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História In real life - Sprousehart EM HIATUS e REVISÃO - Capítulo 18


Escrita por: AvaHell

Notas do Autor


Ainda dá tempo de fazer a egípcia e voltar como se eu não tivesse ficado quase um mês sem atualizar nada, né?

Primeira parte: Flashback ❤

Capítulo 19 - Capítulo 18


Fanfic / Fanfiction In real life - Sprousehart EM HIATUS e REVISÃO - Capítulo 18

 

A neblina estava densa, densa até demais na verdade. Lili colidia sem querer com algumas bicicletas no meio da calçada, seu gorro havia voado para longe e suas orelhas estavam anestesiadas tamanho o frio. Há um poste alto, por aqui, em algum lugar..., lembrou a si mesma. Esticou as mãos em frente ao corpo e fechou os olhos quando sentiu uma brisa fria contra si. Toda a névoa se dissipou.

— Achei... — murmurou.

Lili se abaixou e pegou o gorro vermelho que havia caído enquanto corria as pressas até a frente da igreja. Agora que o tinha de volta poderia enfim esconder aquela coisa rosa que ainda chamava de cabelo. Como ela poderia saber, afinal, que aquela tinta só sairia depois de uma semana? O rótulo com certeza não havia informado-a sobre isso.

Até porque pouco se importou em consultá-lo.

— Oh, querida. Achou? — Sra. Singer, sempre atenciosa, perguntou assim que a encontrou.

— Sim, — com algum esforço, enfiou para dentro do gorro algumas mechas teimosas de seu cabelo. — aqui está, dá pra ver?

— Um pouco... — Sra. Singer aproximou-se dela e a virou de costas, para que tivesse mais acesso aos outros fios de sua nuca agora avermelhada. — Agora sim. Está pronta?

Lili assentiu com a cabeça. As ruas, cheias de neve, foram ganhando luzes coloridas que saiam das casas e lojas decoradas com guirlandas e gorros vermelhos pendurados sobre o forro, seguindo de um lado para o outro como bandeirinhas em um festival. Lili poderia mais um ano se maravilhar com aquilo, cheiro de chocolate quente com cookies para todos os lados, piscas-piscas acesos a noite, e certas vezes à tarde, inteira. Mas com certeza esse ano não.

Não quando acordou com chá quente pingando em seu rosto, teve que comer torradas queimadas, não quando o seu presente em baixo da arvore fora rasgado brutalmente pelo cortador de grama elétrico de sua mãe, não depois de descobrir que a tinta rosa em seu cabelo durava muito mais do que o previsto. Não quando tudo parecia conspirar contra ela. Tentava imaginar, em um universo paralelo, onde as coisas são contrárias dessa realidade e dessa dimensão, o que ela estaria fazendo agora. Mil e umas possibilidades passavam por sua mente, mas cuidou de dissipar todas rapidamente, teria de focar no agora, no que falar quando chegar a casa e contar para sua mãe que não conseguiu convencer a família Atwell a participar da ceia da noite e nem comprar o último estoque de velas, e que acabou estragando seu vestido novo com geleia de framboesa, e que a tinta de seu cabelo só vai sair depois do ano novo.

Um dia de merda, decidiu.

— Mãe. — Lili chamou a atenção da matriarca Reinhart assim que chegou a porta de sua casa e a viu conversando sobre marcas de desinfetantes com a vizinha do outro lado da cerca. — Ainda temos quantas velas em casa?

Amy levou sua atenção até Lili e Sra. Singer que a acompanhava.

— Cinco, já estão usando duas delas, por quê?

Lili passou as pontas dos dedos sobre o ombro da mãe. Ela precisava pensar em uma resposta melhor do que um terremoto e naves alienígenas.

— Sabe mãe da Kira? — Passou a língua pelos lábios.

— Sei.

— Então, a religião dela força eles a usar cinqüenta velas todo o natal... — Começou a enrolar.

Amy tirou as mãos de Lili de seu ombro.

— E o que eu tenho haver com isso?

Lili sorriu. Cúmplice de suas próprias escoras.

— Quando eu cheguei lá ela já havia levado tudo, e sabe mais? Ouvi dizer que essa tal religião envolve satanismo. — Sussurrou como se estivesse contando um segredo. Mas precisava ser, pois Sra. Singer a olhava incrédula.

Deveria estar pensando que Lili era apenas mais uma adolescente irresponsável.

Talvez tivesse razão.

