O corpo menor se mantinha inclinado sobre o maior, a mão segurava com firmeza a lâmina ensanguentada, enquanto seu olhar transitava pelo tédio sempre presente nas orbes da azulada.
Talvez fosse a forma como eles eram levemente caídos que os dessem aquele ar entediado, ou talvez as pequenas olheiras que criassem essa impressão. Contudo, aquele olhar tinha seu charme e Íris não perderia a oportunidade de os observar bem de perto.
O cheiro do sangue aos poucos preenchia o cômodo, assim como os rostos se tornavam mais próximos por desejo e vontade da menor.
Os olhos amendoados tinham um ar totalmente oposto aos de Eva, tinham um brilho e vivacidade mordazes, uma faísca indecifrável de quem ainda tem muito a se conquistar e a desvendar.
Eram olhos de quem tinha uma alegria e empolgação que beirava o infantil, mas que ao mesmo tempo eram centrados e decididos, que miravam em um objetivo.
E a mais alta percebeu naquele momento que era ela o objetivo da vez. Podia ver com seu próprio olhar a vontade quase palpável que reluzia nas orbes castanhas.
Eva soltou o ar em seus pulmões em uma lufada desesperada, seu estômago revirando em nervosismo, queria fugir ao mesmo tempo em que havia caído nas artimanhas da menor.
Estava presa da forma mais literal possível, além de estar com seu ego em jogo. Ceder, seja para os lábios ou para a dor, era entregar o jogo, era perder e assumir a própria derrota.
Ceder definitivamente não estava em seu vocabulário, nem mesmo para exceções, independente do quão bonitas, fofas ou engraçadas fossem.
Nem mesmo se possuissem encantadores olhos ou sutis, encantadoras e quase imperceptíveis manchinhas sobre o nariz e parte das bochechas que davam um charme indescritível.
— O que tanto pensa, corvinha? Você está tão concentrada e quieta — murmurou a de fios rosados, as palavras se despejando contra a boca da outra.
— Uma forma de me soltar e mostrar com quem você está mexendo — retrucou Eva, seu corpo se remexendo com brusquidão, puxando seus braços tentando se soltar, a corda fina de aço parecia presa a parede.
— Boa sorte, corvinha. Vai precisar de muito mais para se soltar. Até lá deixo você escolher o que prefere — afirmou a rosada, sua mão trazendo a lâmina ensanguentada para perto do rosto da de fios azuis, tocando o fio contra a bochecha alheia. — Cooperar comigo ou que eu arranque tudo o que eu puder de você. O que escolhe?
Eva forçou seus braços com mais intensidade para baixo, sentindo a corda apertar seus pulsos e esfregar contra sua pele, fazendo-a arder pela fricção, contudo, a maior não parou e tornou suas tentativas de fugir.
A menor fez um leve biquinho e se ajeitou sobre o corpo da outra, forçando seu peso sobre seu estômago e apoiando seus pés sobre os ombros da azulada.
— Você pode tentar o quanto quiser, mas uma corda de aço não é tão fácil assim de quebrar. Seria mais simples se você se rendesse — explicou Íris, seus sapatos empurrando a mulher para baixo.
— Nunca vou me render a você — retrucou Eva, a pele de seus pulsos já começava a sangrar com a fricção arranhando-lhe a epiderme, seus braços se forçavam ainda mais para baixo. — E quem disse que eu quero quebrar a corda?
Íris deu uma risada alta daquela afirmação, um sorriso divertido se fazendo presente em seu rosto. Seu olhar se dirigiu para a parte que ligava a corda a parede, notando que aquela parte começava a ceder com os puxões da outra.
A rosada girou a adaga em suas mãos e jogou ainda mais seu peso sobre Eva, a lâmina se voltando para o corpo da maior, pronta para ser crava em qualquer parte dela.
Contudo, quando desceu a arma, o pedaço da parede cedeu e Eva conseguiu erguer seu tronco, suas mãos ficando mais livres para se mover.
Seus dedos envolveram a lámina, impedindo que a arma atingisse alguma outra região de seu corpo, podia sentir sua palma arder e sangrar pelo fio cortando a área, entretanto não soltou.
