História In Your Eyes (EraserMic) - Vinte e Cinco...

Carreguei Kaminari pacientemente até o chalé. Ele estava branco feito papel e suas pernas tão moles quanto gelatina. Carregá-lo não foi um incomodo, ele até mesmo era bem leve. Eu não estava nem um pouco chateado por ter de ficar ali com ele, na verdade até preferia. Não gostava muito de pegar sol e a areia da praia me incomodava bastante.

—Se sabia que passa mal com viagens longas, devia ter tomado um remédio. – Reclamei, ajudando-o a se sentar em uma espreguiçadeira na área externa do chalé, na qual ele praticamente se desmanchou.

—É a primeira vez que passo mal. – Murmurou fraco, fechando os olhos por um breve espaço de tempo e tentando controlar a respiração. – Não vai adiantar pegar remédio com a enfermeira, ela já me deu um e não funcionou.

—Espere um pouco, vou trazer algo que vai ajudar. – Deixei-o ali, entrando no chalé e indo direto para a cozinha, reunindo alguns ingredientes em uma mistura que me trazia um sentimento nostálgico. Retornei com um copo que entreguei ao loiro. Ele olhou desconfiado e cheirou o que tinha dentro.

—O que é isso? Pelo cheiro eu vou vomitar ainda mais. – Fez uma careta, encarando o líquido esbranquiçado, quase transparente.

—Para de frescura e bebe logo, cabeça de ameba. Vai ajudar seu estômago a se acalmar. – Observei-o sorver a bebida com uma careta, mas mesmo a contra gosto, acabou tomando tudo.

—Argh, isso é nojento! Agora que tomei, dá pra me dizer o que era?

—Nada de mais, apenas água, sal e goma. – Respondi, dando de ombros e sentando na espreguiçadeira ao seu lado. A brisa vinda do bosque amenizava bastante o calor que fazia e assombre da casa impedia os raios do sol de nos atingirem. – Minha mãe fazia para mim quando eu passava mal.

Denki ficou algum tempo em silencio, seu olhar vagando por qualquer lugar distante o qual eu não podia ver. Então ele piscou e levantou a íris douradas para o céu de fim de tarde.

—É a primeira vez que você fala dela. Da sua mãe.

Eu também passei a observar o céu sobre nós. As nuvens eram poucas e o horizonte começava a ganhar um leve tom de rosa. Ao contrário do que eu pensava, pensar em conversar sobre a minha mãe com Kaminari não me deixava desconfortável. Parecia até mesmo algo natural.

—Ela era boa de mais para esse mundo. – Falei baixo, me lembrando de seu enorme sorriso, do quanto eu me sentia acolhido em seu abraço e do quando seu perfume de jasmim me confortava. Denki não fez qualquer pergunta ou comentário, mesmo assim senti a necessidade de falar. – Ela e meu pai se conheceram na faculdade e sempre me contava o quanto foi difícil arrancar um sorriso daquela “cara emburrada” dele. Ela era professora de artes numa escola infantil e estava sempre coberta de tinta colorida. Por algum motivo mantinha o cabelo pintado num tom de verde marca-texto que chamava atenção de longe e que sempre me fazia correr até ela.

—Ela parece ter sido mesmo uma mulher incrível.

—Um tempo depois que ela morreu, nós fomos limpar o quarto dela. Eu encontrei uma caixa de sapato com produtos para descolorir e tingir o cabelo. A tinta verde dominava, mas uma bisnaguinha diferente me chamou a atenção, com um bilhete na caligrafia horrível da minha mãe escrito “Talvez eu devesse tentar >:)”

—E desde então você pinta o cabelo de roxo.

—Sim. Eu sei que é um motivo idiota, mas eu sinto como se ela estivesse por perto. – Senti minhas bochechas esquentarem levemente. Eu sabia que Denki não riria de mim, como qualquer outra pessoa faria após ouvir aquela história.

—Não é idiota, se você se sente bem com isso, não precisa se preocupar com o que os outros vão pensar. – Nosso olhos se encontraram e eu pude ver o quanto sério o loiro estava. - E o roxo combina com você. Realça seus olhos e tal.

Nós rimos juntos, até ele soltar um resmungo sobre seu estômago doer. Com o passar do tempo, Denki acabou melhorando do enjoo e conseguiu comer alguma coisa no jantar, se animando mais. E tão rápido quanto se animou, também apagou na cama, do dormitório que dividiríamos com Iida e Ojiro.