— Lili. — Sua mãe se aproximou. — Eu teria acreditado mais se você tivesse dito que houve um terremoto ou pousou uma nave alienígena no meio do caminho.

 

Durante a preparação da ceia, Tess engatinhava rapidamente por de baixo da mesa deixando um rastro de migalhas de cookies. Chegou á bater a cabeça em algum lugar, o que levantou certo nível de desconfiança de sua mãe. Lili a ajudava em troca de ficar com metade dos laços de cabelo da irmã menor.

— Você está fazendo muito barulho. — Lili comentou assim que Amy saiu da sala de jantar.

— Oliver estava me mordendo.

Lili revira os olhos.

— Deixe o pobre gato em paz, Tê. Ele só quer comer, se você continuar dando moral, ele irá devorar seus dedos.

Lili escuta um grunhido de decepção de Tess, em seguida ajuda a irmã a se sentar no outro lado. Na mesa estavam postos vários pratos típicos do natal, um candelabro grande dava contraste ás cortinas em tons de vinho ao fundo. Amy entrou na sala novamente:

— Encomendei os molhos, mas vamos fingir que fui eu quem fez com ajuda de Tess, já que certas pessoas estavam ocupadas demais fazendo tudo para si mesma. — sorrindo de canto ofereceu o prato a Lili, que aceitou mostrando a língua com uma careta brincalhona no rosto.

O jantar seguiu entre risadas, histórias de natais, conversas sobre o dia a dia e sobre como suco de uva deveria ser substituído por vinho agora que Lili completara quinze anos e tinha cara de dezoito — ou pelo menos quase isso. As três estavam como anos antes bem à vontade, era em momentos como esses em que Lili tinha a certeza de que ninguém estava mais em paz como ela, como tudo ao redor dela. Talvez tudo o que aconteceu mais cedo, até mesmo o corte no dedo alguns minutos atrás enquanto tentava miseravelmente cortar o próprio cabelo rosa, tenha valido a pena. Empolgou-se com o pensamento e sorriu radiante.

O que não durou por muito tempo...

— Você está sentada aí para manter aquecida a cadeira do papai?

A pergunta deixou Lili atônita.

Alguns meses atrás se completaram dois anos desde que o pai dela as deixara, levando consigo trinta dólares e uma muda de roupas velhas. Ainda ao acordar, Lili esperava chegar ao balcão da cozinha e encontrá-lo enfiado em um jornal na categoria sobre política ou ciências, com uma caneca escrito “feliz dia dos pais” em francês cheio de café puro e sem nenhum açúcar para acompanhar, vestido com pantufas rosa e um sorriso radiante quando levantava os olhos para Lili ou para Amy, começava com um simples “bom dia, pequeno raio de sol” e terminava com uma frase marcante de algum cientista que Lili nem se dera o trabalho de pesquisar quem foi ou é, apenas respondia “sim, papai, incrível”. E ela sabia que ele estava rindo dela pela total falta de interesse, porque de alguma forma não conseguiu se apegar aos dotes de artesanato de sua mãe, muito menos as palestras sobre química de seu pai. E a cada nova ideia de visuais, gritos eufóricos quando algum ídolo fazia o quer que seja para deixá-la daquela forma — isso inclui até mesmo a menção do nome dele por pessoas totalmente alheias ao convívio com o mesmo. —... Ela tinha certeza, ele estava orgulhoso. De um modo indeciso. Mas orgulhoso.

E agora nada.

Ele se fora sem deixar nenhuma explicação, sem dar adeus, e uma noite antes de sua partida não teve nem a decência de desejar boa noite. Estava claro para todas ali que havia muita que não sabiam de Daniel Reinhart. Que não faziam ideia de quem era aquele que trouxe tantos sorrisos, mas que pode simplesmente arrancá-los tão rapidamente.

E agora Tess começava a tentar processar tudo, e isso de alguma forma frustrava Lili. Talvez a frustrasse por perceber a intensidade do ocorrido e como tudo refletiu na vida das pessoas ao seu redor. Tess passou meses perguntando onde ele estava e quando iria voltar, Amy vivia de ligações que terminavam em gritaria e celulares arremessados fortemente nas paredes da cozinha. Lili ponderou sobre o quanto aquilo a havia mudado. Não tanto. Na verdade parecia mais um luto, só que uma das fases mais intensas que as outras, raiva.

Ela levou seu olhar a sua mãe, que parou com o garfo na metade do caminho até sua boca. Assim que desceu o garfo, respirou e olhou para Lili de canto em busca de algum apoio.

