deveria ter conhecido Jung Hoseok, porque não queria conhecer nenhum Jung Hoseok. Eu deveria estar sozinho, com meus personagens preferidos se matando na tela da televisão, e não deitado ao lado de um cara que conhecia há menos de uma hora. Mesmo assim, eu me sentia bem. Por algum motivo, aquele terraço, aquele cobertor xadrez de lã e aquela companhia me deixavam tão estranhamente confortável que eu não me importava por estar descumprindo meus próprios compromissos.

– Dizem que quando estamos prestes a morrer nós vemos nossas vidas passando diante dos nossos olhos. – ele disse de repente, me tirando dos meus pensamentos. – Você viu alguma coisa hoje?

Pensei por um instante, mesmo que não fosse necessário. Primeiro porque eu não acreditava nisso, segundo porque eu não me senti próximo da morte.

– Vi um maluco numa moto desgovernada e um farol amarelo que não se parecia muito com a luz divina. E você?

– Nada. Quer dizer, vi um idiota olhando para o relógio enquanto atravessava a rua.

Não percebi que tinha fechado os olhos, mas quando ouvi um farfalhar do cobertor e os abri novamente, Hoseok havia se virado de lado e estava me olhando daquele jeito que me deixava apreensivo.

– Eu estava com pressa. – repeti, tentando conter um bico infantil. – Atrasado.

– As pessoas sempre estão com pressa, garoto. É por isso que o tempo passa tão rápido.

– Isso não faz muito sentido.

Seu corpo chacoalhou quando ele deu risada, e no segundo seguinte senti seu dedo indicador entrando fundo no meu ouvido.

– É claro que faz. – ele disse, sem dar muita importância para o fato de ter enfiado o dedo no meu ouvido sem motivo algum. – Vocês prestam tanta atenção no tempo que não veem ele passar. Cada segundo do dia é calculado, porque existe uma hora certa para tudo.

Hoseok se sentou de repente, puxando a coberta até as nossas cinturas, para alcançar uma lata de cerveja do fardo de papelão. Ele me ofereceu uma, mas eu recusei.

– É normal, não é? A vida é limitada, os minutos que você desperdiçar hoje não vão voltar amanhã.

– Não é questão de desperdiçar. – ouvi o barulho da lata sendo aberta, e algo no jeito como Hoseok virou praticamente metade do líquido de uma vez só fez parecer com que aquilo não fosse extremamente amargo. – É questão de saber usar seu tempo com sabedoria. – virei o rosto a tempo de ver Hoseok piscando para mim com um meio sorriso nos lábios.

– Então você acha que não sei usar meu tempo com sabedoria?

– Bem, ele quase te matou hoje.

Não sei se entendi muito bem o que ele estava tentando dizer, e para ser sincero, minha dor de cabeça não me ajudava a pensar em nada.

– Meu último conselho do dia antes que chegue a meia noite: Não deixe Hoseok entrar na sua cabeça.

Acho que dei um salto quando ouvi alguém atrás de nós, uma voz tão grossa que quando me virei para encontrar a origem quase não acreditei que aquele tom grave pudesse pertencer a um garoto mais novo com um sorriso estranhamente escancarado. Ele estava segurando uma caixa de pizza, o que não foi tão eficaz assim para me tranquilizar, mas quando olhei para Hoseok e notei que ele nem mesmo se deu ao trabalho de olhar para trás percebi que aquilo provavelmente era normal.

O garoto contornou nosso pequeno acampamento sem que eu conseguisse tirar os olhos dele, porque nunca se sabe não é, e quando ele parou diante de nós e se abaixou para deixar a pizza no chão me senti constrangido por estar encarando. Ele ergueu uma sobrancelha para mim, apoiando o rosto no punho antes de me dar um sorriso assustador, depois olhou para Hoseok que estava distraído tirando o lacre de plástico da caixa de pizza e franziu o cenho.

– Ele é muito bonito. – disse o entregador se referindo a mim, estalando os dedos na frente do rosto de Hoseok para chamar atenção. – Mas não deixa de ser um garoto. Como você explica isso?

– Atropelamento.

– Eu vi a moto. – ele entortou os lábios. – Mesmo assim não é uma boa explicação, Hoseok, eu não sabia dessa sua curiosidade.

– Ei! – Hoseok deu um soco de brincadeira – daqueles que Jeongguk gostava de me dar pensando que não doía – no peito do garoto, fazendo-o cair de bunda no chão. – Só encostei na cabeça dele, juro.

– Qual delas?

Hoseok e o cara cujo nome eu ainda não sabia explodiram numa risada enquanto eu pensava se existia uma forma de abrir um portal que me levasse embora dali. De repente senti um calor terrível no rosto e eu tinha certeza que estava corando, mesmo que quisesse rir junto e dar um soquinho de brincadeira no peito do sujeito. Demorou, tipo, uns dois minutos para que a piada perdesse a graça e os dois parassem de rir aos poucos. Hoseok passou um braço pelo meu ombro e me puxou para mais perto, bagunçando meu cabelo.

– Por mais que seja seu sonho, Taehyung, eu ainda não troquei de lado. Yoongi é um cara legal, e além do mais, eu tinha que remendar o estrago que fiz na cabeça dele.

Eu devia estar meio roxo de vergonha, mesmo assim consegui estender a mão para cumprimentar Taehyung. Ele chacoalhou meu braço com entusiasmo depois de voltar a se sentar de cócoras.

– Você deve ser a primeira pessoa que Hoseok traz aqui sem segundas, terceiras, quartas intenções. – ele riu, se esquivando de outro soco que Hoseok tentou acertar. – Dê graças a deus por isso.

Eu daria graças a deus se pudesse enfiar minha cabeça em um buraco. Muitas piadas maliciosas depois Taehyung se levantou e decidiu que era hora de ir embora, dizendo que depois acertaria o pagamento com Hoseok, porque não queria estragar o nosso clima. Dei risada, muito embora estivesse constrangido, ao contrário de Hoseok que se inclinou para cima de mim e fingiu que ia me beijar, só para fazer Taehyung ir embora rindo. Quando ficamos sozinhos de novo, ele se afastou um pouco e colocou a caixa de pizza no espaço vazio entre nós dois, sorrindo daquele jeito que fazia seus olhos quase desaparecerem. Se me lembro bem, foi a primeira vez que reparei em como o sorriso dele me agradava.

Não sei se agradar é a palavra certa, mas foi a partir daí que comecei a esperar ansioso pela próxima vez que Hoseok sorriria, apertando os olhos finos.

– Você pediu uma pizza inteira de chocolate? – perguntei meio frustrado quando Hoseok abriu a caixa parecendo um morto de fome. – Pensei que pizza de chocolate fosse sobremesa!

– Qual é o problema, garoto? Você por acaso é uma daquelas pessoas que segue esse tipo de convenção social? Hein? – ele tirou uma fatia e a dobrou no meio, enfiando metade na boca. – Não se pode ignorar o esplendor da pizza de chocolate porque um padrão idiota diz que chocolate é sobremesa. – foi isso o que consegui identificar de seu resmungo abafado por um pedaço enorme de pizza sendo mastigado em sua boca aberta.

Ele tinha aquelas teorias estranhas sobre tempo e chocolate, e de certa forma, passei a dar crédito para o que Hoseok dizia. Pizza de chocolate era bom, e quando pela primeira vez consegui manter meus olhos longe do horário, o tempo no terraço pareceu infinito. 

 


Notas Finais


~~♥


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