—Não te vi na praia hoje, Hitoshi... – Comentou o rapaz de olhos puxados, que estava sentado na cama de cima da beliche, assim como eu. A luz do poste era a única que pouco iluminava o quarto.

—Eu estava cuidando do cabeça de ameba aqui embaixo.

—Vocês dois ficaram amigos bem rápido né? É legal te ver com outras pessoas, mas não esquece da gente. – Ele riu e coçou a nuca. – Bom, amanhã vamos fazer um “Hyaku monogatari”, quer participar? Vai ser divertido.

—Pode ser. Concordei, sem dar muita importância. Não acreditava em espíritos e assombrações mesmo.

—Ótimo. Chama ele pra participar também. – Fiz que sim com a cabeça e Ojiro me deu boa noite, finalmente se deitando.

Eu tentei dormir. De diversas formas, mas não consegui. Mesmo a noite estando fresca e agradável, não consegui pregar os olhos. Suspirei pesado, deixando o lençol de lado e descendo a escadinha. Espiei pela porta antes de sair para não ser pego pelos monitores e deixei o quarto, caminhando com o mínimo de barulho até a varanda e me sentando lá, encarando o céu noturno, pontilhado de milhares de estrela, tantas quantas nuca tinha visto antes.

“Preciso mostrar isso ao Denki” Foi a primeira coisa na qual pensei e o que fez meu rosto aquecer e minha mão ir parar no peito. Há tempos que eu havia reparado no quanto sua companhia me fazia bem e no quanto mexia comigo. Não era quanto intenso quanto o que eu senti por Midoriya, mas era mais agradável e reconfortante. Também já tinha reparado em seus olhares e no quanto ele se desconsertava com seus próprios comentários inicialmente inocentes, mas que as vezes podiam contar um pouco de malícia.

Sorri, fechando os olhos pro carinho suave da brisa e pensando no quanto eu realmente queria que o loiro estivesse ali agora.

—Atrapalho? – A voz suave e baixa de Midoriya me fez abrir os olhos. Ele se sentou ao meu lado e passou a observar as estrelas também. – Te vi passando pelo corredor quando estava saindo do banheiro e resolvi seguir. Faz um tempo que não conversamos, não é?

Limitei-me a assentir e voltar a olhar para cima. Não era por opção minha que tínhamos praticamente parado de nos falar, até mesmo por mensagens. Midoriya estava sempre com o ruivo grudento e só tinha tempo para ele, mas eu não ligava mais para aquilo, tinha Denki e meus amigos agora, não precisava me humilhar por um mínimo de atenção.

—Queria me desculpar por não ter sido um bom amigo pra você nos últimos tempos. – Começou e eu pude sentir o peso de seu olhar sob mim, mas não tirei meus olhos do céu. – Eu meio que me empolguei de mais por estar gostando de alguém e acabei deixando todo o resto de lado. Até minhas notas caíram. – Um sorrisinho desajeitado surgiu em seu rosto e finalmente passei a encará-lo

—Tá tudo bem. – Respondi, mantendo minha inexpressão. – Meio que isso foi necessário, conheci umas pessoas legais.

—Eu vi! Reparei que o pessoal da sala está falando bastante com você agora, principalmente o Ojiro! E tem aquele menino da turma D também né, sempre vejo vocês dois juntos.

—Sim... – Falei, sem ter muito o que dizer. Talvez aquele fosse o momento de por um ponto final nessa história. – Sabe Midoriya, eu gostava de você. – Pude ver os olhos do menor se abrirem como pratos. – Eu gostava de você como você gosta do Todoroki. Eu tinha ciúmes dele e fiquei com raiva quando me contou do beijo que deram, mesmo sabendo que a culpa era minha por não ter contado como me sentia. Fiquei chateado quando simplesmente me deixou de lado para ficar com ele. Mas sabe? Eu não ligo mais. Tem alguém de quem eu gosto mais agora e dessa vez não vou deixa-la escapar diante dos meus olhos. Espero que você e aquele ruivo oxigenado sejam felizes, de verdade.

Midoriya me encarava totalmente perplexo quando me levantei, batendo a poeira da roupa e caminhando de volta para dentro.

—Boa noite, Midoriya. – Desejei, verdadeiramente, com um pequeno sorriso no rosto. Um peso deixou meus ombros e eu senti que naquele momento tinha definitivamente superado aquela história. Estava na hora de virar a página para o capítulo seguinte.