— Eu não estou aqui para aquecê-la, minha filha. — Fez uma pausa e olhou novamente para Lili. — Estou aqui porque posso, e porque fui eu quem comprou essa cadeira com o meu dinheiro.

Tess pareceu não ligar tanto.

— E, aliás, quem foi que disse que essa cadeira pertencia á ele? — Amy perguntou, não para Tess, mas para todos os ali presentes.

Lili não respondeu, apenas inclinou a cabeça e encarou Tess passar uma colher com um pedaço de peru para de baixo da mesa.

— É que ele sempre sentava aí. — Tess respondeu meio distraída, meio que focando em qualquer outra coisa que parecia estar sendo atrapalhada pelo momento frágil com sua mãe e irmã.

Lili a chutou por debaixo da mesa. A menina grunhiu entredentes e arregalou os olhos para a mãe e irmã, parando sobre Lili.

— Aí! Por que me chutou!?

Lili não respondeu. Apenas a encarou como se estivesse desafiando-a. E Tess aceitou sempre pronta para qualquer afrontamento.

— Ei. — Amy chamou a atenção das duas. — Sem brigas á mesa.

Tess assentiu com a cabeça, enquanto que Lili apenas lançava a ela mais um olhar cauteloso.

Sabia que a irmã não deixaria só por isso, falaria mais, muito mais, falaria muito mais do que precisava ou pelo menos achava que precisava. Tess era a curiosa, sempre atrás dos detalhes de tudo.

— Então por que, afinal, está aí? Só por que pode? — Soltou, o que fez com que Lili levantasse a perna com mais força ainda na intenção de repreendê-la.  Mas que estranhamente resultou em um miado agudo e a já conhecida sensação de pelos macios e grandes nas pontas dos pés de Lili.

Havia acertado em cheio, só que o gato.

Oliver pulou miando sobre o colo de Tess, que gritou fraco com o susto. Tentou empurrar o bichano para debaixo da mesa novamente. Mas era pesado demais para suas fracas mãos.

Lili levantou-se abruptamente na esperança de ajudar a irmã, mas agora o gato já havia subido em cima da mesa e deslizava sobre o prato de Tess! Lançou um olhar á sua mãe, que estava a caminho da fúria e respirando fundo. Sua mão bateu na mesa com força enquanto Oliver pulava em cima do prato principal e seus pelos se arrepiavam com o estrondo.

Lili sentiu seu coração indo parar na garganta tamanho o susto. Os olhos de Tess marejaram vendo como tudo seguiu. O gato desceu da mesa com um pedaço de asa preso nos dentes, derrubando a água e todo o suco, deixando quebrar no chão dois copos e derrubando algumas colheres e vasilhas. Lili prendeu a respiração, e sua mãe perguntou, com a voz inquebrantável e compassada:

— Quem deixou Oliver entrar?

Lili se contorceu severamente por dentro com a resposta rápida e certeira de Tess:

— Lili.

— É mentira! — Lili rebateu.

Amy levantou a mão, em uma ordem de moderação e silêncio.

— Sem mais uma palavra... — Amy desdenhou. Encarou a mesa e olhou para Lili, que suplicava por justiça com as mãos inquietas. — Lili, pro quarto, agora. Leve seu prato.

Lili lhe lançou um olhar incrédulo, tentando negar a si mesma que aquilo realmente estava acontecendo.

— Mas e... — Tentou, mas foi cortada por sua mãe.

— Tess também vai pro quarto, mas antes vai tentar preparar um novo prato para si.

 

Lili estava na esperança de encontrar seu celular com bastante bateria quando Tess entrou no quarto com um sorriso vitorioso no rosto, o que fez Lili revirar os olhos para a irmã.

— O que foi, ganhou na loteria? — Lili debochou.

— Lo’ o quê? Eu só ganhei o último pedaço da sobremesa.

Lili olhou rapidamente para a irmã.

— O qu...

— Feche a boca, Lili. Se não vai precisar de um babador de bebê.

Lili começou a rir debochando.

— Eu? Você é quem ainda usa babador, sua criancinha!

Tess emburrou a cara na direção dela.

— Não uso não, mamãe disse que já sou grandinha pra usar babador!

— Então por que tem um babador em cima da sua mesinha a lado do Sr. Tommy?

Tess deixou de lado o pequeno prato com torta de morango e correu para sua mesa a procura de Sr. Tommy, seu urso de pelúcia favorito. Puxou o babador e o enfiou com força na gaveta velha e desgastada.