Com um impulso jogou a adaga para longe, fazendo o sangue respingar por todo o chão, inclusive nelas mesmas, e aproveitou a proximidade para agarrá-la pela roupa, puxando-a para o lado, derrubando-a com tudo contra a região plana e dura do cômodo.
— Quem está rindo agora, Íris? — provocou a de madeixas azuladas, sua respiração ofegante pelo exercício, seu coração pulsando agitado com a adrenalina correndo em suas veias. — Parece que te peguei.
— Parece que sim. Não contava que era tão forte assim para arrancar um pedaço da parede na força bruta. — Íris riu ainda mais, seus olhos mantendo o ar empolgado e divertido de antes. — Mas você ainda está com a corda em seus pulsos.
Após esse apontamento, a menor agarrou o fio de aço e a puxou para si, fazendo a outra recair sobre seu corpo. O sorriso brilhando em uma travessura infantil.
— Só eu sei onde estão as chaves para tirá-las de você — comentou enquanto passava suas duas pernas pelo quadril da outra, colando seus corpos em questão de segundos.
Eva grunhiu baixo pela proximidade e tentou se afastar, mas a menor parecia grudada em si, além de uma das mãos dela a manter perto segurando a corda em seus pulsos feridos, puxando-os e fazendo os machucados sangrarem ainda mais.
Estava novamente presa por causa da menor e era frustrante se encontrar na mesma situação em tão pouco tempo, era como se fosse previsível demais e a mais baixa estivesse um passo a sua frente.
A saliva escorreu por sua garganta, assim como o seu sangue quente escorria de sua palma e cortes recentes. Suas mãos se fecharam em punho e pensou em mover em um único solavanco forte, de forma que Íris não pudesse aguentar a abrupta movimentação e conseguisse a acertar desse jeito.
Juntou toda a força em seu interior e se preparou para atacá-la quando o som de uma explosão alta se fez presente e sentiu o prédio abandonado estremecer.
— O que foi isso? Estamos sob ataque? — questionou a de fios azulados, seu corpo se erguendo em um movimento preciso e abrupto, o que fez a menor lhe soltar.
As duas seguiram para a janela verificando o que havia acontecido, notando uma pequena construção em frente totalmente destruída.
— Parece que seu amigo não bate muito bem das ideias — disse Íris apontando para baixo onde dava para ver a figura de Matteo parado e encostado em uma das paredes do prédio.
— O que ele está aprontando agora? — Eva bufou baixo e se afastou da janela, andando pelo cômodo até a porta, a corda de aço presa em seus pulsos se arrastando pelo chão com o pequeno pedaço da parede grudado.
Íris deu uma risada ao ver a maior arrastando a corda de aço consigo e a seguiu, acompanhando os passos duros e apressados enquanto deslizava pelo local.
— Não te incomoda andar com isso preso em seus pulsos? — questionou a rosada, seu corpo se posicionando a frente da outra, deslizando de costas enquanto a observava.
— Nem um pouco. — respondeu erguendo levemente os braços. — Isso aqui não é nada. Não faz nem cócegas.
— Há poucos segundos atrás parecia muita coisa para você — falou a rosada mostrando a língua e rindo em seguida.
— Era só uma técnica para fazer você baixar a guarda. — Eva revirou levemente os olhos e continuou com os passos apressados, descendo os lances de escada o mais veloz que podia com Íris em seu encalço.
— Não acho que funcionou tão bem assim, mas sua tentativa foi muito boa, fiquei surpresa quando conseguiu soltar da parede — falou a rosada pulando sobre a mais alta, passando seus braços e pernas pelo tronco magro, mas que tinha seus músculos.
— O que pensa que está fazendo se pendurando em mim? Me larga — pediu a maior, suas mãos tentando tirar os braços alheios de seu entorno, mas apenas conseguiu deixá-la manchada pelo sangue em sua palma.
— É complicado descer escadas com esses sapatos, posso escorregar e assim é mais seguro — explicou, seu corpo se grudando mais as costas da de madeixas azuis, seu rosto repousando em seu ombro.
— Não sou um burro de carga... — reclamou se apressando em descer mais rápido para se livrar da menor em si.
Eva podia sentir a respiração quente da rosada bater contra seu pescoço e um estranho arrepio percorria seu corpo toda vez que aquilo acontecia.