— Pelo menos não sou eu quem está com o cabelo rosa feio e decepcionou a mamãe o dia todo hoje. — Desdenhou.

Lili não teve argumento.

Cogitou mandar a irmã calar a boca, mas isso não faria jus a quem procurara se tornar. Lana Turner não mandaria alguém calar a boca nessa situação, ela não se rebaixaria a esse ponto. Levando isso em conta, Lili sentou-se em sua cama e encarou o pôster dos Jonas Brothers ao lado de Eddie Vedder grudado em cima da cabeceira de sua cama. Queria sair dali, ir para qualquer outro lugar... Como a Califórnia.

Ligou seu celular e viu algumas notificações de Cole. Checou:


Lili? Minha mãe me liberou para uma festa na madrugada
com alguns amigos no centro da cidade...

[21:21]
Acabei de descobrir que George vai, estou cogitando levar
um quite de primeiros socorros, ou é muito brega? O cara vai dirigir.
Já te contei o que aconteceu na última vez, não foi?

[21:37]
Vai ter bebidas grátis! Sim, eu vou, está decidido. Como está sendo
o teu natal? Espero que esteja indo bem...

[21:40]

Lili respirou fundo e olhou ao redor, ainda havia crianças do lado de fora da janela brincando. Um grupo de amigos/não amigos também estava em um canto conversando e jogando neve uns nos outros. Ao lado da janela há um espelho no qual ela mesma colocou para lembrar a si mesma o quão radiante é, pegou a dica em um canal para adolescentes fãs de indie rock no YouTube, mas agora, olhando para si, queria poder dar um reset nessa parte da história.
 


Oi... Os clássicos jantares de família acabaram
ainda pouco, e sim, eu lembro o que George fez na última vez :v

[21:58]

Ele respondeu quase que imediatamente:

Lol, o quite de primeiros socorros ainda cai bem?
[21:59]



Nunca fui em uma festa antes, e as daqui são do tipo,
churrascos e encontros no parque com bebidas
contrabandeadas. #Adrenalina!!!

[22:01]

 

Lili sorriu antes de enviar, esperou pela resposta e imaginou se parecia muito infantil falando daquele jeito. Pessoas da idade de Cole normalmente vão para muitas festas, não é? E ela nunca nem viu uma de perto... Ainda.
 


É realmente uma pena, quando você descobrir como
é uma festa de verdade talvez seja tarde demais, enquanto isso,
a carne é pelo menos boa?

[22:05]


Está pensando o quê? Que somos canibais!? Pra falar a verdade
ainda estou em duvida nesse quesito quando olho para os Greens...

[22:05]



Os tão famosos vizinhos zumbis? Não te culpo por isso,
o Facebook do filho mais velho só tem bandas de rock metal
e fotos de cachorros grandes. Além disso ele segue páginas de
cirurgiões, ainda tem alguma dúvida?

[22:06]

LMAO!! Eu tenho até medo. No halloween eles não paravam de
encarar os gêmeos dos Berrys que estavam fantasiados de
zumbis com um cérebro nas mãos. Não mesmo, absolutamente
não tenho dúvidas!

[22:07]


Aqui na minha vizinhança não há nenhuma família
assim. Espero que não sejamos nós!

[22:10]
Como está indo o seu natal? Normalmente você já
começa me contando como foi o seu dia nessas datas
comemorativas, aconteceu algo hoje?

[22:12]

 

Acho que preciso de um chá...
[22:10]


Tenho todo o tempo do mundo, e tenho quase
certeza de que preciso ficar em casa mesmo. Vamos
lá, desabafa.

[22:11]
 

 

 

— [...] Identidade, por favor. — A voz de Cole a tirou de seus devaneios.

— Hãn? — Perguntou, notando a brisa fria batendo contra seu rosto e o carro em movimento.

Eles já haviam chegando tão longe, e ela ainda presa em lembranças. Olhou para Cole e prestou atenção no que estava acontecendo. Estava viajando com o cara que ela só viu algumas poucas vezes na vida. Lembrou-se de Lana Turner e confirmou, com certeza não ela faria isso, mas quem era Lana Turner agora? Lili sempre soubera que Verônica Lake a superava, era sua guia espiritual verdadeira.

Precisava arriscar. Estar no comando. Não que viajar por mais de dez horas de carro quando deveria estar num avião significasse diretamente estar no comando, mas... É algo assim.

— No porta-luvas, pegue minha carteira. — Ele pediu. — Malditos guardas de trânsito.

Lili olhou para frente e avistou. Muitos. Talvez até uma quantidade obscena demais. Quase um engarrafamento, por Deus! A maioria eram motos, inúmeras motos e vários carros de um modelo antigo. Todos parados ao lado de três guardas na frente do Holland Tunnel.

Por que é óbvio que esse é o melhor nome para um Túnel. UM TÚNEL!

Lili se inclinou para olhar pelo retrovisor, e viu muitos outros carros e até ônibus atrás. Voltou-se e abriu o porta-luvas do carro de Cole, pegou a primeira carteira que viu pela frente e a entregou. Quase pensou em abrir antes para ver o que havia dentro. Mas não. Isso ultrapassa todos os níveis de ética que conhece.

Se bem que ela não conhece tantos.

— No que estava pensando? Não pareceu prestar atenção no que falei mais cedo. — Cole comentou.

— Desculpe, foi uma lembrança. — Pensou se deveria comentar com ele sobre o flashback, só para garantir que foi real, que o passado dela realmente pode ser contado e titulado como “passado”. Aquilo realmente passou? Ela era realmente minha eu de quinze anos? — Não, não preciso.

— Não precisa o quê?

Pensou alto demais, o rubor nas bochechas a pega desprevenida.

— Humm, nada. Acabei pensando alto. — Desconversou. — Mas então, é sempre assim por aqui?

Cole parou na frente do guarda de trânsito, mas o guarda apenas fez sinal para que eles continuassem o trajeto. Cole baixou a janela um pouco mais, adentrando o túnel com o rosto impassível.

O silêncio intrigou Lili.

— Não. Devem estar procurando algo específico. Há mais motos do que o normal aqui, deve ser isso.

Lili não tinha o que dizer sobre o assunto, era sempre Crystal quem dirigia nas maiorias das vezes, quando era ela, raramente havia esse tipo de “evento” nas ruas, e alguns anos atrás ela também nem tinha um carro, então apenas comentou:

— Espero que não fique assim por muito tempo.

— Por quê? Vai voltar por aqui daqui alguns minutos?

Lili espremeu um sorriso ao ver o de canto que ele lhe lançará.

— Eu tenho empatia, sabia?

— Sim, sei.

É óbvio que ele sabe.

Quer dizer, é algo que as pessoas normalmente devem saber, não? Lili tentou não fazer disso um grande evento, mas ainda sim tinha um S de surreal nisso tudo.

— Sabe de uma coisa mais? — Lili se lembrou.

Cole levantou uma sobrancelha.

Ela continuou:

— Você ainda estava enrolando sobre a história das caixas.

Lili pode ver o colo de Cole subindo e descendo com a respiração intensa, ele sorriu indiferente.

— Eram todas da minha mãe.

Assim que ele começa, Lili quer enfiar a cabeça em algum lugar, se esconder de todo mundo. Era por isso que ele estava enrolando, só podia ser por isso!

Deus! Como fui burra, lamentou a si mesma.

Cole continuou:

— Ela tinha uma coleção de músicas clássicas e discos antigos, Michael Jackson, Marvin Gaye, Village People e vários outros dos quais eu não me lembro o nome. Era fascinada e sempre me chamava pra dançar com ela no meio da sala ou até mesmo na cozinha. Ela tentou fortemente manter preservada a velha vitrola que tinha herdado de sua mãe. Mas você sabe, o meu pai...

— Sim. — Lili o cortou.

— Então, ela guardou todas naquelas caixas. — Ele pareceu organizar os pensamentos antes de continuar: — Certo, não foram exatamente naquelas caixas, com o tempo elas se desgastaram e eu tive que comprar umas novas. Organizei tudo de acordo com o que eu me lembrava, e ainda acho que tem um ou dois vinis na caixa errada.

Lili se sentiu bem com ele falando tão abertamente sobre isso, perguntou-se se ele já falara sobre isso assim com alguém antes, e sim, isso com certeza não ajudou em nada. É claro que já havia falado. Cole é super comunicativo, Lili não é nenhuma presença mágica. Sabe muito bem como é a sensação, a perda. De certa forma, ela sabe.

— E quanto ás cores?

— Não sei. — Ele respondeu, simplesmente.

Lili olhou para ele intrigada.

— Como assim não sabe? — Ela se assustou com um carro passando em alta velocidade ao lado deles ainda dentro do túnel. — Olha, eu percebi que as caixas tem tons de branco diferentes, até aí ok, mas por que exatamente?