As mãos menores se agarraram mais ainda em um abraço apertado, tornando a proximidade entre elas maior, o calor transitando tranquilamente entre os dois corpos.
Eva respirou fundo, seu coração batendo arritmico naquele momento, o exercício em descer os extensos degraus se tornando mais denso, pesado e difícil, não pelo peso da menor em si, mas sim pela presença tão marcante em sua cola.
Ao chegar do lado de fora do prédio, logo alcançou Matteo, vendo-o mexer no braço robótico, seus dedos bons girando as ferramentas, fazendo os ajustes que precisava.
— O que aconteceu aqui? Ficou louco de vez e resolveu explodir a vizinhança? — perguntou Eva voltando a tentar tirar Íris de cima de si, dessa vez com êxito já que a menor havia decidido se soltar.
— Foi mal, te acordei? — provocou o moreno com certa ironia. — Estava testando as bombas-projéteis, ainda faltam alguns ajustes na concentração da explosão e no recuo.
— Engraçadinho, mas para o seu conhecimento, eu não estava dormindo — replicou a de fios azulados, seus olhos passeando pelo braço robótico, notando as três aberturas para balas na última falange dos dedos. — Você vai usar três saídas de projéteis? Se com uma só já fez esse estrago...
— Não, cada saída dessas vai ser um tipo de projétil. Um de bombas, o outro de bala normal e o último ainda não decidi.
— Já pensou em projéteis envenenados? — sugeriu Íris se aproximando saltitante e levantando o braço robótico, observando seu design mais arredondado. — parece que resolveu me ouvir e deixar minimamente mais bonito.
— Não entendo o suficiente para fazer algo assim... E não te ouvi, só acabou ficando desse jeito. — O moreno deu de ombros e voltou sua atenção para o braço robótico, desmontando uma das partes e a rearranjando no conjunto.
— Para sua sorte, eu entendo bastante — pontuou a menor empolgada, suas mãos tornando a puxar o braço robótico para si, mantendo-o na altura de seus olhos. — Não é difícil fazer do tamanho exato.
— E o que vai querer em troca? Não creio que faça algo de graça.
— Já disse algumas vezes, mas quero que me ajudem também. Principalmente o seu namorado — respondeu a rosada, o enorme sorriso em seu rosto.
— Ele não é meu namorado e a resposta é não. Não pretendo te ajudar.
— Mesmo que nossos objetivos caminhem para direções semelhantes? Ainda assim diria não? — sugeriu a menor.
— E qual o seu objetivo? — interpelou Eva enquanto observava o corte em sua palma, o sangue quase totalmente seco ali.
— Conhecimento puro e genuíno do que se passa lá no alto — respondeu a mulher baixinha, seu olhar recaindo sobre o duto de lixo ao longe.
— Não sei onde seu objetivo se encontra com o meu.
— Você quer vingar aqueles que perdeu, não quer? Entender de onde o gatinho veio e o porquê. Se me ajudarem vão alcançar isso e muito mais.
— E o que teriamos que fazer para te ajudar?
— Que bom que perguntou, corvinha — falou a menor se aproximando da de madeixas azuis, passando seus braços pelo dela e seu queixo em seu ombro. — Existem algumas facções na cidade e tenho que chegar a quem está no topo, para isso preciso do máximo de poder de destruição possível.
— Por que não faz sozinha? Se envenená-los sem ser percebida não vai ser um problema.
— Porque demora, não é? As toxinas são feitas não para matar de uma vez, mas para fazer uma morte lenta e o mais dolorosa possível — respondeu Matteo antes mesmo que a rosada pudesse dizer algo.
— Tem razão. Minha forma de atacar seria inútil se me pegassem ou se mesmo envenenados tentassem contra-atacar... Além do gatinho ser um ponto fora da curva... Se existir outros como ele sob o domínio deles, não sei o que poderia acontecer.
— Realmente seria algo perigoso... Não sabemos qual o limite do Bakeneko em questão de força ou defesa, o quão destrutivo ou resiliente ele pode ser — comentou Matteo terminando os ajustes necessários em seu braço robótico. — Ter algo semelhante a ele como inimigo seria arriscado demais.
— É uma possibilidade mínima que existam outros iguais ao gatinho por aqui, se houvessem e caíssem nas mãos erradas, talvez Unova já não existisse mais.
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