Cole apenas deu de ombros, aparentemente focando em alguma outra coisa.

— Tem que ter alguma explicação, sempre tem.

— Você parece tensa, são apenas caixas, certo? — Ele sorri de canto mais uma vez.  — Ela sempre me explicava, mas eu não prestava atenção enquanto tentava adivinhar os nomes das músicas conforme iam tocando. Eu... — Ele limpa a garganta. — acho que tem algo haver com memória.

Lili levanta as sobrancelhas com um tanto de surpresa, mas logo vê que talvez seja melhor não forçar. Algumas coisas não precisam mesmo ser explicadas, tem quase certeza de que isso é uma dessas coisas.

— Ok, então...

Ela para, quando se depara com o fim do túnel.

De repente sente a necessidade de voltar no tempo, mais ou menos próximo ao fim do Holland Tunnel, só para sentir aquela tão famosa sensação de saída e talvez até mesmo transformação, que fora posta diante de um simples despertar. Foi como uma mudança de cenário, uma transição inesperada. Em um momento estava no túnel, prestando atenção nos dedos de Cole batucando no volante, e no outro prestando atenção nos cones derrubados no meio da rua.

— O que será que aconteceu aqui? — Pergunta, enquanto observa latas de lixo transbordando, literalmente. Há muito lixo no chão, e tinta também.

— Protestos. Uma empresa grande de algumas ruas ali atrás estava envolvida em corrupção.

— Como sabe disso?

— Jornal. — Ele responde.

E só.

Lili passou as próximas quatro horas — certo, talvez tenham sido apenas uma hora, ou uma e meio, quem sabe? — tentando focar em algo, um pensamento mais objetivo. Mas sua mente dava voltas e mais voltas, uns turbilhões de coisas giravam em sua mente e ela logo se sentiu cansada. E o pior, desconfortável. Cole não falava uma palavra se quer, ela muito menos. Pensou se deveria pedir para ligar o rádio, não faria mal, faria? Mas não fez, apenas ficou girando o anel em seu próprio dedo.

Começou a sentir sua respiração pesada, tratou de ordenar a si mesma a controlá-la. Muito silêncio. Muito barulho. Nada para focar. Muita coisa pra processar.

Sua mente parece ter se acendido de repente, como ela não pode pensar nisso antes? Ainda estava com celular, ela deduziu, enquanto abriu o primeiro bolso de sua bolsa. Não. Não estava ali. Mas sim na mala pequena no banco de trás, tinha o guardado ali ainda em Nova Iorque.

Ela não iria se levantar, nem pensar. Também não iria pedir para Cole parar o carro apenas para pegar seu celular, desnecessário. Estava quase rezando aos deuses para achar um motivo — de preferência, um irrecusável. — para ter que pegar o celular. O céu já estava escurecendo, um tom de bronze e roxo recobria o céu, algumas estrelas e a lua já podiam ser vistas em determinadas áreas. Era uma cena linda, mas a sequência prédios, carros, pontes, prédios, carros, pontes, prédios, carros, pontes, préd — vocês entenderam... — já estavam lhe causando náuseas.

Dozes horas.

Talvez ele quisesse descansar mais tarde, talvez não. Ainda resta o talvez, mas Lili não quer arriscar.

— E então, sobre o volante... — Ela tentou.

— Nem pensar.

Lili ficou chocada com a objetividade de Cole.

— Qual o problema? Eu sei dirigir, para sua informação.

— É claro que sabe.

 

Lili sorriu, ficou sem forças para discutir, terminaria isso mais tarde.

Olhou para o relógio em seu pulso, definiu alguns minutos de descanso, era suficiente. Deu mais uma olhada á sua frente, um bando de pássaros voavam e planavam no céu como um cardume de sardinhas no mar. Em baixo, poucos carros agora trafegavam pelas ruas, antônimo de alguns minutos atrás, considerado horário nobres.

Lili ajeitou suas costas no banco do passageiro, olhou para Cole o flagrou levando uma de suas mãos até o rádio. Abaixou o volume deixando-o em 15% e selecionou um álbum dos Journey.

Don’t Stop Believin’ começou a tocar bem baixo, a melodia serviu de ancora para Lili, mas não para ficar acordada, e sim para turbinar a ideia de fechar os olhos e descansá-los.

 

 

 


Notas Finais


Já comecei a escrever o próximo, vou tentar não demorar muito.
Cuidem da saúde mental de vocês, até a próxima! ❤


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